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Microeconomia2Grad_NA2_ES

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Microeconomia 2 Notas de Aula
MICROECONOMIA 2 – GRADUAÇÃO
Departamento de Economia, Universidade de Braśılia
Notas de Aula 2 – Teoria da Escolha Social
Prof. José Guilherme de Lara Resende
1 Escolha Social
1.1 Introdução
A teoria da Escolha Social lida com o problema de agregar preferências individuais em uma
preferência social. Ela analisa a questão de como um grupo ou uma sociedade decide coletivamente.
Normalmente essa decisão é por meio de uma regra de agregação das preferências ou escolhas
individuais. É desejável que essa regra satisfaça certos critérios de caráter normativo. Por exemplo,
podemos exigir que a regra de escolha social seja tal que se todos em uma sociedade preferem a
alternativa x à alternativa y, então a regra social resulte sempre em x prefeŕıvel a y (critério de
unanimidade de Pareto). O principal resultado deste tópico é o Teorema de Impossibilidade de
Arrow. Varian (2012), caṕıtulo 33 (“O Bem-Estar”), constitui uma referência para essa seção.
Definições:
• Alternativa: descrição completa de um estado social;
• X: conjunto finito de alternativas, todas excludentes;
• I: tamanho do grupo ou sociedade (número de indiv́ıduos);
• Preferências individuais �i completas e transitivas sobre as alternativas;
• Grupo de preferências: lista das preferências de todos os indiv́ıduos do grupo.
Definição: Preferência Social. Uma relação de preferência social �S é uma relação binária
sobre X. Representamos por �S e ∼S as relações de preferência estrita e indiferença derivadas de
�S, respectivamente.
Relembrando a notação de preferências, temos que:
• x �S y: (a alternativa) x é socialmente tão boa quanto a y;
• x �S y: (a alternativa) x é socialmente melhor que y;
• x ∼S y: (a alternativa) x é socialmente indiferente a y.
Sabemos que axiomas sobre preferências consistem em hipóteses sobre o comportamento in-
div́ıdual e cada axioma tem um significado preciso. Vamos supor que a preferência �i de todo
indiv́ıduo i satisfaz os dois axiomas abaixo:
• Axioma de Completeza: Para quaisquer alternativas x e y em X, ou x �i y ou y �i x (ou
ambos).
• Axioma de Transitividade. Para quaisquer alternativas x, y e z em X, se x �i y e y �i z
então x �i z.
José Guilherme de Lara Resende 1 NA 2 – Escolha Social
Microeconomia 2 Notas de Aula
O axioma de “completeza” diz que o indiv́ıduo é sempre capaz de comparar duas alternativas
quaisquer do conjunto X. Portanto, se ele tiver que escolher entre x e y, ele dirá qual alternativa
prefere (ou se é indiferente entre elas). O axioma de transitividade é crucial para a escolha do
indiv́ıduo ser logicamente coerente. Se esse axioma não for satisfeito, pode não ser possivel dizer
qual é a alternativa preferida pelo indiv́ıduo. Por exemplo, suponha um indiv́ıduo que ordene as
alternativas x, y, e z da seguinte maneira não-transitiva: x � y, y � z e z � x. Neste caso não é
posśıvel determinar a alternativa preferida do indiv́ıduo.
Definição: Regra de Escolha Social (RES). Uma regra de escolha social (ou mecanismo de
decisão social) f é uma função que associa cada grupo de preferências individuais a uma preferência
social. Logo:
(�1,�2, · · · ,�I)︸ ︷︷ ︸
I indiv́ıduos
7→
f
�S
Então f associa a cada conjunto particular de preferências individuais uma ordenação social,
de acordo com o que a regra estabelecer.
1.2 Caso de Duas Alternativas: Teorema de May
Suponha apenas duas alternativas a serem escolhidas, representadas por x e y. Para cada
indiv́ıduo i, podem existir apenas três casos: 1) x �i y, 2) x ∼i y, e 3) y �i x. Então, a preferência
de cada indiv́ıduo pode ser descrita pela função Di definida como:
Di = 1 se x �i y
Di = 0 se y ∼i x
Di = −1 se y �i x
Uma regra de escolha social para o caso de duas alternativas pode então ser vista como um mapa
que leva cada vetor com as preferências de todos os indiv́ıduos sobre x e y (sendo que é posśıvel se
declarar indiferente às duas alternativas), denotado por (D1, D2, . . . , DI), a uma preferência social
DS. Seja o conjunto U = {−1, 0, 1}. No caso de apenas duas alternativas, a regra de escolha social
f pode ser definida como uma função com domı́nio no produto cartesiano U I e contradomı́nio U
(f : U I → U), de modo a associar cada grupo de preferências individuais (D1, D2, . . . , DI) à escolha
social DS, de acordo com o que a regra f especificar:
U × U × U × · · · × U︸ ︷︷ ︸
I indiv́ıduos)
7→
f
U
Exemplo: Votação Majoritária. Seja αi ≥ 0, para todo i = 1, . . . , I, um sistema de pesos.
Definimos f como:
f(D1, . . . , DI) = sign
(
I∑
i=1
αiD
i
)
,
onde sign : R → R é a função definida por sign(a) = 1 se a > 0, sign(a) = 0 se a = 0 e
sign(a) = −1 se a < 0. Se αi = 1 para todo i, f representa a regra de votação majoritária:
f(D1, . . . , DI) = sign
(
I∑
i=1
Di
)
.
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Para a regra de votação majoritária vale que:
f(D1, . . . , DI) = 1 ⇔ #(i : x �i y) > #(i : y �i x)
f(D1, . . . , DI) = 0 ⇔ #(i : x �i y) = #(i : y �i x)
f(D1, . . . , DI) = −1 ⇔ #(i : x �i y) < #(i : y �i x) ,
em que #(i : x �i y) denota o número de pessoas que preferem estritamente x a y e #(i : y �i x)
denota o número de pessoas que preferem estritamente y a x.
Logo, a regra de votação majoritária decide que x é socialmente prefeŕıvel a y se o número de
pessoas que preferem (estritamente) x a y for maior do que o número de pessoas que preferem
(estritamente) y a x. No caso de o número de pessoas que preferem y a x for maior do que o
número de pessoas que preferem x a y, então y será socialmente prefeŕıvel a x. Finalmente, se
os dois grupos de pessoas, que preferem x a y e que preferem y a x tiverem o mesmo número
de pessoas, então x e y serão socialmente indiferentes. Na prática, quando isto ocorrer, existirá
alguma regra para a escolha entre x e y. Por exemplo, se houver empate no número de votos para
presidente do Brasil no segundo turno de votação, então será escolhido o candidato mais idoso (ver
artigo 77 da Constituição Federal).
Vamos discutir propriedades que podem ser impostas sobre a função f de bem-estar social. Cada
propriedade tem um significado intuitivo de caráter normativo. Por exemplo, o critério Paretiano
abaixo é simples e é razoável exigir que uma regra de escolha social o satisfaça.
Definição: Critério Paretiano (Unanimidade). f(·) satisfaz o critério Paretiano se f(1, . . . , 1) =
1 e f(−1, . . . ,−1) = −1.
O critério Paretiano apenas exige que no caso em que todos na sociedade preferem estritamente
a mesma alternativa, a preferência social também irá preferir estritamente esta alternativa. A regra
ditadorial, definida no exemplo abaixo, satisfaz esse critério.
Exemplo: Defina f por f(D1, . . . , DI) = Dh. O indiv́ıduo h é chamado ditador, pois a sua
preferência determina a escolha social (αi = 0, ∀i 6= h, αh = 1, no exemplo anterior). Observe que
a regra ditadorial satisfaz o critério Paretiano.
May (1952) elaborou 4 condições que uma regra de escolha social f deve satisfazer quando
existem apenas 2 alternativas. Abaixo apresentamos essas condições formalmente. É fundamental
entender o conteúdo econômico de cada condição. A primeira diz que a regra deve ser decisiva,
isto é, que qualquer que seja o grupo de preferências dos indiv́ıduos considerado, a regra leve
a uma preferência social (que pode ser indiferença entre x e y). A segunda condição, simetria
ou anonimato, estabelece que todos os indiv́ıduos recebem o mesmo peso na regra. A terceira
condição estabelece que as duas alternativas devem ter o mesmo status quo, nenhuma alternativa
recebe a priori um peso maior na regra. Finalmente, a quarta condição estabelece que se para um
determinado grupo de indiv́ıduos, a escolha social for a alternativa x ou a indiferença entre as duas
alternativas, e se um indiv́ıduo mudar de posição em direção à alternativa x (istoé, se antes ele
preferiria y, agora ele é indiferente entre x e y ou passa a preferir x, ou se antes ele era indiferente
entre x e y, ele passa a preferir x estritamente), e todos os outros indiv́ıduos continuam com as
mesmas preferências de antes, então a regra de escolha social resultará em x estritamente prefeŕıvel
a y.
José Guilherme de Lara Resende 3 NA 2 – Escolha Social
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Condição 1: Decisiva. A função f de bem-estar social é bem definida e assume um único valor
para todo elemento de U I .
Condição 2: Simetria ou Anonimato. A função f trata todos os indiv́ıduos de modo igual,
ou seja, temos que f(D1, . . . , DI) = f(Dπ(1), . . . , Dπ(I)), onde π : {1, . . . , I} → {1, . . . , I} é uma
permutação dos indiv́ıduos (π é uma bijeção).
Condição 3: Neutralidade entre as alternativas. A função f trata as duas alternativas de
modo igual, ou seja, temos que f(D1, . . . , DI) = −f(−D1, . . . ,−DI).
Condição 4: Resposta Positiva. Se para um certo grupo de preferências individuais, a alter-
nativa y não era escolhida, e se pelo menos um indiv́ıduo muda a sua preferência na direção de x,
então x passa a ser escolhido. Logo, temos que se D = f(D1, . . . , DI) ≥ 0 e D̃i = Di para todo
i 6= i0, e D̃i0 > Di0 , então f(D̃1, . . . , D̃I) = 1.
Teorema de May. A função de bem-estar social f é de votação majoritária se, e somente se, é
decisiva, simétrica, neutra entre as alternativas e de resposta positiva.
O Teorema de May não só garante que a regra de votação majoritária é decisiva, simétrica,
neutra entre as alternativas e de resposta positiva (parte mais fácil de verificar), mas também que
se uma regra de decisão for decisiva, igualitária, neutra entre as alternativas e de resposta positiva,
então ela necessariamente será a regra de votação majoritária (parte mais dif́ıcil de verificar). Logo,
o Teorema de May constitui uma caracterização completa da regra de votação majoritária.
1.3 Paradoxo de Condorcet (Paradoxo da Votação)
No caso de apenas duas alternativas, o requerimento de a regra social ser transitiva não é
relevante. Se tivermos três ou mais alternativas, transitividade passa a ser importante. O requisito
de transitividade exige uma coerência na escolha social que nem sempre será satisfeita, mesmo que
todas as preferências individuais sejam completas e transitivas.
Vamos estender a regra de votação majoritária vista acima do seguinte modo. A regra de
votação majoritária aos pares estabelece que todos os pares posśıveis de alternativas são postos em
votação, um par por vez. Em cada rodada, o vencedor da votação será a alternativa socialmente
prefeŕıvel. Logo, se colocarmos em votação as alternativas x vs y, se x tiver mais votos, então
x �S y. Se tiverem o mesmo número de votos, x ∼S y. E se y tiver mais votos, y �S x.
Definição: Vencedor de Condorcet. Dizemos que uma alternativa é um vencedor de Condorcet
se ela ganhar de todas as outras alternativas na votação majoritária aos pares.
Considere o seguinte exemplo bem simples, com apenas três alternativas, x, y e z, e três in-
div́ıduos, 1, 2 e 3. As preferências dos três indiv́ıduos estão resumidas na tabela abaixo:
Posição Indiv́ıduo 1 Indiv́ıduo 2 Indiv́ıduo 3
Primeira x y z
Segunda y z x
Terceira z x y
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Existem três combinações de pares para a votações majoritária, que levam aos resultados abaixo:
x vs y ⇒ x �S y
y vs z ⇒ y �S z
x vs z ⇒ z �S x
⇒ x �S y, y �S z, z �S x︸ ︷︷ ︸
�S não é transitiva!
Ou seja, mesmo que todas as preferências individuais sejam transitivas, pode ocorrer que a regra
de escolha social leve essas preferências individuais a uma preferência social intransitiva. Para o
grupo de preferências acima, não existe um vencedor de Condorcet. Regras de escolha social que
levem a preferências socias não transitivas podem trazer problemas de manipulação de agenda,
como discutiremos a seguir.
Suponha que a regra de escolha social é tal que, no caso de três alternativas x, y e z, se a agenda
de votação for (x, y, z), então primeiro vota-se x vs y, e depois vota-se o vencedor dessa primeira
votação contra z. Podemos ter três agendas de votação diferentes, levando aos resultados abaixo
para o caso das preferências apresentadas na tabela acima:
(x, y, z) : x vs y ⇒ x ganha, x vs z ⇒ z ganha
(y, z, x) : y vs z ⇒ y ganha, y vs x ⇒ x ganha
(z, x, y) : z vs x ⇒ z ganha, z vs y ⇒ y ganha
Logo, para o grupo de preferências descrito acima, quem define a agenda de votações define a
alternativa vencedora.
Observe que o exemplo acima exige que as preferências dos indiv́ıduos sejam de conhecimento de
todos. Isso possibilita votação estratégica, em que não é mais do interesse de um ou mais eleitores
revelar corretamente as suas verdadeiras preferências, votando na sua alternativa preferida.
Por exemplo, suponha que o indiv́ıduo 1 define a agenda de votação. Ele decide implementar a
agenda (y, z, x), que leva a escolha de x, sua alternativa preferida. Essa é a pior alternativa para
o indiv́ıduo 2. Se este decidir na primeira rodada de votação, entre y e z, votar em z, z passa
a ser escolhido em vez de y. Na segunda rodada de votação, a alternativa x será preterida e z
será escolhida. Logo, o indiv́ıduo 2, ao revelar incorretamente a sua preferência, consegue afetar
o resultado e fazer com que a sua segunda melhor alternativa, z, seja escolhida no lugar da sua
terceira melhor alternativa, x.
Logicamente, a análise se complica: os outros eleitores podem também decidir votar estrategi-
camente, não revelando corretamente suas preferências. Nesse caso, devemos analisar o problema
de votação como um jogo e procurar por equiĺıbrios de Nash. Observe que a discussão acima mostra
que a situação em que o indiv́ıduo 1 define a agenda (y, z, x) e todos votam de acordo com suas
preferências verdadeiras não é um equiĺıbrio de Nash (mais especificamente, vimos que o indiv́ıduo
2 revelar corretamente sua preferência não é a melhor resposta quando os eleitores 1 e 3 revelam
suas preferências verdadeiras).
Não vamos nos aprofundar mais na questão de comportamento estratégico agora. O ponto prin-
cipal que desejamos enfatizar é o de que, em situações onde existam três ou mais alternativas, a
regra de votação majoritária aos pares pode associar preferências sociais não transitivas a determi-
nados conjuntos de preferências individuais que são todas completas e transitivas. Essas situações
podem gerar problemas como manipulação de agenda e votação estratégica. Vamos investigar se
existe alguma regra de escolha social que não incorra nesses problemas e satisfaça certas propri-
edades, como levar sempre a preferências sociais completas e transitivas. O Teorema de Arrow
responde essa questão.
José Guilherme de Lara Resende 5 NA 2 – Escolha Social
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1.4 Teorema de Arrow
O Teorema de Arrow (Arrow, 1951) verifica a existência de uma regra de escolha social que
agregue as preferências individuais de “modo satisfatório”. As condições do Teorema de Arrow
são exigências de caráter normativo sobre a regra de escolha social f que gera a decisão do grupo
analisado, �S= f(�1, . . . ,�N). Note que f associa a cada grupo de preferências individuais uma
preferência social, ou seja, (�1, . . . ,�N) 7→
f
�S. Os pressupostos do Teorema de Arrow são discutidos
abaixo.
Domı́nio Irrestrito (ou Universal). O domı́nio de f inclui todas as combinações posśıveis de
preferências sobre o espaço de alternativas X.
Essa condição impõe sobre a regra social f a capacidade de associar qualquer grupo de pre-
ferências individuais a uma preferência social. Portanto, o mecanismo de escolha social é válido
qualquer que seja o grupo de preferências individuais considerado.
Prinćıpio Fraco de Pareto. Para qualquerpar de alternativas x e y tal que x �i y para todo
indiv́ıduo i, então x �S y.
Essa condição impõe um critério de unanimidade no mecanismo de escolha social. Podemos
definir outros criterios de unanimidade (por exemplo, com preferências fracas).
Não-Ditadorial. Não existe indiv́ıduo h tal que se x �h y então x �S y, quaisquer que sejam as
preferências dos outros indiv́ıduos que não h.
Essa condição elimina a possibilidade de um ditador na sociedade. Isso não exclui o fato de que
a escolha social coincida, para um certo grupo de preferências, com a ordenação de algum ou de
alguns indiv́ıduos.
Independência das Alternativas Irrelevantes (IAI). Sejam dois conjuntos de preferências
individuais (�1, . . . ,�I) e (�̃1, . . . , �̃I), que são levados pela regra de escolha social f às preferências
sociais �S= f(�1, . . . ,�I) e �̃S = f(�̃1, . . . , �̃I) e sejam x e y duas alternativas quaisquer em X.
Se cada indiv́ıduo ordena x versus y em �i do mesmo modo que ordena x versus y em �̃i então o
ordenamento social de x versus y será o mesmo em �S e em �̃S.
A IAI é a mais sutil das condições do Teorema de Arrow. Ela impõe à regra de escolha social a
propriedade de que o ordenamento entre duas alternativas dependa apenas dessas duas alternativas,
e que não seja afetado por nenhuma outra alternativa diferente de x e y. Vamos discutir um exemplo
para deixar essa condição mais clara.
Mecanismo de Escolha de Borda. A regra de escolha social de contagem de Borda pode tomar
diversas formas. O mecanismo de contagem de Borda consiste em cada indiv́ıduo i reportar a sua
preferência, como numa votação em lista. Dáı associamos um número ci(x) para a alternativa x
para cada alternativa x ∈ X e para cada indiv́ıduo i. Calculamos a pontuação de Borda c(x) para
a alternativa x como:
c(x) =
I∑
i=1
ci(x)
A preferência social é definida comparando as pontuações de Borda de todas as alternativas.
José Guilherme de Lara Resende 6 NA 2 – Escolha Social
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Por exemplo, suponha que ci(x) = n, onde n é a posição de preferência de x para i. Por
exemplo, se c1(x) = 2, então x é a segunda alternativa preferida do indiv́ıduo 1. Vamos supor
por enquanto que os indiv́ıduos ordenam todas as alternativas de modo estrito, para simplificar a
exposição. Neste caso, a regra de escolha da contagem de Borda é definida por:
x �S y ⇔ c(x) =
I∑
i=1
ci(x) ≤
I∑
i=1
ci(y) = c(y)
É posśıvel mostrar que regras de escolha social do tipo contagem de Borda:
• Levam sempre a preferências sociais completas e transitivas;
• São de domı́nio irrestrito (podemos lidar com empates facilmente);
• Satisfazem o prinćıpio fraco de Pareto,
• Não são ditadoriais.
Porém, a contagem de Borda não satisfaz o critério de independência das alternativas irrele-
vantes, pois o ordenamento social de duas alternativas pode depender do posicionamento de outras
alternativas, como o exemplo a seguir ilustra.
Exemplo: Suponha dois indiv́ıduos, 1 e 2, e três alternativas, x, y e z. Considere duas posśıveis
situações para as preferências dos dois indiv́ıduos:
Situação A:
x �1 z �1 y ⇒ c1(x) = 1, c1(y) = 3
y �2 x �2 z ⇒ c2(x) = 2, c2(y) = 1
}
⇒ x �S y
Situação B:
x �1 y �1 z ⇒ c1(x) = 1, c1(y) = 2
y �2 z �2 x ⇒ c2(x) = 3, c2(y) = 1
}
⇒ y �S x
Nas duas situações, os ordenamentos individuais entre x e y são os mesmos. Porém, o
mecanismo de Borda resulta em ordenamentos sociais entre x e y distintos, devido à presença da
alternativa z. Logo, z não é sempre irrelevante quando definimos o ordenamento social de x e y
segundo a regra de escolha social de contagem de Borda. Isso significa que essa regra não satisfaz
a hipótese de independência das alternativas irrelevantes.
Arrow (1951) mostrou que o fato de a contagem de Borda não satisfazer IAI não é por acaso. O
Teorema de Arrow prova que quando existem três ou mais alternativas, não existe nenhuma regra
de escolha social que leve sempre a ordenamentos sociais completos e transitivos e que satisfaça as
condições elencadas acima.
Então, supondo três ou mais alternativas, como é posśıvel mostrar que o mecanismo de Borda
leva sempre a preferências completas e transitivas, é de domı́nio universal, satisfaz o prinćıpio fraco
de Pareto e não é ditadorial, o Teorema de Arrow implica que esse mecanismo não pode satisfazer
a condição de independência das alternativas irrelevantes.
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Teorema da Impossibilidade de Arrow (versão I). Se existem pelo menos três alternativas
em X, então não existe regra de escolha social f que resulte sempre em uma preferência social
�S completa e transitiva e tal que satisfaça as condições de domı́nio universal, prinćıpio fraco de
Pareto e independência das alternativas irrelevantes e que seja não-ditadorial.
Teorema da Impossibilidade de Arrow (versão II). Se existem pelo menos três alternativas
em X, então a única regra de escolha social f que resulta sempre em uma preferência social �S
completa e transitiva e tal que satisfaça as condições de domı́nio universal, prinćıpio fraco de Pareto
e independência das alternativas irrelevantes é a regra de escolha social ditadorial.
O Teorema de Arrow possui uma conclusão negativa: é imposśıvel esperar que uma sociedade
se comporte com a mesma coerência que podemos esperar de um indiv́ıduo racional (no sentido de
preferências completas e transitivas). Esse problema de coerência mostra que detalhes institucionais
e procedimentos do processo poĺıtico são importantes. Ou seja, tomadas de decisões em grupo podem
gerar resultados arbitrários e manipulação. O processo instituticional pode e deve constituir uma
restrição a esses problemas.
Diversos autores da área de ciência poĺıtica incorporaram o resultado de Arrow em suas análises
(por exemplo, ver Shepsle and Boncheck (1995); Austen-Smith and Banks (1996)). Além disso,
estes autores passaram a utilizar ferramentas como teoria dos jogos para auxiliar essas análises.
José Guilherme de Lara Resende 8 NA 2 – Escolha Social
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1.5 Função de Bem-Estar Social
Vamos agora proceder de modo diferente com respeito ao problema de escolha social. Suponha
que cada indiv́ıduo tenha uma utilidade definida sobre o conjunto das alternativas existentes. Vamos
representar a utilidade do indiv́ıduo i sobre a alternativa x por ui(x).
Definição. Uma função de bem-estar (FBE) W é uma função definida sobre as funções de utilidade
individuais, W = W (u1, . . . , uI).
Se W for crescente em cada um dos seus argumentos, então quanto maior o ńıvel de utilidade,
maior o valor de W . Neste caso dizemos que W é uma função de bem-estar social (FBES).
Exemplos:
• FBES utilitarista ou de Bentham:
W (u1, . . . , uI) =
I∑
i=1
ui .
• FBES da soma ponderada das utilidades :
W (u1, . . . , uI) =
I∑
i=1
aiui , com ai ≥ 0 ∀ i.
• FBES Rawlsiana:
W (u1, . . . , uI) = min{u1, . . . , uI}.
• FBES com elasticidade de aversão à desigualdade constante:
W (u1, . . . , uI) = (a1u
ρ
1 + a2u
ρ
2 · · ·+ anuρn)
1/ρ ,
com ai ≥ 0 ∀ i, e 0 6= ρ < 1.
As FBES dependem da representação usada para a utilidade individual. Sabemos que a uti-
lidade de um indiv́ıduo não é única: qualquer transformação crescente dela representao a mesma
ordenação, ou seja, a mesma pessoa. Porém, ao utilizarmos determinada forma funcional de uma
FBES, estamos assumindo que é posśıvel fazer comparações entre funções de utilidades de indiv́ıduos
diferentes.
Suponha que a alternativa x defina uma cesta de consumo para cada indiv́ıduo, x = (x1, . . . ,xI).
Suponha também que cada indiv́ıduo i tenha uma dotação inicial ei. Se a utilidade de cada in-
div́ıduo i depende da alocação x para todos os indiv́ıduos, então existem externalidades de consumo:
o bem-estar de uma pessoa depende não somente do que ela consome, mas também do que os outrosconsomem. Vamos supor a partir de agora de que a utilidade de uma pessoa depende apenas da sua
própria cesta: ui(xi), para todo i = 1, . . . , I. Neste caso dizemos que W (u1(x1), u2(x2), . . . , uI(xI))
é uma FBES individualista ou de Bergson-Samuelson.
José Guilherme de Lara Resende 9 NA 2 – Escolha Social
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6
-
u2
u1
Conjunto de
Possibilidade
de Utilidade
Curva de Isobem-Estar
sMáximo da FBES W
Considere o seguinte problema de maximização:
max
x
W (u1(x1), u2(x2), . . . , uI(xI)) s.a.
∑
i
xi =
∑
i
ei,
onde W é uma FBES. Como toda FBES é crescente, então a alocação ótima será Pareto eficiente.
As curvas de indiferença de W são chamadas curvas de isobem-estar. A figura acima ilustra esse
problema graficamente.
Mais ainda, qualquer alocação Pareto eficiente pode ser o resultado da maximização de alguma
FBES. Em particular, se maximizarmos a FBES da soma ponderada das utilidades variando os
pesos ai, obtemos qualquer ponto da FPU como solução ótima. Para que este resultado seja válido,
é necessário que o conjunto de possibilidade de utilidades seja convexo.
Observe então que existe uma relação estreita entre FBES e alocações eficientes: toda solução
de um problema de maximização de uma FBES crescente é eficiente e toda alocação
eficiente é solução de um problema de maximização de bem-estar social, para uma
FBES apropriada.
Referências
Arrow, K. (1951). Social choice and individual values. New York: John Wiley.
Austen-Smith, D., & Banks, J. (1996). Positive political theory. Ann Arbor: University of Michigan
Press.
May, K. O. (1952). A set of independent necessary and sufficient conditions for simple majority
decision. Econometrica, 20:4 , 680-684.
Shepsle, K., & Boncheck, M. (1995). Analysing politics. New York: W. W. Norton.
Varian, H. (2012). Microeconomia – uma abordagem moderna (8a edição). Elsevier/Editora
Campus.
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Exerćıcios
1. Mostre que a regra de votação majoritária aos pares, conforme definida em sala, satisfaz as
propriedades de anonimato, neutralidade entre as alternativas e resposta positiva.
2. Mostre que uma regra de escolha social que satisfaz as propriedades de resposta positiva e
neutralidade entre as alternativas satisfaz a seguinte propriedade:
Propriedade de Resposta Negativa. Se D = f(D1, . . . , DI) ≤ 0 e D̃i = Di
para todo i 6= i0, e D̃i0 < Di0 , então f(D̃1, . . . , D̃I) = −1.
Interprete intuitivamente a propriedade acima.
3. Considere uma eleição com 3 candidatos, A, B e C, e quatro eleitores, onde as preferências
desses eleitores é descrita na seguinte tabela, em ordem decrescente de preferência:
Eleitor 1 Eleitor 2 Eleitor 3 Eleitor 4
A A B C
B B C B
C C A A
Assuma que o método de votação é dado pela contagem de Borda (votação em lista). Suponha
que ninguém vote estrategicamente.
a) Calcule um sistema de pesos para o sistema de Borda onde o candidato A ganha, se tal
sistema de pesos existir.
b) Calcule um sistema de pesos para o sistema de Borda onde o candidato B ganha, se tal
sistema de pesos existir.
c) Considere o sistema de pesos calculado para o item b). Existe algum incentivo para
algum eleitor votar estrategicamente?
4. Considere as seguintes regras de votação:
Regra de Copeland: Fixe uma alternativa, digamos x. Compare essa alternativa
x com toda outra alternativa y. Em cada comparação, agracie 1 se a maioria
prefere x a y, −1 se a maioria prefere y a x e 0 se ocorre empate. Some os pontos
de todas as comparações da alternativa x. Repita esse procedimento para toda
alternativa existente. A alternativa com a maior soma (Copeland score) é o vencedor
de Copeland.
Regra de Simpson: Fixe uma alternativa, digamos x. Para toda outra alternativa
y, calcule o número N(x, y) dos eleitores que preferem (fracamente) x a y. O score
de Simpson para a alternativa x é o menor N(x, y) em y
(
min
y
N(x, y)
)
. Repita
esse procedimento para toda alternativa existente. A alternativa com o maior score
de Simpson é o vencedor de Simpson.
Regra de Borda Modificada: Cada eleitor ordena as cinco alternativas da mais
preferida à menos preferida (sem empates). A alternativa ordenada por último
recebe 0 pontos, a quarta recebe 1 ponto, a terceira recebe 2 pontos, a segunda
recebe 3 pontos e a primeira recebe 4 pontos. Some os pontos de todos os eleitores.
A alternativa com maior pontuação é o vencedor de Borda.
José Guilherme de Lara Resende 11 NA 2 – Escolha Social
Microeconomia 2 Notas de Aula
Considere a seguinte ordenação (estrita) de preferências, entre 9 eleitores e cinco alternativas:
Número de eleitores: 1 4 1 3
a c e e
b d a a
c b d b
d e b d
e a c c
a) Identifique os vencedores de Copeland e de Simpson.
b) Calcule o vencedor de Borda para o critério acima. Compare o vencedor de Borda com
o vencedor de Copeland.
c) Encontre três sistemas de pesos positivos (diferentes de zero) para uma regra do tipo de
Borda tal que o primeiro eleja c, o segundo eleja b e o terceiro eleja d.
5. Verifique quais condições do Teorema de Arrow as regras de escolha social listadas abaixo
satisfazem. Argumente de modo convincente caso a regra satisfaça alguma condição e forneça
um contra-exemplo caso contrário.
a) Votação majoritária aos pares;
b) Votação majoritária normal;
c) Regra ditadorial;
d) Contagem de Borda.
6. Argumente de modo convincente que se existem apenas duas alternativas, a regra de votação
majoritária satisfaz as hipóteses do Teorema de Arrow.
7. Considere uma eleição com quatro candidatos, A, B, C e D e cinco eleitores, onde as pre-
ferências desses eleitores são descritas na seguinte tabela, em ordem decrescente de preferência:
Eleitor 1 Eleitor 2 Eleitor 3 Eleitor 4 Eleitor 5
A A B C D
B D C B B
C C A D C
D B D A A
Assuma que a regra de escolha social é definida pela maioria simples, onde cada eleitor vota
em apenas uma das alternativas e a alternativa mais votada é a escolhida.
a) Suponha que ninguém vote estrategicamente, ou seja, cada eleitor seleciona a sua alter-
nativa preferida. Qual é a alternativa eleita?
b) Mostre que para as preferências exibidas na tabela acima, existe possibilidade de voto
útil, ou seja, algum ou alguns eleitores selecionarem uma alternativa diferente da sua
preferida.
c) Qual ou quais condições do Teorema de Arrow o sistema de votação descrito acima não
satisfaz? Justifique a sua resposta.
José Guilherme de Lara Resende 12 NA 2 – Escolha Social
Microeconomia 2 Notas de Aula
8. (P1-1/2019) Existem três indiv́ıduos na sociedade, {1, 2, 3}, três alternativas, {A,B,C}, e o
domı́nio das preferências é irrestrito. Suponha que a relação de preferência social, �S, é dada
por votação majoritária, ou seja, cada indiv́ıduo escolhe uma das alternativas, coloca em uma
urna, onde contam-se o número de votos e é escolhida a alternativa com maior número de
votos (se ocorrer empate, então o indiv́ıduo 1 escolhe a alternativa preferida, em um voto de
minerva), ordenando as alternativas seguintes pelo número de votos recebido. Assuma que
cada indiv́ıduo conhece as preferências de todos os outros eleitores.
(a) Considere o seguinte conjunto de preferências, onde �i denota a relação de preferência
estrita de i:
Indiv́ıduo 1: A �1 B �1 C
Indiv́ıduo 2: B �2 C �2 A
Indiv́ıduo 3: C �3 A �3 B
Se todos os três indiv́ıduos votarem na sua alternativa preferida, qual será escolhida?
(b) Existe algum indiv́ıduo que tem incentivo para voto útil, ou seja, para votar não na
alternativa preferida, mas sim em outra?
(c) Quais das hipóteses do Teorema de Arrow são satisfeitas pela regra de votação acima?
Quais não são satisfeitas? Argumente de modo claro e sucinto.
9. (JR) Suponha que existam três indiv́ıduos numa sociedade, {1, 2, 3}, três alternativas, {x, y, z},
e que a regra de escolha social f é a votação majoritária aos pares, com domı́nioirrestrito,
de modo que a qualquer indiferença obtida é resolvida votando x primeiro do que y e depois
z, se a regra resultar em uma preferência social transitiva. Se a regra não resultar numa
preferência social transitiva, então o ordenamento social será x �S y �S z.
(a) Considere o seguinte grupo de preferências individuais:
Indiv́ıduo 1: x �1 y �1 z
Indiv́ıduo 2: y �2 z �2 x
Indiv́ıduo 3: z �3 x �3 y
Qual é o ordenamento social neste caso?
(b) Qual seria a preferência social se em (a) a preferência de 1 fosse y �1 z �1 x? E se fosse
z �1 y �1 x?
(c) Argumente que f satisfaz o prinćıpio fraco de Pareto.
(d) Prove que f não é ditadorial.
(e) Conclua que f não satisfaz IAI usando o Teorema de Arrow.
(f) Mostre diretamente que f não satisfaz IAI criando dois grupos de preferências e obtendo
a preferência social de cada um deles de modo que viole IAI.
José Guilherme de Lara Resende 13 NA 2 – Escolha Social

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