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ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO TEORIA DO ESTADO E CONCEITOS BÁSICOS DE ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO INTRODUÇÃO Esta primeira unidade da disciplina de Economia e Gestão do Setor Público tem o objetivo de apresentar, de forma panorâmica, pois não é o foco do nosso curso, as razões da criação do Estado e da sua forma de administração através de um governo, isto é, esclarecendo o conceito de Estado-Nação através da sua forma povo, território e governo. Já na segunda parte desta unidade, veremos as principais teorias das finanças públicas, ou seja, estudaremos e analisaremos os principais instrumentos utilizados pelo Estado e seu governo para regular a economia de tal forma que venha a buscar o bem-estar econômico e social daquele Estado. Na última parte, iremos rever essas teorias e conceitos, porém, pela ótica do Estado brasileiro, que utilizou esses instrumentos para construir o mercado interno e sua industrialização, por consequência, o mercado de trabalho e sua urbanização. 1. ESTADO, PODER E GOVERNO A compreensão da formulação do Estado-Nação tal como se coloca atualmente é fundamental para o entendimento sobre os pilares da organização da sociedade moderna. A origem desta estrutura de Estado e forma de organização encontra-se no Iluminismo, consolidada nas obras de Hobbes (Leviatã) e Montesquieu, sobre Estado absoluto e tripartição de poderes, respectivamente. O objetivo desta unidade é elucidar as origens históricas e os conceitos principais na formação do Estado moderno, bem como as suas conectividades com a política, o poder e o governo. Para tanto, esta aula está dividida em seis seções, conforme segue. 1.1 Dois pontos de vista: sociológico e jurídico Justamente por ser elemento central na organização da sociedade, as teorias de Estado são múltiplas. Os dois pontos de vista principais são o de natureza jurídica e sociológica. A abordagem jurídica tem como foco principal a formulação e a manutenção dos três grupos de direitos fundamentais: 1) direitos civis: igualdade e liberdade; 2) direitos políticos: manutenção de um Estado de Direito (democracia); 3) direitos sociais: saúde, educação e assistência social. Já a abordagem sociológica se concentra nas definições do Estado como elemento organizador da sociedade como um todo e não somente de direitos e obrigações dos indivíduos. 1.1.1 Marxismo e funcionalismo No caso das teorias sociológicas sobre o Estado, há duas vertentes que se destacam: o marxismo, fundado basicamente no princípio de que é a infraestrutura, isto é, a forma como os homens se organizam para produzir e distribuir a riqueza é que determina a superestrutura jurídica, política e social. Importante recordar que, por um princípio de dialética, Marx esclarece que, depois de formadas, a infra e a superestrutura podem se influenciar e se alterar em ordem invertida. Já no caso da vertente funcionalista de Hobbes, a base é a tripartição de poderes, isto é, a divisão do poder antes absoluto em três: executivo, judiciário e legislativo. Esta divisão está feita de forma funcional, de acordo com o que se defende ser as funções do Estado: a capacidade de manter a ordem pública; defender seus membros uns dos outros (administrar a justiça) e defender seu território e seu povo de terceiros. De forma esquemática, tem-se que: 1.2 Estado e sociedade Para se compreender a relação entre Estado e sociedade, é fundamental entender o homem como “animal político por natureza”1. Isso quer dizer que os problemas políticos derivam da necessidade do homem de viver em sociedade. A etimologia da palavra política nos revela este sentido: do grego polis, significa vida em comum. Assim, pode-se definir política de pelo menos duas formas: 1) a organização social que procura atender à necessidade natural de convivência dos seres humanos; 1 1DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política? São Paulo: Brasiliense, 1984. 2) toda ação humana que produza algum efeito sobre a organização, funcionamento e os objetivos de uma sociedade. Ou, ainda, como definiu Bobbio (1987, p. 64), “é a arte por meio da qual os homens se associam com o objetivo de instaurar, cultivar e conservar entre si a vida social”. Em sendo assim, Estado e sociedade se articulam por meio da política e, portanto, surge a necessidade de se estabelecer formas de essa articulação ocorrer sem coerção ou qualquer outro mecanismo que considere o interesse das minorias em detrimento dos demais. Importante ressaltar que no Estado-Nação moderno a família ainda continua como o embrião político da sociedade que está dividida em classes sociais, como trabalhadores, empresários, sindicatos e governo, em que cada um busca os seus interesses e tenta otimizar o seu bem-estar econômico e social. Sendo assim, a sociedade deve se articular para cobrar do Estado seus direitos. 1.2.1 Governantes e governados Para caracterizarmos a diferença entre governantes e governados, é importante recuperar a definição de Estado e diferenciá-lo de governo: a) Estado: ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em um território; b) governo: sistema pelo qual está organizada a administração de um país. Assim, os elementos constitutivos clássicos do Estado-Nação são a existência de um povo, residente em um território demarcado e organizado politicamente sob um governo. Essa definição se estabeleceu no mesmo momento histórico em que as declarações dos direitos americanos e franceses influenciavam de forma geral a instauração do princípio de que o governo é para o indivíduo, e não o indivíduo para o governo, influenciando todas as constituições no período posterior. 1.2.2 O processo de formação e constituição do Estado moderno O processo que definiu o nome Estado vem desde os romanos, com a nomenclatura Status Rei Publicae, sendo utilizada a palavra Status como uma situação e estado dos contextos. Em Maquiavel (1513), temos o texto da sua obra mais conhecida, O príncipe, iniciando da seguinte forma: “Todos os estados...”. Jean Bodin (1576) escreve Da República, e Hobbes (1600) usa civitas nas obras latinas e common wealth (riqueza comum) nas obras inglesas. No entanto, o interesse nesta aula não é datar a origem e a formação do Estado, mas sim compreendê-lo enquanto um ordenamento político que veio substituir o ordenamento anterior. Assim, convencionou-se a utilização do termo Estado para designar o contrato social, isto é, um denominador dentro dos tipos de sociedades que se organizaram diante de um poder soberano que será exercido pelo próprio Estado. Ou, ainda conforme Bobbio (1987, p. 73), (...) o Estado, entendido como ordenamento político de uma comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentesco e da formação de comunidades mais amplas derivadas da união de vários grupos familiares por razões de sobrevivência interna (o sustento) e externa (a defesa). 1.3 Os três aspectos fundamentais do poder Para melhor entendimento dos aspectos fundamentais do poder do Estado, é importante definir poder como o fato de possuir a força, a autorização ou a moral para exercer influência e poder de decisão sobre algo. Da etimologia da palavra, temos do grego a palavra kratos, que significa força e/ou potência e a palavra arché, que significa autoridade. Assim nascem os nomes das formas de governo: • aristocracia: nobres que detêm o poder por herança; • democracia: governo do povo e para o povo; • oclocracia: governo e poder pela multidão, plebe; • monarquia: chefe de Estado tem título de rei/rainha; • oligarquia: poder exercido por um grupo do mesmo partido, classe ou família; • fisiocracia: poder de um grupo restrito de proprietários de terras; • burocracia: administraçãocom cargos definidos e estáveis; • poliarquia: a soberania reside numa coletividade ampla; • escarquia: poder exercido por um vice-rei. Os conceitos listados acima são formas pelas quais o poder pode ser exercido. No entanto, a filosofia política apresenta o poder sob três aspectos fundamentais: a) substancialista: tem a sua expressão mais concreta no poder militar, psicológico, domínio econômico e outros; b) subjetivista: poder exercido por meio de leis que conduzem a vida e a conduta dos cidadãos; c) relacional: poder exercido por meio da influência, em que um ator induz outros atores a agirem de um modo que, em caso contrário, não agiriam; conhecido como pacto social. 1.4 As formas do poder e o poder político Abordamos até aqui os conceitos de Estado e suas relações com os conceitos de política e poder. Agora, trataremos de diferenciar o poder político de todas as outras formas que pode assumir. Em princípio, há três tipos de poder: a) paterno (pai sobre filhos) → natural; b) senhorial ou despótico (tirano/senhor sobre escravos) → delito; c) político (governante sobre governados) → contrato. É importante ressaltar que, para alguns autores2, o uso da força física é a condição necessária para a definição do poder político, mas não a condição suficiente. Por exemplo, o que diferencia os poderes político e religioso é o exercício da força, uma vez que o Estado tem exclusividade deste direito sobre um determinado território, ou seja, summa potestas3. Jean Bodin define Estado como um governo justo de muitas famílias e daquilo que lhes é comum, com poder soberano, absoluto (obediência ao poder coativo) e perpétuo (não submetido a outras leis). Já Max Weber afirmava que a força física legítima é o fio condutor da ação do sistema político. 1.4.1 As três formas de poder Temos entre as formas de poder: a) poder político (exclusividade da força — meios e fins); b) poder econômico (dada escassez que condiciona o comportamento dos trabalhadores que não têm emprego — salário baixo) e: c) poder ideológico, que é aquele que se vale da posse de certas formas de saber, doutrinas, conhecimentos, às vezes apenas de informações, ou de códigos de conduta para exercer uma influência sobre o comportamento alheio e induzir os membros do grupo a realizar ou não uma ação. 1.5 O Estado representativo 2 Ver Bobbio, 1987. 3 Expressão que vem do latim e significa “poder supremo”. O Estado representativo é a formação de uma vontade coletiva, regido pela regra da maioria, em que indivíduo não é pelo Estado, mas o Estado é pelo indivíduo. Ou, ainda, nas palavras de Bobbio (1987, p. 117), O pressuposto ético da representação dos indivíduos considerados singularmente e não por grupos de interesse, é o reconhecimento da igualdade natural dos homens. Cada homem conta por si mesmo e não enquanto membro deste ou daquele grupo particular. Essa definição nos remete para o conceito de democracia como sendo a forma mais acabada que se tem de Estado representativo, sendo definida como uma forma de governo do povo, para o povo e pelo povo, caracterizada por: • soberania do povo: voto direto, secreto e universal; • limitação dos poderes; • prevalência da vontade da maioria; • elenco de direitos e garantias fundamentais; • temporalidade da representação no poder; • primado da lei sobre a vontade. Hoje a definição de democracia se amplia para incluir a justiça social, além de aspectos políticos. Mas dada a extensão desse tema, dedicaremos a próxima seção à discussão sobre esse papel do Estado. 1.5.1 Uma breve discussão sobre o papel do Estado A partir da luta da classe burguesa contra os vínculos feudais e por sua própria emancipação, (...) a sociedade civil, como esfera das relações econômicas que obedecem a leis naturais e superiores às leis positivas (segundo a doutrina fisiocrática), ou enquanto regulada por uma racionalidade espontânea (o mercado ou a mão invisível de Adam Smith), pretende destacar-se do abraço mortal do Estado, o poder econômico é claramente diferenciado do poder político e ao fim deste processo o ‘não-Estado’ se afirma como superior ao Estado, tanto na doutrina dos economistas clássicos quanto na doutrina marxiana, embora com sinal axiológico oposto (Bobbio, 1987, p.123). No bojo da ideia figurada de abraço mortal do Estado, nascem as discussões sobre o papel e o tamanho do Estado, das quais se destacam Estado mínimo, em oposição ao Welfare State4, e fim do Estado. 4 Welfare State refere-se ao Estado de bem-estar social criado no pós-guerra e caracterizado pela forte participação do Estado nos mecanismos de proteção social e intervenção na economia. Desde logo, o que se nota é uma discussão sobre qual é a crise que enfrenta o Estado: qual é a natureza dessa crise? Seria somente a questão de esta organização não conseguir atender às demandas da sociedade? Ou ainda, essa mesma sociedade teria uma concepção de que o Estado seria um mal necessário, uma vez que a sua ausência representaria o caos? Para responder a essas inquietudes há, diversas vertentes. Bobbio nos indica como identificá-las: Quando a sociedade civil sob a forma de sociedade de livre mercado avança a pretensão de restringir os poderes do Estado ao máximo necessário, o Estado como mal necessário assume a figura do Estado mínimo, figura que se torna o denominador comum de todas as maiores expressões do pensamento liberal (Bobbio, 1987, p. 129). Esse tipo de pensamento é aceito quando se tem a ótica de que o papel do Estado é perverso e cheio de vícios, em que o mercado passa a ter todas as condições de ofertar o bem-estar econômico e social sem os males do Estado. Porém, temos que refletir sobre o momento em que o mercado não oferece as soluções esperadas e temos que recorrer ao Estado como solução para os problemas vigentes. 2. TEORIA DAS FINANÇAS PÚBLICAS Nesta aula, iremos ver os principais conceitos e teorias sobre as finanças públicas. Para isso, iremos contextualizar, sempre que possível, as ferramentas apresentadas e evidenciar os problemas para tal discussão. Para começar, podemos colocar algumas questões, como: a) Qual é a racionalidade para a existência do Estado e de um governo?; b) Quais são os objetivos da política fiscal?; e c) Por que, historicamente e até pouco tempo, o gasto público tendeu a aumentar como proporção do PIB, na maioria dos países? 2.1 As falhas de mercado Para tentar responder a primeira pergunta através dos fundamentos econômicos sobre a presença do Estado, temos as falhas de mercado, isto é, o mercado por si só não gera bem-estar econômico e social. Na teoria tradicional do bem-estar social – welfare economic’s –, temos os mercados competitivos, em que a alocação de recursos gera um maior grau de satisfação para uma parte dos agentes e reduzido para outra parte. Tem-se, nesses mercados, o Ótimo de Pareto, que versa sobre: “para um ganhador tem-se um perdedor”. Há o Pareto Eficiente com máxima eficiência quando temos os pressupostos: a) a não-existência de progresso técnico; b) ambiente de concorrência perfeita atomizado; c) informações simétricas; d) Estado mínimo. Sabe-se que as falhas de mercado impedem o Ótimo de Pareto devido à: a) existência de bens públicos; b) existência das falhas de competição ou a existência de monopólios; c) existência de externalidades; d) existência de mercados incompletos; e) existência de informações assimétricas. Não podemos esquecer que existem a desigualdade social, a concentração de renda, o desemprego, a corrupção, a inflação, além de estruturas dualistas, entre outros problemas econômicos e sociais. 2.1.1 Bens públicos Os bens públicos são aqueles cujo consumo é socializado para toda a população. Esses benssão também conhecidos como bens não-rivais e podem ser divididos em: a) bens tangíveis, como ruas; e b) bens intangíveis, como leis. Os bens públicos seguem o princípio da não-exclusão. Por exemplo, o comércio não pode ocorrer sem que haja o direito de propriedade que depende da aplicação do princípio de exclusão. Esses tipos de bens públicos têm, em contrapartida, a cobrança de impostos da sociedade, mas, em alguns casos, há os agentes caronas, que são aqueles que não pagam os impostos, porém, utilizam o serviço público e, sendo assim, há a cobrança compulsória de impostos. 2.1.1.1 Existência de monopólios naturais Existem, em toda economia, setores com retornos crescentes de escala, isto é, quanto maior a produção, menor será o custo da mesma. Um bom exemplo é o setor de energia elétrica, pois, dado um custo fixo elevado, será mais racional ter uma empresa no setor de energia elétrica, para a redução dos custos. O governo passa a ter um papel de regulador. 2.1.1.2 Externalidades As externalidades são resultados das ações de alguns agentes que têm impacto direto ou indireto na sociedade. Elas podem ser positivas, como elevação da educação da sociedade, ou negativas, como a poluição dos rios e/ou a elevação do desmatamento. 2.1.1.3 Os mercados incompletos Podemos definir um mercado incompleto quando este apresenta um bem ou serviço que não é ofertado mesmo com o seu custo de produção sendo menor que o preço de venda. Geralmente isso se dá devido à falta de infraestrutura, que pode ser solucionada por financiamentos de longo prazo. No Brasil, temos o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além de outros bancos. Porém, o BNDES tem um papel mais focado em financiar infraestruturas para a produção no longo prazo. 2.1.1.4 Informações assimétricas Existem, nas economias, as informações incorretas ou imperfeitas, que são conhecidas nas teorias econômicas como informações assimétricas. As informações assimétricas podem causar um estado de mal econômico ao fazerem as pessoas tomarem decisões erradas. Um bom exemplo de informações assimétricas são os balanços de empresas que apresentam lucros e levam vários agentes a comprar as suas ações na bolsa, mas, na verdade, essas empresas estão insolventes, prejudicando as decisões dos agentes econômicos e destruindo parte ou toda a riqueza acumulada pelos mesmos. Geralmente, elas são causadas por indivíduos com o objetivo de levar a melhor no mercado, seja praticando o exemplo acima ou concentrando a informação. Portanto, é dever do Estado tornar a informação um bem público e socializá-la para o maior bem-estar econômico e social. Sendo assim, é papel do Estado: a) fiscalizar todos os setores produtivos, inclusive o setor privado, e acompanhar a produção dos bens e serviços, além de verificar várias informações, entre elas o tamanho/quantidade/peso dos produtos ofertados pelo mesmo; b) exigir a publicação de balanços contábeis das empresas; c) implantar e implementar políticas públicas de combate à exclusão digital. Manutenção do pleno emprego e estabilidade da moeda É papel do Estado implementar políticas públicas através de investimentos, corte de impostos ou gastos do governo para retomar o crescimento da demanda efetiva e o PIB e fazer a manutenção do pleno emprego e da estabilidade de preços. 2.1.1.5 Os objetivos da política fiscal e as funções do governo Dentro da política econômica, há os instrumentos de política fiscal, como os impostos (T), que possibilitam a arrecadação, e os gastos do governo (G), que possibilitam o consumo do governo. Ao tratar dessas duas variáveis, temos algumas questões: a) Quais bens públicos e quantidades ofertar dos mesmos?; b) Qual será a contribuição de cada cidadão?; c) Qual região deve receber investimentos do governo?5 Para resolver essas questões e outras, temos, dentro da política fiscal, várias funções, e as principais são: a) a função alocativa, que cuida da produção e da provisão de bens e serviços públicos; b) a função distributiva, que tem o papel de distribuir a renda de forma mais equitativa; c) a função estabilizadora, que busca reduzir as flutuações no nível de produto (PIB) e emprego. Em uma situação de insuficiência ou excesso de demanda agregada, teremos uma política fiscal expansionista através da elevação dos gastos do governo e, por consequência, a elevação do consumo (C) e do investimento (I), que, por sua vez, elevará a renda (Y) e o consumo (C) e os investimentos privados (I), resultando em um ciclo de crescimento econômico. 2.1.1.6 Senhoriagem: uma forma de financiamento do governo A senhoriagem é uma forma de financiamento do Estado devido a ele ter o poder em lei sobre a emissão de moeda ou papel-moeda oficial, leia-se o Real. Sendo assim, a emissão de papel-moeda é uma forma de obter receita para o Tesouro Nacional, isto é, o governo, ao gastar mais do que arrecada e não ter saldo positivo de recursos monetários para pagar, irá emitir moeda para honrar a dívida em questão. Para melhor entendimento, veja o cálculo abaixo: sendo: 5 As eleições mostram não apenas quais bens públicos devem ser considerados prioritários, como o quanto os indivíduos estarão dispostos a contribuir sob a forma de impostos para o financiamento da oferta de bens públicos. Temos também, em algumas cidades brasileiras, os Orçamentos Participativos. Isso significa para o governo que ele pode se financiar de graça e sem colocação de títulos públicos, a emissão de moeda para acompanhar a demanda por moeda. Porém, há a corrosão do valor da moeda ou o aumento da inflação. Observação: [BT – BT- (1 + π)] Fluxo associado à variação do valor real da base monetária é: a) função direta do ↑ PIB e inversa da mudança de π, o que significa que o termo da variação real da base monetária pode ter um valor negativo se o PIB estiver crescendo pouco e a inflação aumentar. Observação 1: a base monetária pode ser definida a qualquer t, supondo perfeita previsão da inflação (π). Observação 2: em uma economia com o PIB constante, o aumento da inflação (π) leva a uma queda da base monetária (B) e ao aumento do imposto inflacionário. A receita da senhoriagem vai variar para mais ou para menos em função da importância relativa de cada um desses dois fenômenos. Observação 3: supondo que o PIB seja constante e estável e a senhoriagem igual ao imposto inflacionário, o valor deste em função da inflação segue então um padrão de tipo curva de Laffer. Isto é, com a inflação igual a zero, não há imposto inflacionário, mas se a inflação tender ao infinito, a receita de senhoriagem pode tender a zero, já que a erosão da base de incidência dos impostos – a base monetária, que tenderia a desaparecer – predominaria sobre o efeito de aumento da “alíquota” associado à maior inflação. Em algum ponto intermediário, portanto, há uma certa taxa de inflação “de equilíbrio” que maximiza a “receita” do imposto inflacionário (Giambiagi, 2000, p. 36- 7). 2.2 A teoria da tributação Os principais aspectos da teoria da tributação são: a) o conceito da equidade, ou seja, a ideia de que a distribuição do ônus tributário deve ser equitativa entre os diversos indivíduos de uma sociedade; b) o conceito da progressividade, isto é, o princípio de que deve-se tributar mais quem tem uma renda mais alta; c) o conceito da neutralidade, pelo qual os impostos devem ser tais que minimizem os possíveis impactos negativos da tributação sobre a eficiência econômica; d) o conceito da simplicidade, segundo o qual o sistema tributário deve ser de fácil compreensão para o contribuinte e de fácil arrecadação para o governo. O movimento social atual coloca que as notas fiscais devem explicitar todos os impostos. 2.2.1A curva de Laffer A curva de Laffer versa sobre a relação entre a alíquota de impostos (T) e a receita arrecadada (R) pelo governo. O principal objetivo dessa curva é demonstrar que existe um ponto máximo para otimizar a arrecadação, onde temos os princípios: a) se T = 0, a receita = 0; b) se T = 100%, a receita = 0. Há uma alíquota que maximiza a receita. Observação: no lado direito da curva, percebe-se que o aumento de T leva a uma evasão ou desestímulo das atividades formais que superam o aumento da alíquota, gerando uma perda de receita (R). 2.2.2 Algumas características de um “sistema tributário ideal” São elas: a) cada cidadão deve pagar uma contribuição justa; b) a cobrança de impostos deve onerar pessoas com maior capacidade de pagamentos; c) o sistema tributário deve interferir ao mínimo na alocação de recursos para não causar ineficiência econômica. Um bom exemplo é a guerra de impostos nos Estados; d) a administração do sistema tributário deve ser eficiente e minimizar os custos de fiscalização da arrecadação. 2.2.3 Conceitos de equidade e progressividade Como definir uma contribuição justa: 1) Princípio do benefício: impostos específicos A contribuição deve ser igual ao benefício gerado pelo consumo do bem público. Por exemplo, será uma eterna discussão o mesmo reajuste das aposentadorias para contribuintes e não-contribuintes. 2) Princípio da capacidade de pagamento: deve ser regra geral para toda sociedade Ônus tributário deve levar em conta as equidades horizontal e vertical: a) mesma capacidade de pagamento paga o mesmo nível de impostos; e b) as contribuições dos indivíduos devem diferenciar-se conforme suas diversas capacidades de pagamento. Questão: qual é o melhor critério para definir a base de cálculo dos impostos? Fluxo de renda ou consumo ou estoque de riqueza? 3) Conceito da neutralidade Se considerarmos a renda como Y e a arrecadação via impostos como T, temos: 4) Conceito de simplicidade Relaciona-se com a facilidade de operacionalização da cobrança de tributos: a) imposto de fácil entendimento para quem tiver que pagá-lo; b) cobrança, arrecadação e processos de fiscalização não devem representar custos administrativos elevados para o governo. Questão: em quem recai a maior parte dos impostos? a) Quanto mais elástica a curva de demanda e menos elástica a curva de oferta, maior parcela dos impostos recai sobre os produtores. b) Quanto menos elástica a curva de demanda e mais elástica a curva de oferta, maior será o ônus tributário para os consumidores. Quanto mais inelástico, menos será possível escapar do aumento de T. Observação: as bases de evidência dos impostos são a renda, o patrimônio e o consumo. 2.2.4 Os impostos “em cascata” São os impostos cumulativos, fato que distorce os preços relativos. Dentro do contexto da internacionalização e da globalização, temos os tributos que partem do princípio origem versus o princípio de destino. Observação: prejudica os produtos com um maior número de etapas de produção e distribuição, resultando em distorções produtivas. 2.2.5 Impostos sobre o Valor Adicionado (IVA) São os impostos que não incidem nas várias etapas produtivas de forma acumulada, mas sim, e somente, no valor adicionado, caracterizando-se como neutros. Isso significa que evita a bitributação e leva em conta: a) conceito de neutralidade; b) não afeta a competitividade de uma indústria; c) arrecadação de impostos no estágio pré-varejista; d) caráter autofiscalizador → IVA pelo crédito fiscal; e) possibilidade de isentar bem de produção. 3. CONCEITOS BÁSICOS: O CASO DO BRASIL A economia brasileira é um laboratório sobre as teorias das finanças públicas. Para darmos início aos estudos desta aula, temos que rever alguns conceitos e fontes de dados como: a) governo são as três esferas, menos as empresas estatais. Já o setor público são as três esferas mais estatais; b) governo central é composto pelo governo federal, INSS e o Banco Central do Brasil. É importante sabermos quais são as estruturas dos governos para podermos entender quais são os instrumentos de cada esfera e sua composição, além do resultado fiscal agregado e desagregado por esfera, por exemplo, o conceito das Necessidades de Financiamento do Setor Público. 3.1 O conceito de Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP) A Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP) é o resultado da diferença entre as despesas e as receitas do governo. Ver Secretaria da Receita Federal (SFR), que gera a receita do governo federal; Secretaria do Tesouro Regional (STN), que consolida os dados da receita e da execução da despesa do Tesouro Nacional; e do INSS, que tem o levantamento das receitas e despesas referentes à Previdência Social da responsabilidade desse mesmo órgão. A Secretaria de Política Econômica (SPE) divulga uma estatística que consolida essas informações e apresenta um quadro relativamente desagregado das receitas e das despesas do governo central. Recentemente, a STN é quem passou a divulgar mensalmente esses dados, incluindo o resultado do INSS. Adicionalmente, a Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais (SEST) acompanha a execução financeira das empresas federais. 3.1.1 Principais conceitos a) Desempenho de caixa → as despesas são consideradas nas estatísticas no período em que são de fato pagas. b) Desempenho de competência → está associado ao período em que a despesa é gerada, mesmo que não tenha sido paga. Se a previdência social no presente (momento t) = R$ 128 bi, mas R$ 64 bi (50%) serão pagos no futuro (momento t + 1), quer dizer que no período t: i) NFSP caixa = R$ 64 bi; ii) NFSP competência = R$ 128 bi; Observação: no Brasil, a NFSP é apurada pelo conceito de caixa, exceto despesas de juros, que são consideradas como competência. Procura-se evitar que, se o governo emitir títulos de prazo mais longo, com pagamentos concentrados no tempo, o déficit seja artificialmente baixo durante algum tempo e depois “estoure” no momento do vencimento. Ao apropriar os juros pelo conceito de competência, o Banco Central do Brasil torna a despesa de juros mais regular ao longo do tempo – a não ser que a taxa de juros mude muito de um mês para outro. O critério de competência para o cálculo dos juros é consistente com a apuração da dívida do setor público junto ao Sistema Financeiro (Giambiagi, 2008). Observação: no cálculo das contas nacionais, o IBGE utiliza o conceito de competência para todas as despesas, e não apenas para as financeiras. c) Acima da linha: são as estatísticas fiscais desagregadas, que apresentam as variáveis de receita e de despesa. d) Abaixo da linha: são as estatísticas que medem apenas a dimensão do desequilíbrio através da variação do endividamento público, sem que se saiba ao certo se este mudou por motivos ligados à receita ou à despesa. No Brasil, utiliza-se o conceito da NFSP abaixo da linha, a partir das alterações no valor do endividamento público. A razão da escolha desse critério é que, se o cotejo de receitas e despesas é diferente da variação do endividamento, o mais provável não é que a estatística da dívida pública esteja errada, e sim que algum item talvez não tenha sido corretamente apurado pelas estatísticas desagregadas, gerando, porém, na prática, uma variação do endividamento. Por exemplo, ao fazermos uma viagem e sacarmos dinheiro (R$) na véspera de sair de férias: 1º) dia após dia calculamos a despesa através de grandes itens: i) alimentação; ii) passeios. 2º) No final das férias, temos: i) Σ gastos diários de cada linha de despesa; ii) Σ gastos totais. No meio da viagem, o R$ acabou, e aí passa-se autilizar o cartão de crédito, e, ao voltar para casa, somaremos as despesas diárias menos a receita, e faremos uma linha de subtração para o cálculo da diferença. Vamos considerar esse método como A. O resultado deveria ser igual ao valor da conta a ser paga com o cartão de crédito, já que este nada mais é do que uma forma de financiamento, que aqui iremos denominar de método B. Quando fazemos o levantamento dessas viagens, as contas não fecham, pois as pequenas despesas são omitidas e outras maiores podem ser esquecidas. Isto posto, a diferença verdadeira entre receitas e despesas não é o resultado da comparação entre a receita e a estatística das despesas acima da linha de subtração, ou seja, o método A, e sim o saldo do cartão de crédito, o método B, já que o turista em geral não apura de forma totalmente precisa como gastou seu dinheiro, mas sabe perfeitamente qual é o montante da sua dívida no cartão de crédito. Embora a NFSP seja trabalho do Banco Central do Brasil (BCB), a Secretaria de Políticas Econômicas (SPE) tem um levantamento acima da linha das contas do governo central, e a Secretaria de Empresas Estatais (SEST), das contas das empresas estatais federais. Já para os estados e municípios e suas empresas estatais, só tem abaixo da linha, apurado pelo BCB. Como é possível que se conheça o valor do desequilíbrio dessas unidades, sem que se saiba o que acontece com a receita e com a despesa dessas unidades? Vamos responder a partir de um exemplo. Exemplo Um jovem estagiário que recebe remuneração mais uma mesada dos pais e que tem gastos com alimentação, vestuários e entretenimentos, cuja mesada é uma variável para complementar seus gastos. Os pais desse jovem podem não saber quanto ele ganha no estágio – sua receita – e não ter a menor ideia de como o seu filho usa o dinheiro – sua despesa. Entretanto, sabem perfeitamente qual é o valor da mesada que pagam todo mês ao filho, para atender às despesas complementares não cobertas pela remuneração do estágio. Essa mesada = déficit do jovem. De forma análoga, as autoridades, mesmo não tendo ciência certa das receitas e despesas dos estados e municípios e de suas empresas, acompanham a evolução dos passivos dessas unidades junto ao sistema financeiro público e privado. Sabe-se o valor do resultado abaixo da linha dessas esferas, mesmo não conhecendo os acima da linha (Giambiagi, 2008). 3.2 Necessidade de Financiamento do Setor Público conceito nominal (NFSP cn) Com a inflação (π) controlada, temos despesas (G) menos receita (T), como o resultado da NFSP cn, em que a taxa de juros nominal é a base de remuneração do estoque da dívida pública. NFSP cn = G – T + i B Sendo: G = gasto não-financeiro; T = arrecadação não-financeira; B = estoque da dívida pública; i = taxa de juros nominal, que inclui a correção monetária. Lembrete: a dívida é um conceito de estoque. Já o PIB é uma variável de fluxo. Quadro: Necessidade de Financiamento do Setor Público — Conceito nominal Fonte: Banco Central do Brasil, Boletim, Seção Finanças Públicas (BCB Boletim/F. Públ.). Unidade: R$ (milhões). Comentário: Quadro: Necessidades de Financiamento do Setor Público – com desvalorização cambial sobre estoque da dívida mobiliária interna. Atualizado em: 31 de janeiro de 2008. 3.3 Necessidade de Financiamento do Setor Público Operacional (NFSP co) Em um contexto com elevada inflação (π), o resultado nominal não apresenta fundamentos, passando a ter a necessidade de eliminar a inflação, isto é, trabalhar com a taxa de juros real, ou seja, subtraindo da taxa de juros nominal a inflação, para chegar ao resultado operacional. Observação: o que se deseja medir com o cálculo do resultado fiscal é o seu impacto sobre a demanda agregada. Lembrete: se do resultado nominal subtraímos o componente de atualização monetária da dívida, chegamos ao resultado operacional, como podemos ver abaixo. Sendo: G = gasto não-financeiro; T = arrecadação não-financeira; B = estoque da dívida pública; r = taxa de juros real, que exclui a inflação. Quadro: Necessidades de Financiamento do Setor Público Operacional Fonte: Banco Central do Brasil, Boletim, Seção Finanças Públicas (BCB Boletim/F. Públ.). Periodicidade: anual. Unidade: R$ (milhões). Comentário: Quadro: Necessidades de Financiamento do Setor Público – com desvalorização cambial sobre estoque da dívida mobiliária interna. Atualizado em: 27 de fevereiro de 2008. 3.4 Necessidade de Financiamento do Setor Público Primário (NFSP cp) O conceito primário desconta a despesa com juros reais do valor das necessidades operacionais de financiamento. Se essa subtração der um resultado negativo, a explicação é que os juros reais são maiores que as necessidades de financiamento no conceito operacional, ou seja, que, não fosse o pagamento de juros, haveria um superávit operacional. Isso significa que o resultado primário é superavitário, ou seja, que a receita é maior do que as despesas não-financeiras. Durante parte dos anos 1980 e 1990, o setor público gerou superávits primários inferiores, porém, à despesa de juros, dando origem a déficits operacionais em quase todos os anos. NFSP cp = G – T Sendo: G = gasto não-financeiro; T = arrecadação não-financeira. Quadro: Necessidades de Financiamento do Setor Público Primário Fonte: Banco Central do Brasil, Boletim, Seção Finanças Públicas (BCB Boletim/F. Públ.). Periodicidade: anual. Unidade: R$ (milhões). Comentário: Quadro: Necessidades de Financiamento do Setor Público – com desvalorização cambial sobre estoque da dívida mobiliária interna. Atualizado em: 31 de janeiro de 2008. 3.5 Poupança do governo e o déficit público Como comentado anteriormente, a necessidade de financiamento do setor público, que aqui será tratada como do governo (NFG), pode ser positiva, representando uma dívida, ou negativa, representando uma poupança. A NFG pode ser descrita da seguinte forma: Sendo: 1) CG o consumo do governo; 2) JG os juros pagos pelo governo; 3) IG os investimentos realizados pelo governo; 4) T os impostos que o governo cobra e que formam a sua receita. Observação: nota-se que, ao existir um déficit, não significa que a poupança seja negativa, mas que a poupança seja menor que o investimento (S < I) do governo. 3.6 Outras óticas sobre as Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) A NFSP corresponde à variação do endividamento do setor público não- financeiro junto ao sistema financeiro e ao setor privado, doméstico ou não. Já sobre a questão de endividamento, devemos entender o conceito de dívida líquida do setor público como os créditos junto ao setor privado doméstico ou as reservas internacionais em poder do BCB mais resto do mundo. Nessa definição, a base monetária é entendida como uma forma de dívida, a qual, porém, tem a característica de que não rende juros. Nota-se que, como o déficit refere-se ao setor público não financeiro, exclui o resultado dos bancos oficiais – a não ser que estes exijam uma capitalização com recursos do Tesouro, tais como o BB ou BNDES (Giambiagi, 2000, p. 74). Nesse ponto, é necessário fazer o esclarecimento de que esse critério de apuração da dívida pública trata como ativos – para chegar ao conceito de dívida pública – apenas os de caráter financeiro e não comuta a existência de ativos reais, que poderiam ser descontados da dívida financeira, para definir um conceito mais próximo do que seria o patrimônio líquido do setor público. É isso que explica o porquê de as privatizações não terem sido consideradas como receita para efeito da apuração do déficit público – exceção feita ao tratamento conferido à parte da venda das empresas de telefonia, tratadas como concessão e computadas como uma outra receita qualquer. Observação: quandoa privatização é utilizada para abater dívida pública, não há impacto sobre as NFSP, e o valor de variação da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP), ceteris paribus, é negativo. Impacto somente sobre DLSP, que é estoque, e não sobre NFSP, que é fluxo. Se os recursos da receita da venda de uma estatal são gastos, por sua vez, as NFSP são pressionadas, pois as privatizações não são receitas e a despesa afeta o déficit, mas o efeito disso sobre a dívida é compensado pela privatização e o resultado é que a dívida fica constante, apesar de se verificar um déficit. Outros ajustes afetam a dívida sem estarem ligados a um déficit, por exemplo, a capitalização do Banco do Brasil no governo FHC para cobrir prejuízos na ordem de 1% PIB. A capitalização fez aumentar a dívida registrada, mas não exerceu nenhum impacto sobre a demanda agregada, o que fez o governo interpretar que o fato não representava um déficit público, mas apenas o registro de uma dívida associada a déficits antigos e não assumidos no seu devido momento — leia-se esqueletos ou passivos ocultos, que implicam aumentar a DLSP, e não NFSP. Lembrete: quando há uma desvalorização cambial e o governo tem dívida contratada em moeda estrangeira, o valor da dívida pública expressa na moeda nacional aumenta (ΔDLSP6 > 0), mesmo que as contas públicas estejam em equilíbrio (NFSP = 0). O saldo líquido acumulado das privatizações e outros ajustes representam um ajuste patrimonial líquido. A dívida resultante dos déficits medidos pela NFSP é denominada de dívida fiscal. Portanto, o cálculo das NFSP, isto é, o déficit público acima da linha, é obtido como resíduo. Sendo assim, temos: NFSP = ΔDLSP + Privatizações – outros ajustes patrimoniais Para obter esse resultado, é preciso: a) conhecer a ΔDLSP, em função dos dados informados ao BCB pelo sistema financeiro; b) a receita de privatização do período, quando existir; c) a existência de outros ajustes patrimoniais. Lembrete: obtidas as NFSP menos as despesas com os juros da dívida pública, temos o resultado primário ou NFSP cp. 3.7 Resultado do governo central Sobre as contas acima da linha do governo central, existem três conceitos relevantes: a) Execução financeira do tesouro, que é a captação de receita efetiva e repassada ao Tesouro Nacional e não a receita via Documentos de Arrecadação da Receita Federal (DARFS) → guia de recolhimento via calendário de impostos, pois as DARFS diminuem a dívida líquida do governo central, mesmo que ainda não tenha sido repassada ao tesouro. Observação: essa diferença pode ser expressiva quando há muitos pagamentos de tributos feitos no final do mês. b) A contabilização da despesa não-financeira toma como conceito relevante para efeito das necessidades de financiamento o pagamento efetivo (caixa), isto é, o registro da etapa de pagamento, mediante saque na conta do Tesouro Nacional (TN). Na contabilidade da execução financeira, uma liquidação financeira a cargo de um ministério é rotulada como despesa, mesmo da conta do TN. Já na contabilidade das necessidades de financiamento, os recursos só são computados como gasto quando o Ministério de fato transfere os mesmos para a conta de quem é beneficiado pelo pagamento. A contabilização dos encargos – despesa financeira – nas necessidades de financiamento é feita 6 Variação da dívida líquida do setor público. pelo critério de competência, enquanto a execução financeira do TN computa- os pelo critério de caixa. c) Necessidades de financiamento do governo central = são as NFTN7 mais as receitas e despesas do INSS e o déficit primário do BCB, que são as despesas administrativas. Com tudo isso e descontando o gasto com juros, tem-se o resultado das necessidades primárias de financiamento, sendo o resultado negativo e igual ao superávit primário acima da linha. INTRODUÇÃO Nesta unidade, estudaremos o sistema tributário brasileiro e o sistema federativo e seus movimentos de descentralização de recursos e serviços públicos. Nosso objetivo é ver, de forma panorâmica, como o sistema tributário foi criado no Brasil, perceber quais as eram as bases econômicas para a tributação e como as mesmas foram evoluindo no tempo. Fica nítido o quanto somos uma nação jovem, pois foi a partir dos anos 1960 que nosso sistema tributário passou a compreender a complexidade das relações econômicas em curso. Já no segundo ponto, veremos como o arranjo das três esferas públicas, governo federal, estadual e municipal, trabalham desde a função de tributação à prestação de serviços, ou seja, temos impostos cobrados por esferas, e a menor esfera sempre recebe repasses da maior. Esse debate vai da centralização de recursos, o que confere maior poder econômico aos governo federal, à descentralização dos mesmos, em que as esferas subnacionais (estados e municípios) caminham por uma maior participação nas receitas tributárias e autonomia local. 4. O SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO O sistema tributário brasileiro tem características interessantes, pois sempre houve a discussão sobre o objetivo da busca por um sistema tributário ideal, porém, poucos avanços foram realizados, e hoje temos a tão solicitada reforma tributária. Entretanto, nosso objetivo aqui é ver os principais conceitos de um sistema tributário e sua característica no Brasil, sendo esse um país industrializado e que possui várias classes sociais e estratos de renda, constituindo a famosa pirâmide social. Para sistematizar o que estamos falando, é importante sabermos como se dá a divisão da renda, cujas formas são: a) funcional, que é a quantidade da renda privada que assumirá a forma de salários, lucros, juros e aluguéis; 7 NFTN: Necessidade de Financiamento do Tesouro Nacional. b) pessoal, que é o percentual da renda (%Y) que ficará com cada percentil8 da população; c) regional, que sistematiza a forma como se distribuem os recursos orçamentários entre as unidades federativas (UF) e municípios; d) pública e privada, em que temos o governo tributando o setor privado para sabermos qual parte será do governo; e) federal, isto é, o corte federativo que sistematiza como a tributação se distribui entre a União, o Estado e os municípios, na questão contribuição e necessidades locais. Lembrete: o sistema tributário é relevante para determinar a competitividade interna do país. 4.1 Breve histórico do sistema tributário brasileiro Segundo Giambiagi (2001), no império, dois terços das receitas públicas vinham dos impostos sobre a importação. A partir da Constituição de 1891, introduziu-se o regime de separação de fontes tributárias. Com a Constituição de 1934, passaram a predominar os impostos sobre produtos. Os estados dotados de competência limitavam as alíquotas interestaduais em 10%. A maior fonte de receitas estaduais vinha do imposto de vendas e consignações. Nos municípios havia os impostos sobre a indústria e as profissões, e o imposto predial. Já na esfera federal, havia o imposto de importação, e, a partir dos anos 1930, o imposto sobre o consumo. No período 1946 a 1966, as bases da tributação passaram a ser domésticas devido ao Processo de Substituição de Importações, PSI ou MSI, pois os municípios passaram a ter mais dois impostos, como o selo municipal e sobre a indústria e as profissões. Em segundo lugar, institucionalizou-se um sistema de transferência de imposto. Lembrete: em 1956, a criação do imposto sobre o consumo representou os primeiros passos em direção à tributação sobre o valor adicionado (IVA). 4.1.1 A reforma dos anos 1960 A economia brasileira iniciou seu processo de industrialização de forma tardia. Sabe-se que todo processo de industrialização é seguido por um processo de urbanização e construção do mercado interno, dando início ao movimento do fluxo circular.Antes da industrialização, a economia brasileira dependia da atividade de produtor e exportador de café, cuja base de tributação eram as exportações e a importação. Com o processo de industrialização em andamento e a criação de vários setores, além da agricultura e do comércio, como serviços e os subsetores derivados da industrialização, a economia interna foi ganhando uma matriz 8 Percentil: é uma posição relativa de uma observação quando comparada com outros valores; por exemplo, se um estudante acerta 65% de um teste, mas cuja nota é o 20º percentil, significa que somente 20% tiveram nota pior e 80% foram melhor. produtiva complexa e, junto a ela, a crescente urbanização também é acompanhada de várias demandas sociais, como educação, saúde, habitação, segurança, entre outras, além de uma infraestrutura para dar condições de investimento ao setor privado, como telecomunicações, transportes, energia, entre outros. Portanto, a reforma tributária nos anos de 1960 tinha o objetivo de aumentar a receita do Estado diante de tal complexidade, solucionar o problema do déficit fiscal gerado até aquele momento e possibilitar a continuidade do estímulo ao crescimento econômico interno. Observação: em 1967, o Brasil já tinha um dos sistemas mais modernos devido a priorizar o IVA e não o imposto em cascata. Foram criados o IPI (federal) e o ICM (estadual), depois ICMS. Esses impostos tinham o caráter não-cumulativo. Conforme Giambiagi (2001, p. 243), O ICM foi definido como um imposto de alíquota uniforme, não interferindo, portanto, na alocação de recursos e investimento, favorecendo a desoneração das exportações e dificultando a competição entre estados da federação. No caso do IPI, a diferenciação de alíquotas foi estabelecida segundo critérios inversos à essencialidade dos bens, permitindo uma maior utilização do imposto como instrumento de política econômica e social. A reformulação do sistema tributário brasileiro foi dividida em 5 pontos, sendo 4 categorias de impostos e um meio de receita extra: 1) a tributação sobre o comércio exterior: a tributação estadual passou para a esfera federal devido ao seu caráter de política econômica; 2) a tributação sobre o patrimônio e a renda: o somatório do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) como municipal, o Imposto de Transferência de Bens Imóveis (ITBI) como estadual e o Imposto Territorial Rural (ITR) e o Imposto de Renda (IR) como federais; 3) a tributação sobre a produção e a circulação: além do IPI e do ICMS, o Imposto sobre Serviço de Transportes e Comunicação (ISTC) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), ambos federais, e o Imposto sobre Serviços (ISS), que é municipal, todos em substituição aos impostos sobre indústrias e profissões; 4) impostos únicos: Imposto sobre Energia Elétrica (IUEE), sobre combustíveis e lubrificantes (IUCL) e sobre minerais (IUM), todos federais; 5) receitas extraorçamentárias: criação de fundos para implantar ações pontuais, como as contribuições do empregador para o FGTS e as contribuições para a Previdência Social. Os impostos centralizam-se no governo central devido a essa instância de governo ser responsável pelo crescimento econômico. O Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) tiveram o papel de compensar a perda de capacidade tributária das esferas subnacionais, principalmente das regiões norte e nordeste do país. O IR, além de não ser usado na sua plenitude e potencial de receita, apresentava distorções, como: a) inexistência da tributação antecipada dos rendimentos dos profissionais liberais e locadores de imóveis, o que configurava um tratamento desigual relativamente aos assalariados; e b) a defasagem entre o período – base de imposto e o momento de seu pagamento, ou de sua restituição, em que há inflação elevada. A criação do PIS9/PASEP10 em 1975 significou uma saída da deterioração da receita devido aos incentivos fiscais e uma ampliação de recursos para financiamento extraorçamentários. Sendo assim, o PIS/PASEP passou a ser fonte de recursos para investimentos de longo prazo canalizados via BNDES, cujo problema foi estender a sua arrecadação ao faturamento das instituições produtivas (fator gerador), representando um retrocesso do sistema devido a caracterizar uma tributação em cascata e não via imposto sobre o valor adicionado (IVA). 4.2 Regime de incidência cumulativa 4.2.1 Base de cálculo A base de cálculo da contribuição para o PIS/PASEP e COFINS, no regime de incidência cumulativa, é o faturamento mensal, que corresponde à receita bruta, assim entendida a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas (Lei nº 9.718, de 1998, art. 3º). Para fins de determinação da base de cálculo, podem ser excluídos do faturamento, quando o tenham integrado, os valores (Lei nº 9.718, de 1998, art. 3º, 2º, com alterações da MP 2.158–35/2001; IN SRF nº 247, de 2002, art. 23): a) das receitas isentas ou não alcançadas pela incidência da contribuição ou sujeitas à alíquota 0 (zero); b) das vendas canceladas; c) dos descontos incondicionais concedidos; d) do IPI; e) do ICMS, quando destacado em nota fiscal e cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário; f) das reversões de provisões; 9 PIS: Programa de Integração Social. 10 PASEP: fundo único do programa de formação do patrimônio do servidor público. g) das recuperações de créditos baixados como perdas, que não representem ingresso de novas receitas; h) dos resultados positivos da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido; i) dos lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo de aquisição, que tenham sido computados como receita; j) das receitas não-operacionais, decorrentes da venda de bens do ativo permanente. As alíquotas da contribuição para o PIS / PASEP e da COFINS, no regime de incidência cumulativa, são, respectivamente, de sessenta e cinco centésimos por cento (0,65%) e de três por cento (3%). A apuração e o pagamento da contribuição para o PIS/ PASEP e da COFINS serão efetuados mensalmente de forma centralizada, pelo estabelecimento matriz da pessoa jurídica. O pagamento deverá ser efetuado até o último dia útil da primeira quinzena do mês subsequente ao de ocorrência do fato gerador. O pagamento da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, com a incidência cumulativa, será efetuado sob os códigos da receita 8109 e 2172. 4.3 Carga tributária brasileira A carga tributária representa a soma de todos os impostos cobrados pelas diferentes esferas públicas municipal, estadual e federal, sobre a renda nacional ou sobre o Produto Interno Bruto (PIB). Nos anos 1950, a carga tributária era de aproximadamente 18,7%; nos anos 1960, era 25%, e, nos anos 1980, era 26,5%. Já no período de 1990 em diante, a carga tributária passou a subir para 29%, até alcançar, no ano de 2006, o valor de 34,12% do PIB nacional. Carga tributária total Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sistema de Contas Nacionais Referência 2000 (IBGE/SCN 2000 Anual). Periodicidade: anual. Unidade: (% PIB). Comentário: Fonte: para 1990-1999: sistema de contas nacionais referência 1985. Para definição da variável: Contas nacionais – conceitos. Atualizado em: 07 de novembro de 2008. Podemos ver em Giambiagi (2001) um grande esforço para medir a participação do governo federal na carga tributária, como também uma comparação entre os anos 1991-1999 para ver a variação de alíquota, além da criação dos novos impostos, ou seja, um esforço para avaliar a composição da receita tributária. Podemos observar, na tabela abaixo, quehá uma forte concentração da arrecadação no imposto retido na fonte, e no gráfico, a elevação da carga tributária entre o período de 1990-2005, de 12,76% para 16,2%. Carga tributária federal Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sistema de Contas Nacionais Referência 2000 (IBGE/SCN 2000 Anual). Periodicidade: anual. Unidade: (% PIB). Comentário: Fonte: para 1990-1999: sistema de contas nacionais referência 1985. para definição da variável: Contas nacionais – conceitos. Atualizado em: 27 de novembro de 2007. Ao olhar os gráficos, percebemos o crescimento da tributação brasileira via aumento da carga tributária. Para uma análise mais rigorosa, para sabermos como isso ocorre, é necessário olhar a composição da receita tributária dentro de um período. Aqui vamos ver isso de 1999 a 2006, quando alguns impostos crescem mais de 50% como porcentagem de arrecadação do PIB brasileiro, como o Imposto de Renda (IR), além da COFINS e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Composição da receita tributária (% PIB) 4.4 A distribuição da receita tributária por níveis de governo A questão da receita do governo é objeto de várias discussões, tanto na questão da carga tributária como em pontos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que veremos mais adiante. A receita do governo está dividida em Receita Tributária Bruta (RTB) e Receita Tributária Disponível (RTD); para a União e as Unidades Federativas, a RTB é maior que a RTD, e para os municípios, a RTB é menor que a RTD devido a receber repasses orçamentários das duas outras esferas. Olhando para os municípios, na questão da composição da receita, o IPTU representa, sem as transferências federais e estaduais, 25% da receita arrecadada pelas prefeituras. O IPTU é considerado um imposto progressivo, pois paga mais IPTU quem tem uma maior riqueza em imóveis mais valorizados que estão em função de: a) localização → áreas mais nobres; b) posição → imóveis de frente e de andares mais elevados; c) idade → valor de imposto tende a decrescer em função da maior antiguidade do imóvel. Valor do imposto está em função do valor de mercado do imóvel. 4.5 Repasses orçamentários Na questão da arrecadação, como visto, há os impostos que são federais (IR, IPI, Importação e IOF), os impostos estaduais (ICMS, IPVA, Energia Elétrica, entre outros) e impostos municipais (ISS e IPTU). Do total arrecadado, os estados e municípios recebem repasses dos impostos arrecadados pela esfera federal, como também a esfera estadual faz repasses para os municípios. Esses repasses são conhecidos como Fundo de Participação Estadual (FPE) e Fundo de Participação Municipal (FPM). Esses fundos carregam consigo um debate na centralização de recursos do governo federal e o exercício no poder econômico ao fazer os repasses via FPE e FPM. No que diz respeito à extrema centralização do sistema, vale ressaltar a perda de autonomia dos estados e municípios, não apenas no que diz respeito à queda do volume de recursos transferidos pela União, mas também à imposição de vinculações desses recursos e à interferência na geração e normatização dos recursos próprios destes governos. O pequeno raio de manobra quanto a ganhos de eficiência na arrecadação de tributos próprios, assim como a pouca flexibilidade na formulação das despesas trouxe grande dependência dessas unidades em relação às transferências federais (Giambiagi, 2001, p. 252–3). Na década de 1960, o governo federal, através da ditadura militar e com maior poder centralizador, conseguia reduzir os repasses. Porém, no final dos anos 1970, os repasses para os FPE e FPM foram de 6% para 9%. Já em 1983, elevou para 13,5%, e para 16% de 1985 em diante devido à questão de legitimação da ditadura através do poder econômico. A questão dos repasses traz uma ótica de perda do poder de arrecadar da União, cuja preferência de estados e municípios por recursos transferidos resultou na omissão do governo federal no processo de concepção do novo sistema tributário, em que 21,5% do IPI e 22,5% do IR tinham que ser repassados. Foi introduzida uma partilha adicional de IPI, cabendo aos estados 10% da arrecadação do imposto, repartido em proporção às respectivas exportações de produtos manufaturados. Desse total, 25% são entregues pelos estados a seus municípios. A perda de recursos disponíveis da União, decorrente da expansão das transferências, bem como da eliminação de cinco impostos, cujas bases foram incorporadas à do ICM dando origem ao ICMS, requereria ajustes, o mais óbvio dos quais – e compatível com o objetivo de fortalecer a Federação – era a descentralização de encargos. A Constituição de 1988, entretanto, não previu os meios legais e financeiros, para que se desenvolvesse um processo ordenado de descentralização de encargos. Além disso, a seguridade social e a educação, áreas de atuação governamental onde há maior volume de atividades descentralizáveis, foram contempladas com garantia de disponibilidade de recursos no nível federal (Giambiagi, 2001, p. 254). Observação: o problema foi a falta de articulação entre os recursos arrecadados e as despesas com os encargos, resultando na deterioração da tributação, bem como dos serviços públicos. 4.5.1 Os anos 1980: a Constituição de 1988 e a criação dos impostos não-transferíveis A Constituição de 1988 é um marco dentro da democracia brasileira. No lado fiscal, ela ampliou o grau de autonomia dos estados e municípios — leia-se a descentralização dos recursos da União. Porém, as transferências tributárias não foram acompanhadas por descentralização dos encargos, resultando na queda da receita tributária disponível da União. Com a elevação de parte do IPI e IR para o FPE e FPM, a União elevou alguns impostos e criou novos tributos, mesmo cumulativos, para recompor sua receita. Entre eles: a) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); b) FINSOCIAL / COFINS; e c) criação IPMF / CPMF. 4.6 Sistema tributário: problemas e desafios Um dos debates recentes tem sido a questão do nível de bem-estar econômico e social de um país. No lado fiscal, a questão que se segue é o tamanho da carga tributária de um país e o retorno em bem-estar que essa carga tributária traz em contrapartida. O problema no Brasil não é a questão de sua carga tributária ser elevada (34,1% em 2006), mas sim o não-retorno dessa cobrança nas formas de bons sistemas de saúde, educação, segurança, entre outros, pois, na Suécia, conforme Giambiagi (2001, p. 261), a carga tributária chega a 51,4% do PIB, entretanto, esse país consegue levar para a população os benefícios econômicos e sociais que justificam esse percentual cobrado. Um outro debate em questão, além do percentual da taxa cobrada em relação ao PIB, é a base de cobrança dos impostos. Por exemplo, no Brasil, a maior parte da arrecadação via impostos vem da cobrança do ICMS, ou seja, a produção e circulação de mercadorias são as atividades mais oneradas. Um outro ponto é a característica do imposto, no caso do ICMS: ele é regressivo, quem ganha menos paga mais, fato que, no campo social, eleva a desigualdade e, no campo econômico, prejudica a competitividade. Ao olhar os casos internacionais, percebe-se que há sistemas tributários, cuja maior base de arrecadação é a renda, como nos EUA e no Japão. Sendo assim, temos que olhar três pontos no sistema tributário para verificar a sua eficiência: a) taxação sobre a produção, a circulação e a renda; b) baixa equidade com a cobrança de impostos regressivos; c) competitividade. Observação: ao fazer a abertura econômica da economia brasileira e formar o bloco do MERCOSUL, há a percepção generalizada do impacto dos tributos sobre a competitividade econômica. Deve-se haver a harmonização tributária para evitar a bitributação.4.6.1 Reforma tributária: alguns debates e pautas em andamento O sistema tributário é um elemento crucial para dentro dos plano produtivo e social, podendo ser benéfico ou causar distorções no sistema econômico. Dentro do contexto de globalização e formação de blocos econômicos regionais, esse é um tema relevante, pois trata da competitividade dos países, fato que exige uma reformulação gradual do sistema devido às mudanças nos preços relativos e do sistema produtivo. Entre as propostas, temos o Imposto Único, em que um único imposto faria o trabalho da arrecadação. Porém, há contradições: a) facilita a sonegação, pois não apresenta características como o IR e IPI são na fonte, o que não avança muito; b) princípio de progressividade: sendo único, não permite alíquotas diferenciadas; e c) competitividade: o imposto único é cumulativo ou “em cascata” devido à soma de todos os impostos na cadeia produtiva. Observação: o Brasil é o único país do mundo em que o maior tributo arrecadado na economia (o ICMS) é regido por leis subnacionais. Uma outra pauta de discussão é a busca pela harmonização e evitar a guerra fiscal entre os estados que vem transformando o ICMS em instrumento de localização industrial, além de reduzir a responsabilidade fiscal com a queda da receita e elevação de gastos. No caso da tributação interestadual, a ideia é a adoção do princípio de destino, cuja tributação passa a ser no local consumido e não na sua origem. Isso pode resultar na desoneração das exportações. Solução: número mais reduzido de impostos, não único, que incida de forma nacional e uniforme sobre: a) o consumo; b) a renda; c) a propriedade. O debate sobre a reforma tributária deve-se pautar pela garantia de uma arrecadação compatível com as NFSP e a competitividade dos produtos nacionais, através: a) da alteração do ICMS (Legislação Nacional Única e Arrecadação Estadual11); b) a eliminação dos impostos acumulativos; e c) a formação de um super com a soma do IVA mais o Imposto sobre Vendas e Varejo (IVV), cujo comércio eletrônico prescinde a etapa varejista. Tem que ser uma reforma gradual que contemple: 1) harmonização tributária; 2) preservação da autonomia federal; 11 São 27 legislações diferentes. 3) responsabilidade fiscal; 4) substituir aos poucos as contribuições sociais. 5. O SISTEMA FEDERATIVO E DESCENTRALIZAÇÃO O sistema federativo brasileiro tem a estrutura de três esferas; é composta por uma esfera federal, 27 estaduais e 5.564 municipais. O Brasil é um país continental, divido em cinco regiões (norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul), e cada uma delas exerce seu poder junto à esfera federal por recursos orçamentários. É dentro desse contexto que temos a questão da centralização versus a descentralização, isto é, o poder de decisão da esfera federal e das esferas subnacionais (estados e municípios). Porém, o que é melhor? Centralizar ou descentralizar? Para responder essas questões, temos que fundamentar através da teoria econômica para podermos embasar de forma coerente e eficiente a melhor forma de implantar e implementar as políticas públicas. Descentralizar é determinar qual esfera de governo pode administrar de forma mais eficiente os impostos, os gastos, as transferências, a regulação e outras funções públicas. Dentro dos fundamentos teóricos e as razões da descentralização, temos: a) Fatores econômicos, que cuidam da alocação de recursos mais eficientes, que é o principal objetivo da descentralização. Então temos dentro da descentralização a função alocativa, cujos bens e serviços públicos espalhados pelo país devem ser fornecidos pelo governo central, e aqueles limitados geograficamente devem ser de responsabilidade dos estados e municípios, em que (...) a oferta dos serviços públicos como administração, controle do trânsito e manutenção de parques e jardins, que beneficiam principalmente à população local, deveria ser financiada pela cobrança de impostos locais, de forma a garantir que o eleitorado se envolva no processo de descentralização. Havendo uma superposição entre as esferas governamentais no fornecimento de alguns serviços públicos, como os associados à saúde e à educação, seu financiamento deveria ocorrer em parte a partir das transferências do governo central (Giambiagi, 2001, p. 307). b) Fatores culturais, políticos e institucionais, em que temos a descentralização como um instrumento de maior integração social, em que se busca o envolvimento dos cidadãos nos rumos do desenvolvimento local e da comunidade. Por exemplo, o Orçamento Participativo em algumas cidades brasileiras que tem o objetivo de determinar o orçamento em função das necessidades locais e, ao mesmo tempo, dar transparência nas ações governamentais. Observação: a experiência internacional demonstra que a descentralização surgiu para contrapor sistemas centralizadores de poder e recursos fiscais no nível de governo federal, buscando dar maior autonomia aos estados e municípios, elevando a participação política e econômica dessas duas esferas, além de fortalecer a governabilidade e as instituições políticas. c) Fatores geográficos, que contextualizam o Brasil como um país continental, o que leva a descentralização a gerar ganhos de eficiência ao atender às demandas de certo tipo de bens e serviços públicos por parte da população local. Mesmo em cidades, o caso da implantação e implementação de subprefeituras têm esse objetivo e fundamento. Observação: as cidades que ofertarem melhores sistemas de educação, saúde, saneamento básico, entre outras políticas públicas voltadas para a manutenção do bem-estar econômico e social serão os locais com maiores possibilidades de receber investimentos internos e externos dentro do contexto globalização. 5.1 Modelos de descentralização A descentralização possui dois modelos, sendo eles: a) o modelo do principal agente, o contrato entre governo central, estados e municípios, em que primeiro faz transferências e as esferas subnacionais ofertam bens e serviços públicos; b) o modelo da eleição pública, cuja participação cidadã pelo voto controla o desempenho político na geração de bens e serviços. Há críticas aos modelos de descentralização, devido à mesma possibilitar à autonomia subnacional que, diante de problemas nacionais, possa não perseguir os mesmos objetivos da esfera federal. Exemplo: o Instituto do Coração (INCOR) não pode ser financiado com recursos descentralizados, pois a oferta seria insuficiente para toda a população. Diante das controvérsias, há, em alguns casos, a centralização, que permite as economias de escala e melhor coordenação do setor público para atingir seus objetivos nacionais. Ao fazer uma simulação com os conceitos apresentados, temos: a) na função alocativa ao melhorar na provisão e alocação de recursos, que, por sua vez, melhora o bem-estar local, poderá acarretar em migrações para a cidade em questão, elevando os seus custos em infraestrutura para a prefeitura local; b) na função distributiva podemos ter o mesmo movimento apontado no item “a”, em que a implementação de programas de transferência de renda também pode resultar em migrações e elevação dos custos sociais para a prefeitura local. Quando uma região é mais generosa que outra, há forte migração de famílias com baixa renda, tornando os programas redistributivos custosos e insustentáveis para os municípios. Observação: no Brasil, as regiões têm diferentes capacidades de arrecadação prévia de recursos. Sendo assim, a descentralização favorece municípios com forte base econômica e, ao mesmo tempo, favorece municípios com uma base fraca para receber mais transferências para ofertar mais bens e serviços públicos, igualando às outras regiões; c) na função estabilizadora temos a autonomiasubnacional não alinhada aos objetivos nacionais que podem prejudicar os objetivos de estabilização econômica do governo federal. Observação: a descentralização pode não ser eficiente quando recai sobre locais sem a capacidade técnica mínima para operar os recursos e implantar a metodologia exigida pelo projeto em questão. Entretanto, há fatores positivos pelo fato de a descentralização levar a concorrência entre as esferas de governo de forma vertical e horizontal, podendo tornar a alocação de recursos mais eficiente e equitativa via apresentação de projetos por incentivos, transferências, além de investimentos públicos e privados, resultando em uma maior eficiência do sistema econômico. 5.2 A descentralização: alguns casos na América Latina A descentralização segue uma trajetória histórica por sistemas que foram criados a partir da interferência das classes dominantes nacionais, como forma de independência econômica e política das metrópoles – espanhola ou portuguesa –, diferentemente do caso típico norte-americano, em que houve um movimento de união de unidades autônomas já existentes. Os movimentos de descentralização devem ser estudados como a maior participação das esferas subnacionais na geração e alocação de recursos e na execução de políticas públicas/despesas públicas que variam de país para país devido às estruturas institucional, política e econômica de cada um. Em linhas gerais, na América Latina, o processo de descentralização, desde 1980, esteve estreitamente associado ao objetivo mais amplo de reforma do Estado e ao processo de redemocratização. A maioria dos países latino-americanos utilizou a combinação dos modelos de descentralização, como o do principal agente (esferas com baixa capacidade econômica) e da eleição pública local (esferas com elevada capacidade econômica). Entre os casos mais importantes de descentralização na América Latina, além do Brasil, temos a Argentina e a Colômbia. Na maioria dos casos, a relevância dos processos de descentralização está diretamente associada: a) à extensão territorial do país; e b) à diversidade regional, em termos econômicos. Na Argentina, como no Brasil, também temos três níveis ou esferas de governo, sendo eles o governo central, as províncias e os municípios, que são organizados pelas províncias às quais pertencem (Constituição Federal não condiciona essas esferas). A educação primária e a secundária são responsabilidades das províncias, enquanto a educação superior é do governo central. A saúde é responsabilidade das três esferas que prestam serviços através de hospitais públicos. A previdência social é do governo central, mas as províncias contam com caixas previdenciários para os funcionários provinciais e municipais. Observação: o regime municipal varia de acordo com as diferentes províncias que, em sua maioria, reconhecem a autonomia de seus municípios, que têm liberdade para estabelecer e administrar seus próprios impostos. Tanto o governo central quanto as províncias são responsáveis pela regulação em setores de infraestrutura – como transportes, portos e fornecimento de água potável. Já os serviços de iluminação pública, limpeza, conservação de ruas, praças e parques são prestados e regulamentados pelos municípios. Ao olhar os gastos das três esferas públicas da Argentina (governo central, províncias e municípios), percebe-se que houve uma queda dos gastos públicos no governo central e um aumento nas esferas subnacionais entre 1983 e 1992. Cabe ao governo central legislar, arrecadar e fiscalizar os impostos mais modernos e com maior capacidade de arrecadação sobre o valor agregado e sobre a renda. As províncias são responsáveis pelos impostos sobre vendas, selos e sobre posse de imóveis e automóveis. Ainda que os impostos sobre propriedade de imóveis e automóveis tenham bases territoriais definidas, o mesmo não ocorre no caso dos outros tributos. A capacidade tributária dos municípios, por sua vez, depende da delegação das províncias, que, em alguns casos, reconhecendo a autonomia dos municípios, transfere para estes a arrecadação do imposto predial e de propriedade de automóveis. Apenas 20% do total da arrecadação tributária total é de arrecadação exclusiva das províncias. Isto aponta para uma significativa concentração da arrecadação dos principais impostos no governo federal. A repartição das receitas arrecadadas pelo governo central com as províncias ocorre através de transferências – reguladas pelo regime federal de co-participação de impostos, tradicionalmente sujeito à instabilidade de regras. As províncias, por sua vez, executam transferências para os municípios, com mecanismos de co-participação similares aos do governo central. Vale ressaltar que, grande parte das transferências intergovernamentais não tem uma vinculação direta com qualquer tipo de gasto, o que ocorria em 1983 (Giambiagi, 2001, p. 315). Devido à flexibilidade de criação e alteração de trans ferências, as províncias são cooptadas para a adoção de ações de interesse nacional. Mesmo com um sistema que viabiliza economias de escala e baixa guerra fiscal, a limitação se constitui na grande dependência das províncias por transferências. Em 1992, 54% dos gastos das províncias foram financiados por transferências do governo federal, em que o endividamento externo depende de autorização do governo central, e o endividamento interno depende de constituições provinciais. Na verdade, ocorreu uma descentralização dos gastos, mas não das receitas tributárias, o que gera uma maior dependência das províncias e municípios. Na Colômbia também temos três esferas, sendo o governo central, departamental (estadual) e o municipal. A descentralização iniciou em 1986, com as eleições diretas para prefeito e com a Constituinte de 1991, que implementou a eleição direta para governador. Os municípios são responsáveis pela educação primária e secundária, recebendo assistência técnica e financeira dos departamentos e se utilizando de recursos próprios para o financiamento dos seus gastos correntes e de capital. O governo central é responsável pela folha de pagamento da educação. Os departamentos são responsáveis pelos gastos com saúde, de forma direta ou através de entidades privadas, e transferem parte dos recursos tributários para os municípios; entretanto, os departamentos delegam alguns serviços de saúde, principalmente preventivos, aos municípios. Além disso, cabem a esta esfera de governo os gastos com saneamento básico e ambiental. Observação: a maior participação dos municípios foi devido ao aumento das transferências das outras esferas. As transferências para os departamentos são condicionadas. Olhando os gráficos, percebemos que o governo central centraliza os recursos. Percebe-se que houve um aumento no financiamento dos gastos municipais com recursos próprios e quase 50% desses recursos são gerados pela tributação sobre a indústria e o comércio. No caso dos departamentos, a principal fonte são os tributos específicos sobre o consumo. Os municípios têm financiamento com recursos próprios mais autonomia de decisão e despesas sem vinculação, e na receita podem somente estabelecer alíquotas. Como já estudamos, o Brasil é composto por uma federação com 26 estados, um Distrito Federal e 5.564 municípios, sendo essa uma reação ao centralismo do império. O governo militar, com a Constituição de 1967, buscou a centralização, porém, a crise econômica e política no início dos anos 1980 deu às esferas subnacionais condições para descentralizar. A motivação política é clara a partir da Constituição de 1988, não sendo um movimento de governo central, mas sim de estados e municípios. O principal desafio é conciliar o máximo de descentralização com uma adequada capacidade de redução das desigualdades regionais.
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