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1º RESUMO

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
A HISTÓRIA DA MÚSICA OCIDENTAL
“A SITUAÇÃO DA MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO”
PROFESSOR: TICIANO BIANCOLINO
ACADÊMICA: VALÉRIA NUNES DE JESUS
MARINGÁ
2013
A SITUAÇÃO DA MÚSICA NO FIM DO MUNDO ANTIGO
A história nos montra através do tempo que a música passou por muitas transformações acorridas até os dias de hoje. Quem teve a oportunidade de viver no período do século V numa província do Império Romano poderia constatar arenas, templos, estradas, que outrora construídos para multidões, vidas e vidas, gerações e gerações, estão perdidas em ruínas no tempo e no espaço. Local que por muito tempo reinara a paz foi invadida por bárbaros que aos poucos foram desagregando uma civilização que depois de muitos séculos teria as condições de se constituir numa nova civilização, ou seja, juntar os pedaços do que havia sobrado do declínio dando origem a nações modernas.
Nesse sentido a queda e o declínio de Roma marcaram tanto a história que até nos dias de hoje temos grandes dificuldades em percebermos que paralelo ao processo de destruição se iniciava um processo inverso de criação pautado e centrado na igreja cristã. Esta instituição até o século X foi o principal e na maioria das vezes o único laço unificador da cultura Europeia.
A primeira comunidade cristã, apesar de perseguições durante trezentos anos cresceu por todas as regiões do império. O imperador Constantino adotou uma política de tolerância após a sua conversão, em 312, e fez do cristianismo a religião da família imperial. Em 395 a unidade política do mundo antigo foi formalmente desfeita, com a divisão em Império do Oriente e Império do Ocidente, cujas capitais eram Bizâncio e Roma. Quando foi deposto o último imperador do Ocidente em 476, os alicerces do poder papal estavam já tão firmemente estabelecidos que a Igreja encontrava-se em condições de assumir a missão civilizadora e unificadora de Roma.
A HERANÇA GREGA
Recebemos como herança dos gregos talvez uma das maiores riquezas, da história da música ocidental, que teve início com a música da igreja cristã. Ao longo de toda a Idade Média e ainda nos dias de hoje, artistas e intelectuais têm ido continuamente a Grécia e a Roma a procura de ensinamentos, correções e inspiração nos mais diversos campos de atividades. Isto também é válido para a música, embora com algumas diferenças importantes em relação às outras artes. A literatura romana, por exemplo, nunca deixou de exercer a sua influência ao longo da Idade Média. Virgílio, Ovídio, Horácio e Cícero continuaram sempre a ser estudados e lidos. Esta influência tornou-se bem mais importante nos séculos XIV e XV, à medida que foram sendo conhecidas mais obras romanas, ao mesmo tempo ia sendo gradualmente recuperado aquilo que sobrevivera da literatura grega. Contudo, no domínio da literatura, bem como em vários outros campos como, por exemplo, o da escultura, os artistas medievais e renascentistas tinham a vantagem de poderem estudar e, se assim o desejassem, imitar os modelos da antiguidade. Tinham diante dos olhos os poemas ou as estátuas autênticos. Já com a música não acontecia o mesmo. Os músicos da Idade Média não conheciam um exemplo sequer da música grega ou romana, embora alguns hinos tenham vindo a ser identificados no Renascimento. 
Atualmente estamos numa situação bem melhor, pois, entretanto, foram reconstituídas cerca de quarenta peças ou fragmentos de peças musicais gregas, a maioria das quais de épocas relativamente tardias, mas cobrindo um período de cerca de sete séculos. Embora não haja vestígios autênticos da música da antiga Roma, sabemos, por relatos verbais, baixos-relevos, mosaicos, frescos e esculturas, que a música desempenhava um papel importante na vida militar, no teatro, na religião e nos rituais de Roma.
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Houve uma razão importante para o desaparecimento das tradições da prática musical romana no início da Idade Média. A maior parte desta música estava associada a práticas sociais que a igreja primitiva via com horror ou a rituais pagãos que julgava ser eliminados. 
Nesse sentido, foram feitos todos os esforços não apenas para afastar da Igreja essa música, que traria tais abominações ao espírito dos fiéis, como, se possível, para apagar por completo a sua memória.
Houve, no entanto, alguns elementos da prática musical antiga que sobreviveram durante a Idade Média, porque seria quase impossível aboli-los sem abolir a própria música. Além disso, as teorias musicais estiveram na base das teorias medievais e foram integradas na maior parte dos sistemas filosóficos. Por isso, se queremos compreender a música medieval, temos que saber alguma coisa acerca da música dos povos da antiguidade, em particular da teoria e da prática musical dos gregos.
A MÚSICA NA VIDA E NO PENSAMENTO DA GRÉCIA ANTIGA
Para mitologia grega a música tinha origem divina e designava como seus inventores e primeiros intérpretes deuses e semideuses, como Apolo, Anfião e Orfeu. Neste obscuro mundo pré-histórico a música tinha poderes mágicos: as pessoas pensavam que eram capazes de curar doenças, purificar o corpo e o espírito e operar milagres no reino da Natureza. Também no Antigo Testamento se atribuíam à música idênticos poderes. Basta lembrar apenas o episódio em que David cura a loucura de Saul tocando harpa (1 Samuel, 16, 14-23) ou o soar das trombetas e a vozearia que derrubaram as muralhas de Jericó (Josué, 6, 12-20). Na época homérica os bardos cantavam poemas heróicos durante os banquetes. Desde os tempos mais remotos a música foi um elemento indissociável das cerimônias religiosas. 
No culto de Apolo era a “lira” o instrumento característico, enquanto no de Dioniso era o “aulo”. Ambos os instrumentos foram, provavelmente, trazidos para a Grécia da Ásia Menor. 
A lira e a sua variante de maiores dimensões, a cítara, eram instrumentos de cinco e sete cordas (número que mais tarde chegou a elevar-se até onze). Ambas eram tocadas, quer a solo, quer acompanhando o canto ou a recitação de poemas épicos. 
O aulo, um instrumento de palheta simples ou dupla (não era uma flauta), muitas vezes com dois tubos, tinha um timbre estridente, penetrante, associava-se ao canto de certo tipo de poema (o ditirambo) no culto de Dioniso, culto que se crê estar na origem do teatro grego. Consequentemente, nas grandes tragédias da época clássica, obras de Ésquilo, Sófocles, Eurípides, coros e outras partes musicais eram acompanhados pelo som do aulo ou alternavam com ele.
Pelo menos desde o século VI a.C. tanto a lira quanto o aulo eram tocados como instrumentos independentes, a solo. 
À medida que a música se tornava mais independente, multiplicava-se o número de pessoas com habilidades musicais. Ao mesmo tempo, a música em si tornava-se cada vez mais complexa em todos os aspectos. Alarmado com a proliferação da arte musical, Aristóteles, século IV, manifestava-se contra o excesso de treino profissional na educação musical do homem comum. 
Algum tempo após a época clássica aproximadamente entre 450 e 325 a.C, ouve uma reação contra o excesso de complexidade técnica, e no início da era cristã a teoria musical grega, e provavelmente também a prática, estava muito simplificada. A maior parte dos exemplos de música grega que chegaram até nós provém de períodos relativamente tardios. Os mais importantes entre eles são um fragmento de um coro do Orestes de Eu.
A música grega era parecida com a música da igreja primitiva em vários aspectos fundamentais. Um deles é o de que a música era monofônica, ou seja, uma melodia sem harmonia ou contraponto, porém vários instrumentos embelezavam a melodia em simultâneo com a sua interpretação por um conjunto de cantores, assim criando uma heterofonia. Mas nem a heterofonia nem o inevitável canto em oitavas, quando homens e rapazes cantam em conjunto, constituem uma verdadeira polifonia. Além disso, era quase inteiramente improvisada, na sua forma mais perfeita, estava sempre associada a palavra, a dança ou a ambas. Sua melodia e ritmo ligavam-se intimamente a melodia e ao ritmo da poesia.Por sua vez a música dos cultos religiosos, do teatro e dos grandes concursos públicos era interpretada por cantores que acompanhavam a melodia com movimentos de dança estabelecidos.
A MÚSICA E A FILOSOFIA GREGA
A música primitiva tem algo em comum com a grega o fato de ser monofônica, improvisada e inseparável de um texto não requer uma continuidade histórica entre ambas. Foi a teoria, e não a prática, dos gregos que afetou a música da Europa ocidental na Idade Média. Tem-se muito mais informação acerca das teorias musicais gregas do que acerca da música propriamente dita. Essas teorias eram de dois tipos. Primeira, doutrinas sobre a natureza da música, o seu lugar no cosmos, os seus efeitos e a forma conveniente de usá-la na sociedade humana. A segunda descrição sistemática dos modelos e materiais da composição musical. Tanto na filosofia como na ciência da música os gregos tiveram intuições e formularam princípios que em muitos casos ainda hoje não estão ultrapassados. É evidente que o pensamento grego no domínio da música não permaneceu estático de Pitágoras (cerca de 500 a.C.), o seu célebre fundador, a Aristides Quintiliano (século IV d. C.), último autor grego de relevo neste campo. 
A palavra música tinha para os gregos um sentido mais lato do que aquele que hoje damos. Era uma forma adjetivada de musa, que na mitologia clássica, qualquer das nove deusas irmãs que presidiam a determinadas artes e ciências. A relação verbal sugere que entre os gregos a música era concebida como algo comum a todas as atividades que diziam respeito a busca da beleza e da verdade. Nos ensinamentos de Pitágoras e dos seus seguidores a música e a aritmética não eram disciplinas separadas; os números eram considerados a chave de todo o universo espiritual e físico. Nesse sentido o sistema dos sons e ritmos musicais, sendo regido pelo número, exemplificava a harmonia do cosmos e correspondia a essa harmonia. 
Foi Platão que, no Timeu (o mais conhecido de todos os seus diálogos na Idade Média) e na República, expôs esta doutrina de forma mais completa e sistemática. As ideias de Platão acerca da natureza e funções da música, tal como vieram mais tarde a ser interpretadas pelos autores medievais, exerceram uma profunda influência nas especulações destes últimos sobre a música e seu papel na educação.
Para alguns pensadores gregos a música estava também intimamente ligada a astronomia. Com efeito, Cláudio Ptolomeu (século II d. C.), o mais sistemático dos teóricos antigos da música, foi também o mais importante astrônomo da antiguidade. Pensava-se que as leis matemáticas estavam na base tanto do sistema dos intervalos musicais como do sistema dos corpos celestes e acreditava-se que certos modos e até certas notas correspondiam a um ou outro planeta. Tais conotações e extensões misteriosas da música eram comuns a todos os povos orientais. Platão deu a essa ideia uma forma poética no belo mito da "música das esferas", a música produzida pela revolução dos planetas, mas que os homens não conseguiam ouvir; tal concepção foi evocada por diversos autores que escreveram sobre música ao longo de toda a Idade Média e mais tarde, entre outros, por Shakespeare e Milton. 
A íntima união entre música e poesia dá também a medida da amplitude do conceito de música entre os gregos. Para eles os dois termos eram praticamente sinônimos. Quando hoje falamos da "música da poesia", estamos a empregar uma figura de retórica, mas para os gregos essa música era uma verdadeira melodia, cujos intervalos e ritmos podiam ser medidos de forma exata.
A poesia "lírica" significava poesia cantada ao som da lira; o termo tragédia inclui o substantivo ode, "a arte do canto". Muitas outras palavras gregas que designavam os diferentes gêneros de poesia, como ode e hino, eram termos musicais. As formas desprovidas de música eram também desprovidas de nome. Na poética, Aristóteles, depois de apresentar a melodia, o ritmo e a linguagem como os elementos da poesia, afirma o seguinte: "Há outra arte que imita recorrendo apenas a linguagem, quer em prosa, quer em verso [...], mas por enquanto tal arte não tem nome."
A ideia grega de que a música se ligava indissociavelmente a palavra falada ressurgiu, sob diversas formas, ao longo de toda a história da música. 
A DOUTRINA DO ETOS
A doutrina do etos, das qualidades e efeitos morais da música, integrava-se na concepção pitagórica da música como microcosmos, um sistema de tons e ritmos regido pelas mesmas leis matemáticas que operam no conjunto da criação visível e invisível. A música, nesta concepção, não era apenas uma imagem passiva do sistema ordenado do universo; era também uma força capaz de afetar o universo, daí a atribuição dos milagres aos músicos lendários da mitologia. Numa fase posterior, mais científica, passaram a sublinhar-se os efeitos da música sobre a vontade e, consequentemente, sobre o caráter e a conduta dos seres humanos. O modo como a música agia sobre a vontade foi explicado por Aristóteles através da doutrina da imitação. Segundo ele a música representa as paixões ou estados da alma, como, brandura, ira, coragem, temperança, bem como os seus opostos e outras qualidades. Quando ouvimos um trecho musical que imita uma determinada paixão, ficamos imbuídos dessa mesma paixão. Se durante um lapso de tempo suficientemente longo ouvimos o tipo de música que desperta paixões desprezíveis, todo o nosso caráter se tomará desprezível. 
Na República, escrita por volta de 380 a.C. Platão insiste na necessidade de equilíbrio entre estes dois elementos na educação. O excesso de música tornará o homem efeminado ou neurótico e o excesso de ginástica torná-lo-á incivilizado, violento e ignorante. "Àquele que combina a música com a ginástica na proporção certa e que melhor as afeiçoa a sua alma bem poderá chamar-se verdadeiro músico." Mas só determinados tipos de música são aconselháveis. As melodias que exprimem brandura e indolência devem ser evitadas na educação dos indivíduos que forem preparados para governarem o estado ideal; só os modos dórico e frígio serão admitidos, pois promovem, respectivamente, as virtudes da coragem e da temperança. A multiplicidade das notas, as escalas complexas, a combinação de formas e ritmos incongruentes, os conjuntos de instrumentos diferentes entre si, "os instrumentos de muitas cordas e afinação bizarra", até mesmo os fabricantes e tocadores de aulo, deverão ser banidos do estado. 
Os fundamentos da música, uma vez estabelecidos, não deverão ser alterados, pois o desregramento na arte e na educação conduz inevitavelmente a libertinagem nos costumes e a anarquia na sociedade. O ditado "deixai-me fazer as canções de uma nação, que pouco me importa quem faz as suas leis" era uma máxima política, mas também um trocadilho, pois a palavra nomos, que significa "costume" ou "lei", designava também o esquema melódico de uma canção lírica ou de um solo instrumental. 
Aristóteles, na política (cerca de 330 a.C.), mostrou-se menos restritivo do que Platão quanto a ritmos e modos particulares. Concebia que a música pudesse ser usada como fonte de divertimento e prazer intelectual, e não apenas na educação. É possível que, ao limitarem os tipos de música autorizados no estado ideal, Platão e Aristóteles estivessem deliberadamente a deplorar certas tendências da vida musical do seu tempo: ritmos associados a ritos orgiásticos, música instrumental independente, popularidade dos virtuosos profissionais. 
A doutrina grega do etos, por conseguinte, baseava-se na convicção de que a música afeta o caráter e de que os diferentes tipos de música o afetam de forma diferente. Nestas distinções efetuadas entre os muitos tipos de música podemos detectar uma divisão genérica em duas categorias: a música que tinha como efeitos a calma e a elevação espiritual, por um lado, e, por outro, a música que tendia a suscitar a excitação e o entusiasmo. A primeira categoria era associada ao culto de Apolo, sendo o seu instrumento a lira e as formas poéticas correlativas a ode e a epopeia. A segundacategoria, associada ao culto de Dioniso, utilizava o aulo e tinha como formas poéticas afins o ditirambo e o teatro.
Conhecer a história da música é tão importante quanto conhecermos a nossa própria história. Viver a música nos dias de hoje, pensar a música nos dias de hoje conhecendo um pouco da sua história é que iremos compreender que a música seja na antiguidade, seja na atualidade será sempre capaz de modificar, transformar, transcender. 
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