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Capítulo 1
DIREITO, HERMENÊUTICA 
E INTERPRETAÇÃO
O tema da hermenêutica e da interpretação jurídicas 
remetem-nos ao processo de aplicação da lei realizado pelo 
Poder Judiciário. Sob essa ótica, só faz sentido interpretar-
mos a lei tendo em vista um problema que requeira solu-
ção legal. Mas a aplicação da lei deverá atender, antes de 
tudo, o indivíduo e a sociedade a quem ela serve. Por isso, 
pensamos a lei em função de situações específicas, ou de 
casos concretos que envolvem pessoas.
A norma jurídica encontra-se sempre referenciada a 
valores na medida em que defende comportamentos ou 
serve de meio para atingirmos fins mais elevados. Assim, o 
problema jurídico, que envolve situação de natureza valo- 
rativa, deve ser compreendido. Compreender é buscar o 
significado de alguma coisa em função das razões que a 
orientam. Buscar os valores subjacentes à lei, e que fogem 
da mera relação causa-efeito. Para aplicá-los, não basta de-
tectarmos o fato e encaixá-lo a uma lei geral e abstrata
13
dando-lh e con cretu de , com o se a sub sunção da prem issa 
m enor à pre m issa m aior con ferisse um a solução n ecessá-
ria, m ed ian te op eração pu ram ente form al. N ão . O d ireito 
é com p rom etid o com valores, e a norm a que b u scam os no 
tex to através da interpretação encontra-se relacionada a 
um a situação h istórica da qual fazem parte o su je ito (in tér-
p re te ) e o o b je to a ser in terpretado (fato e n orm a). A ssim , 
p o d em o s a firm ar que o p ro cesso de in terpretação e de 
aplicação das le is correspon de a um a situ ação herm enêuti-
ca , da qual nos fala G ad a m er .13
H erm es, na m ito logia grega, era u m deu s de m uita agi-
lid ade e sapiência. A o nascer, desfez-se sozinho da banda- 
gem q ue o envolvia e ganhou as estradas. C o n fo rm e Jun ito 
B randão14 nos relata , H erm es logo furto u um rebanho de 
A poio , p rend end o no rabo das ovelhas um ram o que, arras-
tad o ao chão, apagava seus rastros. A o ser indagado por 
Z eus, seu pai, sobre o ocorrido, depois de algum a relutân -
cia concord ou em dizer a verdade, m as não tod a a verdade 
ou não a v erd ad e por inteiro. E d essa form a, H erm es to r-
nou-se o m ensageiro pred ileto dos deu ses: aquele que d e-
tém o con hecim ento e que é capaz de dec ifrar co rretam en-
te as m ensagen s divinas. C on h eced or e in térp rete das von-
tad es ocu ltas, H erm es ganhou fam a de sáb io , torn an do- 
se im p o rtan te , m a is tard e , para o d ese n v o lv im en to da 
ciên cia .
D aí se segue que a visão h erm enêu tica atual é aquela 
que privilegia a b usca do con hecim ento de algo que não se 
apresen ta de form a clara. A com plex idade d as ciências so -
13. Cf. Hans-Georg Gadamer. Verdady metodo. Sígueme: Salaman- 
ca, 1993; e O problema da consciência histórica. Fundação Getulio 
Vargas: Rio de Janeiro, 1998.
14. Cf. Junito de Souza Brandão. Mitologia grega, vol. II, p . 191.
14
ciais, sempre referidas a valores, faz com que a verdade se 
apresente de forma oculta ou que seja, ao menos, discutí-
vel. Cabe falarmos em hermenêutica nesta área do conhe-
cimento que não se submete à certeza da investigação 
científica. E o direito não foge à regra. A hermenêutica 
jurídica refere-se, assim, a todo um processo de interpre-
tação e aplicação da lei que implica a compreensão total do 
fenômeno que requer solução.
1 .1 0 direito no âmbito da compreensão
O conhecimento que requer compreensão difere de 
qualquer outro cuja repetição dos fenômenos seja possível 
e, portanto, previsível. E o caso das ciências empíricas, 
como a física, a química e a biologia, que possuem regras 
capazes de permitir-nos controlar, com algum rigor, a 
ocorrência de seus fenômenos. As ciências do espírito, por 
sua vez, dizem respeito às relações humanas que, por si só, 
implicam uma relação histórica e de liberdade.15 São rela-
ções que se estabelecem no campo da ética; fogem da re-
15. Gadamer define as ciências do espírito em função do comporta-
mento ético do homem, tomando por base Aristóteles, da seguinte 
forma: “As ciências do espírito fazem mais parte do saber moral. São 
ciências morais. Seu objeto é o homem e o que este sabe de si mesmo. 
Agora bem, este saber-se a si mesmo como ser que atua, e o saber que 
tem de si mesmo não pretende comprovar o que é. O que atua trata 
antes com coisas que nem sempre são como são, senão que podem ser 
também distintas. Nelas descobre em que ponto pode intervir sua 
atuação; seu saber deve dirigir seu fazer.” Verdade e método, p. 386.
Já a dimensão humana, própria das ciências do espírito, e que o 
positivismo afasta, é explicitada por Paul Ricoeur desta forma: "O 
homem não é radicalmente um estranho para o homem, porque forne-
ce sinais de sua própria existência. Compreender esses sinais é com-
preender o homem.” Interpretação e ideologias, p. 25.
15
petição e da imutabilidade, enquanto admitem, em lugar 
destas, a variedade e a probabilidade.16 Logo, as ciências do 
espírito, por corresponderem a aspectos inerentes à exis-
tência humana, foram muitas vezes relegadas ao estudo da 
moral e da religião, porque incapazes de produzir uma ver-
dade cientificamente comprovada. Com a virada da filoso-
fia, em meados do século passado,17 para a ontologia e para 
o existencialismo, em que ganham proeminência o ser no
16. A respeito da atividade inovadora do espírito, capaz de instaurar 
formas novas de ser e de viver, ao contrário da natureza, que se repete, 
ensina o mestre Miguel Reale: “Se a natureza, como natureza, obedece 
a leis de uma previsão pelo menos estatística, e se os fatos naturais 
marcam um nexo de causa e efeito ou de funcionalidade, segundo o 
princípio de que nada acontece que não seja através de uma transfor-
mação do já existente, que nada cria de novo, porque tudo, de certa 
maneira, se repete, já o espírito representa a inserção de algo de con-
tingente na natureza, e ao mesmo tempo de vinculante do particular 
em uma compreensão de totalidade. [...] Ora, graças à verificação de 
tais fatos, podemos afirmar que o espírito humano se projeta sobre a 
natureza, dando-lhe uma dimensão nova. Esta dimensão nova são va-
lores, como a fonte de que promanam. O valor, portanto, não é proje-
ção da consciência individual, empírica e isolada, mas do espírito mes-
mo, em sua universalidade, enquanto se realiza e se projeta para fora, 
como consciência histórica, na qual se traduz a interação das consciên-
cias individuais, em um todo de superações sucessivas. [...] O elemen-
to de força, de domínio ou de preponderância dos elementos axiológi- 
cos ou dos valores resultaria, portanto, dessa tomada de consciência 
do espírito perante si mesmo, através de suas obras: os valores, em 
última análise, obrigam, porque representam o homem mesmo, como 
autoconsciência espiritual; e constituem-se na história e pela história 
porque esta é, no fundo, o reencontro do espírito consigo mesmo, do 
espírito que se realiza na experiência das gerações, nas vicissitudes do 
que chamamos ‘ciclos naturais', ou civilizações.” Introdução à filoso-
fia, p. 154 e 155.
17. José Lamego aponta para uma "virada hermenêutica” no final da 
década de 1960, precedida de um amplo debate sobre a “tópica”. Cf. 
Hermenêutica e jurisprudência, p. 96.
16
seu acontecer, a ciência também aproveita para rever seus 
parâmetros formalistas, orientando-se para uma nova dire-
ção, marcada, agora, pelo pluralismo, pela intersubjetivi- 
dade e pela experiência histórica. Por outro lado, as mais 
recentes investigações sobre a razão moral têm apontado 
para uma base argumentativa que sugere o resgate da retó-
rica e da tópica antigas.
A esfera da vida referente ao agir encontra-se antes su-
jeita à compreensão do sentido que ensejou a ação, do que 
à simples explicação de relações que lhe tenham servido 
de causa. A idéia é a de que as ações humanas, orientadas 
para finalidades, encontram-se inseridas em um porquê 
histórico, da mesmaforma que o intérprete é um ser tam-
bém historicamente orientado e que faz parte de uma tra-
dição. A norma jurídica constitui-se, assim, em um fazer 
humano, carregado de sentido. E o direito, propriamente 
dito, não é norma geral, porém, norma individual, pois so-
mente as decisões dos juizes é que efetivamente obrigam. 
Com a sentença é que sabemos, efetivamente, qual o nosso 
direito ou a nossa obrigação. Antes disso, a norma atua 
apenas como parâmetro e orientação para a conduta, sem 
imputar qualquer dever, como diria Kelsen. Para nós, o 
direito apresenta-se jungido à própria hermenêutica, uma 
vez que a sua existência, enquanto significação, depende 
da concretização ou da aplicação da lei em cada caso julga-
do. Assim, apoiamo-nos na filosofia de Hans-Georg Gada- 
m er,18 que se baseia na relação fática entre compreensão e
18. Apesar de Gadamer não estabelecer uma nítida distinção entre 
compreensão e interpretação, conforme pretendemos, porque os en-
tende como similares, a sua concepção ôntica e historicista sobre a 
hermenêutica serve aos nossos propósitos.
José Lamego também trabalha a filosofia de Gadamer em termos 
de hermenêutica como filosofia prática, aproximando as noções de 
verdade e de compreensão como contraponto da visão historicista he-
17
interpretação, no âmbito da experiência, conforme estabe-
lecido anteriormente por Heidegger,19 e Dilthey,20 que já 
havia referenciado a hermenêutica à dinâmica da vida.21
geliana, que propõe para o direito o método científico-espiritual. A 
respeito escreve: “Já não assim as impostações que acompanham a 
viragem ontológica da hermenêutica: segundo estas, a hermenêutica, 
como modalidade de filosofia prática, implicará a superação do méto-
do — e a questão das garantias da objetividade —, para desembocar 
diretamente na questão da verdade, entendida esta não como correspon-
dência, mas, em termos hermenêuticos, como desocultação (aletheia). E, 
deste modo, a compreensão remeteria para a virtude dianoética da 
phronesis, tratando-se na aplicação hermenêutica não apenas de coor-
denar a situação particular à pauta geral, mas, nessa coordenação con-
seguida (i.e., a realização de uma applicatio), potenciar a realização 
das possibilidades do direito enquanto ser possível dentro do seu con-
texto vital, quer dizer, permitir a realização do justo concreto. Ou seja: 
por via da hermenêutica fundamentar-se-ia uma concepção jusnatura- 
lista que daria, simultaneamente, conta da dimensão de historicidade 
de todo o direito.” Hermenêutica e jurisprudência, p. 90-91.
19. Para Heidegger, a compreensão é um campo de possibilidades que 
se abre ao ser presente. Na compreensão, a presença projeta seu ser 
para possibilidades. E um poder-ser que repercute sobre a presença 
das possibilidades enquanto abertura. Por sua vez, o projetar da com-
preensão possui a possibilidade própria de se elaborar em formas, e 
Heidegger chama essa elaboração de interpretação. Na interpretação, 
a compreensão se torna ela mesma e não outra coisa, diz ele. Por fim, 
a interpretação se funda existencialmente na compreensão e não vice- 
versa: “o mundo já compreendido se interpreta.” Cf. Ser e tempo, p. 
204.
20. Gadamer, em Verdade e método, faz muitas referências a Dilthey, 
pelo viés historicista que este inaugura no âmbito da hermenêutica, 
apesar de acabar se distanciando do mesmo. Betti é quem mais de 
perto seguirá Dilthey, perseguindo o propósito, comum a ambos, de 
estabelecer uma metodologia de interpretação capaz de fundar uma 
ciência jurídica. Sobre o projeto de Dilthey e Betti, conferir o que diz 
José Lamego, Hermenêutica e jurisprudência, p. 61, 114, 185 a 187; e 
Richard Palmer, Hermenêutica, p. 55 a 73.
21. Essa linha hermenêutica também tem sido trabalhada por Inocên-
18
1.2 Direito e interpretação
Entendemos que a existência do direito, enquanto nor-
ma individual e concreta, corresponde à sua compreensão, 
para a qual se abrem várias possibilidades interpretativas. 
De fato, a concretização da norma é feita mediante a cons-
trução interpretativa que se formula a partir da e em dire-
ção à compreensão. Podemos definir interpretação como a 
ação mediadora que procura compreender aquilo que foi 
dito ou escrito por outrem.22 Como ação responsável e não 
aleatória, procura-se, por meio da interpretação, um signi-
ficado que seja aceito ao menos por aqueles a quem inte-
ressa ao intérprete, adotando-se, para tanto, técnicas de 
argumentação.
Em contrapartida, tanto o direito objetivo, que corres-
ponde à ratio legis, quanto o direito subjetivo, referente à
cio Mártires Coelho, no âmbito do direito constitucional. Nesse sen-
tido, vale consultar o livro Hermenêutica constitucional — direitos 
fundamentais. Vide bibliografia.
22. De acordo com Edmond Ortigues (Enciclopédia Einaudi, Impren-
sa Nacional — Casa da Moeda, Portugal, 1987), no verbete Interpre-
tação, “diremos que interpretar é compreender, reformulando ou re- 
exprimindo sob uma forma nova; a interpretação consiste em mostrar 
algo: ela vai do abstrato ao concreto, da fórmula à respectiva aplicação, 
à sua ilustração ou à sua inserção na vida.”
José Lamego, cuja tese também se apóia na proposta hermenêuti-
ca de Heidegger e Gadamer, apesar de não estabelecer claramente 
uma distinção entre compreensão e interpretação, como fazemos, es-
creve: “Para uma hermenêutica assente em pressuposições existen- 
ciais-ontológicas, a atitude interpretativa ou compreensiva terá que 
ver não com questões de subjetividade ou objetividade do sentido de 
algo que é dado ao intérprete, mas de um agir mediador que elabore 
e potencialize as possibilidades projetadas no compreender, identifica-
do este, na expressão de Heidegger, com o ser de tal poder-ser.” Her-
menêutica e jurisprudência, p. 91.
19
intenção do autor numa situação específica, inserem-se no 
campo histórico da compreensão. O direito, como obra 
humana, é compreendido, e não explicado, a partir de re-
lações necessárias de causa e efeito, como se para cada pro-
blema jurídico houvesse uma única, inequívoca e verdadei-
ra resposta. O direito, como as demais ciências do espírito, 
corresponde a um acontecer, que cabe ser interpretado se-
gundo os valores que comandam a sua ação, tanto interna 
quanto externamente.23 Internamente seria a própria ratio 
legis e, externamente, a inserção histórica do intérprete, se 
é que ambas as posições podem vir desassociadas. A exis-
tência do direito conforma-se, assim, a uma tradição cultu-
ral determinada, mas que não pode ser encarada sob uma 
perspectiva reducionista, uma vez que admite valores 
universais válidos também para outras épocas e outros lu-
gares.
Compreender é indagar sobre as possibilidades do sig-
nificado de um acontecer próprio das relações humanas. E, 
nesse sentido, acreditamos que o direito só existe quando 
compreendido. Um código, por exemplo, contém regras 
gerais e abstratas constituídas em função de hipóteses pro-
váveis, mas que só ganham um significado concreto quan-
do remetidas à própria prática, ou melhor, quando condu-
zidas pela ação, seja a ação de quem as tenha elaborado, 
como o legislador que prevê a realização de uma prática, 
seja a de quem produz a transferência da regra de um cam-
po virtual dado, que é o código, para um campo de signifi-
cado real — o juiz quando decide.24
23. Os valores que comandam a ação advêm tanto do ato do legislador, 
quando este decide o caso típico (valores internos à lei), quanto do ato 
do juiz, quando, com base na decisão do legislador, decide o caso 
concreto (valores externos ao âmbito restrito da lei).
24. A esse respeito escreve Perelman: "O direito, tal como funciona
20
Nossa hipótese é a de que o processo de compreensão 
se concretiza por meio da argumentação, que, tecnicamen-
te viabiliza a interpretação. De outro lado, verifica-se que 
a compreensão, como movimento oposto ao da explicação 
racional-demonstrativa, insere-se no campo das possibili-
dades. E possível aquilo que é verossímil, ou seja, aquilo 
que aparentaverdade, sem, no entanto, pretender sê-la.25 
A verossimilhança não depende de fatos ocorridos, mas da 
probabilidade da realização de um projeto. Ora, essas pos-
sibilidades nos são apresentadas mentalmente conforme 
tratadas pela retórica ou pela teoria da argumentação; é o 
momento em que o pensamento dialético se instaura.26 A 
argumentação, por sua vez, é a técnica que visa ao acordo 
sobre a escolha do significado que pareça mais adequado às
efetivamente, é essencialmente um problema de decisão: o legislador 
deve decidir quais serão as leis obrigatórias numa comunidade organi-
zada, o juiz deve decidir sobre o que é o direito em cada situação 
submetida ao seu juízo. Mas nem o legislador nem o juiz tomam deci-
sões puramente arbitrárias: a exposição dos motivos indica razões por 
que uma lei foi votada e, num sistema moderno, toda sentença deve 
ser motivada. O direito positivo tem como correlativo a noção de 
decisão, senão razoável, pelo menos raciocinada." Cf. Ética e direito, 
p. 376.
25. Olivier Reboul, de forma bastante sintética, atribui o caráter de 
verossímil a “tudo aquilo em que a confiança é presumida". Cf. Intro-
dução à retórica, p. 95.
26. Perelman definirá argumentação em oposição a demonstração, da 
seguinte forma: “Demos o nome de argumentação ao conjunto das 
técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão das 
mentes às teses que se apresentam ao seu assentimento; sendo o ter-
mo tradicional demonstração reservado aos meios de prova que possi-
bilitam concluir, a partir da verdade de certas proposições, pela de 
outras proposições, ou ainda, no terreno da lógica formal, passar, com 
a ajuda de regras definidas de transformação, de certas teses de um 
sistema a outras teses do mesmo sistema.” Perelman, Retóricas, p. 
369.
21
partes discursivas; acordo este fundamentado em provas 
concretas e opiniões amplamente aceitas. Com a argumen-
tação temos condições de “visualizar” a compreensão, na 
medida em que esta se traduz em algo de concreto.27
O direito admite, pois, uma superposição entre duas 
esferas: a da compreensão da norma e a da compreensão 
do fato, levadas a cabo pelo ser historicamente presente, 
que se utiliza, paja tanto, do procedimento argumentativo. 
Tecnicamente, a argumentação viabiliza o acordo capaz de 
formular a compreensão através de uma interpretação que 
sirva de fundamento à solução mais razoável.
O método do direito é, portanto, o método tópico- 
hermenêutico. Cada situação deve ser compreendida em 
função do problema que apresenta e da tradição histórica 
na qual se insere. Mas o seu instrumental é argumentativo. 
Dessa forma, podemos dizer que o direito consiste na rea-
lização de uma prática que envolve o método hermenêutico 
da compreensão e a técnica argumentativa.
Para nós, o método diz respeito à orientação para o co-
nhecimento, e a técnica, às regras que dirigem essa ativida-
de. Logo, compreensão e concretização encontram-se inti-
mamente relacionadas: existe o que se compreende em 
função imediata de um aplicar. Assim, a realidade do direi-
to é a mesma realidade de sua compreensão.28
27. Quando Heidegger diz que a interpretação funda-se na compreen-
são e não vice-versa, ele considera os pré-juízos como ponto de partida 
para toda a compreensão. Esses pré-juízos funcionam no nosso esque-
ma como topoi.
Para Heidegger, a interpretação sempre se funda numa visão pré-
via, que “recorta” o que foi assumido na posição prévia, segundo uma 
possibilidade determinada de interpretação. Cf. Ser e tempo, p. 206-7.
28. Para Gadamer, “a realidade histórica é igual à realidade do com-
preender histórico.” Verdade e método, p. 370.
22
A hermenêutica mostra-se presente quando, segundo 
Vattimo,29 Nietzsche anuncia a morte do deus da metafísi-
ca,30 entendida esta última como “a descrição universal-
mente válida de estruturas permanentes e essenciais à 
compreensão do mundo”.31 A descrição objetiva dos fatos 
segue-se a busca da verdade mais persuasiva e responsável, 
originária da interpretação, isto é, uma interpretação que 
pretende validade até aparecer outra, concorrente, que a 
destitua.32
O autor situa a hermenêutica na filosofia que se desen-
volve ao longo do eixo Heidegger-Gadamer.33 E olhando 
dessa forma, anota que a hermenêutica revela os seus dois 
aspectos constitutivos: o da ontologia, privilegiado neste
1.3 Hermenêutica e interpretação
29. Gianni Vattimo. Para além da interpretação: o significado da her-
menêutica para a filosofia.
30. Vattimo finaliza o capítulo intitulado "A vocação niilística da her-
menêutica”, evocando Nietzsche e o sentido da morte de Deus para a 
modernidade, “isto é, da dissolução da verdade como evidência pe-
remptória e ‘objetiva’. Até agora, [afirma,] os filósofos acreditaram 
em descrever o mundo, é chegado o momento de interpretá-lo...”. 
Para além da interpretação, p. 27.
31. Vattimo, ob. cit., p. 23.
32. Passagem ilustrativa sobre a importância da argumentação e de sua 
matriz intersubjetiva, no processo de interpretação, encontramos no 
texto de Vattimo: "Os argumentos que a hermenêutica oferece para 
sustentar a própria interpretação da modernidade são conhecidos por 
serem ‘apenas’ interpretações; não porque acreditam em deixar fora 
de si uma realidade verdadeira, que poderia ser lida de modo diferen-
te; mas sim porque admitem não se poder apelar, pela própria valida-
de, a nenhuma evidência objetiva imediata. Isto porque o seu valor 
está na capacidade de dar lugar a um quadro coerente e compartilha-
do, na expectativa de que outros proponham um quadro alternativo 
mais aceitável.” Ob. cit., p. 24.
33. Cf. p. 14.
23
nosso trabalho, e o da lingüisticidade.34 Gadamer critica o 
cientificismo e o metodologismo modernos para reivindi-
car a busca da verdade além dos limites do método cientí-
fico positivo, a começar pela verdade da experiência, como 
ato interpretativo. Dessa forma, passemos à análise do 
tema, buscando um pouco das suas origens.
Como vimos, a origem do termo Hermenêutica tem 
como referência Hermes, o enviado divino que na Grécia 
antiga levava a mensagem dos deuses aos homens. Signifi-
cava trazer algo desconhecido e ininteligível para a lingua-
gem humana. Richard Palmer nos diz que o verbo herme- 
neuein, usualmente traduzido como “interpretar”, e o 
substantivo hermeneia, como interpretação, significam 
transformar aquilo que ultrapassa a compreensão humana 
em algo que essa inteligência consiga compreender.35 O 
autor aponta ainda três tarefas específicas da hermenêuti-
ca como mediação, quais sejam: dizer, explicar e traduzir. 
Dizer, no sentido de anunciar ou afirmar algo, relaciona-se, 
antes, com a ação anunciadora de Hermes: trazer notícias 
fiéis das divindades. No entanto, o predomínio da palavra 
entre os gregos fez com que a linguagem falada e sua ver-
tente performática ganhassem relevo, e a hermenêutica 
passasse a ser vista como ars. Explicar torna-se mais im-
portante do que simplesmente expressar, na medida em 
que as palavras racionalizam e clarificam algo; é quando 
ganha ênfase o aspecto discursivo da compreensão. E, 
quanto a traduzir, significa que o hermeneuta torna com-
preensível o que é estrangeiro, estranho ou ininteligível.
34. Nesta linha poderíamos apontar o trabalho de Lenio Luiz Streck. 
Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da 
construção do Direito.
35. Ver Richard Palmer. Hermenêutica.
24
Em Roma, a hermenêutica desenvolveu-se muito com 
a própria prática jurídica. Os pretores e os jurisconsultos 
diziam o direito para cada caso concreto, sem qualquer 
pretensão de generalidade. Mas essas decisões consolida-
ram-se com o tempo, transformando-se em máximas que 
se tornaram muitas vezes obrigatórias.36
A hermenêutica alcançou notável proeminência no 
campo religioso. O problema de interpretar corretamente 
a palavra de Deus era comum ao povo judeu em relação ao 
Antigo Testamento; aos cristãos, ao Novo Testamento; e 
aos protestantes, em relação à Reforma. Durante a Idade 
Média, aanálise sistemática sobre a evidência da revelação 
divina deu origem à Teologia,37 e a hermenêutica assumiu 
o aspecto exegético da correta interpretação dos textos sa-
grados, dando ensejo ao seu desenvolvimento no campo 
filológico.
36. O valor do argumento de autoridade em Roma é grande, haja vista 
a Lei das Citações, promulgada por Constantino no século IV d.C. 
Este estatuto legal veio corroborar o que a prática já havia confirmado: 
a sabedoria dos jurisprudentes notáveis tinha legitimidade para esten- 
der-se a situações similares. De acordo com a Lei das Citações, o juiz 
deveria aplicar as opiniões de Ulpiano, Modestino, Gaio, Papiniano e 
Paulo, da seguinte forma: em primeiro lugar, prevalece a opinião da 
maioria; em caso de divergência, acolhe-se a opinião de Papiniano; 
finalmente, não havendo regras específicas para o caso, cabe ao juiz 
adotar a tese que lhe pareça melhor.
37. Na Escolástica, por exemplo, procurava-se organizar racionalmen-
te as idéias divinas sob a perspectiva da fé. A racionalidade encontra-
va-se no instrumental utilizado, que era o texto, por meio do qual 
transmitiam-se as idéias reveladas. Na Idade Média existiam os “co-
mentários” e as “sumas”. Os primeiros originavam-se diretamente da 
explicação do texto, enquanto as sumas apresentavam, de forma ra-
cionalmente ordenada, a síntese dos princípios extraídos dedutiva-
mente dos textos divinos. Vide J. M. Fateaud, no prefácio à 2a edição 
brasileira de Discurso do método, de Descartes: Editora Martins Fon-
tes, 1996.
25
Para o direito, no entanto, foi extremamente significa-
tiva a atividade dos glosadores da Universidade de Bolo-
nha, durante os séculos XI e XII. Com a descoberta, em 
1080, as leis romanas compiladas por ordem do Imperador 
Justiniano no século VI d.C., mais tarde chamadas de Cor- 
pus luris Civilis, iniciou-se todo um esforço acerca do seu 
entendimento e compreensão, de forma a adotar-se, na 
prática medieva, o exemplo romano. Segundo Wieacker, 
“a Idade Média sentiu a cultura antiga como uma forma 
modelar e atemporal da sua própria vida”.38
O desenvolvimento das cidades italianas justificou a 
formação de uma corporação própria — a Universidade 
—, destinada aos estudos jurídicos para a formação de fun-
cionários públicos, como síndicos, procuradores, notários 
e advogados.39 Como o texto jurídico romano era muito 
difícil, antes de mais nada ele deveria ser explicado. E do 
resultado da interpretação feita pelos professores apare-
cem as glosas, palavra por palavra, linha por linha,40 para 
logo alcançar todo o sistema, visto como um todo har-
mônico, a reunir as partes, conforme princípios de or-
dem geral.
A técnica expositiva da Escola de Bolonha ligava-se, se-
gundo Wieacker, à tradição do ensino trivial.41 Segundo o 
mesmo informa, mantinham-se “ainda as figuras de expli-
cação e de raciocínio elaboradas originalmente pela lógica,
38. Franz Wieacker. História do direito privado moderno, p. 42.
39. Idem, Ibidem, p. 40 e 41.
40. As glosas ganharam robustez nos seus significados, tornando-se 
fecunda fonte de consulta para os práticos e estudiosos do direito. 
Destaque para a Glossa Ordinaria de Accurius (1250), considerado o 
maior trabalho de interpretação, na época, sobre o Digesto.
41. Durante o século XI, o trivium correspondia ao ensino dos ele-
mentos básicos da cultura da época: gramática, lógica e retórica; o 
quadrivium, à música, à geometria, à aritmética e à física.
26
pela gramática e pela retórica gregas, aplicadas, inicial-
mente pelos eruditos alexandrinos, à exegese dos textos 
filológicos: a glosa gramatical ou semântica, a exegese ou 
interpretação do texto, e a distinção. [...] Como ratio 
scripta, o texto isolado de um jurista constituía, em si mes-
mo, sem referência à sua conexão com o conjunto de todos 
os textos, uma verdade.”42 No entanto, “a convicção do 
domínio de uma ratio sobre todo o conjunto da tradição 
conduziu a investigação hermenêutica à procura do senti-
do global de todo o texto, para apresentá-lo em cadeias 
silogísticas, pois se cada texto encerra a verdade da autori-
dade absoluta, um texto não pode contradizer outro igual-
mente verdadeiro”.43
O método de análise escolástico, por sua vez, foi fator 
responsável pelo aparecimento da dogmática jurídica, tal 
como ocorrera com a religião. De acordo com J. Harold 
Berman, o método escolástico pressupunha a absoluta au-
toridade de certos livros, que continham um completo e 
integrado corpo doutrinário, como era o caso do Corpus 
Iuris Civilis e da Bíblia, corporificando a razão. Verifica- 
se, assim, que a chamada ciência do direito e a ciência da 
teologia formam-se na mesma época.44
42. Wieacker, ob. cit., p. 47 e 50.
43. Idem. Ibidem, p. 53.
Com a interpretação das Escrituras Sagradas, já se tem a noção da 
relação circular existente entre o todo e as partes, que não abandonará 
mais a hermenêutica. Quem nos chama a atenção para tal fato é Hans- 
Georg Gadamer. Segundo ele, o sentido literal da Escritura não se 
entende inequivocamente em todas as suas passagens nem em todos 
os momentos. É o conjunto da Sagrada Escritura que guia a compreen-
são do individual, tal como no inverso, em que este conjunto só pode 
empreender-se quando realizada a compreensão individual. O sentido 
de unidade passa, assim, a servir de pressuposto dogmático para toda 
a hermenêutica. Cf. Gadamer, Verdade e método, p. 227.
44. Cf. Berman. Law and Revolution, p. 131 e 132.
27
O romantismo e o renascimento também se ocupam da 
recuperação das obras clássicas, procurando, na correta 
utilização da palavra e da língua, ser fiel ao espírito da épo-
ca antiga. Em um e outro caso, trata-se, na realidade, do 
redescobrimento de algo cujo sentido era estranho e ina-
cessível, e não, propriamente, de algo novo. O que se pre-
tendia, nesses casos, era pôr a descoberto o sentido original 
dos textos através de um procedimento quase artesanal, 
que implicava a aprendizagem de outras línguas. Posterior-
mente, sob a influência do historicismo, a hermenêutica 
abandona o seu aspecto puramente exegético, na medida 
em que é reconhecida a necessidade de se interpretarem 
tanto as circunstâncias históricas que ensejaram a criação 
de um texto quanto as circunstâncias que determinam a 
sua posterior utilização. Mas é com o movimento da Ilus-
tração e o pensamento científico moderno que interpreta-
ção e hermenêutica deixam de significar a mesma coisa. A 
hermenêutica passa, então, a se comportar como ciência, 
preocupando-se com as técnicas próprias do fazer inter- 
pretativo. E, ao investir na questão do método, a herme-
O método dialético era bastante utilizado como forma de resolver 
problemas de contradição no texto. Como exemplo do papel da dialé-
tica escolástica na formação do direito ocidental, temos o tratado do 
monge de Bolonha, Graciano, escrito por volta de 1140, intitulado, 
sugestivamente, A Concordance of Discordant Canons. Segundo Ber- 
man, Graciano foi quem, na Idade Média, primeiro explorou, de for-
ma sistemática, as implicações legais dessas distinções e arranjou as 
várias fontes de direito em ordem hierárquica. Ele começou interpon-
do o conceito de direito natural entre os conceitos de direito divino e 
de direito humano. O direito divino era a vontade de Deus refletida 
na revelação, especialmente a revelação da Sagrada Escritura, e o di-
reito natural, também refletido na vontade de Deus, poderia ser en-
contrado tanto na revelação divina quanto na razão e consciência hu-
manas. Cf. Law and Revolution, p. 145.
28
nêutica ganha particular importância para a filosofia e para 
a teoria do conhecimento.45 No entanto, a ênfase dada à 
linguagem matemática acaba por inserir a hermenêutica no 
campo da lógica formal, e é apenas com a fenomenologia 
desenvolvida por Husserl e Heidegger que ela passa a ser 
vista como compreensão, revelando-se na consciência do 
próprio ser.
Para Heidegger, a compreensão consiste no movimen-
to básico da existência, no sentido de que compreender não 
significaum comportamento do pensamento humano en-
tre outros que se possa disciplinar metodologicamente e, 
portanto, conformar-se como método científico. Consti-
tui, antes, o movimento básico da existência humana.46 
Compreender, para Heidegger, “é a forma originária de 
realização do estar aí, do ser-no-mundo”.47 Gadamer dirá 
que compreender é experiência.
45. Filosofia como reflexão sobre o conhecimento e “teoria do conhe-
cimento” aquela que procura a verdade objetiva, com base na distin-
ção existente entre sujeito e objeto.
Gadamer diz que a hermenêutica atual, incentivada pela desco-
berta das ciências humanas, não trata de definir simplesmente um 
método específico, mas sim fazer justiça a uma idéia inteiramente 
diferente de conhecimento e de verdade. As ciências humanas, afir-
ma, não se limitam a pôr um problema para a filosofia. Ao contrário, 
elas põem um problema de filosofia. Cf. O problema da consciência 
histórica, p. 20.
A respeito da relação existente entre hermenêutica e teoria do 
conhecimento, vale conferir o que diz Raimundo Bezerra Falcão, em 
Hermenêutica, p. 87 e segs.
46. Cf. Gadamer, “Hermenêutica clássica e hermenêutica filosófica” 
[1977], in Verdade e Método II, p. 105, e Palmer, ob. cit., p. 134.
47. Verdade e método, p. 325.
A idéia de “mundo” corresponde ao conjunto de condições geográ-
ficas, históricas, sociais e econômicas, em que cada pessoa está imersa.
29
No século XX, seguindo a esteira do historicismo de 
Dilthey,48 que considerava a reflexividade como base da 
experiência, e da ontologia heidegeriana,49 à luz da retoma-
da da questão do ser, o Professor Hans-Georg Gadamer 
traz a hermenêutica para o campo da práxis ou da filosofia 
prática.50 Deixa claro que seu objetivo é dar continuidade
48. Reconhecidamente, Dilthey empreendeu um notável esforço no 
sentido de dar objetividade metodológica às “ciências do espírito”, 
assumindo o problema da relatividade. A partir da importância da 
consciência do condicionamento histórico, Dilthey procurou conver-
ter em ciência a experiência histórica. Porém, segundo Gadamer, 
Dilthey não conseguiu escapar das amarras do cartesianismo, manten-
do a experiência como algo transcendente ao próprio ser. Não obstan-
te, Dilthey teria conseguido cumprir a tarefa que considerou sua, de 
justificar epistemologicamente as ciências do espírito, pensando o 
mundo histórico como um texto a ser decifrado. Cf. Verdade e méto-
do, páginas 211 & 304, e “Extensão e limites da obra de Wilhelm 
Dilthey”, em O problema da consciência histórica, p. 27 e segs.
49. De acordo com Gadamer, “sob o termo chave de uma hermenêuti-
ca dafaticidade Heidegger opõe à fenomenologia eidética de Husserl, 
e a distinção entre fato e essência sobre a qual repousa, uma exigência 
paradoxal. A faticidade do estar aí (Dasein), a existência, que não é 
suscetível nem de fundamentação nem de dedução, é o que deve 
erigir-se em base ontológica da fenomenologia, e não o puro cogito 
como constituição essencial de uma generalidade típica.” Verdade e 
método, p. 319.
50. Gadamer, ao trabalhar com o problema hermenêutico da aplica-
ção, reporta-se a Aristóteles. Apesar de Aristóteles não tratar direta-
mente do problema hermenêutico nem da sua dimensão histórica, na 
Ética trata do desempenho da razão na atuação moral. Como as cha-
madas “ciências do espírito” possuem como base a vida e o homem, 
nas suas relações interindividuais, e o que ele sabe de si mesmo, o 
saber que lhe é próprio é o saber moral e não o teórico ou científico. 
O saber moral ou a phronesis, tal como descreve Aristóteles, não é 
evidentemente um saber objetivo, na medida em que o seu conhecer 
não decorre da constatação de fatos, mas daquilo que se faz. Aquele 
que atua trata antes com coisas que nem sempre são como são, senão
30
à proposta de Heidegger, ao reconhecer que o conceito da 
compreensão não é mais um conceito metódico, mas o ca-
ráter ôntico original da vida humana mesma.51
Segundo Gadamer, o estar a í é, na realização do seu 
próprio ser, compreender. Mas, na realidade, nem o conhe-
cedor nem o conhecido “se dão” “onticamente”, mas “his-
toricamente”, isto é, participam do modo de ser da histo- 
ricidade. Pertencer é condição para o sentido originário do 
interesse histórico. O problema da faticidade, que aparece 
em Heidegger, era também o problema central do histori- 
cismo, e isto significa que o ser determina-se no horizonte 
do tempo. “A tese de Heidegger é de que o ser mesmo é 
tempo".52
O ponto central da teoria de Gadamer, que diz respei-
to ao problema da verdade e da compreensão no âmbito 
das ciências do espírito,53 é a análise da “consciência da 
história efetiva”, traduzida para o inglês como historically 
effected consciousness.54 A consciência da história efetiva é 
a consciência da situação hermenêutica, portanto, do mo-
mento de realização da compreensão.55 Gadamer defende
que podem ser também distintas. Nelas descobre em que ponto pode 
intervir sua atuação; seu saber deve dirigir seu fazer. Cf. Verdade e 
método, p. 383 a 386.
Sobre a visão aristotélica de raciocínio prático, e a noção de próai- 
resis, vale também conhecer o trabalho de Alasdair Maclntyre, Justiça 
de quem? Qual racionalidade?
51. Cf. Gadamer. Verdade e método, p. 325.
52. Idem, p. 322. (Grifo nosso.)
53. Essa temática é abordada na segunda parte de sua principal obra: 
Verdade e método.
54. Ver Hans-Georg Gadamer. Truth and Method, Tradução de Joel 
Weinsheimer e Donald G. Marshall, The Continuum Publishing 
Company, New York, 1994.
55. Gadamer. Verdade e método, p. 372.
31
a idéia de que não é tarefa da hermenêutica descobrir mé-
todos para uma correta interpretação, mas refletir sobre o 
acontecer da própria interpretação, que no âmbito das 
ciências do espírito corresponde mais especificamente à 
compreensão.56 O indivíduo compreende-se a si mesmo 
através da consciência que tem de sua situação histórica. A 
idéia de situação ligam-se, por sua vez, as idéias de tradi-
ção e de horizonte. Todo ser histórico encontra-se inserido 
na tradição e ocupa determinada posição que lhe delimita 
horizontes. O ser humano, devido à sua condição histórica, 
é, por isso, um ser limitado. O horizonte, para Gadamer, é 
o âmbito de visão que alcança e encerra tudo o que é visível 
a partir de um determinado ponto. Não obstante, ter hori-
zonte não significa estar limitado àquilo que nos cerca mais 
de perto, mas poder ver, inclusive, por cima dele. Horizon-
te é apenas a dimensão do que o homem compreende e 
que ajuda a compreender-se a si mesmo. Aquele que tem 
horizonte consegue valorar o significado das coisas que se 
encontram dentro ou fora dele, segundo padrões de per-
to/longe, grande/pequeno, etc. A mobilidade histórica im-
pede a existência de horizontes únicos, ao passo que o ho-
rizonte se move conforme quem se move: não é a cons-
ciência histórica que põe em movimento o horizonte, mas 
na consciência histórica este movimento se faz consciente 
de si mesmo.
Por outro lado, de acordo com a teoria de Gadamer, o 
horizonte do presente encontra-se em constante forma-
56. Para Gadamer, a compreensão é menos um método através do 
qual a consciência histórica se aproxima do objeto eleito para alcançar 
o seu conhecimento objetivo do que um processo que tem como pres-
suposto o estar dentro de um acontecer tradicional. Cf. Verdade e 
método, p. 380.
32
evand
Manuscrito
ção, na medida em que colocamos constantemente em 
prova os pré-juízos formados sob as bases da tradição. O 
horizonte do presente não se forma à margem do passado; 
ao contrário, é a fusão desses horizontes que possibilita a 
compreensão. O novo e o velho fundem-se em um novo 
horizonte que se supera, à medida que acompanha um pro-
cesso de crescimento até atingirem uma validez nova e sig-
nificativa. Sintetizando, é este o entendimento de Gada-
mer:
O projeto de um horizonte histórico é, portanto, uma 
fase ou momento na realização da compreensão, e não se 
consolida na auto-alienação de uma consciência passada, 
masse recupera no próprio horizonte compreensivo do pre-
sente. Na realização da compreensão tem lugar uma verda-
deira fusão horizôntica que com o projeto do horizonte his-
tórico leva a cabo simultaneamente sua superação. A realiza-
ção controlada da fusão damos o nome de “tarefa da cons-
ciência histórico-efetiva”.57
A idéia de horizonte sustenta-se num dos principais pi-
lares da construção teórica de Gadamer, que é a idéia de 
tradição, uma vez que o tempo passa a ser visto não como 
um precipício que deve ser transposto para a recuperação 
do passado, mas é, na realidade, o solo que mantém o devir 
e onde o presente cria raízes. Dessa forma,
A “distância temporal” não é uma distância no sentido 
de uma distância que deva ser transposta ou vencida. Esse 
era o preconceito ingênuo do historicismo, que acreditava 
poder alcançar o terreno da objetividade hitórica através de 
um esforço para se colocar na perspectiva da época estudada 
e pensar com os conceitos e representações que lhes eram
57. Idem, p. 377.
33
“próprias”. Trata-se, na verdade, de considerar a "distância 
tem poral”como fundamento de uma possibilidade positiva 
e produtiva de compreensão. Não é uma distância a percor-
rer, mas uma continuidade viva de elementos que se acumu-
lam formando uma tradição, isto é, uma luz à qual tudo o 
que trazem os conosco de nosso passado, tudo o que nos é 
transmitido faz a sua aparição.58
O que Gadamer procura não é manter o passado me-
diante uma postura conservadora, mas, antes, desmistifi- 
car esse passado. Diante do que chama de ingenuidade do 
objetivismo histórico, busca distinguir os preconceitos que 
cegam daqueles que, ao contrário, esclarecem: os precon-
ceitos falsos, dos verdadeiros. A tradição, além do solo que 
nos une com o passado, apresentando o presente, atua 
também como instância objetiva a propiciar a integração e 
a comunicação. Nas palavras de Gadamer, enquanto apro-
priação espontânea e produtiva de conteúdos transmiti-
dos, a tradição “é o elo concreto entre todos nós”; “o espe-
lho em que cada um de nós se reconhece”,59 e que promo-
ve a consciência histórica da situação hermenêutica, pois 
“compreender é operar uma mediação entre o presente e 
o passado, é desenvolver em si mesmo toda a série contí-
nua de perspectivas na qual o passado se apresenta e se 
dirige a nós”.60
Nesse sentido, apresenta-se a dialética do pensamento 
gadameriano: toda experiência só pode ser compreendida 
porque referenciada ao passado, numa relação de confron-
to. De acordo com Gadamer, o novo opõe-se ao antigo, e 
nunca se sabe qual prevalecerá, isto é, se o novo será incor-
58. O problema da consciência histórica, p. 67-8.
59. Idem, p. 44 e 45, respectivamente.
60. Idem, p. 71.
34
evand
Manuscrito
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Manuscrito
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Manuscrito
porado à consciência, como experiência, ou se o antigo, 
costumeiro e previsível, reconquistará sua consistência. A 
experiência precisa triunfar sobre a tradição sob pena de 
fracassar por causa dela, e o novo deixaria de sê-lo se não 
tivesse que se afirmar contra alguma coisa.61
Gadamer foi duramente criticado, principalmente por 
Emílio Betti,62 por ignorar em toda a sua obra os métodos 
hermenêuticos ou de interpretação, ameaçando a objetivi-
dade do método histórico.63 Por isso Gadamer se defende 
no prólogo à segunda edição de sua principal obra, Verda-
de e método, sustentando nunca ter se proposto a tal, mui-
to menos a oferecer uma teoria geral da interpretação. An-
tes, pretendeu mostrar o que é comum a toda maneira de 
compreender, porque acredita que a tarefa da hermenêu-
tica não é desenvolver um procedimento da compreensão, 
mas iluminar as condições sob as quais se compreende. 
Neste sentido, Gadamer sustenta que “a compreensão não 
é nunca um comportamento subjetivo com respeito a um 
‘objeto’ dado, senão que pertence à história efetiva, isto é, 
ao ser do que se compreende”;64 e assim afasta-se de toda
61. É o que autor apresenta em O problema da consciência histórica, 
p. 14.
62. Dentre as obras mais significativas de Emilio Betti a respeito da 
interpretação no direito destacam-se: Teoria Generale delia Interpre- 
tazione. Milano: D.A. Giuffré, 1955; e Interpretazione delia Legge e 
degliAtti Giuridici. Milano: D. A. Giuffrè, 1971.
63. Richard Palmer nos dá notícia desta polêmica. Segundo ele, "do 
ponto de vista de Betti, Heidegger e Gadamer são os críticos destruti-
vos da objetividade, que pretendem mergulhar a hermenêutica num 
pântano de relatividade, sem quaisquer regras. É a integridade do pró-
prio conhecimento histórico que está a ser atacada e é preciso defen-
dê-la com firmeza.” Hermenêutica, p. 56.
64. Verdade e método, p. 13-4.
“A compreensão é menos um método através do qual a consciên-
35
corrente filosófica que estabelece uma posição bipolar en-
tre o sujeito-intérprete e o objeto. Feito isso, elimina qual-
quer consideração referente ao grau de subjetividade do 
intérprete frente ao máximo de objetividade que se requer 
para o conhecimento exato da coisa. O que ele faz é inserir 
tanto um quanto outro em um processo histórico do qual 
ambos fazem parte.
Na realidade, Gadamer cria sua teoria sob o problema 
da consciência histórica.65 Acompanha Reinhardt Kosel- 
leck, no âmbito do historicismo, quando este aponta para 
a mudança de paradigma ocorrida entre o renascimento e 
a modernidade, quando a História deixa de orquestrar o 
conhecimento, apresentando seus exemplos, de onde po-
deríamos chegar à verdade, para dar lugar ao surgimento 
de uma nova consciência crítica.66 Segundo Gadamer, o 
aparecimento de uma tomada de consciência histórica, im-
posto pelo problema epistemológico trazido pelas “ciên-
cias humanas” desde Dilthey, revela “o privilégio do ho-
mem moderno de ter plena consciência da historicidade 
de todo presente e da relatividade de toda opinião” .67 Em 
suas palavras,
cia histórica se acercaria do objeto eleito para alcançar seu conheci-
mento objetivo que um processo que tem como pressuposto o estar 
dentro de um acontecer tradicional. [...] A distinção entre uma função 
normativa e uma função cognitiva rompe definitivamente o que clara-
mente é uno.” Idem, p. 381 e 382.
65. Veja a série de conferências proferidas em 1958, no Instituto Su-
perior de Filosofia de Louvain, logo antes de Verdade e método, e que 
foram publicadas com o mesmo título: O problema da consciência 
histórica, sob a organização de Pierre Fruchon, em 1963. No Brasil, 
contamos com a tradução de Paulo Cesar Duque Estrada, e com a 
publicação pela Fundação Getulio Vargas Editora, em 1998.
66. Ver Reinhardt Koselleck. Futuro passado: para uma semântica dos 
tempos históricos, p. 43 e segs.
67. O problema da consciência histórica, p. 17.
36
A vida moderna começa a se recusar a seguir ingenua-
mente uma tradição ou um conjunto de verdades aceitas 
tradicionalmente. A consciência moderna assume — preci-
samente como “consciência histórica” — uma posição refle-
xiva com relação a tudo o que lhe é transmitido pela tradi-
ção. A consciência histórica já não escuta beatificamente a 
voz que lhe chega do passado, mas, ao refletir sobre a m es-
ma, recoloca-a no contexto em que ela se originou, a fim de 
ver o significado e o valor relativos que lhe são próprios. Esse 
comportamento reflexivo diante da tradição chama-se inter-
pretação .68
A interpretação, então, aplica-se a tudo o que nos é 
transmitido pela história, exigindo uma postura de refle-
xão e mediação, de forma a trazermos o verdadeiro signifi-
cado do texto. A interpretação de um texto, por exemplo, 
não é uma comunicação entre pessoas: autor e intérprete, 
mas a participação no tema que o texto comunica. Assim 
Gadamer sugere que deixemos o texto nos interpelar, tor- 
nando-se presente, contemporâneo. A compreensão não é 
tanto um processo subjetivo, afirma, e nem uma questão 
de nos situarmos numa tradição ou num "evento" que nos 
transmita esta tradição. A compreensão é, antes, uma par-
ticipação na corrente da tradição, num momento em que 
se misturampassado e presente. O verdadeiro ponto de 
referência não é a subjetividade do autor nem a do leitor, 
mas a própria significação histórica, ou seja, a significação 
assumida por nós, situados no presente.69
68. Idem, p. 18-9. Grifo nosso.
69. Richard Palmer. Hermenêutica, p. 188-9.
Palmer sintetiza a idéia de compreensão no pensamento de Gada-
mer da seguinte forma: “A compreensão [...] é sempre um evento 
histórico, dialético, lingüístico — nas ciências, nas ciências humanas, 
na cozinha. A hermenêutica é a ontologia e a fenomenologia da com-
37
A questão da interpretação recai principalmente sobre 
os textos escritos, notadamente o direito, que se encontra 
circunscrito à norma posta. O primeiro problema que se 
nos apresenta é o do distanciamento histórico entre a ori-
gem do texto carregado das intenções do seu autor, bem 
como do espírito da sua época, e o momento atual em que 
a lei, ou o texto, é interpretado e aplicado. A respeito, 
anota Gadamer: “Quando compreendemos um texto, não 
nos colocamos no lugar do outro e nem é o caso de pensar 
que se trata de penetrar a atividade espiritual do autor; 
trata-se, isso sim, de apreender simplesmente o sentido, o 
significado ou a perspectiva daquilo que nos é transmitido. 
Em outros termos, cuida-se de apreender o valor intrínse-
co dos argumentos apresentados.”70 Da mesma forma, 
aplicar não significa “ajustar uma generalidade já dada an-
tecipadamente para desembaraçar em seguida os fios de 
uma situação particular.” Diante de um texto, por exem-
plo, continua Gadamer, “o intérprete não procura aplicar 
um critério geral a um caso particular: ele se interessa, ao 
contrário, pelo significado fundamentalmente original do 
escrito de que se ocupa.”71
Sobre a comunicação escrita é ainda bastante ilustrati-
va a contribuição de Paul Ricoeur. O autor trabalha com a
preensão. A compreensão não é concebida de modo tradicional como 
um ato da subjetividade humana mas como o modo essencial que 
Dasein tem de estar no mundo. As chaves para a compreensão não são 
a manipulação e o controle, mas sim a participação e a abertura, não é 
o conhecimento, mas a experiência, não é a metodologia mas sim a 
dialética. Para Gadamer, o objetivo da hermenêutica não é avançar 
com regras para uma compreensão objetivamente válida mas sim con-
ceber a própria compreensão de um modo tão lato quanto possível.” 
Hermenêutica, p. 216.
70. O problema da consciência histórica, p. 59.
71. Cf. O problema da consciência histórica, p. 57.
38
relação dialógica do discurso, que tem no significado de 
sua mensagem a instância capaz de aproximar locutor e 
ouvinte. Segundo Ricoeur, na fala, enquanto discurso oral, 
o discurso é o evento da linguagem. Os eventos se esvane- 
cem, mas o seu significado permanece, podendo, inclusi-
ve, ser dito novamente e de outra forma. A propósito, pre- 
ceitua que “a supressão e superação do evento na significa-
ção é uma característica do próprio discurso, isto é, se todo 
o discurso se atualiza como um evento, é compreendido 
como significação.”72 E dessa forma, sustenta que com a 
fala a nossa competência lingüística se atualiza na perfor-
mance que, enquanto acontecimento, consegue estabele-
cer a transição da lingüística do código para a lingüística da 
mensagem.
O código, ou sistema da língua, possui apenas uma 
existência virtual e fora do tempo, sendo o discurso quem 
o realiza temporalmente e num momento presente. O dis-
curso oral permite uma identificação mais fácil e imediata 
do sujeito, do verbo e do predicado em um determinado 
contexto que auxilia na interpretação mais adequada dos 
seus termos muitas vezes polissêmicos. Mas com a escrita, 
esta imediaticidade desaparece e o significado ganha um 
outro contexto. O autor e a sua conjuntura, que funda-
mentam a primeira intenção da mensagem, desvinculam- 
se da própria mensagem, que ganha autonomia. A signifi-
cação, definida por Ricoeur como aquilo que o falante quer 
dizer, ganha com a escrita uma outra dimensão. Segundo 
ele, a escrita fixa não o evento da fala, mas o “dito”, que é 
a exteriorização intencional do par “evento-significação”. 
O que escrevemos é o noema (intenção de comunicabilida- 
de) do ato de falar, ou seja, a significação do evento.73 Con-
72. Paul Ricoeur. Teoria da interpretação, p. 24.
73. Idem, p. 39.
39
tudo, com o discurso escrito a intenção do autor e o signi-
ficado do texto deixam de coincidir, ganhando o texto au-
tonomia semântica: “o que o texto significa interessa agora 
mais do que aquilo que o autor quis dizer quando o escre-
” 74veu.
Com a escrita, o discurso se abre para o mundo, isto é, 
para um número indefinido de leitores e, conseqüente-
mente, de interpretações. Sobre o “auditório” ao qual a 
mensagem se dirige, escreve Ricoeur:
Enquanto o discurso falado se dirige a alguém que é 
previamente determinado pela situação dialógica — é dirigi-
do a ti, a segunda pessoa — um texto escrito dirige-se a um 
leitor desconhecido e, potencialmente, a quem quer que 
saiba ler. Esta universalização do auditório é um dos efeitos 
mais notáveis da escrita e pode expressar-se em termos de 
um paradoxo. Porque o discurso está agora ligado a um su-
porte material, torna-se mais espiritual, no sentido de que é 
libertado da estreiteza da situação face a face.75
E mais: “Graças à escrita, o homem e só o homem tem 
um mundo e não apenas uma situação.”76
Cabe lembrar aqui, tal como procede o próprio Ri-
coeur, a idéia de projeto como esboço de um novo “estar 
no mundo”, conforme fizeram Heidegger e Gadamer so-
bre o processo hermenêutico. Entretanto, Ricoeur vê a ex- 
terioridade como condição necessária deste processo.77 Na
74. Idem, p. 41.
75. Idem, p. 42.
76. Idem, p. 47.
“Para mim, o mundo é o conjunto das referências desvendadas por 
todo o tipo de texto, descritivo ou poético, que li, compreendi e 
amei". Ricoeur, Teoria da Interpretação, p. 49.
77. Ao assumir a exterioridade originária do distanciamento histórico,
40
hermenêutica, a apropriação pelo intérprete do texto, que 
goza de autonomia, faz-se à medida que ele assume o “tu”, 
isto é, concebe como “seu” o que é alheio. Apropriar-se 
significa tornar semelhante o que é estranho, de forma a 
possibilitar sua assimilação pelo leitor presente. A inter-
pretação tem assim a tarefa de atualizar a significação do 
texto como um evento. E, enquanto apropriação, a inter-
pretação torna-se um acontecimento. A respeito, ensina 
Ricoeur:
Aquilo de que importa apropriar-se é o sentido do pró-
prio texto, concebido de um modo dinâmico como a direção 
do pensamento aberta pelo texto. Por outras palavras, aqui-
lo de que importa apropriar-se nada mais é do que o poder 
de desvelar um mundo, que constitui a referência do texto. 
Desta maneira, estamos o mais longe possível do ideal ro-
mântico de coincidir com uma psiquê alheia. Se se pode 
dizer que coincidimos com alguma coisa não é com a vida 
interior do outro ego, mas com o desvelamento de um modo 
possível de olhar para as coisas, que é o genuíno poder refe-
rencial do texto.78
Sobre este apropriar-se, mais uma vez nos reportamos 
a Gadamer, quando nos chama a atenção para a posição do 
intérprete na tradição. Pertencer à tradição significa co-
mungar dos fundamentos que sustentam e informam o 
pré-juízo, e que levam a uma situação ao mesmo tempo de 
familiaridade e estranheza diante da “coisa”, que pode ser 
o texto. Para Gadamer, o “ponto médio" entre a objetivi-
dade da distância histórica e o pertencer a uma tradição,
Ricoeur não se afasta da fenomenologia heideggeriana (baseada na 
consciência do ser presente), empenhando-se, ao contrário, em assu- 
mi-la. Vide Interpretações e ideologias, p. 40.
78. Ricoeur. Teoria da interpretação, p. 104.
41
ou o “ponto médio” que caracteriza a estranheza e a fami-
liaridade, é o verdadeiro locus da hermenêutica.79
Tanto Ricoeur quanto Gadamer posicionam-se a favor 
da objetividade hermenêutica capaz de ver no texto uma 
vontade própria ou que se abre ao intérprete, inde-
pendentementeda vontade de quem lhe deu origem. 
Atualmente é ponto pacífico na hermenêutica jurídica a 
prevalência da razão objetiva da lei sobre a razão subjetiva 
ou originária. Não há qualquer dúvida quanto à necessida-
de da lei responder ou fundamentar uma solução que de-
verá ser dada a uma determinada situação concreta, me-
lhor dizendo, a uma situação atual. Dessa forma, caberá ao 
intérprete, que é o aplicador da lei, adequá-la ao momento 
presente, conferindo-lhe o melhor significado de direito. 
A criatividade do intérprete faz-se sentir na teoria gadame- 
riana quando é dito, por exemplo, que “o sentido de um 
texto supera o seu autor não ocasionalmente senão sem-
pre. Por isso a compreensão não é nunca um comporta-
mento só reprodutivo, mas sempre produtivo.80
79. Cf. Gadamer. Verdade e método, p. 365.
A idéia de “pertencimento”, que traduz a onticidade da herme-
nêutica de Gadamer, corresponde ao fator tradição no comportamen-
to histórico-hermenêutico. A hermenêutica, escreve Gadamer, "deve 
partir do fato de que compreender é estar em relação, a um só tempo, 
com a coisa mesma que se manifesta através da tradição e com uma 
tradição de onde a ‘coisa’ possa me falar. [...] Precisamente sobre a 
tensão que existe entre a ‘familiaridade’ e o caráter ‘estranho’ da men-
sagem que nos é transmitida pela tradição é que fundamos a tarefa 
hermenêutica. Mas a tensão de que falamos não é, como em Schleier- 
macher, uma tensão psicológica. É, isso sim, o sentido e a estrutura da 
historicidade hermenêutica. [...] No que se refere ao caráter a um só 
tempo ‘familiar’ e ‘estranho’ das mensagens históricas, a hermenêuti-
ca reivindica uma 'posição mediadora’.” O problema da consciência 
histórica, p. 67.
80. Idem, p. 366.
42
Já vimos que, para Gadamer, a compreensão é expe-
riência e faticidade, ou seja, corresponde a um processo 
que tem como pressuposto o estar dentro de um acontecer 
tradicional, ao passo que a interpretação seria a forma ex-
plícita da compreensão.
A interpretação não é um ato complementar e posterior 
ao da compreensão, senão que compreender é sempre inter-
pretar, e em conseqüência a interpretação é a forma explíci-
ta da compreensão.81
Encontrar-se dentro de um acontecer tradicional signi-
fica experimentar a situação; e daí Gadamer fala na herme-
nêutica da experimentação como uma forma de juízo mo-
ral.82 Cabe ao intérprete compreender o verdadeiro senti-
do de um texto na concreção de sua execução adequada. 
Gadamer aqui assume uma perspectiva neo-aristotélica, 
retomando o sentido de phronesis, por considerar que “a 
tarefa da decisão moral é acertar com o adequado em uma 
situação concreta, isto é, ver o que nela é correto e fazê- 
lo.”83 Sendo que, para Aristóteles, julgar acertadamente é, 
ainda, julgar segundo a verdade.84
O sentido de adequação corresponde antes à aplicação 
no processo hermenêutico, uma vez que a compreensão se 
mostra como um acontecer. Interpretar um texto é esta-
81. Idem, p. 378.
82. Aristóteles, na Ética a Nicômacos, também vincula a ação moral à 
experiência referida ao hábito: “quanto à excelência moral, ela é o 
produto do hábito, [...] a excelência moral é engendrada em nós, mas 
a natureza nos dá a capacidade de recebê-la, e esta capacidade se 
aperfeiçoa com o hábito.” (1103 b)
83. Verdade e método, p. 388.
84. Ética a Nicômacos, 1143 b, p. 123.
43
belecer a sua relação com o presente, aplicá-lo à situação 
presente.
Evidentemente, a compreensão se mede segundo um 
padrão que não está contido nem na literalidade da ordem 
nem na verdadeira intenção daquele que a dá, senão unica-
mente na compreensão da situação e na responsabilidade 
daquele que obedece.85
No direito talvez esta questão fique mais clara, porque 
o seu acontecer corresponde a uma decisão de caráter con-
creto, quando a lei é chamada a servir de parâmetro para 
uma decisão presente. Gadamer reconhece a exemplarida- 
de do modelo jurídico para a hermenêutica, cuja tônica é a 
aplicação. Entretanto, não vê na hermenêtuica jurídica um 
caso especial, encontrando-a capacitada a reunir a velha 
unidade do problema hermenêutico em que se encontra 
tanto o jurista quanto o teólogo e o filósofo.86
Na realidade, não se trata de subsumir um fato a uma 
idéia geral, porque, a nosso ver, a idéia da norma já nasce, 
para o intérprete, concreta; e concreta, justamente, por-
que adstrita ao fato que se compreende.87 Logo, a com-
preensão não é propriamente um método, na qualidade de 
condição técnica de um fazer, mas um processo que verifi-
camos no seu acontecer e que tem como pressuposto o 
estar aí, ou seja, o participar de uma tradição.88
85. Verdade e método, p. 407.
86. Cf. Verdade e método, p. 401.
87. “Aplicar o direito significa pensar conjuntamente o caso e a lei de 
maneira tal, que o direito propriamente dito se concretize”, escreve 
Gadamer em A razão na época da ciência, p. 51. E de concretização 
em concretização temos, como resultado, um franco projetar da juris-
prudência.
88. Gadamer. Verdade e método, p. 380.
44
Essas considerações sustentam nossa hipótese de admi-
tir o direito como concretização. A norma só ganha signifi-
cado quando assume uma posição concreta, ou melhor, 
quando se revela realmente. O direito, como elemento éti-
co da vida social — teoria da vida reta —, pretende realizar 
o bem. Daí concordarmos com Gadamer quando mostra 
que “a interpretação correta das leis não é uma simples 
teoria da arte, uma espécie de técnica lógica da subsunção 
sob parágrafos, mas uma concreção prática da idéia do Di-
reito. A arte dos juristas é também o cultivo do Direito.”89
O existencialismo de Gadamer serve de base ao nosso 
projeto, na medida em que vemos a compreensão do direi-
to em função de sua existência concreta. O direito se reve-
la na sua existência, quando interpretado e aplicado. Mas 
não como um processo espontâneo ou natural, pois as leis 
são volitivas, feitas pelo homem, com intenções definidas 
sobre valores, interpretadas e aplicadas também sobre va-
lores relativos a cada situação específica, o que faz com 
que devam ser compreendidas.
O juiz, a seu turno, tem que cuidar de decidir, e, por 
isso, quando procura adequar a lei às necessidades do pre-
sente, na realidade procura resolver uma tarefa prática. 
Seu trabalho não se compara à do historiador que busca 
entender o passado, mas, antes, se ocupa da própria histó-
ria, que é o seu próprio presente.90
Em outro momento, Gadamer aponta para o aspecto 
intersubjetivo da compreensão, sob sua dimensão prática, 
com o que podemos aproximá-lo da Nova Retórica. Com-
preender, antes de mais nada, diz ele, significa entender-se 
uns aos outros. Compreender é, para começar, acordo.91 E,
89. Idem, p. 63-4.
90. Idem, p. 400.
91. Idem, p. 232.
45
sob a ênfase dada à condição dialética e intersubjetiva da 
compreensão, que envolve a relação pergunta/resposta, 
objeção/refutação, enfim, a contestação, que por sua vez 
obedece a todo um esforço argumentativo, Gadamer acre-
dita que “o verdadeiro problema da compreensão aparece 
quando, no esforço para compreender um conteúdo se co-
loca a pergunta reflexiva de como haveria o outro chegado 
à sua opinião.”92
No livro A razão na época da ciência, ao tratar da di-
mensão prática da compreensão no mundo moderno, G a-
damer procura chamar a atenção para os efeitos perversos 
da comunicação de massas e seu poder de manipulação nas 
sociedades contemporâneas, e que não raro levam a um 
individualismo exacerbado.93
A Hermenêutica, como teoria da interpretação, não é 
simplesmente uma teoria. De modo muito claro, desde os 
tempos mais remotos, até hoje, a Hermenêutica esboçou 
sempre a exigência de que sua reflexão acerca das possibili-
dades, regras e meios de interpretação sirva e promova, de 
modo imediato, a práxis, [...]. De modo semelhante ao que 
acontece com a retórica, a Hermenêutica pode designar 
uma capacidade natural do homem, isto é, a capacidade de 
um contato compreensivo com os homens.94
E a propósito, ressalta o caráter ético dapráxis aristo- 
télica, acreditando que “é próprio da capacidade criadora 
do homem o inventar desejos e buscar logo as vias para sua 
satisfação. Porém, isto não muda em nada o fato de que o
92. Idem, p. 233.
93. N esse sentido, ver especialmente o capítulo intitulado “O que é a 
práxis? As condições da razão social”, em /4 razão na época da ciência, 
p. 41 a 56.
94. Gadamer. A razão na época da ciência, p. 61.
46
desejar não é querer, não é práxis. À práxis pertence o 
escolher, e decidir-se em favor de algo e contra algo”,95 isto 
é, saber preferir um ao outro e escolher conscientemente 
entre as possibilidades.96
De fato, o caráter de liberdade de escolha e de decisão, 
apontado por Gadamer como parte de uma relação natural 
entre os homens, leva-nos a aproximá-lo da Nova Retórica 
proposta por Chaim Perelman, principalmente no que diz 
respeito ao acordo.
E próprio da argumentação chegar-se ao acordo, que, 
conforme anota Rui Alexandre Grácio, produz uma verda-
de apenas temporária e revisível, cuja única vantagem é ser 
funcional, ou seja, permitir estabelecer princípios que diri-
jam o pensamento e a ação, resolvendo situações ao menos 
em um determinado momento.97 A racionalidade, que in-
forma e viabiliza o acordo, serve de base a um “novo” 
modo de pensar humano, mais voltado para a vida em so-
ciedade, e que se apresenta como um novo paradigma filo-
sófico, em contraposição às posições monolíticas caracte-
rísticas da filosofia tradicional.98
Cabe-nos ainda destacar os aspectos de liberdade e am-
pla participação daqueles que promovem o acordo, ao lhes 
permitir um tipo de pensar mais amplo e contrário ao pen-
samento linear.99 Mas, a respeito do aspecto paradoxal
95. Idem, p. 51.
96. Idem, p. 59.
97. “O acordo torna-se fundamental, sob o ponto de vista prático, 
porque implica diretamente na organização das relações sociais.” É o 
que diz Rui Alexandre Grácio no estudo que faz sobre a obra de Perel-
man, Racionalidade argumentativa, p. 11.
98. Esta é a tese desenvolvida por Rui Alexandre Grácio em Raciona-
lidade argumentativa.
99. Veremos, ainda, que todo pensamento tópico tem, necessaria-
mente, como base o acordo.
47
oriundo dos limites ao acordo, pela sua circunstancialida- 
de, escreve Grácio:
Lim itações que se, por um lado, nos expõem à precarie-
dade dos acordos, à conflitualidade dos debates e à instabi-
lidade das discussões, abrem-nos, por outro, a um mundo 
humano em que a liberdade de opinião e o direito ao livre 
exame se podem sempre assumir e praticar como alternati-
va à tirania de profetas iluminados que procuram encerrar a 
contingência do pensamento na prisão das verdades neces-
sárias e universais.100
Podemos ainda inferir que, tanto Gadamer quanto Pe- 
relman, ao se indisporem contra o cartesianismo, que de- 
sassocia a teoria da prática, trabalham com a idéia de razão 
que se assume na sua historicidade. Através da noção de 
“auditório”, que resgata da retórica antiga, Perelman nos 
permitirá falar de uma razão histórica e situada, bem como 
pensar a racionalidade a partir da sua própria encarna-
ção.101 Logo, como integrantes da corrente tópico-retórica, 
podemos distinguir aqueles pensadores que reconhecem a 
tradição como elemento que fundamenta a compreensão, 
em lugar de servir-lhe de obstáculo. Descartes, ao contrá-
À propósito da diferença existente entre o pensamento linear e o 
pensamento que assume a complexidade do contexto em que é gera-
do, anota Perelman em O império retórico: “o pensamento linear se-
gue um encadeamento de idéias rigoroso, no qual a dedução não deve 
nunca saltar um elo da cadeia, pois “onde um ponto for omitido, por 
menor que seja, logo a cadeia se rompe e toda a certeza da conclusão 
desvanece” (p. 134, nota 20). Mais adiante continua: “Mas se se muda 
de foro, sendo o raciocínio assimilado, não a uma cadeia, mas a um 
tecido cuja trama é constituída por argumentos entrelaçados, imedia-
tamente se vê que a sua solidez é de longe superior a cada um dos fios” 
(p.134, nota 21).
100.Cf. Grácio. Racionalidade argumentativa, p. 11.
101. Idem, p. 69.
48
rio, reprova expressamente a influência dos costumes, dos 
valores e das opiniões em suas considerações sobre a razão 
por considerá-los fatores de origem indefinida e obscura 
que contaminam a pureza e a clareza do raciocínio.
Um outro aspecto que também nos levará a aproximar 
as concepções ontológicas e existencialistas de Gadamer 
com a proposta de uma racionalidade argumentativa feita 
pela Nova Retórica refere-se à questão da deliberação, isto 
é, da escolha que se verifica no âmbito da práxis, ampla-
mente explorada por ambos os autores. Os homens, assu-
mindo a sua liberdade e as suas diferenças, adotam posi-
ções mediante escolha, que comporta, outrossim, justifi-
cativa. Mas, antes, cabe reconhecer a participação da his-
tória (comunhão gerada pela tradição) nas nossas escolhas 
e, até mesmo, na nossa interpretação do mundo, notada- 
mente para o que se dá no campo jurídico, circunscrito à 
dogmática.
1.4 Dogmática e interpretação: o círculo hermenêutico
Como toda obra humana, que corresponde a um pro-
cesso de criação, o direito tem a sua marca valorativa. Por 
conseguinte, o direito tem como sentido não só os valores 
que concebem a intenção, ou a vontade, do sujeito que faz 
a lei, como também os valores incorporados à tradição his-
tórica na qual ela se insere. Isso encontra referência tanto 
na vontade do autor quanto na vontade do intérprete, en-
quanto seres históricos pertencentes a épocas distintas. O 
direito, no momento de sua criação, pelo ato originário do 
legislador ou pelo ato decisório do juiz, aplica-se às neces-
sidades práticas de todos aqueles que, direta ou indireta-
mente, se encontrem envolvidos na tarefa de interpretar a 
lei, ganhando um significado de natureza volitiva, o que faz
49

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