Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Só- crates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande res- ponsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a socie- dade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conheci- mento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivên- cia no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de quali- dade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mer- cado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-reitor: Prof. Me. Ney Stival Diretora de Ensino a Distância: Profa. Ma. Daniela Ferreira Correa PRODUÇÃO DE MATERIAIS Designer Educacional: Clovis Ribeiro do Nascimento Junior Diagramador: Alan Michel Bariani Revisão Textual: Letícia Toniete Izeppe Bisconcim / Mariana Tait Romancini Domingos Produção Audiovisual: Eudes Wilter Pitta / Heber Acuña Berger Revisão dos Processos de Produção: Rodrigo Ferreira de Souza Fotos: Shutterstock © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR UNIDADE 3WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................. 4 ABORDAGENS DO REAL ............................................................................................................................................ 5 O CONCEITO DE FILOSOFIA ..................................................................................................................................... 6 OS PRIMEIROS FILÓSOFOS: OS PRÉ-SOCRÁTICOS .............................................................................................. 6 OS SOFISTAS E A VERDADE RELATIVA ................................................................................................................... 8 SÓCRATES: IRONIA E MAIÊUTICA ........................................................................................................................... 9 PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS .......................................................................................................................... 10 FILOSOFIA DE ARISTÓTELES .................................................................................................................................. 11 PENSAMENTO MEDIEVAL ..................................................................................................................................... 13 FILOSOFIA MODERNA ............................................................................................................................................. 15 FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA .............................................................................................................................. 19 UMA INTRODUÇÃO À FILOSOFIA PROF. ME. FLÁVIO DONIZETE BATISTA 01 4WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Os fundamentos � losó� cos e históricos da educação, que constituem o que convenciona- mos chamar de Fundamentos da Educação, nos ajudam a compreender o fenômeno da educação na sociedade moderna em que vivemos, encontrando relações entre os diferentes períodos histó- ricos e concepções de pensamento e a realidade em que estamos inseridos. O estudo desses fundamentos nos ajudará a perceber que a educação não é um fenômeno neutro, mas sim o contrário, possuindo uma intencionalidade. Poderemos identi� car diferentes conceitos de educação e ainda, compreender que a educação não é uma prerrogativa da escola, e que ela ocorre em diferentes espaços sociais. Trata-se de um estudo com necessária atitude críti- ca, � losó� ca. 5WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA ABORDAGENS DO REAL O homem entra em contato com o mundo de diversas maneiras, dependendo das cir- cunstâncias e necessidades, bem como da cultura de que faz parte. Em geral, dentre as aborda- gens principais destacam-se a mítica, religiosa, artística, cientí� ca, � losó� ca e do senso comum. Tais abordagens não são necessariamente excludentes e podem inclusive coexistir. Maria Lúcia acrescenta que em alguém pode predominar uma ou outra, mas pode muito bem conviver com a presença de outras: um cientista pode ter elaborado conhecimento numa área especí� ca e não deixar de usar o senso comum na vida cotidiana quando educa seu � lho, ou ainda, pode recorrer à � loso� a para interpretar os fundamentos de determinado texto cientí� co (ARANHA, 1996, p.104). O nível de elaboração de cada abordagem varia historicamente e depende do tipo de cultura predominante. Entre povos tribais, o que predomina é o mito, com o uso do sobrenatural e do divino nas explicações dadas aos fenômenos da realidade. Quando as relações sociais se tornam mais complexas e a economia é incrementada, exigindo o contato com outros povos, a racionalidade se torna mais elaborada e crítica, o que reduz o poder do mito, delimitando-o mais a alguns setores da vida privada. Maria Lúcia escreve sobre uma mudança que ocorre quando se rompem as estruturas econômicas tribais: À medida que o mito deixa de ser uma forma abrangente de compreensão do real, o que acontece quando se rompem as estruturas econômicas tribais, o co- nhecimento se seculariza, isto é, deixa de ser predominantemente religioso. Po- de-se falar então de um saber menos mágico e mais racional, que busca fundar sua verdade na experiência de vida (ARANHA, 1996, p.104). Chamamos de senso comum esse tipo de conhecimento proveniente da experiência de um grupo social, que é transmitido por herança e que continua sendo levado a efeito pelos indiví- duos da comunidade. Algumas de suas características e ser fragmentário, difuso e, num primeiro momento, não questionado, pois é um conhecimento ametódico, assistemático. Há necessidade de se retomar criticamente esse conhecimento questionando os valores recebidos, para adequá- -los ou transformá-los a partir da análise de novas situações. Outra forma de abordagem do real é a ciência, que pode ser considerada relativamen- te nova, tendo surgido no século XVII, quando Galileu lançou as bases de um revolucionário método cientí� co. Com o recurso da experimentação e da matematização, foi possível à ciência delimitar os objetos a serem estudados, descobrindo as regularidades que permitiram estabelecer leis gerais e teorias nos fenômenos observados. As consequências de um saber tão rigoroso e elaborado não demoraram a se fazer sentir, com as transformações tecnológicas que mudaram a face do mundo. Diante das implicações de nosso estudo, vamos nos ater a uma dessas abordagens do real: aquela que nos permite realizar com a � loso� a. O que queremos é perceber em que medida esta pode nos ajudar a compreender o fenômeno da educação. 6WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA O CONCEITO DE FILOSOFIA A re� exão � losó� ca não é privilégio exclusivo de quem possui formação acadêmica em Filoso� a. Toda vez que sequestiona o “como” e o “porque” de seus pensamentos e de suas ações, já está, de certo modo, “� losofando”. Entre muitos povos antigos, essas especulações estavam tão misturadas às narrativas míticas que era quase impossível separar uma coisa da outra. Por isso, podemos dizer que a � loso� a, como pensamento que busca pensar a experiência humana de modo distinto do pensamento mítico, surgiu primeiramente entre os gregos. Filoso� a é uma palavra de origem grega (philos = amigo; sophia= sabedoria) e em seu sentido estrito designa um tipo de especulação que se originou e atingiu seu apogeu entre os gre- gos, e que teve continuidade com os povos ocidentais. Para entender que tipo de especulação é essa precisamos de� nir um pouco mais a própria � loso� a. Rezende busca essa de� nição citando Aristóteles: É, pois, evidente que a sabedoria [sophia] é uma ciência sobre certos princí- pios e causas. E, já que procuramos essa ciência, o que deveríamos indagar é de que causas e princípios é ciência a sabedoria. (...) àquele que conhece com mais exatidão e é mais capaz de ensinar as causas, consideramo-lo mais sábio em qualquer ciência. E, entre as ciências, pensamos que é mais sabedoria a que é desejável por si mesma e por amor ao saber, do que aquela que se procura por causa dos resultados (...). (REZENDE, 2010, p.11). Cada uma das características apontadas por Aristóteles mereceria um exame especial. Mas � xemo-nos em algumas delas. O saber � losó� co: 1) é uma saber “de todas as coisas”, um saber universal; 2) é um saber pelo saber; um saber livre, e não um saber que se constitui para resolver uma di� culdade de ordem prática; 3) é um saber pelas causas; o que Aristóteles entende por causa não é exatamente o que nós chamamos por esse nome; de qualquer forma, saber pelas causas envolve o exercício da razão, e esta envolve a crítica: o saber � losó� co é, pois, um saber crítico (REZENDE, 2010, p.12). OS PRIMEIROS FILÓSOFOS: OS PRÉ-SOCRÁTICOS A � loso� a surgiu na Grécia, por volta do século VI a.C., inicialmente em suas colônias (parte insular, com a Jônia e Magna Grécia) para depois se desenvolver na parte continental. A � loso� a nascente rejeitava as interpretações míticas que eram baseadas no sobrenatu- ral. Os primeiros � lósofos, chamados de pré-socráticos, buscavam explicar os fenômenos com elementos do próprio mundo natural, negando a interferência dos agentes divinos. Durante todo o século VI, foi sobre a phisis, o mundo natural, que se exerceu, sobretudo, a especulação racional dos gregos. Buscava-se construir uma cosmologia, um estudo do princípio de todas as coisas, para identi� car a ordem que garantiria o mundo ser do jeito que ele é. 7WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 1 - Mapa da Grécia antiga, coma indicação da origem dos principais � lósofos. Fonte: Avi (2016). Ao buscarem a racionalidade do universo, os � lósofos dessacralizam a natureza, isto é, retiram dela a dimensão do sagrado. A � loso� a surge, então como um pensamento re� exivo que busca a de� nição rigorosa dos conceitos, a coerência interna do discurso, a � m de possibilitar o debate e a discussão. Entre os � lósofos desse período, podemos destacar Tales, Parmênides e Heráclito, que apresentaram soluções racionais a questões que se colocavam quanto ao entendimento da reali- dade. Princípio de todas as coisas: arkhé. A principal indagação dos filósofos pré-socráticos era o movimento. Para os gregos, o conceito de movimento tem um sentido bem amplo, podendo signi- ficar mudança de ugas, aumento e diminuição, qualquer alteração substancial quando alguma coisa é gerada ou se deteriora. Então alguns se perguntavam: o que faz com que, apesar de toda mudança, haja algo na realidade que sempre permaneça o mesmo? Assim, sob a multiplicidade das coisas, eles buscavam a identidade, um princípio original e racional (em grego, arkhé). Nesse contexto, o termo princípio pode ser entendido como “origem” ou “fundamento”. (ARANHA & MARTINS, 2016, p. 28) No período clássico, os filósofos – sobretudo Aristóteles – se apropriaram das ideias de Parmênides para fundamentar e formular os princípios de lógica. Um deles é o princípio de identidade, em que “A=A”, ou seja, todo ser é igual a si mesmo. 8WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA OS SOFISTAS E A VERDADE RELATIVA Se no começo da � loso� a suas principais especulações eram a respeito da natureza (perí- odo cosmológico) e dos fenômenos físicos, no período clássico da � loso� a grega, quando Atenas era o grande centro cultural e intelectual do mundo, os � lósofos se voltaram cada vez mais para o estudo das dimensões ética e política da vida humana (período antropológico). A organização democrática da vida política grega exigia um conhecimento mínimo das leis e dos costumes, o que frequentemente levava a discussões acerca da ação humana em termos de bem e mal, certo e errado, justo e injusto. É no plano político que a razão, na Grécia, primeiramente se exprimiu, consti- tuiu-se e formou-se. A experiência social pode tornar-se entre os gregos o objeto de uma re� exão positiva, porque se prestava, na cidade, a um debate público de argumentos. O declínio do mito data do dia em que os primeiros sábios puseram em discussão a ordem humana, procuraram de� ni-la em si mesma, traduzi-la em fórmulas acessíveis à sua inteligência, aplicar-lhe a norma do número e da medida. Assim se destacou e se de� niu um pensamento propriamente político, exterior à religião com seu vocabulário, seus conceitos, seus princípios, suas vis- tas teóricas. [...] A razão grega é a de que maneira positiva, re� etida, metódica, permite agir sobre os homens, não transformar a natureza. Dentro de seus limi- tes como em suas inovações, é � lha da cidade (VERNANT, 2011, p.95). Uma das questões mais importantes desse período era o problema da verdade. Nos deba- tes públicos, frequentemente havia a divergência de opiniões, e as discussões, as trocas de ideias, em vez de resultarem em consenso, não rato acabavam acentuando as divergências. Diante des- sa situação, muitos pensadores atenienses, especialmente os pertencentes ao grupo dos so� stas, concluíam que a verdade, aquilo que todos anseiam conhecer, simplesmente não existe. Sendo incapazes de conhecer a verdade, deveríamos nos voltar para o domínio da opinião, que seria en- tão o máximo que nossa inteligência poderia alcançar. Em outras palavras, deveríamos abando- nar a pretensão de um conhecimento certo, total e objetivo e aceitar o fato de que o conhecimento humano é sempre duvidoso, parcial e subjetivo. A solução so� sta para o problema da verdade tem consequências éticas tremendas. Se não podemos ter certeza sobre o que quer que seja, então jamais poderemos a� rmar categori- camente que uma ação é boa ou má, moral ou imoral. Tudo se torna uma questão de ponto de vista. Está colocado o relativismo: ações como matar, mentir ou roubar podem ser consideradas boas se o sujeito que as pratica considerá-las boas. As noções de bem e mal, de certo e errado, esvaziam-se e, assim, mergulhamos no mais completo relativismo moral. Diante dos dilemas colocados pelos so� stas, muitos � lósofos gregos tentaram repensar o problema do conhecimento verdadeiro encontrar o fundamento da verdade signi� caria encon- trar também o princípio norteador de toda a ação moral. Inicialmente, falemos de Sócrates. Etimologia de Sofista: do grego sophistés, “sábio”, ou melhor, “professor de sa- bedoria”. Posteriormente, o termo adquiriu sentido pejorativo para denominar aquele que emprega sofismas, ou seja, alguém que usa de raciocínio capcioso, de má-fé, com intenção de enganar. Sóphisma significa “sutileza de sofista”. 9WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO| U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA SÓCRATES: IRONIA E MAIÊUTICA Sócrates (470-399 a.C.) era um homem feio, dizem. Mas exercia um grande fascínio sobre aqueles que o ouviam. Ninguém saía de uma conversa com ele sem algo de novo para pensar. Ja- mais escreveu qualquer obra. Interpelava os transeuntes, dizendo-se ignorante, e fazia perguntas aos que julgavam entender determinado assunto: “O que é a coragem e a covardia?”, “O que é a beleza?”, “O que é ajustiça?”, “O que é a virtude?”. Ao � nal, o interlocutor concluía que não conhe- cia tanto o quanto imaginava, sendo obrigado a reconhecer a própria ignorância sobre o assunto em questão. A discussão tomava então outro rumo, na tentativa de explicitar melhor o conceito. Esses dois momentos, que constitui o método socrático de fazer � loso� a, são chamados de ironia e maiêutica. A ironia socrática é fazer perguntas � ngindo não saber a resposta, sendo esse o sen- tido etimológico da palavra, para levar o interlocutor a se posicionar sobre o assunto, levando-a a � nalmente reconhecer sua ignorância. O momento da maiêutica, palavra grega que signi� ca fazer parto, signi� ca a ajuda de Sócrates numa espécie de parto de ideias, ou seja, ele conduz a pessoa na investigação do conceito, naquilo que será um novo conhecimento. O interessante, nesse método, é que nem sempre as discussões levam de fato a uma conclu- são efetiva, mas ainda assim trazem o benefício de cada um abandonar a sua opinião (em grego, dóxa), um conhecimento impreciso e sem fundamento. A partir daí, e possível abandonar o que se sabia sem crítica e atingir o conhecimento verdadeiro. Vemos, então, a oposição existente entre o pensamento so� sta e o pensamento � losó� co de Só- crates. Para os so� stas, o conhecimento era fruto da persuasão e do uso da retórica, a arte de convencer. Já para os � lósofos, a verdade deveria ser buscada de uma forma contínua, enriquecida pelo diálogo. A crítica socrática aos so� stas dirigia-se à sua prá- tica de discutir sem questionar, pois os so� stas não se prendiam à discussão dos conceitos e da essência de algo, mas apenas à manutenção da conduta e à complexidade de raciocínios que os afastavam do homem comum. Figura 2 – Sócrates. Fonte: Flores (2017). Por não ter deixado escrito algum, só podemos conhecer Sócrates de forma indireta, por meio de outros – tanto admiradores, como inimigos – que escreveram sobre ele. O princí- pio socrático, o de que somos capazes de alcançar um conhecimento verdadeiro das coisas, foi posteriormente desenvolvido por dois outros � lósofos importantes – Platão e Aristóteles – que viveram no século IV a.C. cada um deu uma solução para o problema da verdade e, consequen- temente, derivaram dessas soluções concepções � losó� cas diferentes. 10WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS A importância de Platão (428-347 a.C.) deriva, sobretudo, da teoria do conhecimento, que serve de base para a construção do seu sistema � losó� co. A problemática que move toda a teoria platônica do conhecimento se baseia na distinção entre duas ordens de seres: as ideias e as coisas. As coisas nos remetem a tudo aquilo que podemos perceber pelos sentidos, e pertencem ao mundo da mudança, das transformações. O puro pensamento, pelo contrário, permite-nos ter acesso a ideias imutáveis, como a ideia do bem, da verdade e da justiça. Para Platão, as ideias, sendo eternas, devem ser necessariamente superiores às coisas, que são transitórias. Em sua con- cepção, as ideias são seres perfeitos que existem por si mesmos desde sempre e para sempre. Elas habitam um mundo perfeito, chamado, por Platão, de mundo das ideias. As coisas, por sua vez, são seres degradados, cópias imperfeitas das ideias existentes no mundo das ideias. O verdadeiro conhecimento é o das ideias, que o homem consegue alcançar quando não se limita ao conhecimento sensível (das coisas), mas utiliza da razão para galgar níveis mais elevados de conhecimento. Platão utiliza a alegoria da caverna como metáfora para expor sua teoria do co- nhecimento. Conforme a descrição de Platão, pessoas estão acorrentadas desde a infância em uma caverna, de tal modo que enxergam apenas a parede ao fundo, na qual são projeta- das sombras, que eles pensam ser a realidade. Trata-se, entretanto, de sombras de mario- netes empunhadas por pessoas atrás de um muro, que também esconde uma fogueira. Se um dos indivíduos conseguisse se soltar das correntes para contemplar a luz do dia, os ver- dadeiros objetos, ao regressar à caverna seus antigos companheiros o tomariam por louco e não acreditariam em suas palavras. Figura 3 – Platão. Fonte: Rafael Sanzio (1510). Sair da caverna deixando as sombras para trás e ir ao encontro da luz do Sol representa a passagem dos graus inferiores do conhecimento aos superiores. A proposta platônica de busca do conhecimento é a de uma dialética: através do diálogo sair de um nível inferior de conhecimento (conhecimento sensível, mundo dos fenômenos) e atingir o nível mais elevado (conhecimento das ideias, mundo inteligível). O mundo sensível, percebido pelos sentidos, é o local da multiplicidade, do movimento; é ilusório, pura sombra do verdadeiro mundo. Por exemplo, mesmo que existam inúmeras abelhas dos mais variados tipos, a ideia de abelha deve ser uma, imutável, a verdadeira realidade. O mundo inteligível é alcançado pela dialética ascendente, que fará a alma elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis às ideias unas e imutáveis. As ideias gerais são hierarquizadas, e no topo delas está a ideia do Bem, a mais alta em perfeição e a mais geral de todas – na alegoria cor- responde à metáfora do Sol. 11WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Os seres, em geral, não existem senão enquanto participam do Bem. Como as ideias são a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo das ideias, do qual é apenas sombra ou cópia. Trata-se da teoria da participação, mais tarde duramen- te criticada por Aristóteles. Podemos perceber que, em Platão, há a divisão da verdade em dois elementos, o material e o imaterial. O primeiro, que se refere às coisas em si, captadas pelos sentidos, em sua existência física. O outro elemento, o imaterial, é o que utilizamos para dar sentido e valor a tudo aquilo que nos cerca. O conceito moral, a relevância social e o peso ético. FILOSOFIA DE ARISTÓTELES Dono de um saber enciclopédico, Aristóteles (384-322 a.C.) escreveu sobre quase todos os assuntos, examinando teorias das diversas escolas � losó� cas que o precederam na Grécia. Segundo ele, a � loso� a implica o abandono do senso comum e o despertar da consciência crítica que tem uma função libertadora para o homem. O abandono do senso comum se dá em virtude do espanto (admiração), e este é a origem do � losofar. Foi discípulo de Platão e, embora perma- neça � el a seu mestre em muitos e importantes aspectos de sua � loso� a, Aristóteles, desde sua mocidade, rejeita a Teoria das Ideias, alegando que ela não explica o movimento dos seres mate- riais e cria mais di� culdades do que resolve, segundo Rezende (2010, p. 71). Para ele, a realidade é exatamente aquilo que conhecemos por meio dos sentidos, e as ideias só existem na mente humana e não em um mundo separado e superior ao nosso, como acreditava Platão. REFLITA Vemos na imagem abaixo, uma parte da versão de Maurício de Souza sobre a Alegoria da Caverna de Platão. Quais seriam nossas “cavernas” modernas? O que nos impediria de ver o mundo como ele é, verdadeiramente? Como podemos sair de nossas “cavernas” atualmente? Veja a imagem completa em: https://livrepensamento.com/2014/02/11/o-mito-da-caverna-de-platao-em- -quadrinhos/ 12WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F ILOS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA A � loso� a é a ciência (episteme), isto é, o conhecimento necessário e universal, distin- guindo-se da opinião (doxa), que varia de acordo com as situações, os sujeitos e as mutações da realidade. Figura 4 - Aristóteles. Fonte: Jastrow (2006). Ao rejeitar a teoria platônica do mundo das ideias, Aristóteles corria o risco de não ad- mitir nada de permanente, uma vez que as coisas estão em perpétua mudança. Além disso, como explicar que possamos formar em nossa mente ideias gerais se o conhecimento vem dos senti- dos que nos apresentam unicamente coisas particulares? Aristóteles superou essas di� culdades a� rmando que as coisas, mesmo sendo particulares, possuem uma essência que é universal. Por exemplo: Maria, João, José e Ana são pessoas, seres humanos singulares. Mas há algo em comum entre eles: a sua humanidade. Enquanto os seres humanos nascem, crescem e envelhecem e mor- rem, a humanidade, que é comum a todos, permanece sempre a mesma. Segundo Aristóteles, portanto, adquirir ideias signi� ca conhecer justamente isto: a essência, aquilo que permanece diante das mudanças. Do ponto de vista � losó� co, é difícil encontrar qualquer pensamento posterior que, de uma forma ou de outra, não se remeta ao pensamento aristotélico, quer adotando-o como pres- suposto e fundamento, quer discutindo-o. Por sua gigantesca in� uência no domínio da ciência, da teologia, da estética como da política, a � loso� a de Aristóteles o coloca como, senão o maior, um entre os maiores pensadores da humanidade, de que a cultura ocidental é uma grande tribu- tária. Estudar Aristóteles é assim debruçar-se sobre as raízes culturais e � losó� cas de nosso modo de pensar e do mundo ocidental. REFLITA As inovações de Aristóteles: - A Filosofia não precisa abandonar este mundo, mas, ao contrário, é o conheci- mento da essência daquilo que existe em nosso mundo. - Não se pode pensar apenas em um Ser uno e não é a imutabilidade que garan- te a verdade ou não de um ser. - Os diferentes seres têm essências diferentes, e a mudança é o critério que as diferencia. 13WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA PENSAMENTO MEDIEVAL No � nal da Idade Antiga e em toda a Idade Média, ocorre o que denominamos Filoso� a Cristã que, em seu sentido histórico, refere-se à � loso� a in� uenciada pelo cristianismo. Predomi- nou no Ocidente, principalmente na Europa, no período do século I ao século XIV de nossa era. O problema central da Filoso� a Cristã é a conciliação das exigências da razão com a revelação divina. Compreende duas épocas: a primeira, que vai até o século V, conhecida como Patrística; a segunda, que vai do século X ao século XIV, e que corresponde à chamada � loso� a Escolástica. A Patrística resultou do esforço para conciliar a nova religião – o cristianismo – com o pensamento � losó� co dos gregos e dos romanos, a � m de convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A � loso� a Patrística liga-se, portanto à evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques que recebia, segundo Chauí (p. 59, 2017). Seus nomes mais importantes: Justino, Cle- mente, Tertuliano, Orígenes, São Gregório de Nazianzo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. Figura 4 - Santo Agostinho. Fonte: Benítez (2016). A Patrística introduziu ideias desconhecidas para os � lósofos greco-romanos: a de cria- ção do mundo a partir do nada, de pecado original do homem, de Deus como trindade uma (Pai, Filho e Espírito Santo), de encarnação e morte de Deus, de juízo � nal ou de � m dos tempos e ressurreição dos mortos, etc. Precisou, também, explicar como o mal pode existir no mundo, uma vez que tudo foi criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Com Santo Agostinho, foi introduzida a ideia de “homem interior”, isto é, da consciência moral e do livre-arbítrio da vonta- de, a� rmando que o homem, por ser dotado de liberdade para escolher entre o bem e o mal, é o responsável pela existência do mal no mundo, segundo Chauí (p. 60, 2017). Agostinho foi muito in� uenciado pela � loso� a de Platão, assimilando a concepção de que a verdade, como conheci- mento eterno, deveria ser buscada intelectualmente no “mundo das ideias”. Por isso defendeu o autoconhecimento, a caminho da interioridade, como instrumento legítimo para a busca da verdade. 14WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA O grande tema da � loso� a Patrística é o da possibilidade ou impossibilidade de conciliar a razão (que lida com demonstrações) com a fé (que lida com mistérios incompreensíveis, como três pessoas formando uma só, a morte de Deus por meio de Jesus, etc.). A � loso� a medieval do século VIII ao século XIV abrange pensadores europeus, muçul- manos e judeus. É o período em que a Igreja romana dominava a Europa, ungia e coroava os reis, organizava cruzadas à chamada Terra Santa e criava, à volta das catedrais, as universidades ou escolas. A partir do século XII, por ter sido ensinada nas escolas, a � loso� a medieval também é conhecida com o nome de Escolástica. A Escolástica não abandonou, em um pri- meiro momento, a � loso� a platônica. Mas, a partir do século XII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pensamento escolástico, marcando- -o de� nitivamente. Isso se deveu à descoberta de muitas obras raras de Aristóteles, desconhecidas até então, e à tradução para o latim de algumas delas, diretamente do grego. São Tomás de Aquino foi um dos responsáveis pela revitalização do pensamento aristotélico, em busca de argumentos que explicas- sem os principais aspectos da fé cristã. Assim, fez da � loso� a de Aristóteles um instrumento a serviço da solução dos problemas teológicos que enfrentava, ao mesmo tempo em que transformou essa � loso- � a em uma síntese original. Questões sobre o ser, a essência, o conhecimento, a existência de Deus, foram abordados por Santo Tomás com a utilização de conceitos aristotélicos. Figura 5 - São Tomás de Aquino. Fonte: Crivelli (1476). REFLITA Em vários aspectos, podemos dizer que o cristianismo não precisava de uma Filosofia, propriamente dita: 1. Sendo uma religião da salvação, seu interesse maior estava na moral, na prá- tica dos preceitos virtuosos deixados por Jesus com vistas a salvar os seres humanos dos seus pecados, e não em uma teoria sobre a realidade. 2. Sendo uma religião vinda do judaísmo, já possuía uma ideia muito clara do que era o Ser, pois Deus disse a Moisés: “Eu sou aquele que é, foi e será. Eu sou aquele que sou”. 3. Sendo uma religião, seu interesse maior estava na fé e não na razão teórica, na crença e não no conhecimento intelectual, na revelação e não na reflexão. Os cristãos se dedicaram à Filosofia, portanto, com o objetivo de converter os intelectuais gregos e os chefes e imperadores romanos (isto é, aqueles que estavam acostumados à Filosofia. (CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2017, p. 212) 15WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA FILOSOFIA MODERNA Algumas mudanças de ordem social, cientí� ca e religiosa permitem considerar o desen- volvimento de uma nova � loso� a a partir dos séculos XV e XVI, com características bem pe- culiares. As guerras de religião, a era dos descobrimentos, o surgimento de novos modelos de conhecimento, além de outros fatores, levou a buscar outras visões de mundo. Uma forte característica desses novos tempos foi a maior facilidade com que circulavam as informações de todo tipo. A invenção da imprensa, por João Gutemberg (1398-1468), compõe um quadro novo na disseminação do conhecimento. Obviamente não foi algo rápido e imediato, sendo necessários muitos séculos até que o hábito de ter livros em casa se tornasseamplamente difundido. No entanto, comparando a fabricação dos livros pela máquina inventada por Gutem- berg (a prensa) com as técnicas anteriores (os manuscritos ou cópias à mão em pergaminhos de pele de animal ou em papel caseiro), temos uma noção clara desse grande volume de circulação de informações nos séculos XV e XVI. Esses fatores permitiram considerar os séculos XV e XVI como um período de ampliação de horizontes para os europeus. Nesse movimento, a circulação de informações fez aumentar também o conhecimento de autores antigos e intensi� car o estudo não só da � loso� a e da teolo- gia, mas ainda da literatura, ciências e artes. Assim, há um sentido em falar de “Renascimento”, que está ligado à maior divulgação do patrimônio cultural antigo. Alguns pensadores “renascentistas” criam, então, o ideal do humanismo, ou seja, uma visão de mundo centrada no ser humano e com medidas humanas. Eles queriam enfatizar um modelo de ser humano universal, superior às diferenças culturais e ao mesmo tempo garantidor do valor de cada indivíduo. Podemos citar, também, a produção � losó� ca dos séculos XVII-XVIII, período conside- rado o auge da Modernidade, com o desenvolvimento de pelo menos quatro estilos que duram até hoje: o racionalismo, o empirismo, o Iluminismo e o materialismo. A variedade da produção � losó� ca moderna revela um dado comum aos autores do período: por mais que tenham suas raízes antigo-medievais, eles buscavam criar � loso� as inteiramente novas e, em maior ou menor grau, por ruptura com o passado. Na vertente humanista da Renascença, o Homem é a peça principal, agora ocu- pando o lugar antes impensável do próprio Criador. Este aspecto antropocen- trista se prolonga por pelo menos um século em toda a Europa Ocidental. Este movimento privilegia a Antiguidade Clássica, mas não se limita a reproduzir suas obras, o que reduziria sua importância. Seus seguidores recusavam radicalmen- te os valores medievais e para alcançar esse objetivo usavam a cultura greco- -romana como o instrumento mais adequado para a realização de suas metas. Além do Antropocentrismo, o Renascimento também introduz princípios hedo- nistas – a busca do máximo prazer no momento presente, como tesouro maior do Homem – e individualistas – a exaltação do indivíduo e de sua suprema liber- dade dentro do grupo social -, bem como o otimismo e o racionalismo. Fonte: Santana, Ana Lúcia. Disponível em: https://www.infoescola.com/movimentos-culturais/renascimento/ Acessado em janeiro de 2018. 16WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Etimologia do termo Moderno: A palavra Moderno está relacionada aos termos latinos: modernus, que significa atual, pertencente aos nossos dias; modo, agora, de certa maneira; modus, me- dida, maneira. Os pensadores modernos viviam um misto de admiração pelas novidades, principal- mente as ciências, concebidas segundo o modelo renascentista, e o descontentamento com as explicações tradicionais. Acontecia a busca de formas mais seguras de conhecimento e de ação, para o que contribuía enormemente a herança dos � lósofos renascentistas e a nova concepção de conhecimento cientí� co baseada em modelos matemáticos. Uma refundação da � loso� a estava em curso. Diante das inúmeras novidades que os tempos modernos traziam, os � lósofos decidiram, de modo geral, apostar em um “projeto” que pusesse em primeiro plano aquilo que, acima de qualquer dúvida, caracterizava a experiência humana: o uso da razão. E a principal atividade da razão passa a ser também, a principal preocupação dos � lósofos: o conhecimento. Era necessário “conhecer o conhecimento”, investigar quais as reais possibilidades de conhecer e os reais mé- todos para pôr essa atividade em prática. O conhecimento é considerado a principal marca da � loso� a moderna. A primeira tarefa, e mais importante, para os � lósofos modernos era a justi� cação do tipo e do modo de conhecimento praticado. Tal preocupação está na raiz tanto do racionalismo como do empirismo, duas correntes � losó� cas típicas da modernidade. O racionalismo dá prioridade ao papel da razão na atividade de conhecer. O ser humano é dotado de consciência re� exiva, que lhe permite elaborar as informações captadas por meio dos cinco sentidos. O empirismo, por sua vez, dá prioridade ao papel dos cinco sentidos e entende a razão como um hábito desenvolvido pelo uso dos mesmos sentidos. Se o racionalismo a� rma a existência de uma capacidade humana (situada na alma) que possibilita a atividade dos cinco sentidos, o empirismo prefere a� rmar que a razão é apenas o nome do hábito gerado pela ativação dos sentidos. Vejamos dois expoentes de cada uma destas correntes: René Descartes (1596-1650), que viveu no século XVII, foi um dos mais in� uentes � ló- sofos racionalistas. Para esse pensador, a essência humana era o pensamento. Tanto assim que, para ele, o corpo e a alma seriam duas substâncias ab- solutamente distintas e independentes, sendo que o meu “eu” se identi� caria com a alma, mas não com o corpo. Descartes a� rmava que se para pensarmos não necessitamos de nada material, é porque o conhecimento, na verdade, não de- pende dos sentidos. Para esse � lósofo, as ideias humanas são inatas, isto é, já nascem conosco e só vão se manifestando a medida que vamos de- senvolvendo nosso intelecto. Figura 6 - Portrait of Rene Descartes. Fonte: Hals (1649). 17WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 7 - Bildnis von John Locke. Fonte: Kneller (1704). John Locke (1632-1704) critica as ideias inatas Descartes, a� rmando que a alma é como uma tábula rasa – tábua sem inscrições -, como um papel e branco. Por isso o conhecimento co- meça apenas com a experiência sensível. Se houvesse ideias inatas, as crianças já as teriam. Outro argumento contra o inatismo: a ideia de Deus não se encontra em toda parte, pois há povos sem essa representação, ou pelo menos, sem a representação de Deus como ser perfeito. O debate entre interpretações racionalistas e empiristas amplia-se do campo da teoria do conhecimento para os outros saberes, principalmente a Ética e a Política, tornando-se ambas áreas especí� cas da pesquisa � losó� ca. Racionalistas, como Descartes, defenderão que, pelo uso da razão é possível chegar a verdade no campo das emoções, da ação ética e da ação política. Uma razão bem desenvolvida poderia controlar os diversos aspectos da vida humana. Figura 8 - David Hume. Fonte: Ramsay (1766). Já empiristas, como David Hume (1711-1776), alertarão para o que eles consideravam as “ilusões” da razão e preferirão tomar como fontes de compreensão da vida humana aquilo que, segundo eles, era evidente: o papel das sensações (o conhecimento obtido por meio dos cinco sentidos) e das paixões ou emoções. Na re� exão ética, portanto, a razão seria vista de modo mais adequado se fosse posta em seu lugar, não como controladora das emoções, mas como sua serva ou, no mínimo, como sua aliada � el. 18WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 9 - Immanuel Kant. Fonte: Becker (1767). Em consequência direta do debate entre racionalismo e empirismo, surge outra corrente � losó� ca, interessada em levar até o � m a análise das possibilidades e dos limites do conhecimen- to humano. Trata-se do criticismo, ou também conhecida, � loso� a transcendental de Immanuel Kant (1724-1804). Vendo razões no pensamento racionalista de Descartes e na atitude empirista de Hume, Kant procura conciliá-las e oferecer uma concepção mais adequada da razão humana. Ele concorda com Descartes quando este a� rma que a razão tem um papel fundamental na orga- nização dos dados oferecidos pelos sentidos, pois estes, sozinhos, não produzem conhecimento. Porém,sem as informações captadas pelos sentidos, a razão não teria material para elaborar. Nisso, Hume tinha razão. Kant elabora, então, uma concepção do conhecimento como atividade de uma estrutura universal, presente em todos os seres humanos (a estrutura da subjetividade transcendental, quer dizer, estrutura cognitiva dada sempre que existe um ser humano) e operan- te sobre os dados da sensibilidade (cinco sentidos). O trabalho de Kant separa, de um lado, aquilo que pode ser conhecido de modo seguro, cientí� co, com base no conhecimento, e, de outro, aquilo que não pode ser conhecido de modo cientí� co (embora, pela atividade da razão, possa fazer algum sentido para os indivíduos e os grupos). Segundo Kant, o que pode ser conhecido é somente aquilo que é captado inicialmente pelos sentidos, pela experiência sensível. Kant e o Criticismo Sua Filosofia é chamada criticismo porque, diante da pergunta “Qual é o verda- deiro valor dos nossos conhecimentos e o que é conhecimento?”, Kant coloca a razão em um tribunal para julgar o que pode ser conhecido legitimamente e que tipo de conhecimento é infundado. Segundo o próprio Kant, a leitura da obra de Hume o despertou do “sono dogmático” em que estavam mergulhados os filósofos que não questionavam se as ideias da razão correspondiam mesmo à realidade. (ARANHA & MARTINS, 2016, p. 130) 19WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA São os fenômenos aquilo que não pode ser captado pelos sentidos, chamado de númeno, pode até ser pensado, mas não pode ser conhecido efetivamente, pois o conhecimento humano limita-se ao campo da experiência. Exemplos de númenos apresentados por Kant: Deus, alma e � nitude. Vale dizer que ao a� rmar que estas ideias escapam das condições de possibilidade do conhecimento, Kant não negou a existência de Deus e da alma ou da � nitude do mundo. O que ele fez foi demonstrar que não é possível um conhecimento cientí� co sobre a existência ou não de Deus, a imortalidade ou não da alma e a in� nitude ou � nitude do mundo. De certo modo, Kant rejeitou a maneira como essas ideias estavam sendo tratadas pela � loso� a, segundo Chauí (2016, p. 226). A ênfase na luz da razão fez com que as � loso� as produzidas no século XVIII recebessem o nome de Iluminismo. Trata-se de uma con� ança irrestrita no poder da razão para explicar a experiência humana. Chegou-se mesmo a crer que o ser humano pode se aperfeiçoar pela razão a ponto de progredir sempre e encontrar a felicidade ética e política. A crença num progresso sem � m ou na perfectibilidade do ser humano levou também à distinção entre Natureza e Cultura: a Natureza ou o mundo físico-químico-biológico seria o campo da necessidade, das leis � xas; a Cultura ou a civilização seria o campo propriamente humano, lugar da autoconstrução e da liberdade. FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA A contemporaneidade nasceu de uma problematização do “projeto” moderno de � loso- � a. Do ponto de vista histórico, acontecimentos como a Revolução Industrial, no � m do século XVIII e início do século XIX, e a passagem do capitalismo comercial e pré-industrial (típicos dos séculos XV a XVII) ao capitalismo industrial e � nanceiro acarretaram mudanças profundas na organização socioeconômica e cultural. Do ponto de vista da � loso� a, alguns elementos faziam pensar em uma nova era. Esses elementos consistiam no trabalho de autocrítica que a própria razão começava a desenvolver. A primeira forma de autocrítica que se descola do “projeto” moderno foi a dos autores pertencentes ao Romantismo. Discordando diretamente do pensamento iluminista, os român- ticos consideravam um imperdoável estreitamento de horizonte o fato de associar a razão com o modelo cientí� co. Em outras palavras, considerar que uma pesquisa racional ou “verdadeira” seja apenas aquela construída segundo os padrões da ciência equivaleria a uma decisão de fechar os olhos para algo óbvio: há outras fontes de sentido para a experiência humana (como a arte e a religião); nada justi� caria deixar essas fontes de lado quando se trata de conhecer o mundo e exprimi-lo. Etimologia de Fenômeno e Númeno Fenômeno: do grego phainómenon, “aparência”, “o que aparece para nós”. Númeno: do grego noumenon, “o que é pensado”. Kant usa o termo para desig- nar “a coisa em si”, em oposição a “fenômeno”. 20WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Uma das críticas mais duras ao “projeto” moderno vieram de � lósofos como Georg W. F. He- gel (1770-1831), que propôs um tipo de trabalho � - losó� co como “consciência da consciência”, ao qual ele deu o nome de fenomenologia. Algumas décadas depois, outro � lósofo se servirá dessa palavra e dará uma visão semelhante da � loso� a como “consciên- cia da consciência”, chegando, porém, a conclusões bastante diferentes daquela de Hegel. Trata-se de Edmundo Husserl (1859-1938), que, mesmo sen- do um leitor atento de Descartes e Hume, produziu uma crítica explícita do “projeto” moderno. Figura 10 - Friedrich Hegel. Fonte: Schlesinger (1825). No dizer de Husserl, era um equívoco fazer a � loso� a seguir o ritmo das ciências, pois as ciências partem de pressupostos que somente a � loso� a pode esclarecer. Noções como a de maté- ria, espaço, força, causa etc. são usados por cientistas, mas sem um exame radical do seu sentido. Cabe à � loso� a analisá-las; ela possui, então, uma especi� cidade que merece ser respeitada, a de re� etir criticamente sobre o que é pressuposto pelas ciências. Inverter essa relação e obrigar a � loso� a a seguir o modelo das ciências equivaleria à morte da re� exão � losó� ca. É importante destacar também a atenção dada à historicidade das organizações sociais e do pensamento, o que levará a uma nova perspectiva dessa crítica ao “projeto” moderno. Levanta-se a hipótese de que o modo de os humanos viverem depende das condições externas ou do momento histórico em que elas se encontram. O próprio pen- samento, dessa perspectiva, seria in� uenciado por tais condições. Figura 11 - Edmundo Husserl. Fonte: Google Images (2017). Karl Marx (1818-1883) a� rma que o pen- samento é resultado das condições materiais da existência, ou seja, de tudo aquilo que os indivídu- os dispõem para sobreviver. Isso signi� ca que não é o pensamento que constrói a história, mas são as condições históricas que produzem o pensamento humano. Alguns � lósofos do século XX, como Max Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898- 1979) e � eodor Adorno (1903-1969), membros das escolas de Frankfurt, continuarão o trabalho de Marx e o aplicarão ao tratamento de temas típicos da vida no século XX. Figura 12 - Karl Marx. Fonte: Mayal (1875). 21WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 13 - Principais representantes da Escola de Frankfurt. Fonte: Abdo (2017). Há, também, o questionamento feito por muitos � lósofos em relação à objetividade cien- tí� ca, pois, por trás desta, muitas vezes, há visões parciais ou subjetivas, sem mencionar os inte- resses econômicos e políticos. O tema da produção dos dados cientí� cos tornou-se um objeto de pesquisa central para a contemporaneidade, especialmente na área conhecida como � loso� a da ciência. Os pensadores da Escola de Frankfurt, procederam a análises detalhadas dos mecanis- mos históricos pelos quais se articula com o poder. Debruçaram-se ainda sobre a arte, a religião, as tecnologias e os meios de comunicação, revelando a dependência das formas culturais (e dos saberes em geral, inclusive das ciências) para com as contradições vividas em cada momento presente. Outros � lósofos, diante da ênfase na historicidade da razão, observarão que certas ex- periências humanas não são explicáveis apenas em termos de in� uência do meio oude cada momento presente. Eles constituem pelos menos duas atitudes � losó� cas distintas. Uma delas identi� ca, na base ou nos fundamentos da razão humana, pressupostos universais que precedem o próprio exercício racional em todos os tempos e lugares. Essa atitude � losó� ca defenderá que todas as coisas têm um modo de se mostrar a nós e que isso não depende das circunstâncias his- tóricas. Trata-se da fenomenologia de Husserl. A segunda atitude procura ligar a fenomenologia à recuperação do papel da História na constituição da experiência humana, como fez, por exem- plo, Martin Heidegger (1889-1976). Heidegger questionava o modo como a razão foi concebida a partir de Sócrates e defendia a necessidade de recuperar uma existência atenta ao modo de ser do mundo, sem a interferência de explicações que ocultam esse modo de ser. Ele denunciava ainda a maquinização da razão humana na contemporaneidade ou a sua transformação em algo de procedimento puramente mecânico e voltado para o “fazer” coisas. Figura 14 - Martin Heidegger. Fonte: Linker (2009). 22WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Em uma linha semelhante de recuperação da História no interior do pensamento, vemos Jean-Paul Sartre (1905-1980) enfatizando o ser humano como doador de sentido para a existên- cia e construtor de seu próprio destino. Daí Sartre ser considerado como um dos maiores repre- sentantes da atido � losó� ca chamada de existencialismo e iniciada já no século XIX, por Soren Kerkegaard (1813-1855). Nos limites desta apresentação resumida, é impossível retratar a inesgotável riqueza de formas � losó� cas no decorrer da contemporaneidade. Mas é possível perceber que uma de suas principais marcas é fazer a razão pôr a si mesma em questão, sobretudo pela análise crítica da razão “moderna”. O ganho do autoquestionamento da razão é enorme; e a própria multiplicidade de � loso� as e correntes � losó� cas é uma prova disso. Figura 15 - Jean-Paul Sartre. Fonte: Penelope (2016). UNIDADE 23WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 25 A MODERNIDADE, O NASCIMENTO DA NOÇÃO DE INFÂNCIA E A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ..................... 26 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MODERNA E NOVA CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA ............................................ 27 A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ILUMINISTA: RENÉ DESCARTES ...........................................................................27 A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ROMÂNTICA: JEAN-JACQUES ROUSSEAU .......................................................... 29 POSITIVISMO .......................................................................................................................................................... 30 MATERIALISMO DIALÉTICO ................................................................................................................................... 32 FILOSOFIA E EDUCAÇÃO PROF. ME. FLÁVIO DONIZETE BATISTA 02 24WWW.UNINGA.BR FENOMENOLOGIA ....................................................................................................................................................35 EXISTENCIALISMO ................................................................................................................................................. 36 ESTRUTURALISMO .................................................................................................................................................. 37 PRAGMATISMO ....................................................................................................................................................... 38 FILOSOFIA ANALÍTICA ............................................................................................................................................ 39 25WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 INTRODUÇÃO Criança sempre existiu, mas a infância não. O mundo pré-moderno não conheceu pro- priamente, a noção de infância da forma como a temos hoje. Não havia uma construção da crian- ça a partir de uma literatura infantil, a partir da de� nição de um lugar próprio onde para as crian- ças viverem e serem educadas etc. Podemos perceber isso nas obras de arte que representavam a criança não como criança, mas como um adulto em miniatura. Todo esse cenário, no entanto, aproximadamente a partir do século XV, começou a mudar radicalmente. A partir do contexto dos novos tempos da modernidade, os intelectuais começaram a di- zer que as crianças deveriam ser tratadas diferente dos adultos, por serem diferentes dos adultos. Um novo sentimento em relação às crianças passa ser construído, um sentimento de cuidado, de cultivo da vida da criança. A infância passa a ser vista como uma fase natural e necessária à vida do ser humano; uma fase que, para o bem do ser humano, deve ocorrer. A infância surge como uma época especial da vida dos homens e mulheres – uma fase natural à existência humana, mas que precisa de um ambiente histórico-social para se realizar. Para que a infância acontecesse, as crianças deveriam ser postas em um lugar especial: a escola. Uma ligação especial passou a ser criada: entre a criança e um determinado adulto: o professor. Este deveria, na escola e pela escola, garantir a infância às crianças. Figura 1 - As crianças como pequenos adultos. Fonte: Google Images (2017). 26WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 A MODERNIDADE, O NASCIMENTO DA NOÇÃO DE INFÂNCIA E A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO Na sua gênese, a noção de infância se apresentou oscilando entre duas con� gurações bá- sicas. Essas con� gurações determinaram as características dos professores e do ambiente escolar e, de certo modo, com a ajuda da � loso� a, impuseram ou pelos menos regraram as � nalidades da educação. Em uma primeira con� guração, a infância é vista como uma fase negativa. Que deve ocor- rer sim, mas que deve passar, dando espaço ao aparecimento do adulto enquanto a antítese da criança. A infância é a época da rebeldia e por isso a criança deve ser conduzida da heteronomia à autonomia por meio de regras exteriores, postas pelo adulto. A autonomia e a individualidade nascem “de fora para dentro”. Nesse caso, o professor é um disciplinador no sentido tradicional da palavra. A escola, um ambiente de formação e conformação. A � nalidade da educação é fazer com que a fase negativa da infância passe brevemente e possibilite ao homem surgir a partir das regras do homem (adulto) sobre o homem (criança) – ou seja, que o homem possa vir a surgir da criança, negando-a. Em uma segunda con� guração, a infância é vista como uma fase positiva, que deve não só ocorrer mas também ser prolongada, de modo a poder contaminar o homem que dela deve surgir. A infância é criatividade e pureza, e se a disciplina deve aparecer, deve vir como autono- mia tirada “de dentro para fora”. O professor, nesse caso, é companheiro de viagem. A escola, um ambiente natural propiciador das melhores experiências. A � nalidade da educação é fazer com que a fase positiva da infância permaneça ao longo da vida adulta, no que ela tem de bom, ou seja, que o homem (adulto) venha a materializar-se a partir do interior do homem (criança), mantendo em seu íntimo o verdadeiro humano que existia na criança. As visões da infância estão intimamente ligadas com as posições � losó� cas elaboradas no início dos tempos modernos. Do resultado da relação dessas posições � losó� cas com as � nali- dades da educação, postas por essas con� gurações, nasceram pelo menos duas grandes � loso� as da educação: a de René Descartes ea Jean-Jacques Rousseau. Essas concepções � losó� cas não apareceram apenas como ligadas exteriormente a tais con� gurações, mas ajudaram efetivamente na formulação conceitual dessas con� gurações de infância e de educação e, mais que isso, de cer- to modo passaram a se colocar como fundamentadoras dos discursos pedagógicos articulados a essas con� gurações. As � loso� as elaboradas por Descartes e Rousseau, bem como as tradições que elas origi- naram, podem ser consideradas � loso� as da educação por duas razões: a) Pretenderam fundamentar todo e qualquer saber e, nesse sentido, também o saber pedagógico, a própria pedagogia moderna. b) Determinaram o caminho da “busca da verdade” (a� nal, a “busca da verdade” é, como sabemos, a tarefa tradicional da � loso� a) como um percurso necessariamente � losó� co-pedagó- gico, isto é, como algo que deveria ser seguido por aqueles que se educam e deveria ser preserva- do por aqueles que pretendem educar; trata-se da ideia de � losofar e como isso se educar para se tornar um sujeito moderno – o indivíduo autônomo -, ou seja, uma pessoa que é consciente de seus pensamentos e tem a responsabilidades sobre seus atos. 27WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MODERNA E NOVA CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA A transição do pensamento � losó� co antigo para o pensamento � losó� co moderno – nos séculos XVII e XVIII – também é chamada de “virada epistemológica”. De certa forma, essa virada pode ser compreendida como valorização das questões ligadas à teoria do conhecimento, à epistemologia. A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ILUMINISTA: RENÉ DESCARTES Descartes, diante da percepção de tudo o que conhece necessita de solidez, lança-se ao propósito de só aceitar como verdadeiro aquilo que lhe parecer de fato, claro e distinto. Conven- ce-se de que é preciso abandonar tudo e começar um processo – que é � losó� co e pedagógico ao mesmo tempo – de busca de um conhecimento verdadeiro. Precisa encontrar as bases sólidas do conhecimento. Considerando que tudo que ele sabe está no seu pensamento e que tudo que está no seu pensamento ou veio dos sentidos ou é inato, e ainda considerando que os sentidos nem sempre são con� áveis, pois eles não raro nos enganam, Descartes inicia seu projeto de duvidar de tudo o que há em seu pensamento partindo da descon� ança sobre os sentidos. Através de uma série de pensamentos, Descartes chega a uma primeira verdade: Penso, logo, existo. Poderia du- vidar de tudo, menos de uma coisa: de que existe pelo fato de estar pensando. REFLITA Lembremos que o pensamento filosófico moderno, quase todo ele, é um pensa- mento voltado para a necessidade de explicar o conhecimento e fundamentá-lo, a partir da compreensão da relação “sujeito-objeto”, a relação entre aquele que conhece e o que é conhecido. Ao mesmo tempo, os filósofos modernos procu- ram estabelecer em que circunstâncias é possível o conhecimento verdadeiro, confiável, aceitável; e elaboram métodos pelos quais esse conhecimento verda- deiro poderia ser alcançado por qualquer pessoa. Explicar o conhecimento é, então, mostrar como ele ocorre no sujeito. Fornecer uma explicação sobre o conhecimento e seus fundamentos é explicar melhor a “relação sujeito-objeto”, que se torna questão por excelência da filosofia. 28WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 COGITO, ERGO SUM. Duvidando de tudo, Descartes só interrompe a cadeia de dúvidas diante do seu próprioser que duvida ao alcançar sua primeira intuição: cogito, ergo, sum (pen- so, logo, existo). Veja o trecho que ele escreve em sua obra Discurso do Método: “[...] enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria neces- sariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade eu penso, logo existo era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar julguei que podia aceita-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procurava”. (ARANHA & MARTINS, 2016, p. 123) Essa primeira verdade traz consigo o critério básico de verdade: a certeza que ela fornece pode servir de critério para outras verdades. Assim, Descartes encontra a verdade e seu critério básico, a certeza, e como isso, ligando a verdade à certeza, põe a primeira na dependência desta instância chamada pensamento subjetivo, o cogito cartesiano. Nesse caso, o saber e as ciências como saber verdadeiro vão estar assentados no eu, isto é, assentadas em um sujeito que se carac- teriza por possuir um núcleo permanente: o cogito. Entendendo que a alma não está alojada no corpo como um piloto em seu navio, Descar- tes vê o homem vivente, empírico, como uma mistura entre corpo e alma. É por ser esta mistura, segundo Descartes, que o homem está imerso no erro. O fato de a alma estar fundida ao corpo coloca o homem na dependência dos sentidos, da imaginação, turvando a sua razão e impedin- do-o de colocar-se como puro sujeito, como pura coisa pensante (res cogitans). Descartes, em sua obra Meditações, apresenta um caminho � losó� co e pedagógico para a chegada ao podium onde o prêmio é a conquista da verdade na medida em que o homem, ao completar esse caminho, ele- va-se à condição de puro sujeito do conhecimento – de puro sujeito epistemológico. Descartes vê um certo escândalo na condição humana: que o homem comece por ser criança. Ele entende que o fato de termos sido crianças nos manteve durante muito tempo sob o governo de apetites e preceptores – o corpo e a cultura -, de modo que, uma vez adultos, nossos juízos não são tão puros e tão sólidos quanto seriam se tivéssemos tido o uso de nossa razão por inteiro desde o nascimento e se tivéssemos sido conduzidos só por ela. A primeira e principal causa de nossos erros são os preconceitos de nossa infância, diz Descartes nos Princípios de Fi- loso� a. Temos, então, de substituir a criança pelo homem. A infância seria um estado originário, com valor meramente histórico, de recalque da razão. REFLITA Para Descartes, não é pela história que o homem abandonaria sua condição infantil chegando à idade adulta, mas sim pela filosofia que, na ascese peda- gógica das Meditações, faz dessa cidadela chamada subjetividade o campo no qual a razão, finalmente, pode governar sozinha e, então, se autopremiar com a verdade. 29WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 Temos aqui a instauração de um programa iluminista, cuja efetivação levaria ao “desen- cantamento do mundo”, tarefa da razão – maneira pela qual tantos pensadores descreveram a modernidade. Não efetivar esse projeto seria, para Descartes, a derrota da � loso� a e do homem. A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ROMÂNTICA: JEAN-JACQUES ROUSSEAU Por mais que esse projeto moderno também esteja em Rousseau, este encontra outro tipo de fundamento, outro tipo de subjetividade, por meio de um caminho � losó� co especí� co, gerando uma proposta pedagógica distinta. Para Rousseau, o que importa, como para Descartes, é o amor à verdade como atividade nuclear da � loso� a; e, como para Descartes, ele só quer se satisfazer com a admissão do que é evidente. No entanto, se para Descartes a evidência é algo exclusivamente intelectual, Rousseau, por sua vez, coloca a evidência em dependência do que ele entende ser a “sinceridade do coração”. Tendo seu critério como sendo o assentimento do coração, a verdade não encontra porto seguro em um sujeito epistemológico, de� nido de modo restrito e convencional, mas na pessoa, na me- dida em que a verdade é avaliada por uma subjetividade – uma consciência moral – organizada à base dos sentimentos. Em Rousseau a verdade é avalizada pelo coração, e se no coração não há perversidade ori- ginal – como elede fato a� rma com a frase “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe” -, então a subjetividade íntima melhor se apresenta na infância; e eis então que, ao contrário de Descartes, para quem a infância é uma ameaça à � loso� a, com Rousseau ela é condição essencial para o desenvolvimento da � loso� a como tarefa da busca da verdade. A � loso� a da educação tipicamente iluminista, herdeira do cartesianismo, deseja que todo homem possa ser, diante do conhecimento, sujeito. O sujeito, nesse caso, é uma estrutura universal capaz de acessar ou conter a verdade evidente. A � loso� a da educação romântica, de- fendida por Rousseau, quer ver o homem como pessoa harmoniosamente desenvolvida, capaz do autêntico sentimento de verdade. REFLITA O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Para Rousseau, as crianças são boas e transparentes em seus pensamentos e emoções, mas, à medida que crescem, vão tomando mais contato com os adul- tos ou com crianças mais velhas e vão aprendendo sobre a mentira, a calúnia, o desprezo e todos os demais vícios que envenenam a alma humana. Do ponto de vista pedagógico, Rousseau propõe uma educação mais em sintonia com a natureza de modo que o ser humano possa desenvolver ao máximo suas poten- cialidades sem comprometer a retidão de seu caráter e a pureza de sua alma. 30WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 POSITIVISMO A � loso� a positivista surgiu no século XIX, inspirada principalmente por dois fatores: o iluminismo e a revolução industrial. Ao valorizarem igualmente a razão e o progresso da hu- manidade, os positivistas davam continuidade ao ideário iluminista, de progresso contínuo da humanidade, com níveis cada vez mais altos de desenvolvimento social e cultural. No � nal do século XVIII e início do século XIX, surgiram novas tecnologias, como a má- quina a vapor, novos materiais, como o aço e o concreto armado, e novas formas de organização do trabalho. Isso produziu um impacto profundo na mentalidade das pessoas da época. O ser humano se tornava “senhor da natureza”, adaptando o mundo ao seu redor de acordo com suas necessidades. O � lósofo Augusto Comte, pensador francês da primeira metade do século XIX, marcou o início da � loso� a positivista. Segundo esse autor, as sociedades humanas estão em contínuo processo de evolução, no qual elas passam necessariamente por três estados: teológico, metafísico e positivo. No plano educacional, o positivismo valoriza a disciplina pois entende que é a partir da “ordem” que a sociedade pode avançar rumo “ao progresso”. Além disso, do mesmo modo como a sociedade passou pelos três estágios apresentados, também cada ser humano, ao longo de seu de- senvolvimento, conhece esses três estágios. Assim, as crianças são mais inclinadas a explicações mítico-religiosas, envolvendo fadas e personagens semelhantes; os adolescentes são mais ques- tionadores, indicando sua propensão à metafísica; mas é na idade adulta que o ser humano se apresenta maduro, buscando explicações cientí� cas para os problemas. Desse modo, a cada idade deve corresponder uma educação adequada. O ideal é formar o espírito cientí� co nos jovens, de modo a superar a superstição e o irracionalismo ainda presente na sociedade. A lei dos três Estados, de Auguste Comte. Estado Teológico: as explicações dos fenômenos supõem uma causalidade so- brenatural. Os fenômenos da natureza, a origem dos eres e os costumes são explicados pela ação dos deuses. Estado Metafísico: noções abstratas e absolutas substituem as anteriores, na tentativa de explicar a origem e o destino do Universo. Na metafísica aristotélica, por exemplo, a queda dos corpos é explicada pela essência dos corpos pesados, cuja natureza os faria “tender para baixo”, para o seu “lugar natural”. Estado Positivo: é decorrente do desenvolvimento das ciências modernas, le- vando à superação das ilusões teológicas e metafísicas. O conhecimento das relações invariáveis dos fatos é obtido por meio da observação e do raciocínio, que visam alcançar leis universais. Para Comte, o termo positivo designa o real em oposição ao quimérico, a certeza em oposição à indecisão, o preciso em opo- sição ao vago. Portanto, o estado positivo corresponde à maturidade do espírito humano, objetivo de toda educação daí em diante, segundo Martins & Aranha (2016, p. 134). 31WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 Entre os muitos seguidores de Comte, está Émile Durkheim (1858-1917), fundador da escola francesa de sociologia. Embora não seja conhecido especi� camente como � lósofo, e sim como sociólogo Durkheim é importante para a � loso� a pelo fato de ser o principal representante da corrente funcionalista, um desdobramento moderno do positivismo. Para Durkheim, os fatos sociais devem ser estudados como coisas. Em outras palavras, o pesquisador deve colocar de lado seus preconceitos e estudar os fenômenos ocorridos nas sociedades humanas quase do mesmo modo como analisa um fenômeno da física e da biologia. Argumenta que a sociedade, mesmo sendo formada a partir de indivíduos, é algo mais de que a soma deles. Assim como em um ser vivo cada órgão cumpre uma função sem se confundir com a totalidade do organismo, o comportamento e a personalidade do indivíduo não se confun- dem com o comportamento e a personalidade do grupo social ao qual esse indivíduo pertence. Durkheim dedica muita atenção à educação, pois é por meio dela que os indivíduos to- mam contato com o conjunto de conhecimentos, valores e normas válidas em uma sociedade, que são inculcados em todos os membros da sociedade. A obra de Durkheim foi escrita em uma perspectiva funcionalista, que enfatiza os meca- nismos pelos quais a sociedade busca superar os con� itos e atingir a integração social. Por causa disso, é visto como um intelectual conservador, principalmente em contraste com Marx e Engels, que ressaltam o papel do con� ito nas transformações sociais. Contudo, não podemos negar no autor um pensamento de caráter bastante humanista. Para Durkheim uma compreensão cientí- � ca da sociedade torna possível transformá-la para melhor. Além disso, Durkheim exerceu uma importante liderança intelectual em seu tempo e, com suas ideias, in� uenciou profundamente gerações de sociólogos. O positivismo e o funcionalismo foram e ainda são correntes � losó� cas imensamente in� uentes nas teorias e práticas educacionais. A valorização do conhecimento cien- tí� co e suas consequentes implicações para o currículo são, talvez, os mais importantes legados positivistas para a educação escolar. As teorias pedagógicas de Durkheim estão intimamente associadas a uma con- cepção que atribui a primazia do social em detrimento do individual. Um dos estudos mais importantes de Durkheim que serve como exemplo nesse sentido é sobre o suicídio. Por mais que ele seja um ato individual é, em grande medida, determinado pela sociedade. Ele percebe que a taxa de suicídios é maior nas so- ciedades em que existe menor coesão social, o que faz pensar que a integração do indivíduo ao meio em que vive, o protege em certa medida contra as crises existenciais que geralmente levam as pessoas ao suicídio. REFLITA Há, ainda, um caráter a ser considerado: o papel tecnicista e conservador no positivismo. A supervalorização da ciência em detrimento das humanidades, que foram descartadas como anticientíficas ou pré-científicas, e uma abordagem que acaba favorecendo os interesses das classes dominantes, interessadas na conservação da ordem e na ausência do conflito como forma de manter a do- minação sobre as classes subalternas. 32WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 MATERIALISMO DIALÉTICO A revolução industrial traz em seu contexto uma série detransformações sociais, econô- micas e tecnológicas: novos materiais, novas formas de energia e generalização do trabalho assa- lariado. Embora a revolução industrial tenha aumentado imensamente a produção de riquezas, a desigualdade social se intensi� cou: baixos salários, longas jornadas de trabalho, insalubridade dos ambientes industriais, trabalho infantil, etc. Diante dessa situação, diversos pensadores inti- tulados socialistas, buscavam encontrar soluções para melhorar as condições de vida e trabalho das classes menos favorecidas. Para Marx e Engels, a contínua exploração do trabalho assalariado levaria a sociedade capitalista a uma crise sem precedentes. Chegando a esse ponto, ocorreria necessariamente uma revolução proletária, que substituiria o governo tradicional, instrumento da classe dominante por um governo dos trabalhadores. Porém, progressivamente, esse governo proletário também desapareceria, dando origem a um novo tipo de sociedade, na qual todos seriam livres e não ha- veria distinções de classes. Segundo a interpretação desses � lósofos, a classe dominante, com o objetivo de diminuir o potencial revolucionário das classes trabalhadoras, desenvolve as “ideologias”, que consistem em conjuntos de conhecimentos, crenças e valores criados pelos capitalistas, mas assimilados pela classe dominada. O papel dessas ideologias é o de justi� car as relações de poder existentes na sociedade, e a sua aceitação irre� etida leva a classe trabalhadora a um fenômeno chamado alie- nação – nela, a produção é separada do alcance e do interesse do trabalhador para se transformar em mercadoria. Nesse processo, o próprio ser humano deixa de ser considerado como pessoa e passa a ser tratado como coisa. Para compreendermos melhor a proposta pedagógica de Marx, é importante termos em mente que a ideologia, embora constituída de elementos imateriais – ideias, crenças, valores etc. -, tem a origem nas relações concretas que os seres humanos estabelecem entre si para proverem sua subsistência material. No entender de Marx e Engels, a sociedade estabelece dicotomias como produção e con- sumo, nas quais quem produz – a classe trabalhadora – geralmente não usufrui da totalidade do resultado de seu trabalho, enquanto que os maiores consumidores – os capitalistas – usufruem do resultado do trabalho dos outros. A sociedade é dividida entre aqueles que pensam e aqueles que executam: o engenheiro pensa a obra, o pedreiro assenta os tijolos; o projetista pensa um novo modelo de máquina, o trabalhador na linha de montagem aperta os parafusos. Para os � lósofos alemães o ideal é que todos sejam capazes de ambas as atividades: pensamento e execução. Nesse sentido, a educação não pode se desvincular do trabalho. Crítica de Marx e Engels à educação. Marx e Engels empreendem uma dura crítica à educação escolar de se tempo, afirmando que a escola serve aos propósitos da classe capitalista, pois pode ser comparada a uma empresa, na qual o professor assume o papel de trabalhador assalariado, cujo produto – a instrução de crianças e jovens – visa formar mão de obra para o trabalho alienante da indústria. O projeto de Marx implica conce- ber o trabalho como princípio educativo para superar a alienação. 33WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 O mundo do trabalho não deve estar alheio à aprendizagem escolar, pois, ao executar uma determinada atividade profissional, também ser realiza uma for- ma de aprendizagem. Vemos isso nos programas de estágio que existem ainda hoje nos cursos profissionalizantes e nos programas de graduação. Marx defen- de a lenta progressão da carga horária: a criança deve dedicar no máximo uma ou duas horas de seu dia a atividades produtivas e, à medida que ela cresce essa carga horária vai se ampliando, mas sem comprometer os demais aspectos de sua formação. Mas na época de Marx não era isso que acontecei. As famílias dos trabalhadores das fábricas eram pobres, fato que obrigava não só adultos, mas também as crianças, ao trabalho na indústria, o que comprometia a educação escolar delas. A situação das crianças que trabalhavam em minas de carvão era ainda pior, pois, além do árduo trabalho, dos baixos salários, de longa jornada de trabalho, havia um altíssimo grau de insalubridade, fator causador de irrepará- veis danos à saúde dos pequenos trabalhadores. Marx e Engels foram dois � lósofos profundamente engajados nas questões sociais e eco- nômicas de sua época. Seus escritos levantam ainda muita discussão entre seus estudiosos, em parte pela complexidade e signi� cação de seus conceitos. Por exemplo, em suas obras o termo ideologia às vezes assume uma conotação negativa, indicando uma visão distorcida da realidade como forma de justi� car uma relação de poder e, em outros momentos, o termo é compreendido de forma positiva, como “visão de mundo”, quando se trata da ideologia da classe trabalhadora. Trata-se de um debate complexo e ainda fecundo, com questões cruciais, especialmente as que dizem respeito à � loso� a da educação. No debate educacional a partir do marxismo, temos o � lósofo francês Louis Althusser, que se dedica ao estudo do papel dos sujeitos individuais no processo histórico. Ele desenvolve o conceito de aparatos ideológicos do Estado, onde este é formado por uma série de instituições, como a administração pública, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões etc., que exercem um controle coercitivo na sociedade. REFLITA A Educação na visão de Althusser Em uma perspectiva althusseriana, a educação em geral, e a escola em par- ticular, são veículos de transmissão da ideologia dominante, cujo objetivo é o de garantir a manutenção do controle social nas mãos da classe burguesa. Em função disso, a filosofia de Althusser serve de inspiração a uma corrente peda- gógica chamada crítico-reprodutivista, designação motivada pela característica marcante dessa linha pedagógica de denunciar o caráter ideológico da classe dominante para a reprodução das condições sociais e econômicas vigentes, que permitem a dominação de classe. Desse modo, em um processo revolucionário, a eliminação da educação escolar é condição necessária para a emancipação da classe trabalhadora. 34WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 Outro teórico marxista que pensa a educação é Antonio Gramsci, intelectual e militante marxista italiano da primeira metade do século XX, importante precursor do movimento de re- novação crítica da instituição escolar. Gramsci critica o sistema educacional de sua época, que mantinha dois tipos de ensino formal: um academicista, de maior duração e nível de profundidade, voltado à formação das elites; e outro pro� ssionalizante, voltado às camadas populares, visando dar-lhes o mínimo de quali� cação pro� ssional. Como alternativa a esse modelo dicotômico, esse intelectual propõe uma educação pública e unitária, que não faça distinções de classes sociais. Gramsci in� uenciou o pensador brasileiro Dermeval Saviani (1943) na elaboração de uma corrente pedagógica que, embora admita que a escola historicamente seja usada como ins- trumento para inculcar a ideologia nas gerações mais jovens, como dizia Althusser, a� rma que a escola pode e deve transformar no seu oposto: em local de formação da consciência crítica. Gramsci e a classe hegemônica. Gramsci era ainda um intelectual extremamente preocupado com o papel da cultural nas transformações sociais. Para ele, a cultura da classe dominante – também chamada de classe hegemônica – é produtora de valores ideológicos que contribuem para a manutenção das classes subalternas em um regime de submissão. Aqui cabe destaque ao “intelectual orgânico” – um intelectual em sintonia com uma classe social determinada, procurando torna-la coesa, fomentando uma consciência de classe.
Compartilhar