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LÍNGUA PORTUGUESA AULA 1 Profª Zuleica Aparecida Michalkiewicz 2 CONVERSA INICIAL É comum nós, professores, ouvirmos afirmações como “eu não gosto de português, “português é muito difícil”, “eu não entendo aquelas regras e nem usamos tantas coisas” e, a que caracterizo como a pior, “eu não sei português”. Primeiramente, gostaria de deixar esclarecer que a língua portuguesa não se restringe à gramática, ela faz, sim, parte da língua por ser um modo de organizar a linguagem. Assim, o uso da gramática que seguiremos em nossas aulas deve ser vista como modo de organização linguística, perspectiva esta pautada nos estudos da professora Maria Helena Moura Neves (2003). Em Língua Portuguesa, historicamente se oferece como foco principal o estudo da gramática. Evidentemente que, devido aos inúmeros estudos e à evolução sócio-histórica, temos várias concepções de gramática, muitas delas já adotadas em escolas e documentos oficiais e, consequentemente, cada indivíduo pode tê-la estudado a partir de uma perspectiva diferente. Desse modo, revisaremos algumas regras gramaticais com vistas à produção de texto e seus usos efetivos em contextos situados. Para isso, é preciso analisar as relações entre a gramática e seus usos, a organização linguística e a interação na linguagem, uma vez que o foco deve estar sempre na construção de sentidos do texto, no cumprimento de suas funções e gênero. A gramática, assim como o Vade mecum (livro de instruções do direito e da medicina), é um manual de uso prático que os leitores podem – e devem – consultar para esclarecer dúvidas. Decorar nomenclaturas ou a taxionomia não faz de ninguém detentor de saberes gramaticais; é preciso saber a função dessas nomenclaturas e saber usá-las em seus devidos contextos. Quando compreendemos que a gramática organiza a linguagem, a concepção de erro é refutada e se adota a reflexão de funcionamento linguístico, isto é, usar dessa ou daquela forma é adequado ou não para essa ou aquela situação. Além disso, por que a afirmação “eu não sei português” é errônea? Porque essa é a ideologia linguística mais excludente já criada por políticas linguísticas, e reafirmada, quase que inconscientemente, aos tantos alunos que chegam à escola com variedades não prestigiadas de língua. Se eu não sei português, como cheguei até aqui, como interagi em todas as práticas em que estive inserido? Logo, sim, nós sabemos língua portuguesa. Agora vamos ver uma variedade mais prestigiada que garanta acesso ao padrão valorizado da língua. 3 TEMA 1 – ASPECTOS GRAMATICAIS Com o advento da internet e a potencialização de informações, a língua tem sido alvo constante de observações, comentários, julgamentos e preconceitos. Nesse sentido, cabe trazer à discussão três temas básicos da gramática: norma, padrão e língua. Precisamos assumir que a linguagem é um ato de interação verbal; ela acontece no uso efetivo da língua. Assim, conforme Moura Neves (2003, p. 20), convém deixar claro que “a língua não é um sistema uno, invariado, mas, necessariamente, abriga um conjunto de variantes. Afinal, é ilegítimo desconsiderar a interferência mútua das variantes e conceber rigidamente um padrão linguístico modelar”. Por isso, a variação deve ser levada em consideração. Não há homogeneidade na língua uma vez que a heterogeneidade é um recurso para as interações linguísticas. No que se refere à norma, Moura Neves (2003) destaca que há a norma num sentido amplo, ou seja, o de normalidade. É normal escrever assim, desta ou daquela maneira, sem julgamentos e ditames maniqueístas. Por outro lado, existe a norma no sentido de normatividade, isto é, a norma-padrão ou norma- culta. Faraco (2008) destaca que essa questão de norma está ligada a um agregado de valores socioculturais articulados com as formas linguísticas normatizadas. Por isso, na norma também pode ser verificada a diversificação, uma vez que se constitui pela identificação com cada grupo ou de onde vem. Já o chamado padrão linguístico não constitui um padrão real, absoluto. O que se instituiu como padrão são convenções estabelecidas dentro de um parâmetro avaliado como correto de acordo com gramáticos. Por isso, muitas vezes ouvimos que não usamos todas aquelas regras, exatamente porque são padrões que, de acordo com este ou aquele texto, não se aplicam, ou porque determinada norma caiu em desuso até nos textos considerados cultos. O que precisamos fazer, na verdade, é estabelecer uma linha que tenha como direção o uso para a norma, isto é, da língua para o padrão e não do padrão para a língua, fazendo com que nos sintamos incapazes de escrever um texto e/ou falar alguma coisa. No que se refere à produção escrita, cada gênero tem suas especificidades e não há um engessamento de que a língua(gem) 4 precise ser assim em absoluto. Prima-se pela norma-padrão, porém, leva-se em consideração o estilo do autor. TEMA 2 – PONTUAÇÃO Muito além das regras de pontuação para uso do ponto, ponto e vírgula, travessão, exclamação e vírgula, os sinais de pontuação conferem sentido ao texto, portanto, nem sempre a regra dita o correto. Há de se levar em consideração a intenção do autor, ou seja, o objetivo a ser alcançado. Vamos observar nos exemplos: Exemplo 1 Não espere. Não, espere. Exemplo 2 Isso só, ele resolve. Isso só ele resolve. Exemplo 3 Vamos perder, nada foi resolvido. Vamos perder nada, foi resolvido. Ao deslocar a vírgula de lugar na frase, todo o sentido foi alterado. Isso porque uma simples vírgula ou outro sinal de pontuação é capaz de evidenciar uma completa mudança. Há recursos da linguagem – pausa, melodia, entonação e até mesmo, silêncio – que só estão presentes na oralidade. Na linguagem escrita, para substituir tais recursos, usamos os sinais de pontuação. Eles também são usados para destacar palavras, expressões ou orações, esclarecer o sentido de frases e dissipar qualquer tipo de ambiguidade. Os sinais de pontuação são próprios da língua escrita uma vez que representam pausas e entoações da oralidade. Com característica subjetiva, a pontuação não possui critérios rígidos, mas requer atenção, pois qualquer deslize pode prejudicar a clareza do texto. Além disso, não apenas como regra da gramática, a pontuação é um recurso de coesão, isto é, ajuda a estabelecer relações entre palavras, expressões, parágrafos e partes maiores do texto. 5 As intenções pretendidas no texto são construídas e indicadas pelo uso dos sinais de pontuação, que funcionam como pistas ao entendimento textual. Estes também são responsáveis pelos efeitos de sentido – ironia, humor etc. Sendo assim, é preciso ficar atento. Um sinal errado e o sentido do texto pode ficar comprometido. Os sinais de pontuação são marcações gráficas que compõem a coesão e a coerência textual, além de ressaltarem especificidades semânticas e pragmáticas. São recursos típicos da língua escrita, já que esta não dispõe do ritmo e da melodia da língua falada. TEMA 3 – ACENTO GRAVE/CRASE De acordo com o poeta Ferreira Gullar, a crase não foi feita para humilhar ninguém, todavia, esse sinalzinho parece ser o calcanhar de Aquiles de muita gente. Evidentemente há regras necessárias para estabelecer sentido. Pode parecer repetitivo, mas a gramática e suas infindáveis regras estão a serviço da língua para isso mesmo, organizar nossos textos e construir sentidos. A crase significa a fusão do artigo feminino a com a preposição a, ou pronomes demonstrativos aquele(a)(s), aquilo e com o a do pronome relativo a(s) qual(is). Para usá-la, precisamos verificar a ocorrência desses elementos em que a fusão seja possível. E, como tudo na gramática está interligado, as regras da crase estão ligadas aos conhecimentos de regência verbal e nominal (que veremos maisadiante). Observe nas orações: 1. Chegar à noite. 2. Chegar a noite. O emprego do sinal indicativo de crase estabelece a relação de sentido. No primeiro caso significa chegar durante a noite, já no segundo, chegar ao anoitecer. Note que, por mais que a regra diga que o verbo chegar exige a preposição a para indicação de destino (quem chega, chega a algum lugar), o uso ou não da crase altera o sentido da oração. Segundo consta nos mais variados manuais de gramática, a crase tem duas aplicações distintas: a. sinalizar a fusão; b. evitar a ambiguidade. A crase, antes de qualquer regra, pode ser vista como imperativo de clareza. Certamente o contexto pode dirimir muitos casos ambíguos, mas quando compreendemos 6 sua função podemos deixar claro para o leitor o sentido da oração. Para concluir, observe como, além das regras, o sentido faz diferença. Cheirar à gasolina X cheirar a gasolina no primeiro caso refere-se a feder, e no segundo refere-se ao ato de aspirar. TEMA 4 – ACENTUAÇÃO Acentuação é a parte da gramática que estuda a tonicidade (intensidade de pronúncia) da sílaba. Quando se estuda a posição das sílabas tônicas e átonas, nos referimos à acentuação tônica. Já ao representar a posição da sílaba tônica, timbre (abertura) e nasalização, nos referimos à acentuação gráfica. No estudo das regras de acentuação, é necessário levar em conta a ortoepia ou ortoépia, isto é, a pronúncia correta das palavras, conteúdo que faz parte da fonética. Ao ocorrer desvios na pronúncia, é comum que eles se reflitam na escrita, por exemplo: bandeja e bandeija. Juntamente com a ortoepia, temos a prosódia, que faz parte dos estudos da fonologia. A prosódia se refere à correta acentuação dos vocábulos quanto à posição da silaba tônica. É o estudo das propriedades acústicas associadas à fala que não são reconhecíveis no registro ortográfico, por exemplo: pudico, rubrica e recorde. É comum ouvirmos PUdico, RUbrica e REcorde, sendo que nenhuma dessas palavras recebe acento, uma vez que a tonicidade está na penúltima sílaba. Portanto, o correto é puDIco, ruBRIca e reCOrde. O conhecimento de conceitos como vogal, sílaba, ditongo e tritongo favorece a compreensão das regras de acentuação. Vejamos: Vogal: fonema sonoro, pronunciado sem obstrução. Sílaba: vogal ou grupo de fonemas pronunciados em uma só emissão de voz. Semivogal: fonema pronunciado com menor intensidade. Ditongo: encontro de uma vogal + mais uma semivogal e vice-versa. Hiato: encontro de duas vogais. Tritongo: encontro de vogal + semivogal + vogal. Dígrafo: grupo de letras que representam apenas um som. Monossílabos: palavras formadas por apenas uma sílaba. Oxítonas: palavras com a última sílaba tônica, de trás para frente. Paroxítonas: palavras que têm a penúltima sílaba tônica. 7 Proparoxítonas: palavras que têm a antepenúltima sílaba tônica. Regras de acentuação foram criadas para sistematizar a leitura das palavras, a fim de que não haja dúvida quanto à posição da sílaba tônica. Sendo assim, elas procuram reservar os acentos para as palavras que se enquadram nos padrões prosódicos menos comuns na língua portuguesa. TEMA 5 – ORTOGRAFIA GERAL A ortografia é uma convenção social. Basta lembrar de textos da literatura com palavras grifadas com “ph” como pharmárcia, ou “cc” como diccionário, por exemplo. Foi em 1943 que a Academia Brasileira de Letras instituiu o primeiro Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Portanto, grafias já consideradas corretas hoje são inaceitáveis porque a convenção mudou. Moraes (2007) destaca que a convenção, após vários estudos, foi definida com base em seus aspectos fonológicos e etmológicos, bem como a incorporação de formas escritas por tradição de uso. Dessa forma, o autor destaca que Tudo em ortografia precisa ser visto, consequentemente, como fruto de uma convenção arbitrada/negociada ao longo da História. Mesmo a separação das palavras no texto, com espaços em branco, é uma invenção recente, bem como o emprego sistemático de sinais de pontuação. Até o século XVIII, quando predominava a leitura em voz alta, muitos textos eram notados com as palavras “pegadas”. Como também tinham poucos sinais de pontuação, cabia ao leitor, ao “preparar” sua leitura, definir como iria segmentar o texto. (Moraes, 2007, p. 15) Todavia, por ser uma convenção, ela não tem apenas regras; há também irregularidades. Isso porque as palavras não têm pronúncia única, há variações de diversos níveis e os sons não unidades estáveis. Por exemplo, nas palavras /fila/ e /vila/, a única diferença de pronúncia se dá pela mudança da consoante f por v. Porém, pela fonologia, sabemos que essas são consoantes surdas e os sons são muito próximos, devido à abertura da boca ao pronunciá-las. Dessa forma, é comum, ao escrevermos rápido, trocar essas letras. No que se refere à regularidade, observamos os grafemas que antecedem a ordem fonográfica, a posição da letra em relação ao som e à tonicidade. A seguir, temos as principais regularidades contextuais. Os empregos de C e QU em palavras como quero, quiabo e coisa. Os empregos de G e GU em palavras como guerra, guitarra e gato. 8 Os empregos de Z do início de palavras começadas com o som /z/, como zabumba, zebra, zinco, zorra e zumbido. O emprego de S em sílabas de início de palavra em que essa letra segue os sons /a/, /o/ e /u/ ou suas formas nasais (como em sapo, santa, soco, sono, surra e suntuoso). O emprego de J em sílabas em qualquer posição da palavra em que essa letra segue os sons /a/, /o/ e /u/ ou suas formas nasais (como em jaca, cajá, carijó, juízo e caju). Os empregos de R e RR em palavras como rei, porta, carro, honra, prato e careca. Os empregos de U notando o som /u/ em sílaba tônica em qualquer posição da palavra e de O notando o mesmo som em sílaba átona final (ex: úlcera, lua, bambu e bambo). Os empregos de I notando o som /i/ em sílaba tônica em qualquer posição da palavra e de E notando o mesmo som em sílaba átona final (ex: fígado, bico, caqui e caque). Os empregos de M e N nasalizando final de sílabas em palavras como canto e canto. Os empregos de A, E, I, O e U em sílabas nasalizadas, que antecedem sílabas começadas por M e N (como em cana, remo, rima, como e duna). Os empregos de ÃO, Ã e EM em substantivos e adjetivos terminando em /ãu/, /ã/ e /ey/ como feijão, folgazão, lã, sã, jovem e ontem. (Moraes, 2007, p. 22) Muito embora seja uma convenção, a ortografia é necessária para estabelecer critérios de compreensão e suprir limitações da notação do alfabeto. Por isso, precisa ser estudada com sistematização. Como já foi mencionado anteriormente, a gramática deve ser consultada, assim como o dicionário. As dúvidas surgem quando nos deparamos com palavras que não ouvimos com frequência e não as usamos; é nesse momento que a pesquisa deve ser feita para que as normas da ortografia sejam cada vez mais incorporadas em nossas práticas textuais com segurança. NA PRÁTICA Que tal praticarmos um pouco? No texto a seguir, adaptado de Freire (2000), foram suprimidos os acentos gráficos, a crase, a pontuação e algumas palavras precisam ser preenchidas com a ortografia correta. É hora de colocar em prática nossos conhecimentos! O cigarro vicia porque o efeito da nicotina diminui com o uso e força a vitima cada vez mais Se é isso o que você ouviu falar, esque__a Um unico ciga__o é capaz de levar ao vicio descobriu a equipe do neurobiologista americano Daniel McGehee da Universidade de Chicago depois de anali__ar fragmentos do cerebro de ratos nos quais se havia in___etado nicotina Segundo o cientista a to__ina do cigarro estimula os neuronios a produzirem mais dopamina molecula responsavel pelas sensações de prazer no organismo É isso 9 que leva ao vicio disse McGehee a super. A grande novidade da pesquisafoi mostrar e___atamente como a nicotina produz a sedu__ão fata__ eles verificaram que logo depois de a nicotina grudar em um neuronio ele dispara um sinal que in__ita outras celulas cerebrais a produzir doses extras de dopamina O efeito é mais intenso quando os neuronios estão a___ociados a memória e ao aprendizado Tem-se a impre__ão de que o cerebro se lembra da delicia e quer mais E haja medo do cancer para traze-lo de volta a razão. FINALIZANDO Aspectos gramaticais: norma, padrão e língua Sinais de pontuação conferem sentido ao texto, portanto, nem sempre a regra dita o correto Regras de acentuação foram criadas para sistematizar a leitura das palavras, a fim de que não haja dúvida quanto à posição da sílaba tônica Crase: a. sinalizar a fusão do artigo com a preposição b. evitar ambiguidade Ortografia geral: Regras ortográficas são necessárias para que possamos estabelecer critérios de compreensão e suprir limitações da notação do alfabeto 10 REFERÊNCIAS FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola, 2008. FREIRE, M. Sedução fatal dos neurônios. Superinteressante, ed. 158. São Paulo, 2000. LEME, M. F. S.; PACHECO, A. de C. Ortografia. São Paulo: Atual, 1989. NEVES, M. H. de M. Que gramática estudar na escola? Norma e uso na Língua Portuguesa. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2003. SILVA, A. da.; MORAES, A. G. de. E.; MELO, K. L. R. de. Ortografia na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
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