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DIREITO PENAL - CONCURSO DE PESSOAS /\ Profº Ricardo Andreucci

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6	CONCURSO DE PESSOAS
Em regra, a forma mais simples de conduta delituosa consiste na intervenção de uma só pessoa por meio de uma conduta positiva ou negativa.
Entretanto, o crime pode ser praticado por duas ou mais pessoas, todas concorrendo para a consecução do resultado.
Existem basicamente três teorias sobre o concurso de pessoas:
a)	Teoria pluralista: segundo a qual existem tantos crimes quantos forem os participantes do fato criminoso, ou seja, a cada participante do crime corresponde uma conduta individual.
b)	Teoria dualista: segundo a qual o crime praticado pelo autor difere daquele praticado pelo partícipe. Há um crime único para o autor, ou autores, e um crime único para os partícipes.
c)	Teoria unitária: também chamada de teoria monista ou teoria igualitária, segundo a qual, no concurso, existe um só crime, em que todos os participantes respondem por ele. Essa foi a teoria adotada pelo nosso Código Penal, que, no art. 29, caput, diz:
Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
Não obstante tenha o Brasil adotado, como regra, a Teoria Unitária, o nosso ordenamento jurídico prevê, em alguns casos, exceções pluralistas a esta teoria. São exemplos: arts. 124 e 126 do CP; arts. 317 e 333 do CP, dentre outros. Assim, no aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante, a gestante que consentiu no aborto incide no art. 124 do Código Penal, enquanto o terceiro que provocou o aborto com o consentimento dela incide no art. 126 do mesmo diploma. Mesmo tendo ambos participado do mesmo fato criminoso (aborto), cada qual responde por um crime diferente. No segundo exemplo, tomando a corrupção como um fato criminoso, dela participando um funcionário público e um particular, o particular que oferece ou promete vantagem indevida ao funcionário público incide no crime de corrupção ativa — art. 333 do CP, enquanto o funcionário público que recebe ou aceita promessa da referida vantagem incide no art. 317 do mesmo diploma. São exceções pluralistas à Teoria Unitária, monista ou igualitária.
6.1	Concurso necessário e eventual
Quanto ao número de pessoas, os crimes podem ser classificados em:
a)	monossubjetivos, que podem ser cometidos por um só sujeito;
b)	plurissubjetivos, que exigem pluralidade de agentes para a sua prática. Exemplo: rixa (art. 137 do CP).
Em face do modo de execução, segundo Damásio E. de Jesus (Direito penal, cit., p. 354), os crimes plurissubjetivos podem ser classificados em:
a)	de condutas paralelas, quando há condutas de auxílio mútuo, tendo os agentes a intenção de produzir o mesmo evento. Exemplo: associação criminosa (art. 288 do CP);
b)	de condutas convergentes, quando as condutas se manifestam na mesma direção e no mesmo plano, mas tendem a encontrar-se, com o que se constitui a figura típica. Exemplo: bigamia (art. 235 do CP);
c)	de condutas contrapostas, quando os agentes cometem condutas contra a pessoa, que, por sua vez, comporta-se da mesma maneira e é também sujeito ativo do delito. Exemplo: rixa (art. 137 do CP).
Assim, existem duas espécies de concurso:
a)	concurso necessário, no caso dos crimes plurissubjetivos;
b)	concurso eventual, no caso dos crimes monossubjetivos.
6.2	Formas de concurso de agentes
As formas de concurso de agentes são:
a)	coautoria;
b)	participação.
6.3	Requisitos do concurso de agentes
Para que haja concurso de agentes, são necessários os seguintes requisitos:
a)	pluralidade de condutas;
b)	relevância causal de cada uma;
c)	liame subjetivo entre os agentes;
d)	identidade de infração para todos os participantes.
Com relação ao liame subjetivo entre os agentes, deve haver homogeneidade de elemento subjetivo. Somente se admite participação dolosa em crime doloso. Assim, não se admite participação dolosa em crime culposo nem participação culposa em crime doloso. Nesses casos, cada qual será responsável por sua conduta, individualmente considerada, a título de dolo ou de culpa.
6.4	Autoria
O Código Penal não traçou a diferença entre autor e partícipe, daí por que coube à doutrina essa missão, apresentando-se três vertentes:
a) Teoria restritiva: segundo a qual somente pode ser considerado autor aquele que realiza a conduta descrita no núcleo do tipo penal (verbo). Exs.: subtrair, matar, constranger, ofender etc. Partícipe é aquele que pratica qualquer outro ato tendente ao resultado. Essa teoria teve em Hans-Heinrich Jescheck, um dos maiores penalistas alemães, nascido em 10 de janeiro de 1915, seu principal expoente, que sustentava a necessidade de complementá-la através de uma teoria objetiva de participação, eis que autoria e participação devem ser distinguidas através de critérios objetivos. Surgem, então, dois aspectos distintos da teoria objetiva:
	Teoria objetivo-formal: segundo a qual autor é aquele que pratica o núcleo da conduta prevista pelo tipo penal (verbo) e partícipe é aquele que concorre de qualquer outro modo para o resultado delitivo.
	Teoria objetivo-material: segundo a qual a distinção entre autor e partícipe cinge-se à maior contribuição do autor na prática delitiva, na causação do resultado. Essa teoria, embora procurando suprir as falhas da teoria objetivo-formal, foi abandonada pela doutrina alemã, justamente pela dificuldade em traçar a distinção entre causa e condição do resultado.
b) Teoria extensiva: segundo a qual não há diferença entre autor e partícipe, ou seja, todo aquele que, de qualquer modo, concorrer para o crime, será considerado autor, desconsiderando-se a importância da contribuição causal de cada qual. Em razão de não se poder traçar a diferenciação entre autor e partícipe em critérios puramente objetivos, essa teoria buscou suporte no aspecto subjetivo da participação, surgindo a teoria subjetiva da participação:
	Teoria subjetiva: segundo a qual o autor, na prática delitiva, atua com “ânimo de autor” (animus auctoris), ou seja, vontade de ser o autor do crime, querendo o fato como próprio, enquanto o partícipe atua com “ânimo de partícipe” (animus socii), ou seja, vontade de ser mero partícipe, querendo o fato como alheio.
c)	Teoria do domínio do fato (teoria objetivo-subjetiva): segundo a qual autor é aquele que tem domínio final sobre o fato. É aquele que tem o poder de decisão sobre a realização do fato, ou seja, é “o senhor do fato”, nas palavras do ilustre penalista alemão Hans Welzel. A teoria do domínio do fato tem sua origem em Hans Welzel, que, em 1939, ao idealizar o finalismo, introduziu a ideia do domínio do fato no concurso de pessoas. Essa teoria é dominante na doutrina, tendo, além do próprio Welzel, entre seus adeptos Roxin e Wessels. O grande mérito da teoria do domínio do fato é conseguir satisfatoriamente a autoria mediata, que ocorre quando o agente (autor mediato) realiza a conduta típica através de outra pessoa (autor imediato), o qual atua sem responsabilidade.
Merece ser destacado que o Código Penal brasileiro adotou a teoria restritiva da autoria, atrelada à teoria objetivo-formal, distinguindo autor de partícipe. Nada obstante, a teoria do domínio do fato vem angariando a preferência da doutrina e de parcela da jurisprudência pátria, não sendo incomum encontrar seus postulados acolhidos em diversas decisões dos nossos tribunais.
6.5	Participação
Considerando que o Código Penal pátrio filiou-se à Teoria Restritiva da Autoria, amparada na teoria objetivo-formal, ocorre a participação quando o sujeito concorre de qualquer modo para a prática da conduta típica, não realizando atos executórios do crime. O sujeito, chamado partícipe, realiza atos diversos daqueles praticados pelo autor, não cometendo a conduta descrita pelo preceito primário da norma. Pratica, entretanto, atividade que contribui para a realização do delito.
Buscando equacionar a punição do partícipe, que exerce atividade secundária e acessória no delito praticado pelo autor, existem quatro teorias:
a)	Teoria da acessoriedade mínima: segundo a qual basta, para configurar a participação, que a conduta do partícipe aceda a um comportamentoprincipal que constitua fato típico.
b)	Teoria da acessoriedade limitada: segundo a qual a conduta principal (do autor) à qual acede a ação do partícipe deve ser típica e antijurídica.
c)	Teoria da acessoriedade extrema (ou máxima): segundo a qual o comportamento principal (do autor), ao qual acede a conduta do partícipe, deve ser típico, antijurídico e culpável. 
d)	Teoria da hiperacessoriedade: segundo a qual o comportamento principal (do autor), ao qual acede a conduta do partícipe, deve ser típico, antijurídico, culpável e punível. 
No Brasil, adota-se a teoria da acessoriedade limitada. Vale dizer que a responsabilização da participação depende da tipicidade e da antijuridicidade da conduta principal, sendo a culpabilidade individual, de cada concorrente.
6.6	Formas de participação
A participação pode ser:
a)	moral, quando o agente infunde na mente do autor principal o propósito criminoso (induzimento ou determinação) ou reforça o pre­existente (instigação);
b)	material, quando o agente auxilia fisicamente na prática do crime (auxílio ou cumplicidade).
6.7	Autoria mediata
Ocorre a autoria mediata quando o agente executa o crime valendo-se de pessoa que atua sem responsabilidade. O agente utiliza uma pessoa que atua como instrumento para a prática da infração penal.
Exemplo largamente difundido na doutrina é o do dono do armazém que, com o intuito de matar determinadas pessoas de uma família, induz em erro empregada doméstica, vendendo-lhe arsênico em vez de açúcar. Também o caso da enfermeira que aplica veneno no paciente induzida em erro pelo médico que afirmou tratar-se de medicamento.
Nesse caso, não há concurso de agentes entre o autor mediato, responsável pelo crime, e o executor material do fato. Responde pelo crime apenas o autor mediato.
6.8	Autoria colateral e autoria incerta
Ocorre a autoria colateral quando mais de um agente realiza a conduta, sem que exista liame subjetivo (acordo de vontades) entre eles. Exemplo: A e B, sem ajuste prévio, colocam-se de tocaia para matar C, disparando suas armas contra ele simultaneamente, matando-o. Nesse caso, cada qual responderá pelo crime praticado individualmente, sem a figura do concurso de pessoas, já que inexistente vínculo subjetivo entre eles.
A autoria incerta, por seu turno, ocorre quando, em face de uma situação de autoria colateral, é impossível determinar quem deu causa ao resultado. Exemplo: A e B, sem ajuste prévio, atiram contra a vítima C, matando-a. Não se conseguindo precisar qual dos disparos foi a causa da morte de C, os agentes A e B responderão por homicídio tentado.
6.9	Conivência e participação por omissão
Ocorre a conivência quando o agente, sem ter o dever jurídico de agir, omite-se durante a execução do crime, tendo condições de impedi-lo. Nesse caso, a inexistência do dever jurídico de agir por parte do agente não torna a conivência uma participação por omissão, não sendo ela punida. Assim, não constitui participação punível a mera presença do agente no ato da consumação do crime ou a não denúncia de um fato delituoso de que tem conhecimento a autoridade competente.
Na participação por omissão, o agente tem o dever jurídico de agir para evitar o resultado (art. 13, § 2.º, do CP), omitindo-se intencionalmente e pretendendo que ocorra a consumação do crime. Exemplo: empregado que, ao sair do estabelecimento comercial onde trabalha, deixa de trancar a porta, não o fazendo para que terceiro, com quem está pre­viamente ajustado, possa lá ingressar e praticar furto.
6.10	Outras modalidades de coautoria e participação
Há outras modalidades de coautoria ou participação que podem ser encontradas na doutrina pátria, embora com menor incidência:
a)	coautoria sucessiva: ocorre quando o acordo de vontade vier a surgir após o início da execução e antes do exaurimento do crime. A outra pessoa adere à prática criminosa, unindo-se aos demais concorrentes pelo vínculo psicológico;
b)	autoria de escritório: é tratada como modalidade de autoria mediata e pressupõe uma organização ou máquina de poder, tal como uma organização criminosa;
c)	participação em cadeia: também chamada de participação de participação. Ocorre quando uma pessoa induz outra a praticar o crime, a qual, por sua vez, induz outra. Ex.: A induz B, que induz C, que induz D;
d)	participação sucessiva: ocorre quando o autor já foi induzido ou estimulado por partícipe a praticar o crime e, novamente, por outro partícipe é estimulado, induzido ou auxiliado materialmente.
6.11	Concurso em crime culposo
Embora possa parecer difícil imaginar uma hipótese concreta, é admitido o concurso de pessoas em crime culposo.
Podemos citar como exemplo, já bastante difundido na doutrina, o do acompanhante que instiga o motorista a empreender velocidade excessiva em seu veículo, atropelando e matando um pedestre. Também o caso dos obreiros que, do alto de um edifício em construção, arremessam uma tábua que cai e mata um transeunte.
Entretanto, nas hipóteses de crime culposo, somente é admitida a coautoria, em que todos os concorrentes, à vista da previsibilidade da ocorrência do resultado, respondem pelo delito, deixando de observar o dever objetivo de cuidado.
Ao não observar o dever de cuidado, os concorrentes realizaram o núcleo da conduta típica culposa, daí por que não há falar em participação em sentido estrito.
6.12	Punibilidade no concurso de pessoas
Todos os participantes do crime responderão igualmente, na medida de sua culpabilidade, segundo o disposto no art. 29, caput, do Código Penal.
O § 1.º do art. 29 se refere à participação de menor importância, que deve ser entendida como aquela secundária, dispensável, que, embora tenha contribuído para a realização do núcleo do tipo penal, não foi imprescindível para a prática do crime. Nesse caso, o partícipe terá a pena dimi­nuída de um sexto a um terço.
O § 2.º do art. 29 trata da chamada cooperação dolosamente distinta, onde um dos concorrentes “quis participar de crime menos grave”. Nesse caso, a pena será a do crime que idealizou. Se for previsível ao participante o resultado mais grave, a pena que lhe será aplicada consistirá naquela cominada ao crime menos grave que idealizou, aumentada até a metade.
6.13	Circunstâncias incomunicáveis
Diz o art. 30 do Código Penal:
Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pes­soal, salvo quando elementares do crime.
Esse dispositivo traça clara distinção entre circunstâncias (elementos que se integram à infração penal apenas para aumentar ou diminuir a pena, embora não imprescindíveis, como, por exemplo, as atenuantes do art. 65 do CP) e condições pessoais (relação do agente com o mundo exterior — pessoas e coisas —, como, por exemplo, as relações de parentesco).
A regra é a incomunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter pessoal. A exceção é a comunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter pessoal elementares do crime.
Essas elementares do crime são quaisquer componentes que integrem a figura típica fundamental. Exemplo: no crime de peculato (art. 312 do CP), a elementar é a condição de funcionário público do agente; no crime de infanticídio (art. 123 do CP), a elementar é a qualidade de mãe do agente.
É bom esclarecer, entretanto, que as circunstâncias ou condições de caráter pessoal, para que haja comunicabilidade, devem ser conhecidas pelo participante. Assim, por exemplo, o participante de um crime de peculato deve conhecer a condição pessoal de funcionário público do coautor.
6.14	Casos de impunibilidade
Dispõe o art. 31 do Código Penal:
Art. 31. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.
Em regra, são impuníveis as formas de concurso nominadas quando o crime não chega à fase de execução. Conforme já vimos em capítulo próprio, o iter criminis é composto de cogitação, atos preparatórios, atos executórios e consumação. A tentativa ocorre quando o agente inicia atos de execução, não atingindo a consumação por circunstânciasalheias à sua vontade.
Nesses casos, a participação é impunível, salvo nos casos em que o mero ajuste, deter­minação ou instigação e auxílio, por si só, já sejam puníveis como delitos autônomos. É o caso, por exemplo, do crime de associação criminosa previsto no art. 288 do Código Penal.

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