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_F.@tF-*- wwW'lumenjuris.com.br EDmoREs Joáo de Almeida Joáo Luiz da SiÌva AÌmeida ADRIAN SGARBI CoNsrLro EDrroRrAr ^ll'xr!trlro FÌoitas CámaÍa ^lrìxân.lÌe Molais da Rosa ^n1iltôn BÌìênô.Ìê CarvaÌho coNsÌLHo CoNsuirpo Ávdo Mayrink da Costa Aniôniô CãÌìôs MáÌtins Sôârês Auqusto Zimmermaú Androyâ MeDdes dê Aìmeidâ Sôhérêr NavarÍo Aurélio Wander Bastos Artrr de Brito GueiÌos Souza (iÍrzár Rob€rto Bitencourt Crìsriano CÌìâvês de Farias Cllrlos Ícluâido Adrimo Japiassú lhÌtzi HassaD ChÕukr l illy Nascimentô FiÌhô lÌalcisco dê Assis M. Tâvares coraldo L M. Prado (hrstavo Sénechal de Goífredo .losé dos Santos Carvalho Filho lni.io AntôniÕ Chamon Junior MaüoêÌ Mêssias PêixiúÌÌo MarcelÌus Polastri Limâ Mâlco Auréllo Bezerra de Melo M.rcos Juruena vilÌela SoLrto ìlâuÌo de Bessa Antunes lìcârdo Mâaimo Gomes FeÍÌaz Sórsio Andre Rocha 'l ârsis Nametala Sarlo Jorge Victor Gameiro Drummond Elida Séçruin Flávia Lages de Castro FÌávio Alvês Martins Humberto DalÌa Bernardina de Pinho Joáo Theotonio Mendes de AÌmeida Jr. Lrìiz PauÌo Vieira de CaÌvalho Omar Gama Ben Kauss Sergio Demoro Ham ton Rua Co(eia vasques, 48 CEP: 04038-010 CEP 90010-271 - Potlo ^!ì0rt llrj Classrcos ou TnoRrA Do DrRsrro 2a ediçáo revista e ampliada EDrroRA LUMÊN JuRrs Rio de Janeiro 2009 centÍo - Rua da AssembÌéia, 10 Loja G/H Ruâ Tenente BÌi[o Mollo, 1 233 CljP 20011 000 CentÍo 'l:al. (21) 2531-2199 F?a 2242-1744 BârÍa - Avenida das Amencas 4200 Loja E Bahia Universidade Estácio de Sá canrpus ïbm Jobim CEP 22630-01L llaÍâ da Tijuca Rio de Jdeiro RJ 'l:el. (21) 2432'254A / 3150-'1980 Vila Clementino - São Paulo - SP 'I:etêfd (11) 59OA O24O / 5OAt7l72 Bftúla SCLS quadra, 402 bÌoco B Loja 35 CEP 70235-520 Asa SuÌ - BrasíÌia DF 'l1rl (61)3225 8569 CEP 30180-070 - Barro !r,1,) Belo HÕrizoDte Mq TêÌ. {31) 3309-4937 / 4934 4l,it1 Rua Dr. José Perobtr, :l4l) slr ln)l)/!í){j CEP 41770 235 Cosl.Ír ^rrlSâlvador 'BA 'Tbl (/1) 3341 3(ì4Íi Bio Grando do Sl, Rua RiachuêÌo, 133b ' (ii'r'lr', TeÌ. (51) 3212-8590 Es!ítito Satúo Ruã Constant€ SodÍí, il?z l,1rÌ.!) CEP] 29055-420 - SÍuìl. lnrrrn vitória - Es. 'lel.: (27) 3235-4624 / lt22t, lttntt 1953-1958. Veja tradução brasiìeira da EDlpRO. Esta traduÇão e acorìr- panhada da apresentação do professor Alaôr CafÍè Alves) e "Lógica das Normas" (LN) í"DlÍectiyes and Norms" (DN) - ano de 1967. Há tradu- çáo em espânhol de J.S.P Hierro). Alf Ross também escreveu dois volu- mes intitulados " Direito Constitucional DinamaÍquês" (1958). Herbert L'A' Hart (O Conceito de Direito) Poucas guestôes Ìespeitantes à sociedade humana têm sido postas com Ìanta persistência e têm obtido respostas, por paÌte de pensadoÍes sédos de foÌmas tão nÌrmerosas, vaiacÌas' êstranhas ê até paradoxais como a questáo 'O que é o direito?' Mesmo se Ìimitarmos a nossa atençáo à teoia iurídica dos úÌtimos 150 anos e deixarmos ãe Ìado a especulação clássica e medieval acercâ da'natuÌeza' do Direito' encontrâremos uma situ ação sem paralelo em quaÌquer olÌÏ'ra matéÌia estudada dà Íorm" si"temática como disciplina acadêmica autôno- ma. Não existe literatuÌa abundante dedicada a respon- deÌ às perguntas 'O que é a química' ou 'o que é a medi- "ir-ru à-á sucede com a questão 'o que é o direito?' H L.A. HAII Introduçáo A teoria de Herbert Hart inaugura uma nova forma de se analisar ocampojuÍídico.HerdeiroecríticodeJohnAustin(cí.cap'1)'demais á" """"""* t"*lectuaI de inúmelas idéias de wittgenstein' Hart deve serconsiderado,conjuntamentecomKelsen(cf'cap'2)eRoss(cf'cap' ã).lrrn ao" maiores nomes da Teoria do DiÍeito do século xx Ainda rrã1r ",-,u" formuÌações sáo discutidas e muito influentes no círcuÌo uni- versitário ocidentat, como se pode notar com o debate que' dentre outros, travou com Dworkin (cí cap 5) OliwoOConcejtodeDiÍeito,suaobrapdncipaÌ'foipublicadonoano de 1961, oferecendo uma revisáo às teorias de John Austin Na realida- de,HaÍt,sobdiversosaspectos,quasepontiÌhaaseqüênciatemática deste. Como argumento central, HaÍt considera o modelo de AÌrstin um "modelo simples" de se descrever o Direito' devendo' portanto' ser subs- tituído por um "modelo aprimorado" Na base deste "modelo aprimora ão", "n"orltru-"" a clistinção de dois grupos de Íegras: as regras "primá- ,iu"i' " t" regras "secundárias" Com ela' HaÏt pretende evitar os erros de seu predecessor; o resultado é uma teoriâ anaÌítica "revigorada" 103 1. O conceito de Direito (apresenbaçáo) O professor Herbert Hart e muito conhecido por suas críticas ao nodeÌo de John Austin. Entretanto, em O Conceito de Direito, o pto- pósito de Hart é, fundamentalmente, a análise estrutural do ordena mento jurídico na busca de mais bem descÍever seu functonamento. Para isso, Hart empreende uma série de consideraçoes que se torna_ ram capitais para o estudo da Teoria do Direito. No CapítuÌo I êxpõe a perplexidade daquele que se pÍopóe a definir o que seja o Direito pre_ parando o leitor para suas refutações ao modelo imperativista de Austin. No CapítuÌo II Hart parte de uma constatação apaÍentemente óbvia; a de que a característica mais evidente do Direito é a de sua existência impÌicar certos tipos de conduta humana obrigatórias. O problema é que se pode estabeÌecer mais de uma forma de conduta nâo opcionaÌ. Assim, cuida da análise da variedade dos imperativos abrindo a discussão do Capítulo III à diversidade das leis presentes no DireÌto inglês. Hart discute a funçáo da sançáo e se a nuiidade e anulabiÌidade podem ser consideradas espécies de sanção. Na base disso tudo, afirma haver, na teoria de Austin, o efeito distorcido da tentativa de se uniformizar a variedade de nornas, forQanclo as a uma reduçáo ao modeÌo dos comandos e das sanções negativas. No CapÍtulo IV Hart discute a obediência ao sobeÍano e as dificuldades da teoria de Austin em expÌicar a sucessáo clo soberano no poder. No Capítulo V fornece sua solução para esses probÌemas: o Direito é for_ mado peÌa união de normas primárias (ou de conduta) e normas secundárias (ou normas sobre normas). portanto, os materiais jurídi_ cos são heterogêneos, e não homogêneos, como na tïadiçáo de Austin. Desse modo, Hart substitui o expediente técnico da âmeaça como instrumento de inteÌigibilidade para sustentar a união de dife rentes tipos de normas como referenciais operatórios. No Capítulo VI expõe a teoria da "norma de reconhecimento', e explica as implica_ çóes da análise interna e externa nesse contexto. No Capítuto VII o tema da "textura aberta do direito" surge no centro da discussão cla indeterminação semântica dos materiais jurídicos. Este ponto é importante para uma aproximaçáo a respeito de uma possível ,,teoria da interpÍetação jurídica" subjacente ao texto de Hart. Nele também se encontra a distinção hoie corrente entre ,,decisões definitivas" e "decisóes coïÍetas". No Capítulo VIII Hart se ocupa do debate entre moral e direito. Este capítulo deve seÍ ìido como um preparo do Ìeitor para o Capítulo IX, no qual discute a contraposiçáo comum entre 104 ( ll'lrrtiL{ rrrr rl" tlr)rlrr r!' l)lÌ"rlrr dir()il,o lìattrraL o porjil.rvisÌÌÌo juridrco Embora clelenda a tese bertha- miano artstiniana da separação entre direito e moral' Hart' contudo' sublinha explicitamente haver em todo oÍdenamento jurídico certo lconteúao mínimo de direito naturai" No Capítulo X' culmina com questóes atinentes ao Direito internâcionaÌ 2. HaÍï, Austin e o "Direito" Como referido, a preocupaçáo principal de HaÍt é oferecer um modelo substituto ao modelo formulado por Austin por considerá-lo insuficienteemdivelsospontos'suasoposiçÓesencontlam-sedistri- o.'lou",'o.uou-enteemdoiscapítulos,capítuÌosÌIÌeIVNeSteScapr- i.,io", o, temas focados sáo as "ordens baseadas em ameaças"' o ;hánito g"r.t a. obediência" e "Ìimites do soberano" Ouanto aos capi- tuloslell,elesconstltuemumaintloduçáoproblemáticaaosplincipais u"pu.ro" da Teoria do Direito, demais de' neles' Hart suscitar guestóes sobre a "definiçáo de DiÏeito" Tudo consideÍacto, as oposiçóes a Austin podemser sumaÍiadas nos seguintes itens: 1) insuficiència da caÍacteÍizaçâo do Direito como "ordens baseadas em ameaças"; 2) insuÍiciência do critério do sobera- ,ro "o-o "a chave do Direito", isto é' chave para identificaÌ as normas da ordem juÍídica; e, finalmente' 3) deficiência na formulaçáo de sobe- ,ania rtimitaaa de Austin sendo assim' no sucessivo' procuraremos ;;;;i, ."""" três pontos Mas, antes' convém tÍazer as ponderaçÓes preliminares de Hart 3. Sobre a definiçáo de "Direito" Como posto em destaque, HaÍt apÍesenta um quadro de perplexi- dad.e quanto à persistência da perguntâ "O que é o Dúeito?" Nesse outrr"IlOr, pode-se perceber, todavia' que náo atribui essa situaçáo à falta de tentativas de teódcos sérios De fato, sua linha argumentativa é costuïadâ com ponderações aceÍcad"equestões,.maisprofundaS''que,polassimdizer,vêmatlapa- inutao o ê"lto Aas ìncursóes até então reaÌizadas A Íespeito dessas ã.,""t0"" "mais profundas", que nào encontram propdamente (ou tão- somente) expticação nas vacilaçóes inerentes à linguagem' Hart iden- tifica três: 1) Como difere o direito de oÍdens baseadas em ameaças e como se relaciona com estas? 2) Como difere a obrigação jurídica da ì L 105 obrigação molaÌ e como está relaciolacla colÌ) esLa'1 lÌ) O qrlr sito r()!Jr; tjj e em que medida é o Direito uma questáo cle regras?l Portanto, não está Hart preocupado, propriaÌÌÌente, apesar c1o quc possa o título de seu livro levar a entender, em patentear "uma defint çáo de direito" (pois os resultados frente às questões apontadas seri am de pouca expressáo), mas em apresentar os eÌementos subjacentes a todo empreendÍmento cuja razão seja a de dedicaÍ-se à Ìeitura cÌa operacionaÌidade das ordens jurídicas com alguma precisáo. Exatamente por isso Hart descarta tentativas como as de definir "diïeito" a partir do gênero e diferença, afirmando que "O seu sucesso depende de condiçoes que fteqüentemente náo estáo preenchidas. A pdncìpaÌ entre estas últimas é que devla haver uma famítia mais e),-ten sa de coisas ou greÍìus, relativamente a cuja natureza estamos esclare- cidos e dentro da qual a definição locaÌiza o que define; porque, clara- mente, uma definiçáo que nos diz que aÌgo é membïo de uma família náo nos pode ajudar, se tivermos apenas idéias vag:as ou confusas quanto à natureza da família. É esta exigèlcia que, no caso do Dlreito, torna inútil esta forma de definiçáo, porque aqui náo há uma categoria geraÌ bem conhecida e famiÌiar de que o Düeito seja membro. O mais óbvio candidato para uso deste modo numa definição de Direito é a famíÌia geral de regras de comportamento; contudo, o conceito de regra é tão causadoÍ de perpÌexidade como o do próprio Direito...".2 Todavia, nos diz Hart, "é possível isolar e caracterizar um conjunto centÍal de elementos que formam uma parte comum da resposta".3 Assumido assim o propósito de apresentar apenas escÌarecimen- tos acerca das " características " do Direito, e não de algum crìtério "mágico" paÍa o emprego da paÌavra, diz Hart: "Em vários pontos deste livro encontrará o leitor discussóes de casos de fronteira em que os teoÍizadores do Direito sentiram dúvidas na aplicaçâo da expressào "direito" ou "sistema jurídico", mas a resoÌuçáo sugerida paÍa tais dúvidas, que também encontrara aqui, constitui apenas uÌÌìa preocu pação secundária do Ìivro. Porque o seu objetivo náo é fornecer uma definiçáo do Direito, no sentido de uma regra por referência à quaÌ po- de ser testada a correçâo do uso da palavra; é, antes, fazer avançar a teoria juÍídica, facuÌtando uma análise melhorada da estrutura distin- 1 H.L.A. Hart (1961), p 18 (CL, p. 13). 2 H.L.A. Hân (1961), p 19 (CL, pp. 14 15) 3 H L.A. Hârt (1961), p. 21 (CL, p. 16). 106 { r I r r ' r ' L ' I ' r r l l r ' l i " r r r ' r r l ' I l ) r Ì r ' r l I t.iviì (lo tÌrìÌ sisl.elrra jltrídlocl illterÌìo c íorleceDdo uÌìÌa rÌÌeÌlÌor colÌl- preensâo das seÌneltìaÌlqas e dtferenças entre o direÍto' a coerçáo e a rnc.,ra!, enquanto tipos de fenômenos sociais" 4 E ainda: "E precisa- mente porque náo apresentamos tal pÍetensão de identificaqáo ou de ,"g.,f u-ultiuçao deste modo do uso de paÌavras como'direito'e'juÌí- Olãcr', que este tivro é oferecido como uma elucidâçáo do conceito de Jir"it., "- vez da definiçáo de 'direito" a qual poderia natrtralmente esperar-se que lornecesse uma regra ou regÍas para o uso destas ""'prr"rou""ì Mais, revelando agora o que constituúá.um de seus irlr,tfo", "O tema principal deste livÌo reside em que muitos dos atos caracteÍísticos do direito e muitas cÌas idéias que constituem a estru- t.lru do p"r."u-ento jurídico exigem para a sua elucidaçáo a Íeferên- CiaauÌÌ1desÌesdoistiposdeleglaouaambosequeasuauniãopode ser vista a justo tituÌo como a 'essência' do direito' embora eles pos- sam não aparecer sempre juntos todâs as vezes que a palavra'diÍeito' écoÍIetamenteuSada'AnosSajustificaçáopaÍaatlibuiÍàllniáodas regras primárias e das regras secundárias este Ìugar central náo con- siste em que eÌas desempenhaÍão aí a função de um dicionário' mas antes que elas têm um grancle podeÍ explicativo" 6 Para tanto, como já se assÍnalou mais de uma vez' HaÌt pÌecisou de um "ponto de partida"' Esse ponto de partida é a teoria de Austin' chamada peÌo próprio Hart de 'A tentativa mais claÍa e completa de ànálise do conceito d.e diÍeito em termos de elementos aparentemente "t^Oi", O" comandos e hábitos" 7 A ela' Hart realiza inúmeras consi- cìeraçóes, prepaÌando o seu Ìeitor para as eiucidações que estabelece capítulo a capítulo 4. OPosições a Austin No primeiro dos "clássicos" exposÍos' procuramos Íetratar o modelo de Austin Concluslvamente' demonstramos que sua posiçáo é esta:seumanolmaIVpeltenceaumaoldemjuridicao./,issoSigniÍica que ela, a norma N, foi dita'La pelo soberâno Passemos agora ao que tem Hart a dizer sobre isso' H.L.A. Hart (1961), P 22\CL'P 17)' H.L.A. Harr (1961)' P 229 \CL P 2Og) H L.A. Hart (1961), p. 169 (CL, p 151) H.L.A. Hart (1961), P 23 (CL, P 18) 4 5 6 7 4.1. Insuficiência da caracterizaçâo do Direito como "ordens baseadas em ameaças" Para Austin, "lei" é uma norÍra ou regra de conduta enquanto consiste em uma "ordem": ordem de prestaçóes positivas e negati- vas, de um fazer ou um omitir respaldadas em sançóes negativas em caso de descumprìmento. Portanto, as normas sáo "ordens baseadas em ameaças ". A essa construçáo Hart assinala fragilidades. a) Um dos probÌemas apontados poï Hart é a indistinção de Austin quanto à diferença entre "ordenar" e "dar uma ordem". Isso pode ser marcado com os aspectos da "generaÌidade" e da "permanência". Com respeito ao primeiro aspecto, a "generaÌidade", o modeÌo da ameaça implica a ocorrência de uma ordem pessoa a pessoa, como na situâçáo de comando entre assaltante e vítima. Porque "ordenar às pessoas que façam coisas...", diz Hart, "...é uma forma de comunicaçào e eÍetivamente impiica que nos 'dirijamos' a elas, isto é, que se atraia a atençáo delas ou se tomem medidas para as atrair".8 Contudo, náo é assim quando os legisladores fazem as leis, pois, embora seja impor- tante que as pessoas saibam que uma lei Íor produzida táo Ìogo ela tenha sido editada, o propósito do legislador estaria ftustrado caso eÌas não estivessem completas, enquanto le s, antes dessa inÍormaçáo pes- soâ-pessoa; daí a importância de regÍÉ.s que deixam os destinatários descobrirem por si próprios quando as leis sáo feitas. Mesmo numa sociedade grande e complexa, como é a do Estado moderno, há ocasioes em que um funcionário, frente a fÍen- te com um indivíduo, lhe ordena que faça algo. Um policial ordena a certo motorista que pare ou a certo mendigo que continue a andar. Mas estas situaçóes simples náo são, nem podiam ser, o modo-padrão de funcionamento do Direito, ainda que fosse só por- que nenhuma sociedade podeia arcar com o número de funcioná rios necessário para conseguir que cada membro da sociedade fosse informado, oficial e separadamente, de todos os atosque lhe exigiam que fizesse. Em vez disso, tais formas particularizadas de fiscalização, ou são excepcionais, ou sáo acompanhamentos ou reforços anciÌares de formas gerais de diretivas que não contêm o 8 H.L.A. Hart (1961), p.27 lCL, pp.21-22). 108 {:,j r! !'Ì, r|, li,,rÌl,r,l,' l, r,,rl| rtortte <lc,', rìc'lÌÌ sao ctìriçlidas a ildjvicltlos deLorrÌìiÌÌados c rrao ittrli caÌÌÌ uÌÌì ato específrco que cleva ser feito Dai que a forÌna-padrão' rnesmo numa lei criminaÌ (a qual' entre todas as variedades do Dúerto, tem a semelhança mais aproximada com uma ordem baseada em ameaças), seja geral em dois sentidos: indica um tipo geral de conduta e aplica se a uma categoria geraÌ de pessoas que se espera que vejam que se aplica a elas e que a acatem' As dire- tivas inclividualizadas, caso a caso' têm aqui um lugar secundário: se as diretivas gerais primárias não sáo obedecidas por um indiví duo em paÍticuÌar, os funcionários podem chamar a atençáo daqueÌe e pediÌ o acatamento de tais diretivas, tal como o faz um rnspetoÌ tributário, ou a desobediência por ser oficialmente verifi- cada e objeto de auto, sendo o castigo objeto de ameaqa imposto por um tribunaÌ [H.L.A Hart, CD, p 26 (CL, pp 20-21)l' Portanto, segundo Hart, quando Austin fala em leis como sendo diri gidas à categoria de pessoas, isso é enganador, pois náo há a situação de eìas estarem fuente a ftente. Conseqüência disso é o fato de' se "orde- nar" implica efetiva comunicaqáo "dirigida", fazer "leis" difere do ato de "ordenar às pessoas que façam coisas" Pensar de outro modo é frustrar o Ìegislador em sua atividade de fazer Ìeis com carátet geraÌ E se eles' os legrsladores, de aÌguma forma, fazem referência a "leis dirigidas"' o que noÍmalmente pretenciem é dizer que há "pessoas a quem rrma iei em particulaÍ se aplica", e náo sejam etas imposiqóes particuÌaÌes de or- dens, como acontece quando um assaltante diz: "Dê me tua bolsa" No que se refere ao segxndo aspecto, o da "permanência", este' segllndo Hart, é outro ponto que deve ser observado quando se diferencia "ordenar" e "dar uma ordem". Sem dúvida, e possível se dizeÍ, em ao menos algum sentido, ter o assaltante supeÍioridade em reiaçào' por exempÌo, à vítima, o "caixa cÌe um banco" ou uma "senhora que atravessa tranqui.lamente uma praqa" Mas essa "superioridade" é temporariamen- te ìimitada à sua presença, ou seia, é ação coercitiva de curta durâção Dessa Íotma, ainda que, evidenLemente. ISSo possa ser suflcientê para o assaltante quanto ao objetivo de obter o dinheiro ou peças de algum valor, não o é para as leis Porque importa às leis' sobretudo nos clias atuais, serem eÌas dotadas da caÍacteÍística de permanência ou persistência; característica esta que o modelo das ameaças náo evl- dencia nem mesmo explica, cÌado o seu caráter imediatista Portanto' diz Hart, "Devemos, por isso' supor que há uma clença geral da parte daqueles a quem as ordens gerais se aplicam, em que a desobediência 109 será provaveÌnÌente seguida pela execuçâo da aneaça, não so Ìto lÌro Ìnento primeúo da promulgaçáo da ordem, mas continuamente, até que a ordem seja Íetirada ou revogada".9 Enfim, o que se pode notar a respeito da drferença entre "orde Ì.Ìar" e "dar uma ordem" é que, enquanto a primeira situação remete a um ato apoiado apenas em ameaças e na imediatidade da ameaça, na segunda situaqão há o envolvimento da idéia de "autoridade" e de "hierarquia". b) Outro problen.Ìa apontado por Hart a respeito da teoria de Austin advém da composiçáo homogênea cobrada peÌo modeÌo das "ordens baseadas em ameaças ". AssinaÌa Hart que as Ìeis penais fazem parte de uma classe de Ìlormas que muito se assemelham ao modelo descrito por Austin.10 Todavia, mesmo com respeito às normas penais, há uma importante diferença. O modelo das "ordens baseadas em aÌneaças" é um modeLo de apenas uma direçáo: o soberar-Ìo comanda, e os súditos obedecem. Mas as normas penais nas ordens jurídicas apresentam apÌicaEão mars ampla do que as sÌmples ordens, pois eÌas podenì impor deveres a quem as editou, e náo apenas aos destinatários imedlatos. AÌem disso, os conjuntos normativos contemporâneos, cula tarefa é a de facilitar a vida dos indivÍduos, apresentam também normas que náo encontram acomodaçáo adequada nessa Ìlraneira de descrever as normas jurídi- cas. Sob essa perspectiva, lembra Hart as leis de eÌaboÍação dos acor dos privados, as leis constitucionais, administrativas, de pÍocesso ludi cial etc. Essas "lers" compreendem atrlbuicóes de poderes jurídicos, de procedlmeÌltos especlficos, e de condiçoes sem caráter de homogenei- dade com as leis penais.11 Ou seja, elas não são ÌÌormas impositivas de deveres e conseqüentes sançóes caso sejam desobedecidas, mas sim confeÍem poderes juddrcos aos funcionários públicos, possibilitando a implantaçáo de modificaçoes no próprio coÌtjunto normativo e a decl- são de casos jurídicos. Isso significa que as normas atributivas de poderes náo se assemelham às prescriçóes, tars como a do tipo "náo mates ou te puno" (Direito Penal). Por certo que nem todas as leis impóem às pessoas que façam ou náo façam algo. Náo será enganador cÌassificar assrm 9 H L ^. HaÌt (1961) p 28(CL,p.23). 10 H L.A Hart (1961), p. 29 (Ct,, pp.26-27). 11 H.L.A Hart (1961), pp s5ì 42 (CL, pp.2Si 34). 110 I I r,,r,, ,,1,.'1ì1'r 'r r|' lrrr' rlr lotr; tlttc t;llttlottlrìl Ìx)(l(lÍolj ilos l)iìrLictlliìr()s pêrra oLll'or(Jilr()lìì l'()Íil'iì rìÌoÌìl.os, {lc)ÌcbrarenÌ coÌìtratos ou casanÌeDtos' e leis que dáo po(le res aos lLrncionárLos' por exenÌpio' a um iuiz paÍa iuÌgar casos' a ÌrÌÌÌ rÌÌinÌstro paÍa fazeÍ regulamentos ou a um conselho munlcipal para fazer posturas? [H L A Hart' CD, p 33 (CL' p 28)] Portanto, segundo Hart, Austin promove' com essa homogeneiza- çáo, um reducionismo espúrio; uma identiíicaçáo incorreta' forçada e fadada inarredavelmente ao fracasso, porquanto coÌoca todas as nor- mas sob uma mesma etiqueta e, por conseqüência' íunçáo c) Como úÌtima oposição ao "modeìo das ordens baseadas em ameaças", Hart lembra o íato de, para Austrn' a sançáo representar qualquer medicìa que possa ser preiudiciaÌ para o sujeito Sob esta mbrica, encontra se, por coÌÌseguinte' incÌuída a nulÌficaçáo 'lecorren- te das tÍansaçoes que náo respeltam as condiçoes estatuídas em lei 12 PoÍtarlto, um dos argumentos que aduz Austtn a favor da tese da uni- formidade cÌas norn.Ìas é considerar a nuÌidade, à semeÌhança do casti- go imputado no caso cle oíensa à iei penal' um mal inÌposto pela ordem jurídica à transgressão da nornla' Não obstante, para Hart, essa assimtlaqáo promovida por Austìn é um grande engano Porque no caso da norma penaÌ' de íato' exis- tem uma hipótese de concÌuta proibida e uma medida destinada a desalentá-Ìa, mas esta não ó a situaçáo da nulidade: "Ora' como se poderÍarn consrderar a esta Ìuz atividades sociais táo deseiáveis como a de homens que assumem ÍecÌprocameÌ-Ìte promessas' gue náo satisÍazem as exigências legais quanto à Íorma?" 13 As regras que estabelecem formalidade para um determinado exercíci'o de poder;urídico não têm como seÍ equiparaclas às Ìeis penais Porque' caso aÌguma das normas atributrvas de podeÍes jurídtcos nào seja observada, a única conseqüência delas decorrer-Ìte é que "nada se produz", ou seja, nada ocorre para o mundo luridico De mais a mais' "., q.,ur.ro às normas cle comportamento' há a possibilidade de se distlnguir a conduta deteÍminada e a sançáo a ser apltcada em caso de suãvioÌação, o mesmo náo ocorre nas normas que atribuem pode- res jurÍdÍco;, pois é parte delas a conseqüência Ìeferida de nada ocorreÍ para o Direito ,2 J AL,. | - t.83.1. oD 4-i -05 06 1:l FLL.A. Hart (1961), p 42 (CL, p 34) 111 * No caso das regras de Direlto CriÌnÌÌìaÌ, ó logiciÌlÌìr)Ììt,o Ì)osjriiv()i e poderá ser desejável que haja tais regras, ainda que a aÌìÌeac:ì (Ì11 qualquer mat ou castigo nào exista. E verdade que se poderá argÌr mentar não serem neste caso Íegras jurídicas; apesar disso, pode mos distinguir com clareza a regraque proíbe certo comportameÌl to da estatuição de sançôes a aphcar, se a regra for violada, e supor que aquela existe sem estas. Em certo sentido podemos subtrair a sanção sem elimtnar um padrão intetigível de comportamento que aquela visava manter. Mas náo podemos logicamente fazer tal dis- tlnçáo entÍe a regra que exige a observância de certas condições, por exemplo, a intervençáo de testemunhas paÍa o testamento váli do, e a chamada sançáo da "nulidade". Neste caso, se a náo-obser- vância desta condição essencial náo impÌicasse nulidacle, a exis- tência da própria ïegra seÌ.n saÌlções náo poderia seÍ afirmada cle forma intehgível, rÌÌesmo como regra não-jurídica (...). Se o nào con- seguir-se colocar a bola entre as tÍaves não significasse ,,nuÌidade" da náo marcaçáo, a existência das regras de pontuaçáo do jogo não podeda ser afirmada IH.L.A. Hart CD, p. 43 (CL, p. 34)Ì. À vista disso, o que fez AlÌstin foi ampliar o signiíicado cle ,,san- cionar" para rncluir as nulidades Ìta teÌìtativa de salvar sua teoria. Entretanto, há outro argumento, pontua Hart, com o qual se procu- ra reduzir todas as normas a comandos baseados em ameaças, emboÍa utiÌize de técnica diversa: em vez de colocar as normas que conferem poderes conÌo ordens, concebem Ìlas como fragmentos de normas. Aqui, de duas uma: ou as ordens jurídicas apresentam "normas coerci- tivas" ou eÌas sáo "fragmeÌltos de normas coercitivas". AíÌrma Hart: ,As regras que conferem poderes juídicos aos particulares sáo aqui, como na teoria mais extrema, meros fragmentos das veÍdadeiras leis compÌe- tas, porque são já ordens baseadas em ameaças. Estas illtimas cleverão ser identificadas pela interrogação: quais as pessoas a quem a lei orde na que íaçam coisas, sujeitas a um castigo se náo obeclecerem?',14 Essa é, por exemplo, a posiçáo de KeÌsen. para Kelsen, há normas compÌetas e normas incompÌetas. "Normas completas" sáo aqueÌas dotadas de sançáo (negativa); "normas Ìncompletas" sáo aqueÌas nor- mas que não dispóem de sançóes e que, portanto, devem se relacionar 14 H.L.A Hart (1961), p 45 (CL, p.3?). 112 r "r" ,| '|'' IiII||I| '1" !rLr"11r (l{r Iì()(l() irì(lll()l.o coÌÌr iìs lÌorlÌÌa5 salÌcioÌÌacllotaS paliì scr()lìì 'v(-rr(la(lol Íits lÌorllÌtìÍi". Ìirìl.cnde Hart ser esse modo de descrever as normas um modo (lìlereÌltedoanterioÍ,dadoqueelenáoexige,detodasasnormassrn gularÌncnte consicìeradas, sançoes, é apenas necessário que haja "leis f,...,i,.a"" que estabeieçam sançoes para sustentá-las Dessa forma' áe"loc" se a questáo das ordens baseadas em ameaças de sanqáo para, em vez disso, pensar se em leis dirÍgidas a funcionários para que apliquem sancoês l5 Portanto, vislumbra Hart duas foïmas de explÌcaçáo para a teorra das nulidades como sançóes: uma extrema e outra menos ex'tíeÌÌÌa Conforme a versáo menos extrema, preserva-se o caráter normativo das leis que atribuem poderes jurrdlcos; segundo a versão mais exLre- nÌa, essas normas seriam íragmentos de norma De todo modo' segulÌ- do HaÍt, o preço de insistir nessa uniformização' por tudo o quanto se disse, é a distorÇáo da leitura 'las normas 4.2. Insuficiência do cÍitério do soberano como "chave do Direito " Para Austin, "Ouando um deteÌminado superior humano' que náo possui o hábito de obedeceÍ a um outÍo supedor' recebe hahitÌraì obe aiência aa maior Ìlarte cle uma sociedade' este superior ó sol:erano nestaSociedad.e,eestasociedade(incÌuindoosupeliol)érlmasocie- dade política independente" 16 Assim, a íigura do soberano ilimitado que sustenta suas ordens com a força identifica a sociedade política Índependente, demais cle ser agente produtor de díreito Diante disso, Hart formula dois argumentos: a) a teoria do sobeÍa- no náo é suficiente para identifìcar todas as normas; b) a teoria do soberano náo explica a continuidade das notmas' (a) Conforme consigna Austin, o soberano pode detegar o poder legislativo tacitamente Para isso' basta haver alguma demonstração de consentimento, mesmo que esse consenti- mento seia a não-interferência Portânto' se o soberano aplica norma produzicla por um legislacÌor subordinâdo (conduta 15 H L.A. Har1. (1961), P. 44 (CL P 36) 16 J. ArÌstrn (1832), P 239 113 positiva do soberano) ou não iÌnpede que eÌa seja aplicâcla pelos tribunais (conduta negativa do soberano), a norma sera uma normâ jurídica do conjunto de ordens do soberano. Isso significa que, nos termos do modelo ex?licativo cÌe Austin, toda norma deriva da autoddade do soberano, seja ela decorrência de uma atribuição expressa dessa possibilidade ou uma atribuição tácita mediante seu consentimento. Diz Austin: ,,Como qualquer manif.estação de um desejo, as ordens sáo expressas ou tácitas. Se o desejo se expres_ sa por meio de palawas (escÍitas ou faladas), a ordem é expressa; se se indica por meio da conduta (ou por qualquer outra manifestaçáo distin_ ta das palavras), a ordem é tácita,'. Entende Austin serem os costumes ordens tácitas, nesses termos: 'Agora bem, quando os costumes se transfoÍmam em Íêgras iuddicas pelas deÕisoes clos juízes subordina_ dos, as regras juúdicas odginadas nos costumes são mandatos tácitos do legislador soberano".17 Ou seja, na falta de aÌguma confirmação da paÍte do soberano (ainda outra vez, ,,expressa" ou ',tácita,,), o costume nâo é direito, mas sim "moral positiva,'. Ele apenas adquirirá o staüus de norma jurídica quando se promulgue uma lei ou haja utitizaçáo judicial. Com a cÌara fìnaìidade de contestar essa forma de se reconhecer os costumes, Hart levanta duas questóes; euando surge o costume como direito? Como o costume é reconhecido?1s Com respeito ao primeiro ponto, Hart assinaÌa que a teoria de Austin está equivocada quando retrata, necessadamente, a intervenção dos juÍzes para que os costumes tenham força ìegaÌ. De fato, pondera Hart, é possível que ordens jurídicas estabeleçam que os costumes sejam "direito" a partir da decisáo judicial. Entretanto, nacla indica que deva ser necessariamente assim. Ou seja, a afirmação segundo a qual os costumes adquirem juridicidade apenas após a decisáo judicial deve ser cotejada com as normas da ordem jurídica em apreço, pois, sem isso, a afirmação é apenas dogmática, isto é, ela apenas demonstra sua inca_ pacidade de diferenciar "o que é necessário', do que,,pode suceder,,. Aliás, pode, incÌusive, por outro lado, suceder que alguma norma esta_ beleça a exclusáo ou a inadmissibiiidade de se resolver casos jurídicos com costumes. Em suma, da mesma maneira que uma Ìei possui ,,força Ìegal" antes de algum tribunal apÌicála, nada impede gue os costumes 17 J. Austin (1832), pp. 52 53. 18 H.L.A. Hafi (1961), pp. b3 54 (CL, pp.42 43). 114 rll',Ì!rlrlri rlt"llxrilrr {lli lrlrIllr r l(lnlÌarÌI, atÌl,os do aLo clo LribunaÌ, lnesÌÌÌa "força ìegal"; Lutlo esl'ii;ì tloporrcler da contingência das oÍdens jurÍdicas e de suas disposiqoes ll) No que diz respeito ao segundo ponto, afirma Hart qÌre urÌì dos problemas da teoria de Austin quando coloca a questão do reconheci- rÌ1ento do costume está na compreensáo de eles dependerem de um tri- bunal ou da tegisÌatura ou cle o sobeÍano ter ordenado (tacitamente), pois isso implica atribut ao vocábulo "ordenar" um significado muil;o geneïoso. Hart ilustra este ponto da seguinte maneira: "Um sargeÌ.Ìto' gue obedece, ele própdo, normalmente aos seus superioÍes, ordena aos seus homens que executem certas tarefas de faxina e pune-os quando eles desobedecem. O general, ao tomar conhecimento disto, perm j1'e que as coisas continuem assim, ainda que, se tivesse ordenado ao sar- gento para pÔr fim à faxina, fosse obedecido. Nestas circunstâncias' pode consideÍar-se que o general expressou tacitamente a sÌra vonta- de de que os homens fizessem os trâbalhos de faxina A sua náo-inter- ferência, quando podia ter interferido, é um substituto siÌencioso das paÌavras que poderia ter empregado, a ordenar as tarefas de faxina" 20 O problema desta construção, diz Hart, está no fato de têìos como "oÍdens tácitas" signiíicar, para Austin, que o soberano nãointedere na prática dos súditos, mas que ìnflige puniçÓes caso náo respeitem a pÍâïica.2l Isso significa que, païa isso, eÌe, o soberano, deve estar inte- rado da aplicaçáo do costume como lei e decide náo interferir' Ou seja, a fragiiidade está no fato de seÍ raramente possível atribut esse conhe- cimento ou consideraçáo ao "soberano", o que contamina a icléia de "aprovaçáo tácita" e cÌa "possibilidade de punir"; na realidade, trata-se de puÍa ficçáo, pois o soberano náo tem como "saber tudo". Portanto, a teoria da aprovaçáo tácita é faÌha' (b) Segundo Hart, o conceito de "hábito de obediência" utilizado ìtror Austin é também insuficiente para solucional o problema da continuidâde das normas de um órgáo legislativo nào mais existente. Para explicar essa questão' Hart narra a história hipotética de um monarca absoluto (que chama de -Rex) consi- derado como monarca porque não obedece habitualmente a ninguém, mas é obedecido habitualmente por seÌrs súditos 19 rrL.A. Hart (1961), pp. 55-56 (CL, pp 46 47) 20 H.L.A. Hart (1961), pp. 54 55 (CL pp 44 45) 21 H.L.A. Hart (1961), pp 56'57 (CL, pp 46 47) 115 Com isso, as normas coercitivas pronunciadas por Jìex síto regras de obediência emanadas poÍ um superior. Hart, para contestaÍ a teoÍia do hábito de obediôncia, figura a situação de, com a morte do monarca .Rex, este, ao menos em tese, poder ser sucedido por seu filho, Bex 11. O probÌema é que dos hábitos de obediência presentes quanto às ordens de Rex 1náo se segiue que o seu filho será obedecido. Isso porque deve-se aguardar até que seja íÍr mado o hábito de obediência a Rex IL Esse lapso de tempo, nào resta quaìquer dúvida, e embaraçoso, pois não há nada servindo "de ponte', entre os comandos de .Rex 1e Ãex 1Í. Falta uma regra informando, ante cipadamente, quem deve substituir Ãex 1e, poÍ conseguinte, que faça com que suas normas, já editadas, continuem a ser válidas. Entende, assim, não ter Austin vislumbÍado com a teoda do hábito de obediência o fato de, antes mesmo de emitir suas ordens, Rex II jâ dever ser considerado soberano errt razâo de uma regra de sucessào no direito de governar.22 Daí pergunta Hart: "como pode a lei criada por um legisiador anterior, desaparecido há muito, ser ainda iei para uma socie- dade de que não pode dizer-se que lhe obedeça habitualmente? " 23 A existência desta regra, para Hart, que náo tem como ser identiíicada com uma regra de conduta, é que asseoura a continuidade da autorida de impÌicada, como, também, explica a persistência do direito ante or. Entretanto, ainda há outra tentativa de se explicar a persistência das normas, a de Hobbes. De fato, Hobbes, no livro "Leviatá", afirmou eDfaticamente: "...o legislador náo é aquele por cuja autoÍidade as Ìeis peÌa pÍimeira vez foÍam Íeitas, mas aquele por cuja autoridade elas continuam a ser leis ".24 Para Hart, esse argumento também náo convence. Aliás, sua base é a mesma da teoria das ordens tácitas considerada no item a), de tal modo que as críticas lá aduzidas náo apenas cabem aqui, mas, na rea lidade, sáo mais evidentes. Em sÍntese, ela consiste na afirmação de, se o soberano náo interfere na execuçáo das leis pelos seus agrentes a respeito da lei feita há muito tempo, ele está tacitamente consentincìo naquilo que eles, os agentes do soberano, estão fazendo, ou sela, o soberano precisa ter, mais uma vez, "conhecimento de tudo". E, como o soberano apenas interfere quando náo aprova o que está sendo felto, 22 H.L.A. Han (1961), pp. 67,70 (CL, pp. 51-54). 23 "l.l .A H.Í L196ì), p. /ì {Cl p. bl). 24 Tho. Hobbes,Ievratá, CapítuÌo )CrÕ/I, 5 ( i L / 1 r r : , r , Ì , , , , l , , lì! 'rL/' (l,i l),r,,,1, ' {l(isl.ir corÌÌpreersao se ex[raí sereÌÌÌ as "lcis" corrsideradas "lcls" apo r)irs quaÌìdo uIiÌizadas peÌos jtLízes, Ìsto é, aplicadas, em últrma atrá]rsc, pelos LribuÌlals; seÌÌì isso, elas não seriam "Ìeis", pois lhes faltaria afir- ÌÌìaÇão da autorrdade.25 Como conseqüêncra, perde-se a distinçáo entre Ìeis revogÍadas e Ìeis vigentes, pois apenas importa o pronunciaÌnento judiciaÌ como I-redida do que deve considerar-se Direito.26 4.3. Deficiência na noção de soberania Ìlimitada de Austin Afirma Austin que, embora o poder do soberano possa teÍ algur)s limites políticos, ele náo tem limites jurÍdicos; por isso, ser "soberano": ele comanda sem ter de obedecer a ninguém. É cÌaro, d.iz HaÍt, que esta teoÍia tem Ìá seus atrativos. PoÍqlìc, "desde que encontremos o soberano que recebe obediência habltual, não a prestando a nÍnguém, podemos fazer duas coisas. Em primeÌro lugaÍ, podemos identificaÍ nas suas ordens gerais o direito de unÌa dada sociedade e distingui Io de muitas outras regras, p nctpios e padroes, morais ou simplesmente consuetudinários, pelos quais às vidas dos seus membros são também regidas. Em segundo lugar, den- tro do campo do Direito, podemos determinar se estaremos perante uÌn sistema jurídico independente ou se se trata meramente de uma parte subordinada de algum sistema mais ampÌo".27 Todavia, diz Hart, há inúmeros problemas em construçóes como esta de Austin. O pdmeiro deles é de "configuïação", porque colocar essa Ìeitura náo é uma condiqão necessária ou um pressuposto da existência do dúeito. As ordens jurídicas atuais, longe de terem essas caractedsti- cas, apresentam limitaçóes ao órgão legisÌativo em suas constituições; isso náo apenas quanto ao modo de legislar, mas pela excÌusáo absolu- ta de certas matédas do âmbito da competência legisÌativa.2s Em segundo lugar, uma constituiçáo que restringe os poderes le- gislativos \âo o faz estatuindo deveres, mas "incapacidades ". Portan- 25 H.L.A. HaÌt (1961), p.73 (CL, p.63). 26 H.L.A. Hart (1961), p.73 (CL, p.63). 27 H.L.A. Hart (1961), p.76 (CL, pp.65-66). 28 H.L.A. Hart (1961), p. 77 (CL, p. 66). to, os limites correspondem à ausência de poder jurÍdico e, por conse- guinte, à nulidade do ato. Em terceiro lugaÍ, para se demonstrar a existência de uma "socie- dade política independente", conforme quer Austin, náo e preciso demonstrar a ilimitaçáo jurídica do soberano, apenas é necessário demonstrar que ele não está submetido à autoridade estÍangeira. Ou seja, restricâo constitucionaÌ no plano interno à capacidade de Iegislar não redunda em "perda da independência política" no plano externo. Ademais, importa assinalar que a tese do soberano ilimitado se choca com o funcionamento das ordens jurídicas " desenvolvidas ", pois eias apresentam, normaÌmente, cláusuÌas a respeito da própria reforma das constituiçoes. Nesse sentido, "seï autoddade legislativa ilimitada" é uma coisa; outra é "ser autoridade legislativa suprema" no sistema, embora limi tada, pois pode-se comandar pÍeterindo qualquer outro comando, mas, neste comando, dever respeitar certos preceitos, como vaÌores consig nados em uma constituiçáo. Portanto, para haver independência, o que importa é a posiçáo diante de outros "soberanos", e náo ausência de Íestrição jurídica inteÍna.29 Com efeito, diante das formuÌaçoes de John Austin, e das oposiçòes formuladas por Hart, ó necessário agora fornecer as respostas deste aos problemas assinalados, isto é, trazer o modelo que formula HaÌt com vis- tas a cobrir as clareiras expostas. Em termos seqüenciais, iremos apre- sentar as saídas de Hart através dos segïintes "eúos": a discussáo sobre "compoÍtamentos regulares", por um lado, e, por outro, os "comporta- mentos reguÌados" (itens 5 e 6); a substituição do modelo do soberano por um que seja suficiente paia expÌicaÍ a continuidade das normas (itens 7, 8, e 9); a questáo da "textura aberta" do dúeito (10 e 11), da moral (item 15) e aìgumas ponderações de eÌucidação gerat (12, 13 e 14). 5. Hábitos e regÍas sociais "Hábitos" e "regras sociais" sáo conceitos distintos, diz Hart. Porque "ter um hábito" significa "fazer algo" sem qualquer tipo de "pressáo social" para que a atividade se repita. Nesse sentido, comer pizza e beber vinho às sextas-feiÍas à noite pode ser um hábito, mas náo uma "regra sociaÌ" ou uma "obrigação". 29 H.i-\. HaÌr (1961), pp.79-80 (CL, p.69).118 rllir,,',r,,r', í1,, l1r,r ,r 1l',l)rr,,rl,' lriji() f)1)r({u(-' r)iì(lil ir)ìl-x)(ltl cltlo, t)lÌì veT de I)lzzt\ e villlÌ(), s(} ÍtÌs()lv't ll rrorrror srrslri o beber saquê orr, ÌresÌro, beber chope acoÌÌìllaÌllÌaclo (l(l llrìì irÌ)oril.ivo. Portanto, "ter" uÌr hábito consiste, apenas, na reiieríì (.riÌ() de LlÌÌì compoÌtamento sem qualquer conotação de cobrança orÌ pr cssào social. Por sua vez, uma "regra sociaÌ" remete a um "dever", um "ter rlrrr:", um "deveria". Ou seja, uma convençáo importa haver cert.:ì robraÌÌça e esforço dos membros do grupo para a sua realizaçáo Estcl a) o caso da regira social de " ser gentiÌ", pois aqueles que violam a ÍeçJra íl(. 'ger)llleza' sao ctiLicados por isso. Por esse aspecto, pode-se, agora, segundo Hart, explicar a "tazâo fir)al" da insuficiência do modelo de Austin: ele não diferencia os conl- portamentos "regulares" dos comportamentos "regulados" De fato' "atos reguÌares" e "atos regulados" têm algo em comum: ambos apre- sentam a convergência fática da repetiçáo empüicamente observável' rÌÌas apenas isso. Porque a simples obseÍvaçáo dos comportamentos sendo repetidos náo permite se diga tratar se de unÌ mero agir sem importância (ir comer pizza e beber vinho; ou comer sushi e beber saquê; ou beber chopê e comer aperitivo) ou de uma regra social (ser gentiÌ). Para náo cometer o mesmo engano de Austin, Hart - no que se nota a ìnfluência de Wittgenstein - assinala existirem três "diferenças salientes": 1) a "crítica" presente nas regras sociais; 2) a "ìegitimida- de" da cdtica; e 3) o aspecto "interno".30 (1) A "crítica" presente nas regiras sociais Para haver um "hábi- to", entende HaÍt, basta haver comportamentos "convergen- tes Íaticamente"; mas paÍa que haja uma "regra social", essa identidade íático-comportamentaÌ é insuficiente poÍque, nas "regras sociais", os desvios sáo geralmente vistos como "Ìap- sos" ou "faltas" suscetíveis de críticas. Ademais' as ameaças ou indicaçóes de desvio são objetos de pressáo no sentido de íorçar a conformidade com a regra social, ainda que essa críti ca e pressáo variem em intensidade: "Em primeiro lugar' para 30 H.L.A. Hart (1961), pp. 63 68 (CL, pp 53 58) Para essa influência basta observar o g 202 das "lnvestigações FiÌosófìcas" que Hart teve acesso na versão do'caderno âzuÌ": "Por isso 'seguir uma regra' é uma pratris. E crer estaÌ â segrÌiÌ a Ìegrâ não é seguir a regra E por isso não se pode seguir a Ìegra "pÌivatim", porquê então crer estar a segrurr a regra seÍia o mesmo do que sequiÍ a regra. que o grupo tenha um háÌliüo, basta que o seu comportamen to convüja de fato. O desvio do procedimento regular náo é necessariamente objeto de qualquer forma de crítica. Mas tal convergência geral ou mesmo a identidade de comportamen- to náo bastam para criar a existência de uma regÍa que exija taÌ comportamento: onde há tal regra, os desvios sáo geraÌ- mente vistos como lapsos ou faltas suscetíveis de cÍítica, e as ameaças de desvio sáo objeto de pressão no sentido da con- formidade, embora as formas de crítica e de pressào variem consoante os diferentes tipos de regra";31 (2) A "legitimidade" da crítica. HaÍt pontua que, além de haver, no caso das regïas sociais, críticas efetivamente produzidas, essas críticas são consideradas aceitas, ou seja, a ocoÍrência do desvio é tida como uma "boa razão" para uma "reaçáo de desaprovação": "Em segundo lugar, onde há estas regras, Ìlào só tal crítica é efetivamente produzida, mas o desvio ao padráo é geraÌmente aceite como boa razáo para fazêìo. A crí tica por causa do desvio é encarada como legítima ou justifi- cada neste sentido, tal como sucede com as exigências de observância do padráo quando há ameaça de desvio. Além disso, com exceçáo de ì.Ìma minoria de transgressores crôni cos, tal cdticâ e tais exigências são geÍalmente encaradas como ìegítimas ou feitas por boas razóes, tanto por aqueles que as fazem, como por aqueÌes a quem sáo feitas";:z (3) O aspecto "interno". A partir das considerações pÍecedentes, Hart distingue dois pontos de vista: "externo" e "interno". A possibilidade de se constatar empiïicamente convergências fáticas eÌe denomina "aspecto externo", e a posiçáo daquele que o observa "ponto de vista externo". Por outÍo lado, intitu- Ìa a postuÍa crítica dos sujeitos em relaçáo ao desvio compor- tamentaÌ de "aspecto interno", e a posição daquele que o ana- Ìisa de "ponto de vista interno". Por conseguinte, afirma que a diferença entre os hábitos e as regras sociais está, pÍecisamente, no "aspêcto inteÍno", ou sela, no "sentimen- to assumido de obrigação" a Íespeito de ceÍto comportamento por ser estê essencial para que êsteja presente a atitude crítica diantê das faÌ- 31 GriÍo do oÌisinaÌ. H.L.A. Hart (1961), p. 64 (CL, p. 54). 32 GÌifo do origiüaÌ. H.L.A. HaÌt (1961), p. 65 (CL, pp. 54 55). 12ô ( iIrrrr/lr 1'ri ílì'llnìtrrr IlI |)lr''llr' l.irs croÌììetÍdas: "O terceiro aspecto que distingue as regras sociais clos lìábitos está Implícito no que se disse já' mas é de taÌ importância e táo fJeqúentemente ignorado ou falseado na ciência iuddica que o iremos desenvolver aqui (...). Uma regÍa social tem um'aspecto interno', para além do aspecto e)"terno que partiÌha com o hábito social e que consis- te Do comportamento regular e uniforme que qualquer observador pode registrar".33 Com efeito, diz Hart, o ponto de vista interno é "o ponto de vista dos que não se limitam a anotar e a predizer o comportamento conforme às regras, mas que usam as regras como padróes para a apre- ciaçáo do comportâmento próprio e dos outros" 34 Porque quanto ao aspecto externo seu observador "contenta-se apenas com a anotaçáo clas regulâridades dos compoÍtamentos observáveis em que consiste em parte a conformidade com as regras".35 Observe-se, por oportuno, que o "aspecto interno" hartiano náo se tracìuz apenas em "(...)simples questáo de sentimentos, por oposiçào ao comportamento físico observável externamente", mas em "( ) atitude cdtica Íeflexiva em Íelaçáo a ceÍtos tipos de comportamentos enquanto padrões comuns e que eÌa própda se manifeste crítica (e autocrítica), em exigências de conformidade e no Íeconhecimento de que tais cíticas e exigências sáo justificadas ( )" 36 ou seja, o "aspecto interno" acentua- do por Hart ó quatificado como uma aì:ordagem crítica e Íeflexiva Entendendo o atÍibuto "crÍtico" unido ao "reflexivo" como náo apenas uma reaçâo à postura dos outros com respeito a certo comportamento' mas também quanto à própria postura quando a mesma situacào ocorre É exatamente essa abordagem (cÍÍtica quanto aos outros e quanto a si mesmo) gue, segundo Hart, torna presentes expÍessões normativas' como "Eu tenho de fazer isso", "isso está bem", "isso está maÌ"' Com o objetìvo de mais bem assentar esses aspectos, Hart recorre ao exempÌo do "jogo de xadrez". Afüma que dizer que os jogadores de xadrez têm o hábito de mover as peças de certo modo náo é uma des- crição adequacla da atividade que desenvolvem Porque os jogadores náo se limitam a movimentar as peças de maleira idêntica e reiterada; eÌes têm convicçÓes a Íespeito do que as regras do xadrez permitem e proíbem. Essas idéias se manifestam nas exigências de conformidade feitas uns aos outros quando ocorre uma ameaça de desvio quanto às 3J F.L.A. Fdrr (19b1). p b5,CL p 55) 34 Grifos do orìginal H L.A. Haft (1961) p 108 (CL, p 96) 35 H.L.A Hdrr (ì96ì). p 9q rCL p Blì 36 lÌ.L.A. harr (ì961). o.66 {CL. p.56 regras do iogo e, aÌénì disso, no reconhecimento recíproco da legitiÌÌÌi- dade da crítica e das exigências quando recebidas.3T Dessa forma, fra ses como "Você não pode mover a peça dessa forma,', ,,Este movimen_ to está errado" etc. são comuns e aceitáveis aos oÌhos dos jogâdores. Em síntese, os "hábitos" consistem em (1) convergência reiterada de comportamento, sendo (2) indiferente aos membros do grupo quaÌ_ quer tipo de omÍssáo quanto à prática. por sua vez, as ,,regras sociais', sáo (1) práticas Íegulares de conduta, (2) passíveis de crítica (3) justifi_ cada quando nãoobseÍvadas e (4) reflexivas. Observe-se, contudo, que, embora seja a existência de ulra regra social condição "necessária" para haver uma ,,obrigaçáo", diz Hart não ser condição "suficiente", o que exige mais escÌarecimentos. 6. "Sentir-se" obrigado e "estar" obdgado Sabe-se agora que náo se pode tomar por iguais os hábitos e as regras sociais; o específico aspecto interno destas últimas os diferência. Entretanto, é preciso estabelecer ainda a diferença entre o ,,senti_ mento de estaÍ obrigado" e o "estar obdgado". porque, segundo Hart, "sentir-se obrigado" e "teÍ uma obdgaçáo" náo sáo a mesma coisa. Ou seja, "sentir" a obrigação de "desejar bom dia" (regra sociaÌ de genti_ leza) náo é a mesma coisa que "ter a obrigação" de clesejar bom dia. Para solucionar isso, Hart acrescenta, às distinções anteÍiores, três condições que, consideradas conjuntamentê, possibiÌitam a reconstru_ ção da frase "Sentir-se obdgado" em termos de ,,obdgaçáo,': 1) a ,'per_ sistente" exigência de conformidade; 2) a ,,relevância" da norma; e 3) o "possível conflito" entre a "reg.ra" e os ,,desejos,' da pessoa implicada. Entende Hart que a "persistente', exigência de conformidade é a primeira condiçáo, porque neste caso ,,(...) é grande a pressão sociaÌ exercida sobre âqueles que dela se desviam". A ,,reÌevância" da norma é a segunda característica das obrigaçóes porque ,,(...) se crê que sáo necessárias à manutençáo da vida social ou de aÌgum aspecto desta aÌtamente apreciado". E o "possivei conflito" entre a ,,regÍa,, e os ,,de_ sejos" da pessoa implicada é a terceira condição, porque ,,(...) é geral_ mente reconhecido que a conduta exigida por essas regras pode, enquanto beneficia outros, estar em conflito com o que a pessoa gue está vinculada pelo dever pode desejar fazer,'. 37 H.L.A. Hart (1961), p.2a GL, p.22). 122 ( lIrrrrlrlrri rl'r'll ri/1 ílrì ìlr'ìrlr' (lorÌì css(, arcri,.scittttt, lliìrl. cÌìcga à caLcçJoria rlas "tlLrriç;tlçotls" lllssa calegoria, corltudo, col]ìporta subcÌasses: as "obriga<1cx:l; Drorais" e as "obrigaçóes juríclicas" Tanto no primeiro caso quanto llo ii()l]r.rncìo câso as condiçÓes "necessátias" e as "suficieÌìtes" podem ser rclentificadas: há a possibiÌidade de se constatar reguÌaridade de colì- cluta (aspecto externo), crÍtica justificada e autocrítica (aspecto inter- no), aÌém da persistente exigôncia de conformidade, relevância e pos- síveÌ conflito entre a regra e os desejos da pessoa implicada na sitrra ção de aplicaçáo da regra. Mas o que as diferencia? Para HaÍt, a diferença entÍe as "obrigaçóes morais" e as "obÍiga çóes jurídicas" está no individuaÌizador do modo de produção das obÍi gações jurídicas e no que chama de "normas secundárias de modifica çáo". Para se compreendeÍ esse argumento' é pÍeciso expor agora o que denomina "problemas dos sistemas simples" 7. Slstemas simpies e sistemas complexos Hart, considerando o termo "sistema" como termo que desigÌli) "ord.enamentos jurídicos", esclarece que ou bem os sistemas jurídicos sáo "simples" ou bem os sistemas jurÍdicos sáo "complexos" Ser "simpÌes" ou seÍ "complexo" depende da abrangência tipoÌó gica de normas. Designa assim, Hart, por "sistema jurídico simples" aqueÌe que prevê apenas normas de conduta ou "primáïias"; e por "sis tema juÍídico complexo" aquele que prevê, além das normas de condu' ta, normas atributìvas de poderes ou normas " secundárias ".38 Inicia Hart sua argumentaçáo afúmando ser possível imaginar um sistema sem legisladores, sem tribunais e funcionários de aÌgum tipo De fato, têm existido sociedades "tribais" com estas características ' ou seja, sociedades as quais o único mecanismo de contÍole social é a rea- ção do grupo. Contudo, para uma sociedade funcionar com esta confi guraçáo, ela deve preencher, ao menosi as seguintes condiçóes:39 (1) As regras devem conter restdçóes ao ÌivÍe uso da violência' aofurtoeàfraude; (2) Mesmo que exista uma minoria que rejeite essas normas, deve haver uma maioÍia que as acelte; H.L.A. Hàrt (1961), pp H.L.A. Hart (1961), pil 1,9 70 (CL, pp. s8'59). r01-102 {CL, pp. 89 90) 38 39 (3) A sociedade eÌn guestáo deve ser pequena e Ìigada por eslrei tos laços de parentesco, sentimentos comuns e crenças; (4) E necessário que o ambiente desta pequena sociedade seja estáve1. Entende Hart que, caso falte quaÌquer dessas caracteïístic as, náo há como esta comunidade continuar existindo porque Ìogo apareceÌiam as carências de "certeza", "dinamicidade" e "eficiência". (a) "Certeza": carência de "certeza" porque as normas jurídicas não possuem qualquer marca "comum" identificadora. Dessa forma, sem algum procedimento que determine a identidade e peftencimento das normas ou de alguma autoridade que possa oficiahlente reconhecêlas, não há como saber quais são as normas desse conjunto normativo "pdmitivo" sem cau- sar pÍejuízos e exclusóes lndevidas; (b) "Dinamicidade"; carência de "dinamicidade" porque as normas primárias, pelo fato de apenas se ocuparem das condutas, náo estatuem quaÌquer critério de modificaÇáo no conjr.rnto norma- trvo. Portanto, inexistem meios para modificar as normas adap- tando o conjunto normativo às novas circunstâncias sociais; (c) "Eficiência": carência de "eficiência" porque as normas pri- márias náo estabelecem qualquer órgão que possa aplicar e que identiÍrque a vioÌaçáo dos comandos, de maneira que elas táo-somente contem com a pÍessáo social quando descumpri- das, pressão esta que é muito difusa. Exatamente por isso as sociedades atuais, dadas as suas caracte- rísticas, operam náo apenas com "normas primárias", mas com "nor- mas secundárias". A tarefa que cabe a essas regras "secundárias" atender é a de pôr fim a essas incertezas. Nesses termos: (a') Regra ou norma de "reconhecimento ": a normas de reconhe cimento (ingl. rule oÍ recognition) servem para identrficar as normas primárias pertencentes à oÍdem jurídica. portanto, essas normas eliminam as dúvidas a respeito do pertencimen- to das normas em reÌaçáo a um ordenamento jurídìco, pois infoÍmam o que se pode considerar como direito em uma determinada comunidade. A regÍa de Íeconhecimento, assim, 124 ,,l! li,,Ìr ',11,l) r, 1) resolve a carèncra (a), a "carêncta cÌe certeza" das Iìor rrI ls I)ri rnárÌas; (b') Regras oLÌ normas de "modificaçáo": as lìornas de modifica qão (ingÌ. rules ofchangre) são as noÏmas instituidoras, em seÌr- tido amplo, dos órgãos criadores de normas Elas têm por fuÌl- qáo regular o processo cle criaçáo, de eÌiÌninaçáo e dê tÌansíor maqão das normas primarias Portanto, especificam as pes soas qlÌe podem legislar, estabeÌecem pÍocedimentos parâ os se.r5 aros, eíej'os elc. Desse "nodo sáo e"senciais pala se evi tar a estagnação dos materiais jurídicos' promovendo concli- çoes cÌe eliminaçáo das normas antigas e a inserçáo de nor- mas novas. As normas de modificaçáo cumprem, assim, a fuÌì ção de resolver a carência (b)' a carência de "dinamicidade" das no rmas P'.malias: (c') Regras ou normas de "julgamento" (de "adjudicaçáo" ou de "apÌicação"; ingl rules oí adjudication\: as regras de julga- meÌlto são as noÍmas instauradoras dos órgáos de apÌicação das normas. Elas regulanÌ a aplicação das normas prlmarias identificando os agentes competentes e determinando os pro- cedimentos a seÌ:em seguidos 40 As noÍmas de iulgamento cumpÍem, nesse passo, a função de resolver a carência (c), a carencla cle -eÍjciencja cìds noÌmês ptimarìas Observe se, todavia, gue as noÍmas secundárias, embora cumpram a funçáo principal de regulação das noÍmas pdmárias, também reguÌanÌ mediatamente as condutas. Porque, se as noÏmas de mudança de nor- mas incidem dúetamente sobre as normas primárias' elas também for necem inÍormaçóes sobÍe o como as normas primárias devem ser modi- ficadas por seus operadores, o que é caractedstica de regulaqáo de con- duta: o mesmo pocle ser dito com Íespeito às normas de iulgamento que' a pesar do fato de incidirenÌ nas normas primárias' regulam tambem a coFdula dos agenlês habilirados a apÌ cal as sancÓes Portanto, Hart, coma distinçáo entÍe Íegras pÍimárias e secundá ïias, afirma que os problemas da "incerteza"' "dinamicidade" e "carên- cia de eficiência" encontram as devidas soluçoes A "lncerteza" é soÌu- cionada porque a "regra cle reconhecimento" identÌfica as normas pri márÌas (regÍas de conduta) pertencentes à ordem iurídica; a "'linamici 40 H.l, A. Hafi (1961). pp. 104 107 (CL pp 92-95) 125 dade", porque as "ÌlorÌÌÌas de ÌÌìodlÍÌcaçâo" estabeÌec(jlÌì os urgdus cl td dores de norrnas, beÌÌÌ como os processos pala a crid\'ao, a eÌrürrÌlaÇac) e a transformaÇão das normas; e a "carêncÌa de eficlência", porque as "Dormas de julgamento" estabelecem os órgáos cle aplicaçáo de nor Ì]las, identificando os agentes coÌnpeteÌÌtes e determinando os proce dimentos a serem seguidos. Conì esse suporte, afirÌÌÌa Hart: ,,Uma vez abarìdoÌÌada a lloçáo de que os fundamentos de uÌn sisteÌna jurícÌico consrstem num hábito de obediência a um soberano luridÌcanìente iÌi_ mitado, e substltuída pela concepqão de uma regra últina de reconhe- cimento, gue faculta um sistema de regras com Õs seus critérÌos de validade, estan.Ìos confroÌttados com um dornínio cle Íascinantes e iÌnportantes questôes". Conforme esse traqado, afirma serem basica- mente duas essas questÕes: "Como podemos demonstrar que as dispo siçoes fundaÌìlentaÌs de uÌra constituição, que são sen.Ì dúvida direito, o são realmente?"; e "Un segundo conjunto de questóes advém da coÌnpÌexidade e irÌìprecisáo ocultas da asserção de que um sistetrra juri- dico ex]sfe num dado pais ou no seio de uÌÌÌ dado grupo sociaÌ',.41 Ouanto à prilneira questão, enfatize-se que paÍa se determinar a Rlegral de RIeconhecimento], é necessário pô-la Ìto contexto das regras sociais em gerai. E isso será possíveÌ na medjda em que se puder apon- taÍ 'o grupo que acelta a regra de reconheclmento" sob o ponto de vista interno, já que, sob o ponto de vista e),.terno, pode-se aperras apontar a coincidència fática de quaÌquer gÌupo. No que diz respeito à segunda questáo, depois de teï sido apontado o grupo de aceitantes, deve-se ponderar se eles configuraÌn um ,,grupo reÌevaÌÌte" en] reÌação a esta existência da regra de reconhecimento. Portanto, o primeiro aspecto perguntado por Hart diz respeito ao "como" se alcança a determinaçáo da RR; e o segllndo, se o ,,grupo,'é "relevante" para a deterÌrinaQáo da "existência da orcìenÌ jruídica,,. B. A "determinação" da regra de reconhecimento e a "reievância" do grupo que a determina A determinação da RR é questão decisiva na teoria de Hart. para alcancá-la, é imprescinclível resgatar o que foi dito a propósito da exis- tência das regras sociais em geral, pois é nesta linha de argumentaçáo que trabaÌha nosso autor. 41 GÌLfo do originaÌ. H.L.A. HaÌt (1961), pp. t2z 1z3lCL, pÌr -r;r 109) ,l'. li, )i,r, ' L)"'1,' Sr:tlitttclo lliìÍ1, Ì()(Jliìrj Íjooiois sc tliiottlllcrt;tltt clos lt;tlril'or; ()lìl Ìilziì() (lo.Ìs rogras socrars nào sereìÌì ÌlÌeras rcpetjçóes fáLicas 'Ìpr{r'rrìsivt'irj eÌÌÌpiÌicaÌÌìente, ülas stm regras dotadas de unÌ "poÌÌ1'o de visl'a ilìt'(lr ÌÌo". Portanto, a resposta cle Hart é a seguinte: a RR, como as regras soclais, pode ser individualizada a partir do grupo de pessoas qrÌc 'Ì aceita como regra do "ponto de vista interno", isto é, aÌém da "reprjl'j çáo fátrca", eÌa é passíveÌ de "crrtica justificada" quando náo observa da, bem como de "autocrítica" do agente' Ouanto à segunda questão, esta resume-se em se saber quaÌ c rr grupo "reÌevante" cle pessoas para se determinar a existência da lìH' Àu sela, de que grupo impoÍta verificar esse "ponto de vista interno" Nos teÍmos hartianos, a resposta é bastante clara e drrcl''ì Segundo Hart, dizer que um ordelamento jurídico exÍste é "( ) turlit afirmação bifuonte, que visa tanto à o'bediência pelos cidadãos comurì\ como à acejtaç ão pelos íuncionários das regras secundártas colrrtr padróes cdticos comuns de compoÏtamento oficial Náo precisaÌÌìos del ,ao" sr,rpreet-tde, conÌ essa dualidade. É meramente o reflexo cÌo carátr:r compo;rlo de um sj"fêma iurrdiro por comparacao com uma [orma pte jurÍdica descentralizada e mais simples de estÍutura social que consis te apenas em regras primárias. Na estrutura mais simpìes' uma vez que há fr.lncionários, as regras devem ser amplamente aceitas coÌÌlo padróes criticos para o comportamento do grupo Se o ponto de vista interno náo estivesse aí largamente cìisseminado, náo podeÏia logic'ì mente haveÍ quaisquer regras. Mas onde há uma reunião de regras pr I márìas e secundáÍias, situação que é, como defendemos' a maneir'ì mais frutuosa de encaÍar um sistema jurídico, a aceitaçáo das regras como padróes comuns para o grupo pode ser desligada do aspectc) relativamente passivo da aquiescência do indivíduo comum em relaqão às regras, obedecendo Ìhes por sua conta apenas Num caso extremo' o ponto de vista interno, com seu uso característico da linguagem;ur i dica ('Esta é uma regra váÌida'), podeÌia estar confinado ao mtrndo ofi- cial. Neste sistema mais complexo, apenas os funcionários poderiaÌÌÌ aceitar e usar os cdtérios de valiclade jurídica do sistema A sociedade em que isso sucedesse poderia ser lamentavelmente semelhante a unÌ rebanho; os carneúos poderiam acabar no matadouro Mas há poucas razóes para pensar que não pudesse existir ou para lhe negar o títr'lÌo de sistema juídico" a2 42 G;ifaÌnos. HLA HaÍ|(1961)'pp. 128 129(CL,pp 113'114) |2./ I PortaÌ]to, seguindo a formulação de Hart, é possíveÌ corìclÌrtr a []os sibiliclade de que haja aprovaçáo "apenas" pelos "fuÌÌcronários" e cuÌÌì- primento por "medo" da parte dos "cidadáos comuns", pors, enquaÌlto os funcionários (e em particuÌar os juízes) devem "aceitar" e "obede- cer" às regras, os cidadáos comuns devem, apenas, " obedeceÌlltas,'. Evidentemente que isso náo siglifica que os cidadáos comuns em situaçáo de normalidade "náo demonstrem aceitaçáo", mas se nao aceitam a sociedade correspondente poderá ser deploravelmente uma sociedade submissa, como um rebanho de carneirinhos; e um Íebanho de carneirinhos pode lr paÍa o matadouro, diz Hart. Há, portanto, duas coDdiçôes minimas necessárias e suíicien- tes para a existência de um sistema jurídico. Por um Ìado, as regras de coÌllportamento que sáo válidas segundo os cdtérios últimos de validade do sistema devem ser geraÌmente obedecidas e, por outro lado, as suas regras de reconhecimento especificando os critérros de validade jurídica e as suas regras de aiteraçáo e de julganÌento devern ser efetivamente aceitas como padrões púbÌi- cos e coÌÌìuns de comportamento oficial pelos seus funcionários. A primeira condicáo é a única que os cidadáos privados necessjtam satisfazer: podem obedecer cada qual "por slra conta apenas" e sejam quais forem os motivos por que o façam, embora nlÌrna sociedade sá eles aceitem de fato freqüenteÌrente estas regras como padróes comuns de comportamento e reconheçam uma obÍÌ- gaçáo de lhes obedecer, ou recoÌlduzam mesmo esta obrigação à obrigaÇáo mais geral de respeitar a constituiçáo. A segunda con- dição deve tanìbém ser satisfeita pelos funcionários do srsterna. EIes devem encarar estas regiras como padroes comuns de com- portamento oíicial e consideraÍ criticanÌente con.Ìo lapsos os seus próprios desvios e os de cada um dos outros. Naturalnìente é taÌÌr bém verdade que, além destas, haverá muitas reçtras pÍimárias que se aplicam aos funcionários na sua capacidade merameÌlte pessoaÌ, a que eÌes necessitam apenas de obedeceÍ IH.L.A. Hart, CD, p.128 (CL, p. 113)1. 9. PatoÌogia e surgimento dos srstemas jurídicos Do item anterior resuÌta que o caso não-problemático em que se pode afirmar a existència de um sistema jurídico é o de haver con- gruência entre os funcionários e os cidadãos comuns em relaçáo ao 128 r:" Lr )i llr 'li I'r '1 llrr )r|irÌ!' (lir1)rt.o. ÍiÌll,rcliÌlit.o, Ììa lÌÌo(lida cÌÌI clLle clispêÌrid'ìd()s colÌì(xl()lÌì ;l ()l-ol l()r' o sisl.erÌia luriclÌco eÌìcoÌltra se eÌl sLtuação de apreseÌlLar pal'ololrias 4ij Refertdas patologias poctem eclocÌrr por razÒescÌrstintas A dispari clade pode ensejar "revoluçoes", o sistenìa iurídico pode ser roÌllpido erÌì razáo de um "poder inimigo que ocupa o país", como' também' quanclo a "aÌ.Ìarquia de bandidos" conduz ao colapso do controle jurídico Segundo Hart, qualquer que seja a Íazáo da derrocada 'lo sisteÌÌÌa jurícÌico (revoÌução, ocupação' ou cotapso), pode haver etapa internediii ,i" na q.,^t os iribunais continuem em funcionamento Íazendo uso dits; regras de Íeconhecimento do antÍgo regimê, embora náo sejam senrprtr obedecidas. Nessa situação, é impossível dÌzer precisamente o monÌcÌì to em que o sistema iurídico anterioí deixou de existir' Pense'se agtri rì() caso de um país que foi ocupado' mas que tempos depois' em virtude de uma reação, consegue-se restabelecer o antigo centro de comando 44 Por sua vez, pode se pensar no surgimento de "novos" sjstemas jurídicos como o "outro lado da moeda" Nesse sentid.o, Hart acentua haver a possibiÌidade de tanto surgi rem novos sistemas jurídicos a partir cle uma "assembÌéia legislativa- ÌÌáe" oÍiginária cìe uma relação de domÍnio sobre uma coiônia que vê a autoridade Ìegislativa dominante "sair de cena", deixando iivre espaço para iniciar seu próprio poder legisiativo, como, também' na situação ãe violência com a sucessiva decÌaÍaçáo de independència 45 Ouanto a isso, fornece HaÏt esboço esquemático do surgimento de um sistema jurídico nos seguintes teÍmos: "no início de um perÍodo podemos ter uma colônia com uma assembléia legislativa' um poder ìudicial e um executivo locals Esta estrutura constitucional foi cÌiada por uma lei clo Partamento do Reino Unido, que conserva total compe iência jurídica para ÌegisÌar para a colônia; taÌ inclul o podeí de alterar ou rev;gar, quer as leis iocais' quer as suas próprias Ìeis' incluÌndo as que se ;Íerem à coustiturçáo da colônia Neste estágio' o sistema jurí .lico da colÔnia é evidentemente uma parte subordinada de um siste- ma mais ampÌo, caracterizado pela regra itÌtima de reconhecimento de que aquiÌo que é aprovado pela Rainha no Parìamento é direìto Ìlara (inter alja) a coÌônra No fim cÌo período de desenvolvimento' vemos que a regra última de reconhecìmento se deslocou' porque a competência jurídlica do Parlamento cLe Westminster parã legislar para a antiga colÔ 4:l H L.A. Hart (19tj1) pp 129 130 (CL, pp 114 115) 44 H.L A. Hart (1961) pp 129 130 (CL, pp 114 115) ,ls H L.A HaÌt (1961), p 132 (CL, p 118)' nia já não é reconheclda nos seus tribuÌÌais. E arlda verclade que a maior parte da estrutura constitucronaÌ da antlga coÌônia se encontra na lei original do Parlamento de WestminsteÍ: mas taÌ constltui agora somente um fato histórico, porque já náo deve o seu estatuto jurídico contemporâneo no território à autoridade do parlamento de Westminster. O sistema jurídico na antiga colônia tem agoÍa uma 'raiz locaÌ', no sentido de que a regra de reconhecimento especificando os critédos últimos da validade juridica lá não se refere aos atos legrslati vos de uma assembléia legislativa de um outro terÍitório".46 10. "Textura aberta": o direito entre o formalismo e o antiformalismo A idéia de "te>atuÍa aberta" do direito está reÌacionada, na obra de Hart, à qllestão da interpÍetacão lurídica e a um problema que verÌÌ se arrastando por muÌto tempo na literatura jurídica: se os intórpretes "revelaÌr" o sentido dos textos ou se eles "criam" o sentido do te*co. O relevante desse debate é que, se os intérpretes "revelam" o sen- tido dos textos legais, há, poÍ conseguinte, um sentido "correto" e um sentido "errado" reÌacioÌtados ao êxito do intérprete em sua tarefa ou ao seu malogro; por outro lado, se se entende que os intérpretes "criam" o sentido dos textos, náo há que se falar em sentido correto ou incorreto, pois não existe qualquer "sentido exato" ao qual o intérpre- te deva aceder. PoÍ outras paÌavras, se há um sentido coÍreto e outro incorreto, no pdmeiro caso o significado do texto juÍídico preexiste à atividade iÌlterpretativa, toÍnando a atividade interpÍetativa vrnculacla a este significado preexistente; mas, se inexiste sentÌdo correto e incor- reto dos tertos, por não preexistir significado algum, a atividade inter- pretativa passa a ser puramente discricionária. A esse respeito, deve se pontuar, por oportuno, que Hart, no Capítulo VII de "O Conceito de Direito", não formuÌa uma "teoria da interpretação", por assim dizer, "coÌnpleta", pois estima tão-sornente fornecer informaçóes essenciais para a compreensão dos probÌemas da linguagem no Dúeito. De fato, o que procura HaÍt é demonstrar as insu- ficiências tanto da posicáo formalista quanto da posiçâo antiformalis ta, pois as considera exageradas, isto é, pólos ex-tremos do que com- preende ser a melhor inteleccão da questão. 46 H.L.A. HaÍt (1961), pp. 131 132 (CL, pp 117-118). 130 I .'..1" . 'l' lì or 'r rlrr rL" rl!' CJ vícro (.Lo "ÍollììolisllÌo" ltlrj(lico, (lllr Hart' "( )(iol)sisl'(ì trttrrr'r 'tli t.uclo p.Ìra coÌrl as rcgras forÌÌÌuladas de íorrna verbal gue' ao lÌÌeslÌìo LeÌÌÌpo, procÌrra disfarçar e mintmizar a necessidade de taÌ escolha' uÌìÌa vez editada a regra geral Um modo de conseguir rsto consiste em fixar o sìgnificado da regÍa, de ta1 forma que os seus termos gerais devan ter o mesmo significado em cada caso em que estela em causa a slla aplicacáo" a7 Por sua vez, o " antiformaÌismo " (ou, conforme prefere Hart, o "ceticisÌÌto") corresponde à postura segundo a qual "( ) falar sobre regras é um mito que esconde a verdade que afiÍma o dúeito sinl- plesmente em decisóes dos tibunais" 4s AÌiás' os formalistas' para negar o caráter criacior de normas afirmado pelos cétlcos' fregüente- mente utilizam o expediente retórico de consignar o dever do intérpre te cle buscar a "vontade do legisladoÍ"; vontade considerada semprc presente nos textos legals, ainda que sejam esses textos ohscuros oÌl náo imediatamente evìdentes 49 Dessa forrna, para o formaÌista' apenas há "casos fáceis"' ou seja' casos em qlle a tócnica da subsunção (texto e caso) é suficiente; por outro lado, para o antiformaÌista apenas há "casos difíceis"' isto e' casos em que se devem perscrutar soluçóes para os probÌemas jurídi- cost estes sempre novos e de complicacìa assimilaçâo ao que foi prodlr zido pelos Ìegisladores Atento a essas posturas, afirma Hart que "o formaÌìsmo e o ceti crsmo sobre as regras sáo os Cila e Caríbidis da teoria iurídica; sáo grandes exageros, salutares na medida em que se corrigem mutua- mente, e a verclade reside no meio deles" 50 Ou seja' pretende indicar Hart que, assumidos os extremos, está-se diante de um problema de difíciÌ (quando náo de impossíveÌ) soluçáo Portanto, é precìso buscar- se uma "meia encosta" Sl 47 48 49 50 51 H.L.A HaÌt (1961) p 142 (CL Ìr 126). H L A HaÌt (1961), pp 149 150 (CL' pp 132-133) H.L.A. Hart (1961) P 149 (CL, P 132). H.L.A. HaÍt (1961), p. 161 (CL p 142) AsrefeÌêÌÌciasaCiÌaeCaÌibdissáointeressaÌrtesnapassagemdeHartapor'rcodesl'a cacÌa SeguÌrdo a nÌtoÌogia grega Caríbclis era unÌ terrível monstro marÌÌÌho qrìe hâbìta va, lunto-conr CiÌa, un]a caveÌna do estrêito 'ìe Messina CariÌrdjs vivÌã sob as ro'has e tlêsvczesaoclÌatlagavaerìonnesquantjdades.ÌeágLÌaÌevandoosÌ]alcosapilÌrLc OrÌtras tantas vezes devoÌvìa Caribdjs essa água fornrando um ÌrorÌíveÌ e veÌoz ÌêderÌìoi nho que eÌa ocultado sob densa Ìrévoa' Já CiÌa era uma jovenì que ioi condenada a guaÍ daloestÍeitodeMessinaDeselrsdozepésouêr'.tlemidadesinfeÌioressâiamcabeçaÍ] cÌ-. cachoÍo, de Ìahclo suâve, enìboÌaÌ)áo se possa dizer o mesnlo de sua voracrdadc 131 I Hart tÍaduz sua soluçáo da seguinte maneira: "Em todos os caÌrpos de expeÍiência, e não só no das regras, há um limite à natureza da lingua- gem, quanto à orientaçáo que a linguagem geral pode oferecel Haverá na verdade casos simpÌes que estáo sempre a ocorrer em contextos seme- lhantes, aos quais as expressóes gerais sáo cÌararnente apÌicáveis (...), mas haverá também casos em que não é claro se se aplicam ou náo".52 O exempÌo apresentado porHart é o do automóveì, llicicÌetas e patins diante de uma regra que proíbe o ingresso de "veícuÌos" em determinado Ìocal, como um parque.S3 A esse respeito, mesmo se possa afirmar claramentê que náo se deve ingressar com um carro no parque, não é táo simpÌes o caso de se a regÍra está proibindo o uso de bicicletas e de patins no parque. Ou seja, no pdmeiro caso, pouca dis cussão há, mas, no segundo, está presente alguma dificuldade e neces- sidade de atuar discricionariamente. Ìsso significa que "os legisladores humanos náo podem teÍ taÌ conhecimento de todas as possíveis combinaçóes de circunstâncias que o futuro pode trazeÍ" 54 E é exatan.Ìente por isso que Hart traduz aspectos como este tributando à "textura abeÍta do direito". Afirma Hart, pontualmente: 'A textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas paÍa serem desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionáÍios, os quais deteÍminam o equiÌíbrio, à luz das circunstâncìas, entre interes- ses conflitantes que vaÍiam em peso, de caso para caso. Seja como for, a vida do direito traduz-se em Ìarçta medida na orientaçáo, quer das autoridades, queÍ dos indivíduos privados, através de regras determi- nadas que, diferentemente das aplicaçóes de padrões variaveis, nào exigem deles uma apreciaçáo nova de caso para caso".55 Nesses termos, enquanto o formalista é um "otimista", o cético é um "desapontado", dirá Hart, porque o cético descob u que "as regiras não sáo tudo o que seriam no paraíso de um formalista, ou num mundo em que os homens fossem rguais aos deuses e pudessem prever todas as combinaçóes possíveis de fato".56 Portanto, tÍansparece que o formaÌista se preocupa "apenas" com o que o "texto normativo dispôs" (de tal modo que seu olhar apenas 52 H.L.A. Hart (1961), p. 139 (CL, p 124). 53 H.L.A. Hart (1961), p. 140 (CL, p. 124). 54 H.L.A. Hart (1961), p. 141 (CL, p 125). 55 H.L.A. Hârt (1961), p. 148 (CL pp. 131 132). 56 H L.A. Hart (1961), p. 152 (CL, p. 13s). 132 I ll,rrrr,L' rr'r !l' Ìirrrr'L rlrr )rrIrÌr' osl,il (lirecioÌìacÌo para deÌìtro do direito ou da "lelrrslaçáo")' tto pit:;scr clLlo o antifornlalista ou cético "apenas" vê a "dlmensáo social" e as "variaçóes que os problemas cotidianos podem ofertar ao intérprete" (com o que seu olhar está sempre para fora, isto é, para as vicissitudes das ocorïências fáticas imprevi.stas) A tentativa de conciliaçáo desses extremos é realizada por HaÌt mediante a distinçáo entre "zona clara de aplicação do diÍeito" e "zona d.e penumbra". Os casos que recaem na "zona cÌara" sáo aqueles em que as questóes nominais parecem náo cobrar qualquer interpretaçâo' por sua vezi os casos que estáo cobertos pela "zona de penumbra" são aqueles os quais mesmo que os textos Ìegais ofeÍeçam algumâ diretriz isso apenas ocorÍe de modo incerto Portanto, Hart destaca o fato de tanto poderem ocorrer situaçóes em que a aplicação de um texto seÌa ÌÌ.Ìecânica e sem maiores especulações (casos da zona clara)' como pode suceder que haja necessidacle' dada a indeterminação do texto Ìeqal em reÌaÇáo ao caso apresentado' de usar se alguma discriciona riedade (casos cÌa zona de penumbra) A razão para essas ocorrências está retacìonada à própda "trama da Ìinguagem", pois a linguagem pocìe tanto ser vaga quanto ambígua dian te cle um caso. Hart, nesse momento, deúa tlansparecel' ao menos' duas razóes vinculadas a esse aspecto: o relativo desconhecimento dos fatos' que encontÍa fundamento na "impossibilidade" de os ÌegisladoÍes "pre- verem todas as ocorrências futuras" possíveis; e a relativa "indetermina- çáo dos objetivos" a serem alcançados com os textos legais prodrrzidos' Em síntese, Hart defende a parcial ìndeterminagão da linguagem; esta parciaÌ indeterminaçáo está relacionada com aspectos própÍios da Ìinguagem natural (ambigüidade e vagueza) como do desconhecimen to dos Íatos e dos objetivos a serem alcançados pelas "leis" Portanto' nem sempre haverá "casos fáceis" como, também, "casos difíceis"' Nessa situaÇáo, caso de zona cÌara certamente é a do automóveÌ e a proibiçáo de ingressar com veículos no paÍque; e caso de zona de penumbra, o da bicicleta e a dos patins, pois se pode questionar se eles sáo "veículos" ou náo 1.1. A regra de reconhecimento diante da "textura aberta" Pode-se, por fim, questionar sobre um ponto específico a respeito cla RR. Como se sabe, a RR cumpre a funçáo de eliminar a incerteza a 133 I respeito do que é material jurídico e do que não é. Mas e quaÌdo aLgrr ma dúvida pairar sobre algum elemento que venha a coÌì-Ìpor a RR? Essa questáo é exposta por Hart no CapÍtulo ViÌ de sua obra. O ponto que levanta ó, por suas palavras, o seguinte: "Oue inferência se deve retirar relativamente ao lugar dos tribunais dentro dum sistema jurídico, a partir do fato de que a regra última de um sistema jurÍdico pode assim estar em dúvida e que os tribunais podem resolver a dúvi- da? Isso exige qualquer restrição à tese de que o fundamento de um sistema jurídico é uma regra de reconhecimento aceite que especifica os critórios de validade iuÍídica?".57 De fato, "À primeira vista... ", cliz Hart, "...o espetáculo parece para- doxal; os tribunais estão aqui a exeÍcer poderes criadores que estabeÌe- cem os critérios úÌtimos, pelos quais a vaÌidade das próprias Ìeis que lhes atribuem jurisdiçâo como juízes deve ela própria ser contestada. Como pode uma constituição atribuir autoridade para dizer o que e uma constituiçáo?". Dessa forma, a resposta sempre está em RR porque, se bem seja possíveÌ alguma dúvida a respeito de alguns pontos, nâo há em todos. Porque "é, na verdade, uma condiçáo necessária do sistema jurídico existente que nem toda a regÍa esteja sujeita a dúvidas em todos os pontos. A possibilidade de os tÍibunais disporem de autorida- de em certo tempo dado para decidú essas questões de limites Íespei- tantes aos cÍitérios últimos de validade depende apenas do fato de que, nesse tempo, a aplicaçáo de tais critérios a uma vasta zona do direito, incluindo as regras que atribuem autoddade, náo suscita dúvida, embo- ra o lespectivo alcance e âmbito precisos a suscitem".58 Observe se, todavia, que há circularidade no argumento de Hart. Porque, por um lado, a RR, como regra úÌtima, é invocativa dos critérios de validade juddicos aceites e seguidos pelos juÍzes em seu sentido amplo (juízes singuÌares e dos tribunais diversos); e, por outro, náo se pode identificar quem sáo os juízes senáo com base nas próprias regras de julgamento, já que a existência dessas instâncias de juÌgamento é dependente das regras secundárias que conferem poderes jurídicos: assim, a identificação das regras do conjunto normativo depende da RR e a RR depende das regras que atribuem poderes; porque, em última análise, estas, as regras que atribuem poderes, devem ser identifica- das pela leitura da regra de reconhecimento. IlL||rr'L'Ì'r' III IìrIrrrr Ilr) Iìrr"rl'' 12. Características da regra de reconhecimento 'I\rd o coÌlsiderado, segundo Hart, apenas pode haver uma noÏÌlla de reconhecimento em cada ordenamento jurídico. Sendo isso correto, algumas caracteÍísticas da RR podem ser enunciadas Em primeiro lugar, a RR funcionalmente opera como regra inclusi- va e exclusiva: "incÌusiva" a respeito das normas reconhecidas por ela; "exclusiva" no que atine às normas de outros ordenamentos' ou seja' as regÌas que, em sentido contrário' náo fotam reconhecidas PortaÌ.Ìto' para sê obter resposta à pergunta qual é a RR de dada ordem jurÍdica' deve-se perquirir com que cdtérios deteÍminado oÍdenamento jurídico funciona efetivamente. Em segundo iugar, como reçtra suprema do ordenamento jurÍdico, a RR póe fim à procura do critério último de vaÌidaçáo,5g pois' se o de- cïeto de um Órgáo do Executivo é váÌido porque foi eÌaborado em con- formidade com uma determinada lei; se a lei é válida por ter sido eÌa- borada em confoÌmidâde com o que a constituiçáo estabelece; a cons- tituição é válida porque a regra de reconhecimento indica que o que
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