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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS THALES ROMÃO MAGOGA A CRISE DAS INSTITUIÇÕES DE BRETTON WOODS E A EMERGÊNCIA DE NOVOS ARRANJOS MULTILATERAIS NO ÂMBITO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: DO BANCO DO BRICS ÀS PLATAFORMAS PARALELAS DE COOPERAÇÃO EM ASSUNTOS FINANCEIROS MARÍLIA 2017 THALES ROMÃO MAGOGA A CRISE DAS INSTITUIÇÕES DE BRETTON WOODS E A EMERGÊNCIA DE NOVOS ARRANJOS MULTILATERAIS NO ÂMBITO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: DO BANCO DO BRICS ÀS PLATAFORMAS PARALELAS DE COOPERAÇÃO EM ASSUNTOS FINANCEIROS Monografia apresentada ao Conselho de Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP –, Campus de Marília, para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais. Área de Concentração: Economia Política Internacional Orientação: Prof. Dr. Marcos Cordeiro Pires. MARÍLIA 2017 THALES ROMÃO MAGOGA A CRISE DAS INSTITUIÇÕES DE BRETTON WOODS E A EMERGÊNCIA DE NOVOS ARRANJOS MULTILATERAIS NO ÂMBITO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: DO BANCO DO BRICS ÀS PLATAFORMAS PARALELAS DE COOPERAÇÃO EM ASSUNTOS FINANCEIROS Monografia apresentada ao Conselho de Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP –, Campus de Marília, para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Área de Concentração: Economia Política Internacional BANCA EXAMINADORA Orientador: Prof. Dr. Marcos Cordeiro Pires – UNESP 2º Examinador: Prof. M. a Thaís Caroline Lacerda Mattos – UNESP 3º Examinador: Prof. Dr. Tullo Vigevani - UNESP Marília, 17 de abril de 2017. A minha mãe, Rosana, por ensinar-me o real significado de amor, força e carinho; A meu pai, Helio, pelo exemplo diário de dedicação, comprometimento e honestidade; A minha irmã, Thaís, pelo aprendizado compartilhado. AGRADECIMENTOS A confecção desta monografia se constituiu como o maior desafio por mim enfrentado ao longo de minha vida acadêmica até o presente momento, do qual eu jamais teria saído como vencedor sem o incomparável suporte de meus pais, amigos, amigas, professores e professoras. Por estes motivos, agradeço, em primeiro lugar, a meus amados pais, Helio e Rosana, que me apoiaram não apenas durante os anos de graduação em Relações Internacionais com descomunal amor, dedicação, paciência, sacrifícios, sensatez e compreensão de minhas escolhas, como também desde o início de minha formação intra e interpessoal, mostrando-me, sempre, o caminho da honestidade, da razão e da justiça. Sou extremamente feliz por tê-los em minha vida e tenho pleno conhecimento do grande privilégio que é ser filho de vocês. A minha amada irmã Thaís, a meus estimados amigos André, Lucas, Marcos e Victor e às queridas amigas Mariana, Isadora, Lucineia e Simone, por caminharem ao meu lado neste percurso árduo e cheio de precipícios. Ao caríssimo professor Dr. Marcos Cordeiro Pires, por quem nutro profundo respeito, por me apresentar ao fascinante universo da Economia Política Internacional, pelas conversas pessoais e pelos incansáveis debates sobre as atuais conjunturas política e econômica mundiais; ao ilustríssimo Professor Dr. Tullo Vigevani, pelo apoio extraordinário a mim direcionado durante o desenvolvimento da pesquisa do programa PIBIC, e à prezada Professora M. a Thaís Caroline Lacerda Mattos, por gentilmente aceitar o convite para participar desta Banca de avaliação. Agradeço também aos demais professores e professoras desta Universidade, aos colegas e funcionários da Unesp. Gratifico, ademais, os docentes que me auxiliaram desde minha tenra infância até a etapa pré-vestibular. Vocês são parte essencial deste conquista. Declaro, por fim, que saio desta instituição com uma bagagem pessoal, humana e intelectual muito maior e mais valiosa que eu pudesse um dia ter imaginado, sem me esquecer, todavia, de que ainda tenho muito a crescer e aprender durante esta jornada. Agradeço também ao Estado de São Paulo e a todos os contribuintes desta unidade federativa, responsáveis pelo financiamento do ensino público gratuito e de qualidade praticado na Unesp. Apresento sinceros votos para que a universidade pública no Brasil seja espaço cada vez mais amplo e plural para debate, desenvolvimento de ideias e produção de conhecimento e, mais importante, impacte positivamente a sociedade. Agradeço, por fim, ao programa CNPq/PIBIC pelo financiamento de projeto de pesquisa que resultou nesta monografia. Os fenômenos monetários não deixam ninguém indiferente. Eles intrigam e inquietam todo mundo. Por um lado, a moeda é cercada de tal aura de mistério que sua manipulação e seu estudo parecem, para o leigo, atividades esotéricas, domínios fora do alcance de sua compreensão. Por outro lado, a moeda é a realidade social que penetra mais intimamente na vida privada de cada um, que dilacera as amizades mais sólidas, que desintegra as resoluções morais mais aguerridas. Diante da face enigmática da moeda, os economistas e os políticos não estão em posição mais vantajosa do que o homem comum. (Aglietta e Orléan, 1990). Imaginar que exista algum mecanismo de ajuste automático e funcionamento perfeito que preserve o equilíbrio, bastando para isso que confiemos nas práticas do ‘laissez-faire’ é uma fantasia doutrinária que desconsidera as lições da experiência histórica sem apoio em uma terra sólida. (John Maynard Keynes) A CRISE DAS INSTITUIÇÕES DE BRETTON WOODS E A EMERGÊNCIA DE NOVOS ARRANJOS MULTILATERAIS NO ÂMBITO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: DO BANCO DO BRICS ÀS PLATAFORMAS PARALELAS DE COOPERAÇÃO EM ASSUNTOS FINANCEIROS Resumo: O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do BRICS e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) constituem-se como as mais recentes instituições multilaterais para financiamento de projetos de desenvolvimento internacional. O Arranjo Contingente de Reservas (CRA) do BRICS e as Iniciativas de Multilateralização de Chiang Mai (CMIM), por sua vez, caracterizam-se como novas plataformas de prevenção a crises de liquidez, compondo o quadro de segurança internacional contra ameaças cambiais. Criadas a partir do descontentamento e da sub-representação dos países emergentes e em desenvolvimento nas instituições tradicionais de Bretton Woods - como o FMI e o Banco Mundial - as primeiras realizarão suas operações na esfera financeira, enquanto as últimas terão seus exercícios limitados ao domínio monetário do sistema. À vista disso, o presente trabalho se preocupa com a possibilidade de que estas novas iniciativas de concessão de crédito internacional ao desenvolvimento e de prevenção a déficits no Balanço de Pagamentos desafiem a ordem hegemônica do sistema monetário e financeiro internacional, no qual a moeda estadunidense – o Dólar – se apresenta como principal reserva de valor e meio de pagamento mundiais. A hipótese sobre a qual a presente pesquisa se sustenta acredita que estas novas movimentações não alterariam a ordem vigente, muito embora disponham de capacidades para ampliar a participação dos países sub-representados nos processos decisórios dentroda mesma hierarquia para salvaguarda de seus interesses. Para a verificação desta hipótese, realizamos uma breve retomada dos fundamentos históricos e teóricos a respeito do desenvolvimento do sistema monetário-financeiro internacional, seguida de análises dos documentos fundacionais destas novas instituições a partir de fontes primárias e secundárias de pesquisa exploratória bibliográfica e documental, com a finalidade de levantar elementos que nos auxiliem na obtenção dos resultados. Palavras-Chave: Sistema Monetário e Financeiro. Bretton Woods. FMI. NBD. ACR. AIIB. Dólar. THE CRISIS OF THE BRETTON WOODS‟ INSTITUTIONS AND THE EMERGENCY OF NEW MULTILATERAL ARRANGEMENTS IN THE FIELD OF THE DEVELOPING COUNTRIES: FROM THE BRICS BANK TO THE PARALLEL PLATFORMS OF COOPERATION IN FINANCIAL AFFAIRS Abstract: The BRICS-led New Development Bank (NDB) and the Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB) are the most recent multilateral institutions to finance international development projects. The Contingent Reserve Arrangement (CRA) of the BRICS and the Chiang Mai Initiative Multilateralisation (CMIM), in turn, are characterized as new platforms for preventing liquidity crises, composing the international security framework against foreign exchange threats. Created from the discontent and the under-representation of emerging and developing countries in traditional Bretton Woods institutions - like the IMF and the World Bank - the first will conduct its operations in the financial sphere, while the latter will have their exercises limited to the monetary domain of the system. Thus, the present work is concerned with the possibility that these new initiatives to grant international credit for development and to prevent deficits in the Balance of Payments challenge the hegemonic order of the international monetary and financial system, in which the US currency - the Dollar - presents itself as the main value reserve and means of payment worldwide. The hypothesis on which the present research is based believes that these new movements would not alter the existing order, even though they have the capacity to increase the participation of the under-represented countries in the decision-making processes within the same hierarchy to safeguard their interests. To verify this hypothesis, we make a brief resumption of historical and theoretical foundations regarding the development of the international monetary-financial system, followed by analyzes of the foundational documents of these new institutions from primary and secondary sources of exploratory bibliographical and documentary research, with The purpose of raising elements that help us in obtaining the results. Keywords: Financial and Monetary System. Bretton Woods. IMF. NDB. CRA. AIIB. Dollar. . LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADB Asian Development Bank AIIB Asian Infrastructure Investment Bank ASEAN Association of Southeast Asian Nations BCE Banco Central Europeu BM Banco Mundial BNDs Bancos Nacionais de Desenvolvimento BP Balanço de Pagamentos BRICS Bloco composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul BSA Bilateral Swap Arrangement CAF Corporación Andina de Fomento CIPS Cross-Border Interbank Payment System / China International Payment System CMI Chiang Mai Initiative CMIM Chiang Mai Initiative Multilateralization CNAPS China National Advanced Payment System CRA Contingency Reserve Arrangement DES Direitos Especiais de Saque EBRD European Bank for Reconstruction and Development EMDE Emerging Markets and Developing Economies EUA Estados Unidos da América EURIBOR European Inter-Bank Offered Rate FED Federal Reserve System FMI Fundo Monetário Internacional GPO United States Government Publishing Office IBRD International Bank for Reconstruction and Development ICBA Inter - Central Bank Agreement IDA International Development Association IMF International Monetary Fund IFC International Financial Cooperation LIBOR London Inter – Bank Offered Rate MW Megawatt NAB New Arrangements to Borrow NDB New Development Bank OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONU Organização das Nações Unidas PBOC People´s Bank of China PIB Produto Interno Bruto QE Quantitative Easing RMB Renminbi SDR Special Drawing Rights S&P Standard and Poor’s SRF Silk Road Fund SWIFT Society for Worldwide Interbank Financial Telecomunication UCRG Universal Credit Rating Group LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Diferença entre as escalas de investimento em infraestrutura necessária e existente, aos países emergentes e em desenvolvimento, em trilhões de dólares (US$) ........ 41 Figura 2 – gastos correntes anuais em infraestrutura dos países emergentes e em desenvolvimento (por fonte de financiamento) ........................................................................ 42 Figura 3 – Investimentos em Infraestrutura por Banco Multilateral de Desenvolvimento, 1950-2013 ..................................................................................................................................... 43 Figura 4 – Necessidade anuais em infraestrutura de economias emergentes e em desenvolvimento, por região, setor e fase ................................................................................. 44 Figura 5 – Demanda por investimento em Infraestrutura X Financiamento vigente ao subconjunto dos países EMDE incluídos na estimativa .......................................................... 49 Figura 6 – Demanda por investimento em Infraestrutura X Financiamento vigente ao subconjunto dos países EMDE* incluídos na estimativa ........................................................ 50 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Tabela 1 – Comparação dos Resultados das Reformas do FMI (em %) ............ 30 Tabela 2 – Demandas para investimento em infraestrutura, dispêndios reais e lacunas de financiamento anuais em Dólares para o período de 2014 a 2020 – para os mercados emergentes e economias em desenvolvimento .......................................................................... 51 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15 2. FUNDAMENTOS HISTÓRICOS A RESPEITO DA FORMAÇÃO DO SISTEMA MONETÁRIO-FINANCEIRO INTERNACIONAL .............................................................. 18 2.1 O Regime de Bretton Woods e o Dólar Flexível .................................................................... 18 2.2. Sub-representação dos Emergentes frente à Rigidez Estrutural na distribuição de poder das Entidades Tradicionais ................................................................................................................. 26 2.3. Institucionalização e Multilateralismo Emergente ................................................................ 28 3. ANÁLISE DOCUMENTAL SOBRE AS RECENTES INICIATIVAS DE FINANCIAMENTO MULTILATERAL AO DESENVOLVIMENTO ................................ 34 3.1. Necessidades de Investimento em Infraestrutura em Países Emergentes ...................... 38 3.1.1. Definições Terminológicas .......................................................................................... 39 3.1.2. Estimativas Recentes ................................................................................................... 40 3.1.3. Abordagem Metodológica ........................................................................................... 45 3.1.4. Resultados Obtidos ......................................................................................................48 3.2. O Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS: o Acordo de Fortaleza ......................... 52 3.2.1. Objetivo e Funções ...................................................................................................... 53 3.2.2. Membros, Votos, Capital e Ações ............................................................................... 53 3.2.3. Sede, Organização e Administração ............................................................................ 55 3.2.4. Operações .................................................................................................................... 56 3.2.5. Captação de Empréstimos, Poderes Adicionais e Disposições Finais ......................... 61 3.3. O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) ......................................... 62 3.3.1. Propósito, membros e funções ..................................................................................... 63 3.3.2. Capital, Operações e Finanças do Banco ..................................................................... 65 3.3.3. Governança, Disposições Gerais e Finais .................................................................... 69 3.4. Silk Road Fund .................................................................................................................... 72 3.5. Projeções sobre a potencial capacidade de escala operacional de aporte financeiro das novas iniciativas .......................................................................................................................... 74 3.5.1. Capacidade Operacional, Parcerias com BNDs, Condicionalidades nos Empréstimos e Classificação de Risco .................................................................................................................. 74 3.5.2. Reação do status quo e Preocupações Ambientais ...................................................... 82 4. ANÁLISE DOCUMENTAL DAS NOVAS PLATAFORMAS PREVENTIVAS DE LIQUIDEZ E DOS NOVOS SISTEMAS DE PAGAMENTOS ............................................. 84 4.1. O Projeto de Internacionalização do Renminbi ................................................................ 84 4.1.1. Moeda Internacional: Conceito e Funções .................................................................. 85 4.1.2. Benefícios e Custos para um Estado Emissor e Determinantes do uso de uma moeda internacional ................................................................................................................................. 87 4.1.3. Novo Paradigma de Crescimento Chinês .................................................................... 94 4.1.4. Adesão do Iuane à Cesta dos Direitos Especiais de Saque do FMI ............................ 97 4.1.5. CIPS e China Unionpay ............................................................................................. 100 4.1.6. Novas Agências de Classificação de Risco ............................................................... 104 4.2. O Arranjo Contingente de Reservas e as Iniciativas de Multilateralização de Chiang Mai .............................................................................................................................................. 106 4.2.1. As Iniciativas de Multilateralização de Chiang Mai ................................................. 106 4.2.2. O Arranjo Contingente de Reservas (CRA): Natureza, Montantes, Objetivos e Acesso aos Recursos ............................................................................................................................... 109 4.2.2.1 Governança e Processo Decisório ................................................................. 112 4.2.2.2. Operações ..................................................................................................... 113 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 115 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 118 15 1. INTRODUÇÃO Sabemos que, ao término de um conflito, independentemente do domínio em que este seja travado (tanto no âmbito político, como econômico, cultural, jurídico, militar, etc.), o vencedor da contenda reivindica para si o usufruto de inúmeras vantagens e privilégios, de substanciais benefícios e prerrogativas para a manutenção de sua sobrevivência futura nos campos em que se desenvolvem suas relações sociais. O triunfo nos teatros de operação da Segunda Guerra Mundial contra as tropas fascistas do Eixo, do mesmo modo, possibilitou aos Aliados a coordenação dos esforços de reconstrução do mundo pós-guerra, oferecendo-lhes a oportunidade de determinar as novas plataformas institucionais e os novos paradigmas sobre os quais políticas monetária e financeira seriam conduzidas a partir de então. Por outro lado, à medida que países emergentes e em desenvolvimento 1 conquistam maior espaço no cenário econômico internacional, reascende-se o debate a respeito da obsolescência dos arranjos institucionais firmados no pós Segunda Guerra (representados pelas figuras do FMI, do Grupo Banco Mundial e por bancos regionais de desenvolvimento), visto que estes teriam sido configurados como instrumentos de uma ordem política e econômica intensamente modificada desde sua fundação. Observa-se, deste modo, intenso debate acerca das propostas de redistribuição dos direitos de voto e de participação destas nações emergentes de maneira proporcional às respectivas parcelas de contribuição de suas economias no PIB global. Tem sido recorrente, ainda, o questionamento a respeito da manutenção do dólar estadunidense enquanto principal ativo de reserva, meio de troca e unidade de valor internacional - em domínios públicos e em mercados privados -, desde a celebração dos compromissos firmados na Conferência de Bretton Woods, em 1944. Fundamentado no problema acima apresentado, o presente trabalho busca inquirir de que maneira a criação das novas iniciativas multilaterais de fornecimento de crédito a projetos de infraestrutura (como o New Development Bank do BRICS; o Asian Infrastructure Investment Bank; e empreendimentos paralelos, como o Silk Road Fund); assim como das novas plataformas de prevenção a crises de liquidez (representadas pelo Contingency Reserve Arrangement, também 1 Países em desenvolvimento: é reconhecido o controverso debate a respeito do uso deste termo. Este trabalho, contudo, fundamenta- se Na lista de Economias em Desenvolvimento do Banco Mundial, disponível aqui: <http;//data.worldbank.org/about/country-and-lending-groups>. Acesso em: 29 de novembro de 2016. 16 do BRICS, e das Iniciativas de Multilateralização de Chiang Mai) impactariam a estrutura da ordem monetária e financeira sistêmica vigente. A estratégia de internacionalização do Renminbi também é abordada com a finalidade de se estudar as consequências desta medida para a manutenção do padrão dólar-flexível. A hipótese central sobre a qual a presente monografia se desenvolve considera que tais iniciativas não alterariam a ordem hegemônica, mas poderiam ampliar a capacidade de participação destes países de renda média e baixa nos processos de tomada de decisão e de ação para defesa de seus respectivos interesses (ABDENUR; FOLLY, 2015, p. 83; CARVALHO, C.E. et al. 2015). No domínio relativo à concessão de financiamentos a projetos de infraestrutura, por sua vez, espera-se que as novas instituições multilaterais de apoio ao desenvolvimento, a médio prazo, alcancem capacidade de aporte operacional semelhante à oferecida pelas organizações tradicionaisjá estabelecidas em Bretton Woods (GRIFFITH-JONES, 2014). Quanto à esfera monetária, acredita-se que a internacionalização do uso do Iuane seja caracterizada, a curto e médio prazo, mais como um movimento defensivo chinês do que propriamente um plano para suplantar o dólar enquanto reserva mundial, não podendo descartar, todavia, o potencial de mudança no funcionamento do sistema que esta medida carrega. O objetivo geral da monografia se constitui no levantamento de elementos capazes de auxiliar o processo de análise das novas iniciativas de cooperação monetária e financeira na esfera multilateral e, assim, promover um estudo a respeito dos impactos destes novos empreendimentos na ordem hegemônica – representada pela vigência do dólar estadunidense como principal ativo de reserva, de unidade de conta e de meio de troca público e privado. Com a finalidade de se alcançar a meta geral deste trabalho, divide-se a intenção geral em questão em alvos específicos, cada qual devidamente abordado em seu respectivo capítulo. Dessa maneira, esta pesquisa apresenta em sua constituição cinco capítulos; sendo o primeiro deles destinado ao desenvolvimento desta introdução, e o último reservado à explanação das considerações finais. Assim, o capítulo de número 2 busca fornecer uma breve retomada histórica acerca do processo de desenvolvimento institucional do sistema monetário e financeiro Internacional, mencionando a ascensão e queda dos diferentes padrões monetários existentes e ressaltando os mecanismos sistêmicos utilizados para a manutenção da ordem hegemônica sob a égide de um país emissor de ativos internacionais. 17 O capítulo 3, em seguida, apresenta as análises sobre os impactos da criação das novas instituições multilaterais de financiamento ao desenvolvimento na ordem vigente (coordenada pelas políticas do BM e de bancos regionais de desenvolvimento), abordando o NDB do BRICS, o AIIB e iniciativas paralelas como o Silk Road Fund. São estudados seus sistemas de administração e, entre outros aspectos, estima-se a capacidade operacional de aporte financeiro destas novas instituições frente às necessidades de investimento em infraestrutura nos países emergentes e em desenvolvimento. O tema do quarto capítulo, por sua vez, versa sobre a criação das novas plataformas de prevenção a crises de liquidez (CRA do BRICS e a CMIM) e também sobre o projeto de internacionalização do Iuane. Foram necessários levantamentos de dados sobre a evolução histórica e teórica do sistema financeiro internacional, tanto do ponto de vista dos fluxos e instrumentos quanto da institucionalidade do mesmo, através de meios bibliográficos e documentais, selecionados por intermédio de pesquisa exploratória, referentes à temática dos acordos de Bretton Woods - e seus desdobramentos - e dos desafios colocados pelas recentes iniciativas multilaterais nas esferas de cooperação financeira e monetária. Em suas considerações finais, a pesquisa conclui que estas novas iniciativas multilaterais de cooperação nas esferas monetária e financeira não visam, em um primeiro momento, promover de fato uma ruptura sistêmica. Podem ser observadas ações conjuntas do NDB e do AIIB com o Banco Mundial, assim como vinculação dos auxílios do CRA e da CMIM à supervisão do FMI. Não se descarta, todavia, a possibilidade de desenvolvimento de um cenário no qual estas instituições gerenciem um novo eixo de poder geoeconômico. 18 2. FUNDAMENTOS HISTÓRICOS A RESPEITO DA FORMAÇÃO DO SISTEMA MONETÁRIO-FINANCEIRO INTERNACIONAL 2.1 O Regime de Bretton Woods e o Dólar Flexível Sabemos que, ao término de um conflito, independentemente do domínio em que este seja travado (tanto no âmbito político, econômico, cultural, jurídico, militar, etc.), o vencedor da disputa reivindica para si o usufruto de inúmeras vantagens e privilégios, de substanciais benefícios e prerrogativas para a manutenção de sua sobrevivência futura nos campos em que se desenvolvem suas relações sociais. O triunfo nos teatros de operação da Segunda Guerra Mundial contra as tropas fascistas do Eixo, do mesmo modo, possibilitou aos Aliados a coordenação dos esforços de reconstrução do mundo pós-guerra, oferecendo-lhes a oportunidade de determinar as novas plataformas institucionais e os novos paradigmas sobre os quais políticas monetária e financeira seriam conduzidas a partir de então. É preciso ter ciência de que uma das mais importantes premissas para o desenvolvimento das relações econômicas entre Estados se constitui na aceitação conjunta da equivalência entre os referenciais de valor inseridos na esfera das transações comerciais e fluxos financeiros. Também é digna de menção a consideração a respeito da heterogeneidade das formas de acumulação de riquezas praticadas entre países e regiões. Este fator, aliado aos diversos estágios de desenvolvimento em que se encontram os agentes econômicos, contribui para a dificuldade do estabelecimento de um sistema de equivalência de valor em uma determinada ordem mundial em análise, que seria conduzida pela liderança de um país hegemônico (NETO, 2014, p. 151). Segundo o autor, também é possível afirmar que: Os vários ciclos históricos de acumulação mundial, que refletem as alterações nessas hegemonias e em sua ordem, repercutiram nas sucessivas alterações do sistema de equivalência monetário vigente em cada época. Neles, as mudanças em seu mecanismo de relação entre moedas foram orientadas, tão somente, pela tentativa de garantir vantagens isoladas dentro da corrente dos países envolvidos, onde se destaca a figura de um país hegemônico, patrono e promotor do sistema monetário ali assumido. Portanto, o sistema monetário apresenta-se como uma poderosa via de acumulação de riqueza dirigida a determinado grupo de países, onde se destaca um centro econômico, instrumentalizando o desenvolvimento comercial e financeiro de um período histórico. Contudo, tanto o processo de acumulação competitiva quanto as depressões cíclicas, inerentes a esse processo, mobilizam a ordem mundial em direção a novas alternativas financeiras, propiciando o surgimento de novos centros hegemônicos, com um novo sistema de relação monetária (NETO, 2014, p. 151-152). 19 É de fundamental importância destacar que o conceito de “ciclo histórico de acumulação mundial” a que o autor fez referência é retirado do trabalho de Giovanni Arrighi (1996). Nele, observa-se que as transformações históricas sofridas pela economia capitalista mundial consistiram na substituição de um sistema em que as redes de acumulação de capital subordinavam-se e inseriam-se, ao mesmo tempo, às redes de poder, para um modelo inverso, onde estas estivessem subordinadas e inseridas na ordem sistêmica de acumulação. O autor aponta, ainda, que o processo em análise desenvolveu-se por uma série de ciclos sistêmicos de acumulação 2 , e que cada um deles poderia ser dividido em um período de expansão material e em uma fase seguinte de expansão financeira, caracterizada como o momento em que os agentes econômicos deslocam seus empreendimentos da esfera comercial para o domínio monetário (ARRIGHI, 1996, p. 88). A consequente interrupção da produção material, por sua vez, em razão da diminuição das taxas de lucro, reduziria os níveis de emprego e renda do sistema, acarretando em situação de crise econômica. Crises monetárias não tardariam a surgir em decorrência da depressão, e o comportamento deflacionário de preços concorrenciais, além da inflação promovida por preços administrados de redes monopolistas, indicariam perda de confiança na moeda nacional hegemônica. No caso em análise, portanto, seria natural esperar que os agentes econômicos buscassem um referencial de valor monetário mais confiável que o padrão em crise, o que alteraria a relação cambial preestabelecida. Assim, através dafuga de capitais, a mobilidade financeira expandida seria inevitável (NETO, 2014, p. 152). Desta maneira, o presente capítulo trabalhará sobre o recorte histórico feito a partir da consolidação dos Estados Unidos da América na posição de principal potência militar e econômica do globo, acompanhando o ciclo de expansão material que definiu a passagem do padrão ouro-libra para o regime ouro-dólar, iniciado em 1944, com a celebração dos compromissos da Conferência de Bretton Woods (em alusão à cidade do estado de New Hampshire na qual foram firmados os referidos acordos). Convocada pelo então presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, esta conferência monetária internacional contava com a participação de mais de 700 delegados das 44 2 Ciclo genovês (século XV ao XVII); ciclo holandês (século XVI à segunda metade do século XVIII); ciclo britânico (meados de século XVIII ao início do século XX); e o ciclo norte-americano (iniciado no fim do século XIX). 20 nações aliadas, dentre as quais se encontrava o Brasil. Este, por sua vez, era representado por Arthur de Souza Costa, ministro da Fazenda de Vargas. A delegação brasileira ainda tinha à mesa o conselheiro Eugênio Gudin, conhecido representante dos ideais liberais no país, além de Octávio Gouvêa de Bulhões (que se tornaria titular da pasta da fazenda durante o início da Ditadura Militar até o ano de 1967), Francisco dos Santos Filho (então diretor de câmbio do Banco do Brasil), Valentim Bouças (secretário-técnico do Conselho de Economia e Finanças), entre outros (VILLELA, 2014). No que se refere à condução das negociações por meio de reuniões internacionais de alto nível e conferências de cúpula, Eichengreen (2012, p. 29) afirma que este acordo monetário se constituiu como exceção histórica, e não regra procedimental, visto que, com maior frequência, tais arranjos tendem a aparecer livremente como resultado de decisões individuais de países condicionados pelas decisões anteriores de seus vizinhos. Por sua vez, quanto ao fato de os encontros terem se desenvolvido ainda durante o período das atividades belicistas, Volcker e Gyohten (1993) observam que: [...]. Havia uma grande vantagem em se realizarem as discussões no meio da guerra, quando os mercados internacionais estavam efetivamente fechados. É difícil imaginar um acordo tão detalhado, que reorganizava completamente o sistema monetário mundial, sendo consumado em qualquer outro momento que não aquele, quando não havia absolutamente nenhum sistema operando, e quando os enormes encargos da guerra eficientemente silenciavam preocupações de caráter mais local (VOLCKER; GYOHTEN, 1993, p. 26). A partir desta Tratativa, “[...] o sistema monetário internacional, anteriormente baseado no padrão ouro-libra, foi substituído pelo padrão dólar-ouro” (PAULINO, 2010, p. 289). Em suas determinações, ficou estabelecido que a moeda estadunidense seria lastreada pelo metal precioso, na relação em que um dólar fosse equivalente a 1,125 gramas áureos, e onde uma Onça Troy de ouro correspondesse a 35 dólares. Os EUA, ademais, comprometiam-se a trocar por ouro todas as reservas a eles apresentadas em seu meio de pagamento na ocasião em que determinado país requisitasse (PAULINO, 2010, p. 289). Com a finalidade de não mais incorrerem nos mesmos equívocos característicos do padrão monetário do Entreguerras (responsáveis pelos distúrbios da crise de 1929), os formuladores deste novo sistema monetário-financeiro internacional prescreviam a definição de uma taxa de câmbio fixa, com a possibilidade de flutuações apenas em ocasiões extraordinárias 21 (com variações de 1 a 10%), sob fiscalização e orientação internacionais. Por este motivo, o padrão dólar-ouro também poderia ser chamado de Regime Cambial de Paridades Preestabelecidas (NETO, 2014, p. 157). Almejavam, além disso, o fim das regulações sobre comércio e serviços internacionais. Então, para atingirem estes objetivos, criaram o Fundo Monetário Internacional (International Monetary Fund - IMF) e o novo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development – IBRD – que hoje faz parte dos quadros do Grupo Banco Mundial 3 ), instituições cujo propósito seria de fornecer apoio à reconstrução do pós-guerra (VOLCKER; GYOHTEN, 1993, p. 27). Estruturavam-se, deste modo, as bases sobre as quais as relações entre os Estados seriam praticadas no terreno da Economia Política Internacional - tanto sob o aspecto monetário (referente ao Balanço de Pagamentos dos países, sob os cuidados do IMF) quanto pela esfera financeira (relativa à concessão de crédito internacional, sob a responsabilidade do IBRD). É digno de destaque, assim, o protagonismo assumido pela nação estadunidense nesta seara: vencedora da Segunda Guerra Mundial, trouxe para si a vantagem de criar as regras político- econômicas que melhor lhe aprouvessem. Ocorre, todavia, que uma das contradições intrínsecas do sistema de Bretton Woods começou a levantar preocupações em economistas e teóricos da época. O economista inglês John M. Keynes, por exemplo, quando das discussões acerca da implementação das disposições acordadas em 1944, mencionou a possibilidade de um cenário internacional futuro no qual houvesse escassez de dólares caso os EUA acumulassem seguidos superávits em sua conta corrente. Uma década e meia depois, Robert Triffin (1960), ao proferir a tese que ficaria conhecida como o Dilema de Triffin, argumentou que à proporção que os fluxos de comércio se desenvolvessem e se ampliassem, tornava-se essencial - em um regime de taxas fixas de câmbio - um aumento proporcional da quantidade de papel moeda internacionalmente aceita para o devido trato de suas operações comerciais. O grande problema consistia no fato de que a produção global de ouro não seria capaz de atender às necessidades estabelecidas no acordo, resultando, assim, na impossibilidade futura de os EUA honrarem seus compromissos de vinculação e lastro de sua 3 Atualmente o GBM tem em sua composição as seguintes entidades: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento; Agência Multilateral de Garantia de Investimentos; Cooperação Financeira Internacional; Associação Internacional de Desenvolvimento; além do Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos. 22 moeda ao metal precioso. A conjuntura deste retrato da época, portanto, previa dois cenários mais plausíveis para seu desenrolar: (i) os EUA, com a finalidade de prover liquidez internacional, teriam de encarar a escassez de ouro frente às necessidades para manutenção do sistema de paridade fixa do dólar de modo a incorrer em déficits em sua Balança de Pagamentos. Por outro lado, caso os sucessivos déficits continuassem, a confiança no sistema seria abalada; ou (ii) os EUA, ao não incorrerem em sucessivos déficits comerciais, contribuiriam para a escassez de dólares no restante do globo (TRIFFIN, 1960), como advertira o economista britânico – cujo plano fora preterido pelo do concorrente, secretário do Tesouro estadunidense, Harry D. White. Com a vitória da proposta sugerida pelos EUA, previa-se a criação de uma instituição responsável pela estabilidade cambial e do BP dos países em necessidade, papel que foi exercido pelo FMI (VILLELA, 2014; VOLCKER; GYOHTEN, 1993, p.28). As primeiras rachaduras no regime cambial de paridades preestabelecidas, entretanto, emergiram logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em um cenário de competição entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A ameaça representada pela elevada taxa de crescimento dos países que aderiram ao sistema socialista de produção na década de 1950, segundo Hobsbawm (1998,p. 367) 4 colocava em xeque os planos imperialistas dos EUA. Deste modo, seria esperado que as destinações de recursos para aceleração dos processos de reconstrução da Europa, materializadas pelo Plano Marshall – iniciado em 1948 – procurassem conter o avanço do ideário soviético no terreno geopolítico europeu; muito embora o real motivo destas ações estivesse capitaneado pela estratégia de manutenção de emprego e renda estadunidenses, por meio de transferências diretas de seus recursos do Tesouro (NETO, 2014, p. 159). A opção pelo primeiro cenário aqui apontado pelo Dilema de Triffin contribuiu para substancial desvalorização das moedas europeias frente ao dólar, dificultando o retorno da conversibilidade ao ouro para estas unidades de conta. Além disso, o excesso de liquidez de moeda estadunidense no mercado europeu (através da exportação de capitais baseada na internacionalização de suas empresas locais), por sua vez, facilitou para que empresas europeias começassem a realizar suas operações comerciais e financeiras em dólar, por meio do 4 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos – o breve século XX (1914-1991). São Paulo Companhia das Letras, 1998. 23 euromercado. Assim, durante a década de 1960, após relevantes desvalorizações da libra esterlina, bancos da capital inglesa aderiram ao uso da moeda estadunidense que circulava no continente ao receberem depósitos das multinacionais localizadas no outro lado do Atlântico em operações de débito e crédito. Assim, constituía-se o primeiro fator importante para o enfraquecimento do padrão dólar-ouro, uma vez que estes bancos ingleses poderiam utilizar-se do fator de multiplicação entre encaixes e empréstimos sem a tutela do FED (NETO, 2014, p. 160). O sistema de Bretton Woods enfrentaria outros empecilhos para sua manutenção a partir do início da década de 1970, momento em que a demanda vinda da Europa e do Japão perdia volume na medida em que suas respectivas economias se recuperavam dos efeitos da guerra. Por consequência destes acumulados déficits comerciais em conta corrente, a moeda estadunidense necessitava de um realinhamento cambial para ressuscitar sua competitividade nos mercados estrangeiros. Pela imposição dos acordos sobre a paridade do dólar em ouro, entretanto, os EUA não poderiam desvalorizar seu meio de pagamento dentro das regras do sistema de Bretton Woods, visto que tal movimento poderia aumentar o risco de uma fuga generalizada do dólar para o ouro, retirando, assim, o poder de seignorage da moeda estadunidense. Esta tensão envolvendo o dólar favoreceu o surgimento de uma articulação que pretendia substituir seu uso – enquanto reserva internacional, meio de troca e unidade de pagamento – pelos chamados Direitos Especiais de Saque do FMI (ativos líquidos lastreados em uma cesta de moedas) (PAULINO, 2010, p. 290- 291). O que se verifica, em seguida, é uma série de eventos perpetrados pela potência da América do Norte, enquanto operadora e detentora do status quo, no intuito de manter sua hegemonia no sistema monetário-financeiro internacional, dentre os quais se destacam: (i) a suspensão unilateral do sistema de Bretton Woods pelo então presidente Richard Nixon, em 1971, ao cancelar a conversibilidade direta do dólar em ouro; (ii) a introdução das taxas flutuantes de câmbio no ano de 1973; além da (iii) elevação das taxas de juros administradas pelo Federal Reserve System – o FED -, também de maneira unilateral, em 1979, com o objetivo de atrair fluxos de investimentos financeiros internacionais e, ao mesmo tempo, diminuir a inflação em seu território; mostrando-se como uma medida de contraponto às investidas de japoneses e europeus na tentativa de substituir o dólar (PAULINO, 2010, p. 290-291). Todas estas medidas tiveram repercussões favoráveis aos EUA, uma vez que, com a elevação dos juros em 1979, as pretensões de uma reforma da ordem de Bretton Woods guiada 24 por concorrentes foram definitivamente liquidadas. Grande vantagem advinda com o fim da conversibilidade ouro-dólar para os EUA, portanto, consistiu na liberdade de variar, através de manipulação unilateral de sua taxa de juros, a paridade do dólar em relação às moedas dos outros países de modo que melhor lhe conviesse. Não era mais temida, tampouco, a fuga para o ouro, visto que o novo padrão, flexível, caracterizava-se inteiramente como fiduciário, ancorado nos poderes dos EUA (PAULINO, 2010, P. 291). Outras primordiais oportunidades capazes de ilustrar o uso da hegemonia estadunidense na administração econômica sistêmica da maneira que melhor lhe beneficiasse seriam os acordos do Plaza (1985) e do Louvre (1987). A partir de 1981, depois do segundo choque do petróleo, de 1979, o FED manteve a política anti-inflacionária e elevou unilateralmente suas taxas internas de juros com a finalidade de frear a demanda interna por meio de contração da oferta monetária. Como efeitos colaterais, foram observados aumentos nos déficits em transações correntes nos Estados Unidos devido à sobrevalorização do dólar. Esta situação, do ponto de vista doméstico, diminuía a competitividade da indústria local, que resultou em pressão de grupos internos (especialmente por setores industriais e sindicais) para que o governo Reagan adotasse medidas protecionistas e que promovessem a valorização do dólar. Desse modo, o FED exigia que os países do G-5 (além dos EUA, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha e França) valorizassem suas respectivas moedas de maneira administrada para aliviar os expressivos déficits externos dos norte-americanos. Na possibilidade de não adesão às sugestões das reuniões, a ameaça estadunidense se apresentava na forma de medidas protecionistas em suas indústrias (PIRES, 2010, p. 223-225; PIRES, 2015, p. 11). O principal privilégio resultante destas manobras, entretanto, se materializou na eliminação completa de restrição externa estadunidense, significando que, ainda de acordo com Paulino (2010, p. 291), o país poderia incorrer em déficits permanentes em conta corrente - benefício intitulado “Flexibilidade Macroeconômica” para o país emissor de moeda do sistema (COHEN, 2012). A condição hegemônica exercida pela potência estadunidense na esfera de influência do sistema monetário-financeiro internacional possibilitou ao país, ainda, quando da imposição de desregulamentações de práticas financeiras entre as décadas de 1970 e 2000, inserir seus respectivos Títulos do Tesouro como principais ativos de proteção, evidenciando o gerenciamento da ordem de maneira coordenada com suas necessidades (PIRES, 2010, p. 227). 25 Deste modo, no momento em que a crise financeira de 2007/08 eclodiu, foi observado o que se convencionou chamar de “fuga para o dólar”, contrariando previsões de desvalorização da moeda dos Estados Unidos. Em contrapartida, a excessiva demanda por dólares e títulos de dívida pública estadunidense colaborou para a desvalorização das demais moedas (à medida se contraiu sua base monetária) e consequente diminuição da liquidez internacional, ameaçando, assim, a disseminação da instabilidade para o resto do mundo. A rápida atuação do FED, todavia, no âmbito de restauração da liquidez entre os Estados, por meio de realocação de recursos através de swaps cambiais e facilitações quantitativas (quantitative easing) demonstrou a resiliência do sistema do dólar flexível (CARVALHO et. al, 2015, p 48). A partir dos exemplos históricos e fundamentos teóricos brevemente apresentados neste capítulo sobre a formação histórica do sistema monetário-financeiro internacional do pós II Guerra, Carvalho et. al. (2015, p. 47-48) pondera que “A existência de espaços para iniciativas variadas de países e grupos de países é típica do sistema monetário e financeiro formado após a quebra de Bretton Woods nos anos 1970”. O que se convencionou chamarde “dólar flexível” faz menção ao período posterior a 1971, caracterizado pela suspensão da conversibilidade direta da moeda estadunidense em ouro. Portanto, a ausência de normas fixas e restritivas características do período 1944-1971, aliada à desregulamentação das práticas financeiras e de movimentação de capitais, com câmbio flutuante entre divisas nacionais, incentivaram a formação de iniciativas monetárias e financeiras designadas para fornecer maior proteção aos países frente à instabilidade da nova configuração sistêmica, além de permitir-lhes o aproveitamento das vantagens possibilitadas pelo aumento da flexibilidade (CARVALHO et. al, 2015, p. 47-48). Com base nessas premissas acima levantadas, acredita-se que estas novas iniciativas possam promover o alargamento da ordem monetária e financeira global, com maior espaço para participação dos países emergentes e em desenvolvimento, sem desafiar, contudo, sua estrutura hegemônica fundada em Bretton Woods (CARVALHO et. al, 2015, p. 48). Nesse sentido, busca- se, com base nos trabalhos realizados nos capítulos de número 3 e 4 da presente monografia, levantar elementos que auxiliem a tarefa de classificação e análise destes empreendimentos para facilitar a compreensão das características e dos potenciais impactos que estes novos empreendimentos possam realizar na arquitetura monetário-financeira mundial. 26 2.2. Sub-representação dos Emergentes frente à Rigidez Estrutural na distribuição de poder das Entidades Tradicionais Dando prosseguimento às deliberações sobre o desenvolvimento histórico dos sistemas monetário e financeiro internacional, mostra-se digno de destaque o fato de que os principais arranjos institucionais em análise – nas figuras do FMI, do Banco Mundial e de bancos regionais de desenvolvimento – tenham sido configurados enquanto instrumentos de uma ordem política e econômica que passou por importantes modificações desde sua criação, no encerramento da 2 a Guerra Mundial e de sua subsequente Guerra Fria (HUMPHREY, 2015, p. 4). Para ter-se dimensão da medida em que tais alterações se sucederam, demonstra-se, por exemplo, que o peso atribuído ao conjunto dos países do BRICS no PIB mundial no ano 2000 correspondia a 8,1% de seu total, enquanto o G7 - grupo dos sete países mais ricos do mundo – representava mais de 65% destas parcelas, ou seja, dois terços do PIB global. 15 anos depois, em 2014, demonstrando o expressivo crescimento acumulado de 500%, o Produto Interno Bruto dos países do BRICS chegou à marca de 22% do conjunto de todas as economias do planeta, de modo oposto ao ocorrido com o agrupamento do G7, que, entre 2000 e 2014, obteve um crescimento acumulado de apenas 64%. Tais resultados contribuíram para significativa queda da participação dos países do G7 no Produto total mundial, que chegou, assim, à marca dos 45%. Uma queda de 20 pontos percentuais (IMF 5 , 2014 apud HUMPHREY, 2015, p. 4; BEGHIN, 2016). Este impressionante alargamento das parcelas de contribuição de capital das economias emergentes frente ao produto total global, entretanto, não se materializou do modo mais apropriado dentro dos quadros institucionais tradicionais, que perderam legitimidade. Com mais de 42% da população mundial, representando 22% do PIB global (US$ 16 trilhões) e com acúmulo de reservas internacionais estimadas em US$ 5 trilhões (dos quais a China detém mais de 80%), os países do BRICS detinham apenas 11% dos direitos de voto do FMI e 13% das cotas do Banco Mundial em 2014 (BANCO MUNDIAL, 2013; BEGHIN, 2016; REISEN, 2015, p. 198). Nesta última organização, ainda, a China possuía 5,25% dos direitos de voto da entidade, enquanto o Japão reunia 8,13% destas cotas – apesar desta economia ter a metade do peso daquela. Afirma-se, deste modo, que as grandes potências globais não tiveram capacidade e/ou interesse de reformar as instituições multilaterais existentes. Detentoras da capacidade de 5 World Economic Outlook, 2014. 27 determinação das políticas institucionais destas organizações (com o poder de veto), não permitiram o aumento da participação de capital, pelos emergentes, visto que diminuiria seu controle pelo grupo do G7 (HUMPHREY, 2015, p.5). Uma imediata consequência negativa desta sub-representação seria refletida, em primeira instância, nas restrições ao aumento da capacidade operacional de concessão de janelas de empréstimos oferecidas pelo Banco Mundial e pelos bancos de desenvolvimento regionais (como o Banco de Desenvolvimento Asiático), uma vez que os países emergentes teriam potencial de elevar o nível de contribuição de capital a ser destinado para estas operações (REISEN, 2015, p. 299). Este aumento de oferta por serviços de financiamento a projetos de infraestrutura em nações emergentes e em desenvolvimento possui caráter essencial no cenário em análise devido à imensa lacuna anual existente nesta modalidade de operação no mercado, que chega à escala dos trilhões de dólares, de acordo com estimativas especializadas 6 . Ainda, o segmento de concessão de crédito multilateral a projetos de infraestrutura, operado por bancos europeus, afetado pelo segundo capítulo da crise financeira de 2008, utilizou- se de mecanismos monetários extraordinários com a finalidade de combatê-la, por meio de taxas de juros - reais e nominais - próximas de zero, que causaram a chamada expansão monetária quantitativa (quantitative easing). Estas medidas contribuíram para o aumento da liquidez internacional e, consequentemente, para o baixo rendimento dos investimentos financeiros que, por sua vez, forçaram os bancos europeus a retraírem suas operações no financiamento de projetos de infraestrutura (COZENDEY, 2015, p. 119). Por estes motivos, ao não enxergarem possibilidade de aumento de suas participações de capital e voto na ordem institucional hegemônica, os países emergentes observaram a viabilidade de canalizar seus excedentes de poupança para aplicações com rendimentos mais lucrativos que os destinos tradicionais - em sua grande maioria alocados em Títulos do Tesouro Nacional dos EUA -, além do objetivo de protegerem-se de possíveis flutuações cambiais futuras (COZENDEY, 2015, p. 118; HUMPHREY, 2015, p. 5; PIRES, 2015, p. 20). Esta intersecção entre preocupações sistêmicas dos domínios monetário e financeiro que caracterizou o início das discussões sobre a criação de novas instituições multilaterais de cooperação, portanto, foi originada da constatação de que havia recursos disponíveis no mercado 6 A este respeito, ver Item 3.1. – relativo às necessidades anuais por investimentos no setor de infraestrutura nos países emergentes e em desenvolvimento. 28 global, por um lado, e demanda para financiamento a projetos de infraestrutura, por outro, e que estas duas realidades não estavam sendo adequadamente intermediadas à luz das novas condições econômicas e regulatórias decorrentes da crise financeira (COZENDEY, 2015, p. 119). Portanto, de maneira resumida, com base nos motivos acima levantados: (i) sub- representação dos emergentes - relativa à participação de capital e voto - dentro dos quadros institucionais tradicionais; (ii) amplas necessidades de financiamento em infraestrutura (ver Item 3.1.); (iii) objetivo de diminuir vulnerabilidades cambiais frente às flutuações sistêmicas; e (iv) decisão de realocar investimentos de papeis lastreados em títulos de dívidas governamentais – especialmente dos EUA – dos quais a China se constituía como maior credora (na ordem de US$ 2 trilhões) 7 - para aplicações com maiores retornos, os países do BRICS começaram a juntar esforços para a modificação deste panorama. 2.3. Institucionalização e Multilateralismo Emergente. Apresentado o déficit de legitimidade que as instituições tradicionaisde Bretton Woods carregavam em seus modelos de quotas e voz, o bloco do BRICS passa a atuar de modo coordenado, tanto no âmbito do FMI como também nas reuniões do G-20, para a implementação de medidas de inovação dos moldes de participação de capital e poder de voto nestas organizações, caracterizando-se, assim, como um dos principais interlocutores desta reforma (PIMENTEL, 2013, p. 483). A jornada de Declarações de Cúpula do BRICS e intervenções em reuniões do G-20 começa em junho de 2009, com a I Declaração Conjunta do Bloco, reunido em Ecaterimburgo, na Rússia. Em seu § 3. o , é possível notar a insatisfação deste grupo de nações frente às discussões sobre reformas nas instituições de Bretton Woods: 3. Estamos comprometidos com o avanço da reforma das instituições financeiras internacionais, de forma a refletir as transformações da economia mundial. As economias emergentes e em desenvolvimento devem ter maior peso e representação nas instituições financeiras internacionais, cujos diretores e executivos devem ser indicados por intermédio de processo aberto, transparente e com base no mérito. Acreditamos, também, na necessidade de um sistema monetário estável, confiável e mais diversificado (BRASIL, Declaração de Ecaterimburgo, 2009). 7 Forbes, 2014 apud HUMPHREY, 2015, p. 5. 29 Ainda no mesmo ano, o BRICS (ainda sem a participação da África do Sul – que se tornaria integrante oficial do agrupamento somente em 2011) adere ao mecanismo do FMI intitulado New Arrangements to Borrow (NAB). Afirma-se que esta plataforma de linhas de auxílio suplementar ao Fundo inseria-se no quadro das medidas anticrise tomadas na época. Na oportunidade, o bloco que juntava Brasil, Rússia, índia e China trabalhou no sentido de garantir o poder de veto conjunto em todas as decisões que requisitassem a maioria qualificada no NAB, sendo preciso, para esta finalidade, no mínimo, 15% dos votos. Desta forma, Brasil, Rússia e índia contribuíram, cada, com o montante de US$ 15 bilhões, enquanto a China se comprometeu com a quantia de US$ 50 bilhões (PIMENTEL, 2013, p. 485). Em abril de 2010, durante a II Reunião de Cúpula do BRICS, sediada na cidade de Brasília, foi expressa, de modo mais amplo e enérgico, a necessidade de mudanças na estrutura de distribuição de poder no FMI e Banco Mundial, uma vez que os membros do G-20 contribuíram para o aumento da capacidade operacional do Fundo, como pode ser observado no § 9. o da Declaração de Brasília: 9. Os membros do G-20, com uma contribuição significativa dos países do BRIC, aumentaram muito os recursos disponíveis ao FMI. Apoiamos o aumento de capital, sob o princípio da justa repartição de encargos, do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento e da Corporação Financeira Internacional, além de um apoio mais robusto, ágil e flexível às economias em desenvolvimento por parte dos bancos de desenvolvimento multilaterais (BRASIL, 2010, Declaração de Brasília). O § 11, por sua vez, reforça as ideias apresentadas em Ecaterimburgo, da seguinte maneira: 11. Nós nos esforçaremos para alcançar uma conclusão ambiciosa para as reformas em curso, e há muito esperadas, das instituições de Bretton Woods. O FMI e o Banco Mundial precisam urgentemente resolver seus déficits de legitimidade. Reformar as estruturas de governança dessas instituições requer, em primeiro lugar, uma mudança substancial no poder de voto, em favor das economias emergentes de mercado e dos países em desenvolvimento, de modo a adequar sua participação nos processos decisórios ao seu peso relativo na economia mundial. Conclamamos que a reforma no poder de voto no Banco Mundial seja realizada nas reuniões que se realizarão na próxima primavera, e esperamos que a reforma de cotas do FMI seja concluída na Cúpula do G-20, em novembro próximo. Também concordamos com a necessidade de um método de seleção aberto e baseado em mérito, independentemente da nacionalidade, para os cargos de chefia do FMI e do Banco Mundial. Além disso, o pessoal dessas instituições deve refletir melhor a diversidade de seus membros. Há uma especial necessidade de aumentar a participação dos países em desenvolvimento. A comunidade internacional deve apresentar um resultado digno da confiança que todos nós depositamos nessas instituições, dentro do prazo acordado, ou correr o risco de vê- las desaparecer por obsolescência (BRASIL, Declaração de Brasília, 2010). 30 As negociações sobre as pautas referentes às reformas de quotas e voz nas organizações tradicionais foram materializadas em novembro de 2010, durante a Cúpula do G-20 em Seul, na Coréia do Sul. Com base neste acordo, todos os países do BRICS conquistaram aumento de suas respectivas cotas de participação de capital e também no que se refere ao modelo de representatividade do quadro institucional em estudo. Estas alterações, entretanto, ficaram aquém das expectativas de uma distribuição mais condizente com a crescente importância dos países em desenvolvimento na economia mundial, como pode ser observado consoante dados contidos na tabela 1 a seguir (PIMENTEL, 2013, p. 485; REISEN, 2015, p. 299). Tabela 1 – Comparação dos Resultados das Reformas do FMI (em%) Situação Pré-Reforma Reforma 2008 Reforma 2010 Cotas Poder de Voto Rank Cotas Variação de Cotas (p.p) Poder de Voto Rank Cotas Variação de Cotas (p.p) Poder de Voto Rank África do Sul 0,859 0,854 25 0,784 -0,075 0,770 27 0,640 -0,144 0,634 34 Brasil 1,395 1,375 18 1,783 0,388 1,714 14 2,316 0,533 2,218 10 China 3,718 3,650 6 3,996 0,278 3,806 6 6,394 2,398 6,071 3 Índia 1,911 1,886 13 2,442 0,531 2,337 11 2,751 0,309 2,629 8 Rússia 2,732 2,690 10 2,494 -0,238 2,386 10 2,706 0,212 2,587 9 BRICS 10,615 10,455 11,499 0,884 11,013 14,807 3,308 14,139 EMDCs - - - 0,0 1,768 2,7 - 2,8 2,7 2,6 - Fonte: PIMENTEL, 2013, p. 486. Todavia, as medidas de reformas nos quadros institucionais tradicionais não seriam aprovadas pela casa legislativa dos EUA até dezembro de 2015. Deste modo, como o chamado “pacote de Seul” havia sido alvo de críticas por parte dos países ditos desenvolvidos, o que dificultou sua tramitação nas esferas competentes, os países do BRICS retomaram suas reivindicações por mudanças na estrutura da ordem sistêmica, não deixando de evidenciar preocupações a respeito do vagaroso andamento das reformas, como é possível notar no § 9. o da 31 Declaração de Cúpula de Nova Délhi, em março de 2012 (SÁ GUIMARÃES, 2014, p. 19). 9. Preocupa-nos, contudo, o ritmo lento das reformas das cotas e da governança do FMI. Torna-se urgente a necessidade de implementar, antes da Reunião Anual do FMI/Banco Mundial de 2012, a Reforma de Governança e de Cota acordada em 2010, assim como uma revisão abrangente da fórmula de cota de forma a melhor refletir os pesos econômicos e ampliar a voz e a representação dos mercados emergentes e países em desenvolvimento até janeiro de 2013, seguida de finalização da próxima revisão geral de cotas até janeiro de 2014. Esse processo dinâmico de reforma é necessário para assegurar a legitimidade e eficácia do Fundo. Enfatizamos que os esforço em andamento para aumentar a capacidade de empréstimo do FMI somente serão exitosos se houver confiança de que todos os membros da instituição estão verdadeiramente empenhados em fielmente implementar a Reforma de 2010. Trabalharemos junto com a comunidade internacional para garantir que suficientes recursos poderão ser mobilizados para o FMI em tempo hábil, enquanto o Fundo continua sua transição para aperfeiçoar sua governança e sua legitimidade. Reiteramos nosso apoio a medidas voltadas para a proteção de voz e representatividade dos países mais pobres do FMI (BRASIL, Declaração de Nova Délhi, 2012). O § 13 do mesmodocumento, por sua vez, declara abertamente o fato de que os países do agrupamento consideravam a fundação de um novo banco de desenvolvimento com base na seguinte descrição: 13. Consideramos a possibilidade de estabelecimento de um novo Banco de Desenvolvimento voltado para a mobilização de recursos para projetos de infra-estrutura e de desenvolvimento sustentável em países do BRICS e em outras economias emergentes e países em desenvolvimento, com vistas a suplementar os esforços correntes de instituições financeiras multilaterais e regionais de promoção do crescimento e do desenvolvimento internacionais. Instruímos nossos Ministros de Finanças a examinar a viabilidade e possibilidade de implementação dessa iniciativa e a estabelecer um grupo de trabalho conjunto para realizar os estudos necessários e reportá- los na próxima Cúpula (BRASIL, Declaração de Nova Délhi, 2012). Cerca de três meses depois, em junho de 2012, em reunião sediada na cidade de Los Cabos, no México, mais uma vez os países do G-20 reiteraram suas crenças na revisão das fórmulas de cotas e direitos de voto no FMI e do BM, sem obter sucesso, entretanto. Por outro lado, como componente da narrativa antagônica ao estabelecimento destas reformas, temos que o Banco Mundial considerou a possibilidade de criação de um Global Infrastructure Facility, com a finalidade de recrutar fundos privados para concessão de crédito a projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento, além de ser financiado, em grande medida, pelos próprios países emergentes. Este plano, todavia, teve de ser reelaborado, já que não era de interesse dos países desenvolvidos a criação de um instrumento paralelo de financiamento com controle gerencial e 32 operacional nas mãos do BRICS e dos emergentes (COZENDEY, 2015, p. 136). Assim, durante a V Conferência de Cúpula do BRICS, ocorrida em março de 2013 em Durban, na África do sul, os países do agrupamento divulgaram a decisão de criar 2 novas instituições no âmbito da cooperação multilateral: uma voltada para o desenvolvimento e financiamento de projetos de infraestrutura, e outra inserida na rede de segurança financeira mundial com a finalidade de evitar pressões de liquidez aos países membros. Podemos ver com maiores detalhes, conforme § 9. o da Declaração: 9. Os países em desenvolvimento enfrentam desafios para o desenvolvimento da infraestrutura devido à insuficiência de financiamentos de longo prazo e de investimento externo direto, especialmente do investimento em capital. Isso restringe a demanda agregada global. A cooperação do BRICS no sentido da utilização mais produtiva dos recursos financeiros globais pode contribuir positivamente para o tratamento desse problema. Em março de 2012, instruímos os nossos Ministros das Finanças a analisar a factibilidade e a viabilidade de se criar um Novo Banco de Desenvolvimento para a mobilização de recursos para projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável nos BRICS e em outras economias emergentes e países em desenvolvimento, para complementar os esforços já existentes de instituições financeiras multilaterais e regionais para o crescimento global e o desenvolvimento. Em vista do relatório dos nossos Ministros das Finanças, estamos satisfeitos com a constatação de que o estabelecimento de o novo Banco de Desenvolvimento é factível e viável. Nós concordamos em estabelecer um Novo Banco de Desenvolvimento. A contribuição inicial ao Banco deverá ser substancial e suficiente para que ele seja efetivo no financiamento à infraestrutura (BRASIL, Declaração de Durban, 2013). Após esta breve descrição acerca do estabelecimento do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, o parágrafo seguinte da Declaração de Durban discorre sobre o Arranjo Contingente de Reservas do Bloco, da seguinte forma: 10. Em junho de 2012, em nossa reunião em Los Cabos, encarregamos nossos Ministros das Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais de explorar a construção de uma rede de segurança financeira por meio da criação de um Arranjo Contingente de Reservas (ACR) entre os países do BRICS. Concluíram que o estabelecimento de um arranjo contingente de reservas autogerido teria um efeito de precaução positivo, ajudaria os países do BRICS a evitar pressões de liquidez de curto prazo, forneceria apoio mútuo e reforçaria adicionalmente a estabilidade financeira. Contribuiria, igualmente, para o fortalecimento da rede de segurança financeira global e complementaria os acordos internacionais existentes como uma linha de defesa adicional. Entendemos que o estabelecimento do Arranjo Contingente de Reserva (ACR) com um tamanho inicial de US$ 100 bilhões é factível e desejável, sujeito aos marcos legais internos e as salvaguardas pertinentes. Instruímos os nossos Ministros das Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais a continuar a trabalhando para o seu estabelecimento (BRASIL, Declaração de Durban, 2013). Definições sobre as capacidades de aporte operacional das novas instituições multilaterais 33 tomariam forma apenas em julho de 2014, durante a Reunião de Fortaleza, cujos detalhes serão abordados no capítulo seguinte. É digno de destaque o fato de que o lançamento destas plataformas marca o início da transição para a terceira fase da história do agrupamento, segundo Stuenkel (2016b). De acordo com o autor, esta etapa seria caracterizada pelos processos de institucionalização e lançamento do Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente de Reservas, ampliando oportunidades de atuação e de expectativas frente aos demais países. De qualquer maneira, facilita-se a avaliação das performances do bloco e de suas respectivas capacidades de enfrentar desafios globais. A primeira fase histórica da associação, para título de informação, definiu-se enquanto categoria de fundo de investimento 8 criada pelo Goldman Sachs, no período compreendido entre os anos de 2001 a 2007, no qual a África do Sul não havia ainda sido incluída. O segundo estágio do grupo, por sua vez, de acordo com o autor, presenciou a emergência do BRICS enquanto plataforma política, apesar de sua natureza largamente informal, entre os anos de 2008 até 2014 (STUENKEL, 2016b). 8 O‟NEILL, Jim. Building Better Global Economic BRICs. 2001. Global Economic Paper n. 66. Goldman Sachs. Disponível em: <http://www.goldmansachs.com/our-thinking/archive/archive-pdfs/build-better-brics.pdf>. Acesso em: 14 de setembro de 2016. 34 3. ANÁLISE DOCUMENTAL 9 SOBRE AS RECENTES INICIATIVAS DE FINANCIAMENTO MULTILATERAL AO DESENVOLVIMENTO. As recentes inovações tecnológicas responsáveis por transformações no mercado bancário são fenômenos essenciais para a compreensão de um processo mais amplo, que vem modificando o mundo das finanças e alterando sua estrutura de distribuição de poder, tanto na esfera micro como também no âmbito macroeconômico. Com relação a este primeiro domínio, são relatadas, por exemplo, inúmeras dificuldades em ações de abertura de contas e de concessão de créditos destinados a cidadãos estrangeiros, advindos dos fluxos migratórios de então, e que atualmente residem nos EUA ou em países da Europa (MÜLLER, 2016). Materializadas na forma de obstáculos burocráticos, tais restrições vêm sendo superadas com o uso das inovações tecnológicas, permitindo, deste modo, a realização dos processos de fornecimento de empréstimos de modo simplificado, como se pode confirmar com a leitura do trecho a seguir: Logo no início, é preciso encarar uma extensa lista de documentos e comprovantes das mais variadas naturezas. Sem as papeladas necessárias, somada à ausência de crédito na praça, a jornada é sofrível para um imigrante. Contudo, o novo marco estabelecido pelas inovações tecnológicas tem revolucionado a forma com a qualas instituições financeiras lidam com tais operações. Bancos como o Neighborhood Trust Federal Credit Union, em Nova York, o Monese, em Londres, e até mesmo startups como a Oportun, inauguram um novo tempo onde se tornou possível dispensar as papeladas e emprestar dinheiro de forma simplificada aos imigrantes que precisam recomeçar a vida no novo país. No pacote, além do empréstimo, workshops sobre educação financeira e investimentos são oferecidos (MÜLLER, 2016). Já no continente sul americano, o setor de fintech 10 dispõe do exemplo da startup brasileira Nubank, emissora e administradora de um cartão de crédito cujo diferencial se encontra na utilização de canais 100% digitais para comunicação com clientes e, assim, contribui para a 9 Não se constitui como objetivo do presente trabalho, tampouco, a realização de uma completa análise de seus respectivos documentos fundacionais. O que se espera, em realidade, é a utilização deste estudo documental como meio de levantar elementos que auxiliem a compreensão e o debate acerca das dinâmicas que envolvem as mudanças na estrutura e distribuição de poder no âmbito da governança financeira internacional. 10 A expressão Fintech vem da junção dos vocábulos “Finanças” e “Tecnologia” na língua inglesa. A origem do termo é atribuída a um programa de aceleração de startups capitaneado pela Accenture, em parceria com a prefeitura de Nova York, que se chama Fintech. Com o tempo, Fintech passou a designar o segmento das startups que criam inovações na área de serviços financeiros, com processos baseados em tecnologia. Normalmente, estas startups criam novos modelos de negócio em áreas como conta corrente, cartão de crédito e débito, empréstimos pessoais e corporativos, pagamentos, investimentos, seguros, etc. Disponível em: <http://finnovation.com.br/o-que-e-fintech/>. Acesso em: 06 de janeiro de 2017. 35 máxima redução de burocracia e de acúmulo de papeis. Desta forma, não havendo necessidade de contratação de agências e/ou de estruturas onerosas com fins de administração e de processamento destas informações, não existe, consecutivamente, cobrança de anuidade, nem de tarifas adicionais, repassando-se, portanto, a economia de custo aos clientes (NUBANK, 2017). No tocante ao domínio macroeconômico, por sua vez, observa-se a recente ocasião da gênese de novas instituições multilaterais de financiamento ao desenvolvimento sustentável 11 , como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do BRICS e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), e do Silk Road Fund, sob o controle da China; além da criação de plataformas preventivas de liquidez, materializadas nas figuras do Arranjo Contingente de Reservas (CRA) do BRICS e das Iniciativas de Multilateralização de Chiang Mai (CMIM). De maneira análoga à descrita acima no caso das fintechs, acredita-se que estas contemporâneas iniciativas multilaterais tenham o potencial de complementar – e, posteriormente, de desafiar e de alterar - as estruturas de poder estabelecidas desde a ordem de Bretton Woods, através de mecanismos de concessão de crédito ao desenvolvimento de infraestrutura para países emergentes e em desenvolvimento ao aproveitar a lacuna anual de investimentos requisitados no setor. Não se pode olvidar, tampouco, do papel a ser exercido pelas plataformas alternativas de prevenção de crises de liquidez, que possuem o potencial de ampliar a oferta por pacotes de resgate para Estados em necessidade, com a possibilidade de negociações de condicionalidades impostas às políticas monetárias nacionais dos recebedores dos aportes cambiais. Neste sentido, com a finalidade de promover um melhor método de análise dos novos empreendimentos de cooperação multilateral, utilizamo-nos da conceituação e da tipologia das iniciativas monetárias e financeiras empregadas por Carvalho et. al (2015), onde estas são 11 Desenvolvimento Sustentável: Não se constitui como objetivo do presente trabalho, tampouco, apresentar uma definição concreta capaz de abordar todas as particularidades referentes ao termo em questão. Observou-se, durante análise dos documentos fundacionais das novas instituições multilaterais de financiamento a projetos de infraestrutura, que este conceito, apesar de ter sido mencionado em consideráveis ocasiões, tanto nos artigos do NDB como também do AIIB, não fora circunscrito de modo apropriado, deixando, assim, o texto oficial sujeito a amplas interpretações. Exceção a este fenômeno foi a publicação do documento intitulado “NDB Environmental and Social Framework”, pelo próprio NDB. Nele, é possível notar que a iniciativa procura complementar os esforços existentes das instituições multilaterais tradicionais na questão do crescimento e desenvolvimento globais, mencionando, ainda, ser foco do Banco assegurar o compartilhamento inclusivo das oportunidades de desenvolvimento a comunidades desfavorecidas, crianças, mulheres e outras minorias. Por fim, delimita brevemente o que seria uma atuação preocupada com interesses ambientais e sociais em suas políticas e operações através de certificar que seus respectivos financiamentos e investimentos em projetos de infraestrutura tenham mínimo impacto adverso ao meio- ambiente e às comunidades locais (NDB, 2016b). A este respeito, ver também Item 3.5.2. 36 classificadas com base em dois critérios sobrepostos: o primeiro deles tratando de diferenciar iniciativas proativas de iniciativas defensivas (de proteção); enquanto o último se preocupa em qualificá-las entre o domínio financeiro e o domínio monetário. Assim, dentro do primeiro critério, as iniciativas de caráter proativo seriam identificadas como aquelas que buscam ampliar seus espaços de atuação, através de ganho e projeção de influência e de aproveitamento de oportunidades abertas pelos mercados, ou de atuar em segmentos em que os agentes concorrentes não demonstram interesse ou capacidade de aproveitar. Citam-se como exemplos os casos dos bancos de fomento, que direcionam aplicações dos sócios e dão crédito com responsabilidades e compromissos delimitados. Já as iniciativas de caráter defensivo (ou de proteção) – ainda inseridas no primeiro critério – seriam definidas como aquelas capazes de criar redes de proteção a crises no Balanço de Pagamentos a partir de reservas cambiais dos sócios, não havendo projeção de poder externamente ao grupo (CARVALHO et al, 2015, p. 50-51). Ao adentrarmos no segundo critério de classificação das iniciativas multilaterais de cooperação, temos a distinção entre aquelas que operam no campo financeiro daquelas que atuam na esfera monetária da Economia Política Internacional. Deste modo, a partir de uma sobreposição das formas de classificação abordadas, afirma-se que as iniciativas proativas teriam seu exercício limitado ao campo financeiro, visto que concedem crédito e financiamento baseados em normas, garantias e formas de cobrança previamente acordadas, e não atuando em questões de definição ou de imposição de política monetária como fator condicional para concessão de empréstimos. As iniciativas defensivas, por sua vez, ao possibilitarem o acesso a partes das reservas cambiais de um determinado país ou grupo de países, poderiam ser descritas como empreendimentos com atuação restrita ao âmbito monetário, uma vez que se constituem enquanto operações entre Bancos Centrais. Por se tratar de um mecanismo de prevenção de crises de liquidez, o ente que se utiliza dos recursos assegurados pelas reservas cambiais estrangeiras submete-se a compromissos, condicionalidades ou exigências impostas pela instituição monetária em questão para certificar que o membro fragilizado consiga devolver o dinheiro recebido. Abdica-se, portanto, de parte da soberania nacional relativa à autonomia de decisão