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AULA 6 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Profª Ligia Maria Bueno Pereira Bacarin 2 INTRODUÇÃO Prezados cursistas, neste módulo sobre o Transtorno do Espectro Autista – TEA, abordaremos as evidências científicas. Isto é, o que comprovadamente funciona para ajudar no tratamento de autistas? Sendo essa a nossa questão norteadora, uma vez que o TEA é uma síndrome ainda muito desconhecida e, em decorrência da complecidade das suas ramificações, não nos cabe apresentar teorias que são de pouca experimentação e comprovação de resultados. Serão elencadas algumas das principais abordagens que demonstram bons resultados. Brites (20018) afirma que o tratamento contemporâneo para o TEA é baseado em estudos científicos controlados, realizados por muitos anos em diversos centros de pesquisas das mais renomadas e respeitadas instituições acadêmicas tanto dos EUA como do Canadá e da Europa. Para esse autor, são intervenções conjuntas, englobando psicoeducação, suporte, orientação de pais, diferentes modalidades de terapia comportamental fonoaudiologia, treinamento de habilidades sociais, medicação, dentre outras abordagens que ajudam na melhoria da qualidade de vida da criança autista, proporcionando uma melhor adaptação ao meio em que ela vive. Destacaremos neste módulo as principais intervenções utilizadas no tratamento do Transtorno do Espectro Autista atualmente. Elencaremos um conjunto de referências terapêuticas das principais diretrizes mundiais sobre o tema, além das recomendações da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência, da Academia Americana de Pediatria, da Sociedade Brasileira de Pediatria e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças – CDC. TEMA 1 – ASPECTOS LEGAIS DO TEA A Lei n. 12.764/2012 institui a chamada Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que garante os mesmos direitos previstos para pessoas com deficiência. Conforme a legislação brasileira, toda escola pública ou privada deve receber a criança ou o estudante com o diagnóstico de autismo. Todavia, consideramos que a escola, para além do que se estabelece dentro da lei, deve receber a criança autista com compromisso, envolvendo toda equipe. Isso, quando acontece, consegue fazer toda a diferença. No âmbito da sala de aula, da 3 mobilização de outros estudantes e dos pais, para que a inclusão aconteça de fato sem gerar custos adicionais ao autista. Leis e isenção de tarifas para autistas: A Lei n. 8989/95 garante às pessoas diagnosticadas com autismo o direito à isenção do imposto sobre produtos industrializados, o IPI. Também pode ser obtida isenção do ICMS e IPVA, com base nas legislações estaduais. Esses direitos podem ser exercidos por meio de seu representante legal, nesse caso, na condição de não condutores, quando não puderem dirigir seus próprios veículos (caso dos menores de idade). A isenção do IPI destina-se aos automóveis fabricados no Brasil. No entanto, tal direito com benefício de isenção só pode ser exercido apenas uma vez a cada dois anos, não existindo número limitado para sua concessão. Condições para exercício do direito: • Apresentar laudo de serviço médico (público ou privado) que integre o SUS ou de entidade de assistência social (exemplo: Apae, pestalozzi etc.), além de outros documentos. • O veículo será adquirido em nome do beneficiário do direito. • Nos casos de não condutores, poderá ser adquirido veículos sem qualquer adaptação ou características especiais, já que o beneficiário não conduzirá o veículo. • Poderá ser obtida isenção de IPI, ICMS e IPVA. (já que a isenção do IOF somente é concedida para condutores). • Não há limite de valor do veículo para isenção do IPI. (ao contrário do que muitos pensam) • Para isenção do ICMS e IPVA o veículo não poderá ultrapassar o limite de R$ 70.000,00. • As isenções valem para carros nacionais ou fabricados no Mercosul. • O benefício poderá ser utilizado para a compra de 1 veículo a cada 2 anos, sem limite de aquisições. • O pagamento do veículo pode ser realizado via financiamento, consórcio, ou qualquer outro meio que um consumidor comum utilizaria. • Muitas vezes, na hora da venda do veículo, o valor será superior ao que pagou ao comprá-lo, gerando até mesmo lucro na operação. 4 • Não há vínculo dos nossos serviços com nenhuma concessionária, podendo escolher a marca e modelo que preferir. No Estado de São Paulo, a pessoa com TEA proprietária de veículo ou pessoa responsável por sua locomoção, tem direito de isenção do rodízio municipal. No mesmo estado, as pessoas com TEA contam com bilhete único especial vitalício (em casos do uso de transporte público); o cartão isenta os mesmos do pagamento de tarifa nas viagens de ônibus urbanos. Os cartões de estacionamento podem ser obtidos, tanto pelo proprietário quanto pelo condutor do veículo, de forma totalmente gratuita, para utilização em todo território nacional. As companhias aéreas que operam no Brasil, subordinadas à ANAC, podem disponibilizar descontos de 80% do valor total na passagem de acompanhantes de pessoas com TEA. O acompanhante deve ser responsável na prestação de todo o tipo de assistência, incluso assistência médica. Para conseguir obter este benefício é necessário o preenchimento de um formulário nomeado Medical Information Form – MEDIF. TEMA 2 – ASPECTOS ESPECÍFICOS DOS MODELOS DE INTERVENÇÃO NO TEA No texto de teatro “A Vida de Galileu”, de Bertolt Brecht, apresenta-se a seguinte resposta do personagem Galileu ao seu filho Andrea em um momento em que este precipitava na interpretação de um experimento científico: “Muitas vezes a causa principal da pobreza, em ciência, é a riqueza presumida. A finalidade da ciência não é abrir a porta ao saber infinito, mas, colocar limite à infinitude do erro” (Brecht, 1991, p. 128). O que o texto do dramaturgo alemão nos ensina é que não podemos trabalhar com verdades absolutas e precipitadas. Nesse sentido, para a escolha do conjunto de práticas metodológicas, precisaremos também estabelecer as principais problemáticas acerca do TEA para que a escolha na forma da intervenção tenha lucidez e se paute na prática. Os principais problemas que são entrave na aplicação dos métodos de intervenção, conforme Brites (2018), são: 5 Quadro 1 – Principais problemas na aplicação dos métodos de intervenção 1- Pouco conhecimento das equipes de Saúde e educação. 2- Desintegração e descontinuidade. 3- Insegurança dos professores. 4- Ausência de equipes multidisciplinares. 5- Burocracia para as medicações (respiridona). 6- Fora do SUS, alto custo. 7- Medicina focada na medicação. 8- Pouca atenção em relação à qualidade de vida da família. 9- Infraestrutura desprovida de condições. 10- Psicoeducação: como lidar no dia a dia com essa criança? Fonte: adaptado de Brites, 2018 Com todos os problemas anteriormente elencados, a escolha do conjunto das metodologias que serão base para as ações com o autista precisa partir de uma consciência real das limitações e dos obstáculos que enfrentarão para desenvolvê-las. Entendemos que o maior obstáculo está na área de atuação da psicoeducação porque precisamos saber o que é o autismo e como lidar com o sujeito que tem tais características, com aqueles traços, no dia a dia. Assim, os processos psicoeducativos são a regra para conduzir crianças com TEA. Conforme o esquema abaixo: Figura 1 – Atuação da psicoeducação Sobre o fluxograma anterior, Bosa (2006, p. 48) afirma que: Em geral, a maioria dos indivíduos tende a melhorar com a idade quando recebe cuidado apropriado. No entanto, os problemas de comunicação PSICOEDUCAÇÃO Pensamentos Emoções e sentimentos Reações Corporais Comportamentos 6 e sociabilização tendem a permanecer durante toda a vida. Os estudos de revisão sobre prognósticoe desfecho do autismo demonstram que os melhores preditores do funcionamento social geral e desempenho escolar, são o nível cognitivo da criança, o grau de prejuízo na linguagem e o desenvolvimento de habilidades adaptativas, como as de auto- cuidado. Portanto, os pais, ao optarem por certo tipo de intervenção, precisam ter em mente que até hoje não há boas evidências de que um tratamento específico seja capaz de curar o autismo e que tratamentos diferentes podem ter um impacto específico para cada criança. Esse impacto depende da idade, do grau de déficit cognitivo, da presença ou não de linguagem e da gravidade dos sintomas gerais da criança. É importante estar consciente de que a maioria das crianças autistas não apresenta déficits em todas as áreas de desenvolvimento e que muitas possuem um ou mais comportamentos disfuncionais por breves períodos ou em situações específicas. TEMA 3 – ASPECTOS GERAIS DOS MODELOS DE INTERVENÇÃO NO TEA Bodgan e Biklen (1994) observam que independentemente do diagnóstico dentro do espectro, o indivíduo TEA é um ser humano relacional e seu desenvolvimento deve ser situado no seu contexto familiar e social. Entretanto, algumas questões sobre o tratamento são fundamentais para se alcançar todos os seus resultados. Estimulação deve ser frequente, iniciada logo cedo com o emprego de diversas técnicas, e o apoio familiar com o comprometimento dos pais é fundamental no tratamento voltado para o desenvolvimento do indivíduo TEA. O pressuposto para a escolha do modelo de intervenção é a elaboração do Plano Individual de Tratamento – PIT, pelo neurologista junto com a equipe multidisciplinar, e considerará todas as necessidades que o indivíduo TEA apresenta naquele momento. Santos e Sousa (2009) consideram que o autismo engloba uma série de particularidades com muitas possibilidades de tratamento e cada indivíduo apresenta maneiras diferentes de responder a estes. No entanto, toda e qualquer abordagem irá cobrir os pilares do desenvolvimento comportamental e do desenvolvimento escolar tendo ou não o auxílio medicamentoso. Deve constar no Plano Individual de Tratamento quais tipos de intervenção serão adequadas para aquele indivíduo e a carga horária que devem ser aplicadas. O “Cone”, ou Pirâmide da Aprendizagem, desenvolvido por Wiliams e Shellenberger (1996), demonstra que existe uma ordem no desenvolvimento da aprendizagem. Conforme a imagem, na base estão os sentidos que não são os clássicos, porque o nosso sistema nervoso precisa de pré-processar o toque, movimento, força, gravidade e posição do corpo. Este processamento sensorial 7 estabelece uma boa base para o desenvolvimento de todo o resto. Para esses autores: A interação com os sistemas é complexa e necessária para interpretar uma situação de forma rigorosa e fazer a resposta adequada e apropriada. E é assim que você pode compreender o conceito de integração sensorial, tais como a capacidade do nosso sistema nervoso central para organizar e interpretar informações capturadas pelo sistema sensorial (visual, auditivo, gustativo, olfativo, tátil, proprioceptiva e vestibular) com o objetivo de responder adequadamente em nosso ambiente. Figura 2 – “Cone”, ou Pirâmide da Aprendizagem, desenvolvido por Wiliams e Shellenberger Fonte: Teach-me citado por Karla, 2013. Organizamos uma síntese acerca de cada tópico da pirâmide para melhor compreensão de cada processo de aprendizado. 8 Quadro 2 – Síntese sobre cada tópico da pirâmide SISTEMA SENSORIAL SISTEMA TÁTIL, VESTIBULAR, PROPRIOCEPTIVO Auditivo: perceber corretamente, discriminar, transformar e reagir a sons. Oral: perceber corretamente, discriminar, processar e responder aos paladares ou a estímulos dentro da boca. Olfativo: perceber corretamente, discriminar, processar e responder a diferentes odores. Visual: perceber corretamente, discriminar, processar e responder ao que se vê. SENSORIAL MOTOR Segurança postural: estabilidade e condições para o movimento. Consciência dos dois lados do corpo: realizar movimentos utilizando lados direito e esquerdo. Planejamento motor (praxia): capacidade de organizar, planejar e executar habilidades motoras perfeitas, novas ou não praticadas. Esquema corporal: consciência do corpo como meio de comunicação consigo mesmo e com o meio. Maturação dos reflexos: desempenho mecanicamente eficiente coordenado e controlado. Discriminação sensorial: habilidade para interpretar as características temporais e espaciais dos diferentes estímulos sensoriais. PERCEPÇÃO MOTORA Coordenação olho-mão Sistema motor ocular: reflexo que estabiliza as imagens na retina durante o movimento da cabeça ao produzir um movimento ocular na direção oposta ao movimento da cabeça, desta maneira preservando a imagem no centro do campo visual. Ajuste postural: estabilidade e condições para o movimento. Habilidades linguísticas e visuais. Percepção visual-espacial: a identificação de um estímulo e a sua localização Funções de atenção e concentração. COGNIÇÃO Atividades de vida diária (AVD) Comportamento Aprendizado Consideremos a tabela anterior como base para destacarmos os principais modelos utilizados no tratamento do Transtorno do Espectro Autista atualmente, sendo eles: 1- Modelo de intervenção de natureza psicanalítica. 2- Modelo de intervenção de natureza comportamental. 3- Modelo de intervenção de natureza cognitiva-comportamental. Os modelos de tratamento abrangentes para crianças com autismo podem ser divididos em quatro categorias: intervenções comportamentais individuais, conduzidas por adultos; intervenções individuais, conduzidas por crianças; intervenções em grupo e intervenções inclusivas (Gabbard, 2007, p. 97 cit. por Correia, 2014, p. 52). 9 Salientamos que dentre os três principais modelos de intervenção utilizados para o tratamento do autismo, no Brasil são usados os de natureza cognitivo comportamental, pois eles auxiliam a criança a reconhecer seus sentimentos irregulares, suas emoções, controlar ansiedade, reduzir a impulsividade e melhorar seu comportamento social. Em detrimento disso, serão esses modelos apresentados nesse módulo. 3.1 O programa Portage Desenvolvido por Susan Bluma, Marcha Shearer, Alma Frohman, Jean Hilliard, Mollie White, Kathy East, no fim dos anos 60 nos EUA. É um programa de educação precoce destinado a pais e a assistentes terapêuticos – AT,1 como sistema de ajuda à educação de crianças com atrasos do desenvolvimento, seja a nível domiciliário, seja a nível de contextos educativos. O programa é constituído por 619 comportamentos, separados em 6 áreas de desenvolvimento: Estimulação do Bebê; Socialização; Linguagem; Autonomia; Desenvolvimento Motor e Cognição. Marques (2000, p. 93), define que: Os pais são envolvidos, desde o início, no processo de seleção das áreas de intervenção. Regra geral, pretende-se fomentar uma espécie de “negociação” entre as prioridades dos pais e as necessidades que o “visitador” domiciliário considera relevantes para a criança. Em casa, é deixado um quadro de referência, de recomendações e metas a atingir, que será alvo de análise na visita seguinte. A filosofia de base é tornar os pais mais competentes para lidar, eficazmente, com os problemas do seu filho. Os autistas são ensinados, por meio de um planejamento estruturado, combinado por um procedimento de treino domiciliar, um programa de avaliação e orientação dos pais pelos profissionais, que em parceria, definem metas, de acordo com as necessidades do autista. O processo vai sendo avaliado e reformulado frequentemente. 1 Cavaco (2009) afirma que o assistente terapêutico é a ligação entre educadores, pais e estudantes. Sua função no tratamento e no processo pedagógico do autista não é ser um facilitador, mas, como denominaram osestadunidenses, ser uma shadow, ser uma sombra da criança, pois irá auxiliar na sala de aula e em todos os ambientes escolares, regulando as regras sociais e estimulando a comunicação e sua participação em sala. Acompanhando sua interação social com outras crianças, corrigindo rituais e comportamentos repetitivos e auxiliando o estudante TEA em situação de irritabilidade e impulsividade. O seu trabalho deverá ser iniciado após a intervenção do psicólogo e analista comportamental, embasado no diagnóstico clínico do neurologista, que irá identificar as limitações da criança, seus potenciais e poderá ordenar e orientar o trabalho deste mediador. 10 No Brasil, não é muito utilizado, entretanto, adota-se uma mescla entre a Terapia Ocupacional – TO – e a Terapia de Integração Sensorial – TIS. Na TO, a finalidade é o ensino de habilidades cotidianas para tornar a criança autista mais independente possível e, na TIS, a finalidade é auxiliar a criança autista a interagir com as informações sensoriais do ambiente. 3.2 Son-Rise (Son-Rise Program) Desenvolvido de forma intuitiva nos EUA, na década de 70, pelo casal Barry e Samahria Kaufman, quando foi diagnosticado que o seu filho tinha autismo. Corrêa (2015) entende que é um programa que valoriza a relação interpessoal por meio da participação espontânea em relacionamentos sociais. A ideia é a de que os pais aprendam a interagir de forma prazerosa, divertida e entusiasmada implementando um programa e ações centradas na criança, proporcionando o seu desenvolvimento social, emocional e cognitivo. Segundo o Autism Treatment Center of America (2006, p. 3) Toda a aprendizagem acontece no contexto de uma interação divertida, amorosa e espontânea que inspira tanto pais como filho. Pais que utilizam o programa son-rise relatam não somente um progresso magnífico no desenvolvimento dos filhos, mas também uma melhoria dramática em seu próprio bem-estar emocional. O mesmo autor afirma que “as atividades são adaptadas a cada criança com autismo, de forma a interagir, podendo-a levar a aprender habilidades como o contato visual, o brincar, o faz de conta, linguagem e alterações de comportamento”. (p. 7) O Autism Treatment Center of America apresenta duas configurações de interação motivadora, uma delas é seguir a criança e ser sensível a ela, motivando-a, pelo recurso aos objetos e atividades do seu interesse. “O adulto junta-se na brincadeira até que ela interaja espontaneamente com o mesmo. As respostas do adulto são ajustadas de forma a serem motivadoras num ciclo de interações recíprocas que visam aumentar o nível de satisfação e relevância de interações sociais. Cabe à criança, para além da definição da brincadeira, escolher o tempo de interação, princípio e fim” (Autism Treatment Center of America, 2006, p. 19). Quanto mais tempo a criança passa com um adulto, mais a criança aprende, observa-se que as crianças com autismo que demonstram mais atenção alcançam níveis mais latos de desenvolvimento linguístico (The Autism Treatment Center of America, 2006). 11 Para estabelecermos uma noção efetiva de algumas técnicas desse programa: ambiente livre de distrações, usar os comportamentos repetitivos para construir uma conexão e priorizar o ensino do contato visual. 3.3 DIR®/ Floortime™ Conforme explicação apresentada por Greenspan e Wieder (2008), o Developmental Individual Difference, Relationship-based Model - DIR®/ Floortime busca trabalhar o desenvolvimento, a diferença individual e o relacionamento das crianças com outras pessoas. É um método que auxilia pais, educadores e outros profissionais a analisar o indivíduo com TEA e a empregar a melhor intervenção que desenvolve as dificuldades e pontos importantes do autista. As autoras observam que o modelo Procura construir uma base para aumentar as capacidades sociais, emocionais e intelectuais de maneira generalizada, diferente de outros modelos que trabalham apenas comportamentos e habilidades de modo isolado. Esse tratamento permite que as atividades desenvolvidas acessem diferentes regiões do cérebro e da mente, fazendo com que eles sejam acionados de maneira conjunta (Greenspan; Wieder, 2008, p. 30). Corrêa (2015, p. 36) afirma que é um modelo de intervenção intensiva e global que utiliza os pontos fortes de uma criança para ajudar a construir habilidades como comunicação, planejamento motor, resolução de problemas, habilidades sociais, brincadeiras imaginativas, entender as emoções, seguir as instruções etc. Muitas vezes, este método inclui o Floortime aliado ao envolvimento e participação da família, especialidades terapêuticas, integração sensorial, terapia da fala e articulação e integração nas estruturas educacionais. Observamos que apresenta uma perspectiva estruturalista, onde o D pode ser traduzido como Desenvolvimento, o I como Diferenças individuais e o R como Relacionamentos baseados em relacionamentos. Ou seja, nesse modelo todas as crianças com PEA têm alguma capacidade para comunicar-se e que esta incide do seu grau de motivação. Segundo Santos (2009), A abordagem Floortime é um modo de intervenção interativa que tem como objetivo encorajar os pais a se envolverem com as crianças numa relação afetiva. O foco de intervenção é o desenvolvimento emocional através do qual se vão desenvolver outras habilidades e [...] permite alargar a gama de competências motoras e sensoriais adaptando a intervenção às diferenças individuais de cada criança. 12 Dessa forma, para Santos (2009), para além do Floortime devem ainda ser usadas interações semiestruturadas de resolução de problemas, em que a criança é levada a cumprir objetivos específicos de aprendizagem, por meio da criação de desafios dinâmicos que a criança deve resolver. TEMA 4 – MODELO ABA E O TEACCH Camargo e Rispoli (2013, p. 639) afirmam que a Análise do Comportamento Aplicada – ou ABA, sigla em inglês para Applied Behavior Analysis, é um dos métodos educacionais com base na psicologia comportamental e tem demostrado reduzir os sintomas do TEA e promover uma variedade de habilidades sociais, de comunicação e comportamentos adaptativos. Segundo esses autores, as características gerais desse método são: Uma intervenção baseada na ABA tipicamente envolve identificação de comportamentos e habilidades que precisam ser melhorados (por exemplo, comunicação com pais e professores, interação social com pares, etc.), seguido por métodos sistemáticos de selecionar e escrever objetivos para, explicitamente, delinear uma intervenção envolvendo estratégias comportamentais exaustivamente estudadas e comprovadamente efetivas. Além disso, ABA é caracterizada pela coleta de dados antes, durante e depois da intervenção para analisar o progresso individual da criança e auxiliar na tomada de decisões em relação ao programa de intervenção e às estratégias que melhor promovem a aquisição de habilidades especificamente necessárias para cada criança (Camargo; Rispoli, 2013, p. 642). Teixeira (2016), em seu livro Manual do autismo, afirma que o método praticado por psicólogos consiste no estudo e na compreensão do comportamento da criança e de sua interação com o ambiente e com os demais. Com o intuito de “corrigir os comportamentos problemáticos, estimular os assertivos e práticos, para isso são desenvolvidos treinamentos e estratégias específicas, a partir da compreensão do funcionamento global da criança na utilização de reforçados positivos”. Para esse autor, o progresso da criança pode ser mensurado, se esta for estudada de forma detalhada em seu cotidiano. No âmbito do ABA existem diversas técnicas comportamentais que podem ser utilizadas com o objetivo de focar na aprendizagem, por meio da motivação e do ensino de habilidades verbais. O método Tratamento e Educação de Crianças com Autismo e Dificuldades de Comunicação – TEACCH, oriundo do inglês Treatmentand Education of Autistic and Related Communication-handicapped Children. Na análise de Teixeira (2016), objetiva ensinar habilidades por meio de pistas visuais como 13 cartões de lustrados ou figuras que mostram à criança como se vestir a partir de informações quebradas em pequenos passos. No Brasil, o TEACCH é muito disseminado pelas professoras Maria Elisa Granchi Fonseca e Viviane Costa de Leon, habilitadas a dar formações e treinamentos no país. O método surgiu na Universidade da Carolina do Norte (EUA), objetivando a formação de um programa psicoeducacional voltado principalmente a pessoas com TEA. Tem como intuito a organização do ambiente e de suas atividades de tal maneira a transmitir aos indivíduos comportamentos que deles são desejados – tanto no ambiente de trabalho quanto no ambiente escolar. O TEACCH é considerado por muitos um “framework”, ou uma moldura em que se insere vários aspectos referentes à sua estrutura. Uma das principais críticas traçadas ao TEACCH é a falta de produção científica, melhor desenvolvida no ABA – quais sejam acerca da comunicação alternativa, sobre o ensino da habilidade de comunicação funcional, bem como na área de atuação no comportamento problema. A base teórico-metodológica do TEACCH é comportamental, tendo em vista o arranjo de contingências e os antecedentes do indivíduo – tal arranjo diz respeito à estruturação do ambiente para receber a resposta ou o comportamento almejado. O ABA e o TEACCH se completam, uma vez que os resultados do trabalho paralelo dão bases ao método de organização visual das atividades e do ambiente, de maneira a permitir que o indivíduo possa executar essas atividades de forma independente (com a menor interferência de terceiros possível). No que tange a bases teóricas para a elaboração de um plano de intervenção comportamental, no âmbito tanto terapêutico quanto da psicopedagogia, se faz necessária a busca de produção teórica e científica no campo da Análise do Comportamento aplicada. TEMA 5 – O DEBATE DA PSICANÁLISE SOBRE O TEA Existe um grupo que, para além do debate clínico, busca desenvolver, concomitantemente, uma narrativa filosófica de base humanista acerca do TEA. Como arcabouço metodológico, parte da premissa que todos os indivíduos são diferentes, todavia, diferenças não são termômetro para divisão e exclusão entre os indivíduos, pois que produzem a vida em sociedade. Isto é, para sobrevivermos, independente das nossas especificidades, somos seres coletivos. 14 Algumas dessas características específicas são facilmente identificadas, como: biotipo, estilo de vestimenta, maneirismos, características físicas, timbre vocal, dentre outras. Outras não são tão fáceis de serem identificadas, por exemplo: gosto musical, alimentos preferidos, temores, emoções e habilidades especiais nas mais diversas áreas. Além desses elementos, esse grupo afirma que a maneira como os indivíduos veem o mundo em sua totalidade também é diferente, independentemente do que o mundo se apresente ser na realidade. Nessa linha de interpretação, a inversão do real necessita de explicação psicanalista, uma vez que a máxima em que “a maneira como as pessoas entendem o mundo, não altera o que o mundo é”. Observem a representação gráfica a seguir: Figura 3 – Representação gráfica de consciência do século XVII Crédito: Robert Fludd/CC/DP. 15 Ao analisarmos a imagem sobre o processo de consciência, percebemos que o conceito se apresenta como elemento agregador na compreensão do TEA. Nesse sentido, entendemos a consciência conforme a perspectiva psicossocial elaborada por Iasi (2001, p. 9): Neste sentido procuraremos entender o fenômeno da consciência como um movimento e não como algo dado. Sabemos que só é possível conhecer algo se o inserirmos na história de sua formação, ou seja, no processo pelo qual ela se tornou o que é, assim é também, com a consciência, ela não “é”, “se torna”. Amadurece por fases distintas que se superam, através de formas que se rompem, gerando novas que já indicam elementos de seus futuros impasses e superações. Longe de qualquer linearidade, a consciência se movimenta trazendo consigo elementos de fases superadas, retomando aparentemente, as formas que abandonou. Conforme Iasi (2001), o importante é analisar o “processo de consciência e não apenas consciência, porque não a concebemos como uma coisa que possa ser adquirida e que, portanto, antes de sua posse, poderíamos supor um estado de “não consciência”. Assim como para a corrente psicanalista que estuda o TEA, interessa o fenômeno do autismo e seus preceitos enquanto tem forma definida, o mais importante é o princípio de sua transformação, de seu desenvolvimento, as transições de uma forma de comportamento para outra forma de comportamento. Para tanto, conceberemos consciência como um estado mental caracterizado pelo grau de capacidade de usar a subjetividade, a abstração, a ciência, a sapiência para autoconsciência de si mesmo, do mundo e se posicionar no mundo. Nesse sentido, o TEA, no âmbito da analogia, é um sujeito do mundo que não está no mundo porque não consegue desenvolver seu próprio processo de consciência. Precisa ser condicionado e/ou ensinado a se ver no mundo e, consequentemente, a se comportar diante do mundo. 16 Figura 4 – Engrenagem do Processo de consciência Conforme a Figura 4, inferimos que as engrenagens representam a mente. Cada engrenagem é única, funciona de maneira diferente para todos os indivíduos e controla o processo de apreensão sobre o mundo exterior, por isso que o nível de consciência sobre a realidade possui graduação diferente, variando a intensidade da idealização que os sujeitos possuem sobre o real. Com isso, a subjetividade sobre o real também muda, por exemplo, os sentimentos, a forma de comunicação, interação e ação sobre a realidade ocorre de acordo com a velocidade da engrenagem da mente. Todavia, essa engrenagem, que é a mente, é apenas um dos elementos da mecânica do cérebro. E, às vezes, essa engrenagem se conecta de certo modo na mecânica do cérebro que afeta a velocidade da mente e sua capacidade de assimilar sentimentos, o que afeta o comportamento, como lidas e percebidas situações e interações. Esse fenômeno podemos conceituar no âmbito da narrativa psicossocial, de TEA. Prezado cursista, dessa forma, resgatamos a problemática que norteou esta aula, sendo ela: o que comprovadamente funciona para ajudar no tratamento de autistas? Diante dos elementos apresentados, inferimos que a mente do TEA, sua engrenagem, não está acoplada à sua mecânica, isto é, sua mente está no cérebro, porém, não compõe harmonicamente com ele, está solta, funcionando Consciência Subjetividade, Abstração, Aquisição de conhecimentos Idealização do real Realidade concreta MUNDO DO TEA FORA DO PROCESSO DE CONSCIENCIA. 17 de maneira autônoma. As causas dessa desarmonia são desconhecidas. Porém, suas consequências são que, às vezes, a engrenagem do TEA faz com que ele desenvolva com facilidade atividades que sujeitos neurotípicos acham difíceis, como matemática, desenho ou música. Ou as atividades que são fáceis para os demais se apresentam difíceis para o TEA, como as interações sociais, por exemplo. Entendemos que os sentidos que movem a engrenagem da mente dentro da mecânica do cérebro, conforme a velocidade das informações recebidas e processadas sobre o mundo exterior. Entretanto, no TEA, a engrenagem da mente se movimenta de forma alheia à mecânica do cérebro. E como é ele responsável em significar as informações e regular a velocidade dessa engrenagem, para que ocorra uma compreensão do que está sendo transmitido, a falta dessa mecânica acarreta em uma sobrecarga e confusão da mente, afetando a forma como a consciência do mundo se constrói:alheia ao próprio mundo. Com isso, todos os estímulos externos são processados com a mesma velocidade e sem controle de intensidade, ou seja, sons, cores, multidões, abstrações estão sem o controle mecânico do cérebro. Por não compreender a si mesmo, o TEA, na grande maioria dos casos, não consegue expressar como se sente, dessa maneira, mesmo que sua mente se encontre caótica, externamente apresenta uma aparência de equilíbrio, ordem e clareza. À vista disso, o TEA não consegue desacelerar sua engrenagem da mente, e como ela está desacoplada da mecânica do cérebro, o TEA não sabe e não consegue solicitar ajuda externa. Enquanto os sujeitos neurotípicos desenvolvem comportamentos para se sentirem calmos em situações de desconfortos maneirismos ritualísticos considerados normais, os TEAs também desenvolvem comportamentos que os ajudam a passar por tais momentos. Mas essas ações se apresentam diferentes do que se considera como normalidade, entretanto, é apenas a forma que desenvolveram para se acalmarem. E, quando essas estereotipias ocorrem, é porque eles estão enfrentando situações incontroláveis. Enfim, pessoas com autismo necessitam de tempo para serem conhecidos, para que a partir disso se estabeleça o melhor método para conhecê-los. Com isso, toda a nosologia deixa de ser o plano principal acerca do entendimento do TEA. Conforme Freire (2012, p. 36), Evidência que ainda não se sabe exatamente o fenômeno que o termo autismo refere-se, diante disso, salienta que o analista não deve reduzir o sujeito as classificações como justificáveis aos fenômenos 18 apresentados, ou seja, é não desconsiderar o ser, o sujeito. Em vista disso, o trabalho clínico com o autista, na perspectiva da psicanálise, levanta debates entre os psicanalistas, em razão de que para uns o autismo está no campo das psicoses, em decorrência de que alguns fenômenos apresentados na clínica estão presentes na estrutura das psicoses, como as alucinações. Enquanto para outros analistas, como por exemplo, jerusalinsky, que considera o autismo como uma quarta estrutura clínica. Vale ressaltar, que a psicanálise atua a partir das três dimensões de estruturas clínicas, sendo elas, neurose, psicose e perversão. Para essa corrente, o autismo requer orientar-se sobre o corpo e a linguagem. Entendo que, na psicanálise, o corpo é algo a construir, e para Lacan (2007) o corpo expressa o uso do verbo "ter": tem-se um corpo, no TEA não se é um corpo em nenhuma ecoeficiência. Premissa que leva à inferência de que não há pertença de um corpo no autismo. O TEA adota o corpo do outro e o conduz para seu objetivo, como encontrando nesse outro corpo a essência que ele não tem. Nesse sentido, o tratamento mais adequado é aquele que ajuda o autista a inventar um modo de se ligar a seu corpo. 19 REFERÊNCIAS BODGAN, R.; BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação – uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. BOSA, C. A. Autismo: intervenções psicoeducacionais. 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