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Herbert L A Hart (O Conceito de Direito)

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Molais da Rosa
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Victor Gameiro Drummond
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Flávia Lages de Castro
FÌávio Alvês Martins
Humberto DalÌa Bernardina de Pinho
Joáo Theotonio Mendes de AÌmeida Jr.
Lrìiz PauÌo Vieira de CaÌvalho
Omar Gama Ben Kauss
Sergio Demoro Ham ton
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^!ì0rt 
llrj
Classrcos ou TnoRrA Do DrRsrro
2a ediçáo
revista e ampliada
EDrroRA LUMÊN JuRrs
Rio de Janeiro
2009
centÍo - Rua da AssembÌéia, 10 Loja G/H Ruâ Tenente BÌi[o Mollo, 1 233
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TêÌ. {31) 3309-4937 / 4934 4l,it1
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Rua RiachuêÌo, 133b ' (ii'r'lr',
TeÌ. (51) 3212-8590
Es!ítito Satúo
Ruã Constant€ SodÍí, il?z l,1rÌ.!)
CEP] 29055-420 - SÍuìl. lnrrrn
vitória - Es.
'lel.: (27) 3235-4624 / lt22t, lttntt
1953-1958. Veja tradução brasiìeira da EDlpRO. Esta traduÇão e acorìr-
panhada da apresentação do professor Alaôr CafÍè Alves) e "Lógica das
Normas" (LN) í"DlÍectiyes and Norms" (DN) - ano de 1967. Há tradu-
çáo em espânhol de J.S.P Hierro). Alf Ross também escreveu dois volu-
mes intitulados " Direito Constitucional DinamaÍquês" (1958).
Herbert L'A' Hart
(O Conceito de Direito)
Poucas guestôes Ìespeitantes à sociedade humana
têm sido postas com Ìanta persistência e têm obtido
respostas, por paÌte de pensadoÍes sédos de foÌmas tão
nÌrmerosas, vaiacÌas' êstranhas ê até paradoxais como a
questáo 'O que é o direito?' Mesmo se Ìimitarmos a
nossa atençáo à teoia iurídica dos úÌtimos 150 anos e
deixarmos ãe Ìado a especulação clássica e medieval
acercâ da'natuÌeza' do Direito' encontrâremos uma situ
ação sem paralelo em quaÌquer olÌÏ'ra matéÌia estudada
dà Íorm" si"temática como disciplina acadêmica autôno-
ma. Não existe literatuÌa abundante dedicada a respon-
deÌ às perguntas 'O que é a química' ou 'o que é a medi-
"ir-ru 
à-á sucede com a questão 'o que é o direito?'
H L.A. HAII
Introduçáo
A teoria de Herbert Hart inaugura uma nova forma 
de se analisar
ocampojuÍídico.HerdeiroecríticodeJohnAustin(cí.cap'1)'demais
á" """"""* 
t"*lectuaI de inúmelas idéias de wittgenstein' Hart deve
serconsiderado,conjuntamentecomKelsen(cf'cap'2)eRoss(cf'cap'
ã).lrrn ao" maiores nomes da Teoria do DiÍeito do século 
xx Ainda
rrã1r 
",-,u" 
formuÌações sáo discutidas e muito influentes no círcuÌo 
uni-
versitário ocidentat, como se pode notar com o debate 
que' dentre
outros, travou com Dworkin (cí cap 5)
OliwoOConcejtodeDiÍeito,suaobrapdncipaÌ'foipublicadonoano
de 1961, oferecendo uma revisáo às teorias de John 
Austin Na realida-
de,HaÍt,sobdiversosaspectos,quasepontiÌhaaseqüênciatemática
deste. Como argumento central, HaÍt considera o modelo 
de AÌrstin um
"modelo simples" de se descrever o Direito' devendo' 
portanto' ser subs-
tituído por um "modelo aprimorado" Na base deste 
"modelo aprimora
ão", 
"n"orltru-"" 
a clistinção de dois grupos de Íegras: as regras 
"primá-
,iu"i' " 
t" regras "secundárias" Com ela' HaÏt pretende evitar os erros
de seu predecessor; o resultado é uma teoriâ anaÌítica 
"revigorada"
103
1. O conceito de Direito (apresenbaçáo)
O professor Herbert Hart e muito conhecido por suas críticas ao
nodeÌo de John Austin. Entretanto, em O Conceito de Direito, o pto-
pósito de Hart é, fundamentalmente, a análise estrutural do ordena
mento jurídico na busca de mais bem descÍever seu functonamento.
Para isso, Hart empreende uma série de consideraçoes que se torna_
ram capitais para o estudo da Teoria do Direito. No CapítuÌo I êxpõe a
perplexidade daquele que se pÍopóe a definir o que seja o Direito pre_
parando o leitor para suas refutações ao modelo imperativista de
Austin. No CapítuÌo II Hart parte de uma constatação apaÍentemente
óbvia; a de que a característica mais evidente do Direito é a de sua
existência impÌicar certos tipos de conduta humana obrigatórias. O
problema é que se pode estabeÌecer mais de uma forma de conduta
nâo opcionaÌ. Assim, cuida da análise da variedade dos imperativos
abrindo a discussão do Capítulo III à diversidade das leis presentes
no DireÌto inglês. Hart discute a funçáo da sançáo e se a nuiidade e
anulabiÌidade podem ser consideradas espécies de sanção. Na base
disso tudo, afirma haver, na teoria de Austin, o efeito distorcido da
tentativa de se uniformizar a variedade de nornas, forQanclo as a uma
reduçáo ao modeÌo dos comandos e das sanções negativas. No
CapÍtulo IV Hart discute a obediência ao sobeÍano e as dificuldades
da teoria de Austin em expÌicar a sucessáo clo soberano no poder. No
Capítulo V fornece sua solução para esses probÌemas: o Direito é for_
mado peÌa união de normas primárias (ou de conduta) e normas
secundárias (ou normas sobre normas). portanto, os materiais jurídi_
cos são heterogêneos, e não homogêneos, como na tïadiçáo de
Austin. Desse modo, Hart substitui o expediente técnico da âmeaça
como instrumento de inteÌigibilidade para sustentar a união de dife
rentes tipos de normas como referenciais operatórios. No Capítulo VI
expõe a teoria da "norma de reconhecimento', e explica as implica_
çóes da análise interna e externa nesse contexto. No Capítuto VII o
tema da "textura aberta do direito" surge no centro da discussão cla
indeterminação semântica dos materiais jurídicos. Este ponto é
importante para uma aproximaçáo a respeito de uma possível ,,teoria
da interpÍetação jurídica" subjacente ao texto de Hart. Nele também
se encontra a distinção hoie corrente entre ,,decisões definitivas" e
"decisóes coïÍetas". No Capítulo VIII Hart se ocupa do debate entre
moral e direito. Este capítulo deve seÍ ìido como um preparo do Ìeitor
para o Capítulo IX, no qual discute a contraposiçáo comum entre
104
( ll'lrrtiL{ rrrr rl" tlr)rlrr r!' l)lÌ"rlrr
dir()il,o lìattrraL o porjil.rvisÌÌÌo juridrco Embora clelenda 
a tese bertha-
miano artstiniana da separação entre direito e moral' 
Hart' contudo'
sublinha explicitamente haver em todo oÍdenamento 
jurídico certo
lconteúao mínimo de direito naturai" No Capítulo X' culmina com
questóes atinentes ao Direito internâcionaÌ
2. HaÍï, Austin e o "Direito"
Como referido, a preocupaçáo principal de HaÍt é oferecer 
um
modelo substituto ao modelo formulado por Austin 
por considerá-lo
insuficienteemdivelsospontos'suasoposiçÓesencontlam-sedistri-
o.'lou",'o.uou-enteemdoiscapítulos,capítuÌosÌIÌeIVNeSteScapr-
i.,io", o, temas focados sáo as "ordens baseadas em ameaças"' 
o
;hánito g"r.t a. obediência" e "Ìimites do soberano" Ouanto aos capi-
tuloslell,elesconstltuemumaintloduçáoproblemáticaaosplincipais
u"pu.ro" da Teoria do Direito, demais de' neles' Hart suscitar 
guestóes
sobre a "definiçáo de DiÏeito"
Tudo consideÍacto, as oposiçóes a Austin podemser 
sumaÍiadas
nos seguintes itens: 1) insuficiència da caÍacteÍizaçâo 
do Direito como
"ordens baseadas em ameaças"; 2) insuÍiciência do critério 
do sobera-
,ro 
"o-o 
"a chave do Direito", isto é' chave para identificaÌ as normas
da ordem juÍídica; e, finalmente' 3) deficiência na 
formulaçáo de sobe-
,ania rtimitaaa de Austin sendo assim' no sucessivo' 
procuraremos
;;;;i, ."""" três pontos Mas, antes' convém tÍazer as 
ponderaçÓes
preliminares de Hart
3. Sobre a definiçáo de "Direito"
Como posto em destaque, HaÍt apÍesenta um quadro de 
perplexi-
dad.e quanto à persistência da perguntâ 
"O que é o Dúeito?" Nesse
outrr"IlOr, pode-se perceber, todavia' 
que náo atribui essa situaçáo à
falta de tentativas de teódcos sérios
De fato, sua linha argumentativa é costuïadâ com 
ponderações
aceÍcad"equestões,.maisprofundaS''que,polassimdizer,vêmatlapa-
inutao o ê"lto Aas ìncursóes até então reaÌizadas A Íespeito 
dessas
ã.,""t0"" "mais profundas", que nào encontram 
propdamente (ou tão-
somente) expticação nas vacilaçóes inerentes à linguagem' 
Hart iden-
tifica três: 1) Como difere o direito de oÍdens baseadas 
em ameaças e
como se relaciona com estas? 2) Como difere a obrigação 
jurídica da
ì
L
105
obrigação molaÌ e como está relaciolacla colÌ) esLa'1 lÌ) O qrlr sito r()!Jr; tjj
e em que medida é o Direito uma questáo cle regras?l
Portanto, não está Hart preocupado, propriaÌÌÌente, apesar c1o quc
possa o título de seu livro levar a entender, em patentear "uma defint
çáo de direito" (pois os resultados frente às questões apontadas seri
am de pouca expressáo), mas em apresentar os eÌementos subjacentes
a todo empreendÍmento cuja razão seja a de dedicaÍ-se à Ìeitura cÌa
operacionaÌidade das ordens jurídicas com alguma precisáo.
Exatamente por isso Hart descarta tentativas como as de definir
"diïeito" a partir do gênero e diferença, afirmando que "O seu sucesso
depende de condiçoes que fteqüentemente náo estáo preenchidas. A
pdncìpaÌ entre estas últimas é que devla haver uma famítia mais e),-ten
sa de coisas ou greÍìus, relativamente a cuja natureza estamos esclare-
cidos e dentro da qual a definição locaÌiza o que define; porque, clara-
mente, uma definiçáo que nos diz que aÌgo é membïo de uma família
náo nos pode ajudar, se tivermos apenas idéias vag:as ou confusas
quanto à natureza da família. É esta exigèlcia que, no caso do Dlreito,
torna inútil esta forma de definiçáo, porque aqui náo há uma categoria
geraÌ bem conhecida e famiÌiar de que o Düeito seja membro. O mais
óbvio candidato para uso deste modo numa definição de Direito é a
famíÌia geral de regras de comportamento; contudo, o conceito de regra
é tão causadoÍ de perpÌexidade como o do próprio Direito...".2 Todavia,
nos diz Hart, "é possível isolar e caracterizar um conjunto centÍal de
elementos que formam uma parte comum da resposta".3
Assumido assim o propósito de apresentar apenas escÌarecimen-
tos acerca das " características " do Direito, e não de algum crìtério
"mágico" paÍa o emprego da paÌavra, diz Hart: "Em vários pontos
deste livro encontrará o leitor discussóes de casos de fronteira em que
os teoÍizadores do Direito sentiram dúvidas na aplicaçâo da expressào
"direito" ou "sistema jurídico", mas a resoÌuçáo sugerida paÍa tais
dúvidas, que também encontrara aqui, constitui apenas uÌÌìa preocu
pação secundária do Ìivro. Porque o seu objetivo náo é fornecer uma
definiçáo do Direito, no sentido de uma regra por referência à quaÌ po-
de ser testada a correçâo do uso da palavra; é, antes, fazer avançar a
teoria juÍídica, facuÌtando uma análise melhorada da estrutura distin-
1 H.L.A. Hart (1961), p 18 (CL, p. 13).
2 H.L.A. Hân (1961), p 19 (CL, pp. 14 15)
3 H L.A. Hârt (1961), p. 21 (CL, p. 16).
106
{ r I r r 
' 
r 
' 
L ' I ' r r l l r ' l i " r r r ' r r l ' I l ) r Ì r ' r l 
I
t.iviì (lo tÌrìÌ sisl.elrra jltrídlocl illterÌìo c íorleceDdo uÌìÌa rÌÌeÌlÌor 
colÌl-
preensâo das seÌneltìaÌlqas e dtferenças entre o direÍto' a coerçáo 
e a
rnc.,ra!, enquanto tipos de fenômenos sociais" 
4 E ainda: "E precisa-
mente porque náo apresentamos tal pÍetensão de identificaqáo 
ou de
,"g.,f u-ultiuçao deste modo do uso de paÌavras como'direito'e'juÌí-
Olãcr', que este tivro é oferecido como uma elucidâçáo 
do conceito de
Jir"it., "- 
vez da definiçáo de 'direito" a qual poderia natrtralmente
esperar-se que lornecesse uma regra ou regÍas para o uso 
destas
""'prr"rou""ì 
Mais, revelando agora o que constituúá.um de seus
irlr,tfo", "O tema principal deste livÌo reside em que muitos 
dos atos
caracteÍísticos do direito e muitas cÌas idéias 
que constituem a estru-
t.lru do p"r."u-ento jurídico exigem para a sua elucidaçáo 
a Íeferên-
CiaauÌÌ1desÌesdoistiposdeleglaouaambosequeasuauniãopode
ser vista a justo tituÌo como a 'essência' do direito' embora 
eles pos-
sam não aparecer sempre juntos todâs as vezes 
que a palavra'diÍeito'
écoÍIetamenteuSada'AnosSajustificaçáopaÍaatlibuiÍàllniáodas
regras primárias e das regras secundárias este Ìugar central 
náo con-
siste em que eÌas desempenhaÍão aí a função de um 
dicionário' mas
antes que elas têm um grancle podeÍ explicativo" 
6
Para tanto, como já se assÍnalou mais de uma vez' HaÌt 
pÌecisou
de um "ponto de partida"' Esse ponto de partida é a teoria 
de Austin'
chamada peÌo próprio Hart de 'A tentativa mais claÍa e 
completa de
ànálise do conceito d.e diÍeito em termos de elementos 
aparentemente
"t^Oi", 
O" comandos e hábitos" 7 A ela' Hart realiza inúmeras consi-
cìeraçóes, prepaÌando o seu Ìeitor para as eiucidações 
que estabelece
capítulo a capítulo
4. OPosições a Austin
No primeiro dos "clássicos" exposÍos' procuramos Íetratar 
o
modelo de Austin Concluslvamente' demonstramos 
que sua posiçáo é
esta:seumanolmaIVpeltenceaumaoldemjuridicao./,issoSigniÍica
que ela, a norma N, foi dita'La pelo soberâno Passemos 
agora ao que
tem Hart a dizer sobre isso'
H.L.A. Hart (1961), P 22\CL'P 17)'
H.L.A. Harr (1961)' P 229 \CL P 2Og)
H L.A. Hart (1961), p. 169 (CL, p 151)
H.L.A. Hart (1961), P 23 (CL, P 18)
4
5
6
7
4.1. Insuficiência da caracterizaçâo do Direito como
"ordens baseadas em ameaças"
Para Austin, "lei" é uma norÍra ou regra de conduta enquanto
consiste em uma "ordem": ordem de prestaçóes positivas e negati-
vas, de um fazer ou um omitir respaldadas em sançóes negativas em
caso de descumprìmento. Portanto, as normas sáo "ordens baseadas
em ameaças ".
A essa construçáo Hart assinala fragilidades.
a) Um dos probÌemas apontados poï Hart é a indistinção de Austin
quanto à diferença entre "ordenar" e "dar uma ordem". Isso pode ser
marcado com os aspectos da "generaÌidade" e da "permanência".
Com respeito ao primeiro aspecto, a "generaÌidade", o modeÌo da
ameaça implica a ocorrência de uma ordem pessoa a pessoa, como na
situâçáo de comando entre assaltante e vítima. Porque "ordenar às
pessoas que façam coisas...", diz Hart, "...é uma forma de comunicaçào
e eÍetivamente impiica que nos 'dirijamos' a elas, isto é, que se atraia
a atençáo delas ou se tomem medidas para as atrair".8 Contudo, náo é
assim quando os legisladores fazem as leis, pois, embora seja impor-
tante que as pessoas saibam que uma lei Íor produzida táo Ìogo ela
tenha sido editada, o propósito do legislador estaria ftustrado caso eÌas
não estivessem completas, enquanto le s, antes dessa inÍormaçáo pes-
soâ-pessoa; daí a importância de regÍÉ.s que deixam os destinatários
descobrirem por si próprios quando as leis sáo feitas.
Mesmo numa sociedade grande e complexa, como é a do
Estado moderno, há ocasioes em que um funcionário, frente a fÍen-
te com um indivíduo, lhe ordena que faça algo. Um policial ordena
a certo motorista que pare ou a certo mendigo que continue a
andar. Mas estas situaçóes simples náo são, nem podiam ser, o
modo-padrão de funcionamento do Direito, ainda que fosse só por-
que nenhuma sociedade podeia arcar com o número de funcioná
rios necessário para conseguir que cada membro da sociedade
fosse informado, oficial e separadamente, de todos os atosque lhe
exigiam que fizesse. Em vez disso, tais formas particularizadas de
fiscalização, ou são excepcionais, ou sáo acompanhamentos ou
reforços anciÌares de formas gerais de diretivas que não contêm o
8 H.L.A. Hart (1961), p.27 lCL, pp.21-22).
108
{:,j r! !'Ì, r|, li,,rÌl,r,l,' l, r,,rl|
rtortte <lc,', rìc'lÌÌ sao ctìriçlidas a ildjvicltlos deLorrÌìiÌÌados c rrao ittrli
caÌÌÌ uÌÌì ato específrco que cleva ser feito Dai que a forÌna-padrão'
rnesmo numa lei criminaÌ (a qual' entre todas as variedades do
Dúerto, tem a semelhança mais aproximada com uma ordem
baseada em ameaças), seja geral em dois sentidos: indica um tipo
geral de conduta e aplica se a uma categoria geraÌ de pessoas que
se espera que vejam que se aplica a elas e que a acatem' As dire-
tivas inclividualizadas, caso a caso' têm aqui um lugar secundário:
se as diretivas gerais primárias não sáo obedecidas por um indiví
duo em paÍticuÌar, os funcionários podem chamar a atençáo
daqueÌe e pediÌ o acatamento de tais diretivas, tal como o faz um
rnspetoÌ tributário, ou a desobediência por ser oficialmente verifi-
cada e objeto de auto, sendo o castigo objeto de ameaqa imposto
por um tribunaÌ [H.L.A Hart, CD, p 26 (CL, pp 20-21)l'
Portanto, segundo Hart, quando Austin fala em leis como sendo diri
gidas à categoria de pessoas, isso é enganador, pois náo há a situação
de eìas estarem fuente a ftente. Conseqüência disso é o fato de' se "orde-
nar" implica efetiva comunicaqáo "dirigida", fazer "leis" difere do ato de
"ordenar às pessoas que façam coisas" Pensar de outro modo é frustrar
o Ìegislador em sua atividade de fazer Ìeis com carátet geraÌ E se eles'
os legrsladores, de aÌguma forma, fazem referência a "leis dirigidas"' o
que noÍmalmente pretenciem é dizer que há "pessoas a quem rrma iei em
particulaÍ se aplica", e náo sejam etas imposiqóes particuÌaÌes de or-
dens, como acontece quando um assaltante diz: "Dê me tua bolsa"
No que se refere ao segxndo aspecto, o da "permanência", este'
segllndo Hart, é outro ponto que deve ser observado quando se diferencia
"ordenar" e "dar uma ordem". Sem dúvida, e possível se dizeÍ, em ao
menos algum sentido, ter o assaltante supeÍioridade em reiaçào' por
exempÌo, à vítima, o "caixa cÌe um banco" ou uma "senhora que atravessa
tranqui.lamente uma praqa" Mas essa "superioridade" é temporariamen-
te ìimitada à sua presença, ou seia, é ação coercitiva de curta durâção
Dessa Íotma, ainda que, evidenLemente. ISSo possa ser suflcientê
para o assaltante quanto ao objetivo de obter o dinheiro ou peças de
algum valor, não o é para as leis Porque importa às leis' sobretudo nos
clias atuais, serem eÌas dotadas da caÍacteÍística de permanência ou
persistência; característica esta que o modelo das ameaças náo evl-
dencia nem mesmo explica, cÌado o seu caráter imediatista Portanto'
diz Hart, "Devemos, por isso' supor que há uma clença geral da parte
daqueles a quem as ordens gerais se aplicam, em que a desobediência
109
será provaveÌnÌente seguida pela execuçâo da aneaça, não so Ìto lÌro
Ìnento primeúo da promulgaçáo da ordem, mas continuamente, até que
a ordem seja Íetirada ou revogada".9
Enfim, o que se pode notar a respeito da drferença entre "orde
Ì.Ìar" e "dar uma ordem" é que, enquanto a primeira situação remete a
um ato apoiado apenas em ameaças e na imediatidade da ameaça, na
segunda situaqão há o envolvimento da idéia de "autoridade" e de
"hierarquia".
b) Outro problen.Ìa apontado por Hart a respeito da teoria de
Austin advém da composiçáo homogênea cobrada peÌo modeÌo das
"ordens baseadas em ameaças ".
AssinaÌa Hart que as Ìeis penais fazem parte de uma classe de
Ìlormas que muito se assemelham ao modelo descrito por Austin.10
Todavia, mesmo com respeito às normas penais, há uma importante
diferença. O modelo das "ordens baseadas em aÌneaças" é um modeLo
de apenas uma direçáo: o soberar-Ìo comanda, e os súditos obedecem.
Mas as normas penais nas ordens jurídicas apresentam apÌicaEão mars
ampla do que as sÌmples ordens, pois eÌas podenì impor deveres a
quem as editou, e náo apenas aos destinatários imedlatos. AÌem disso,
os conjuntos normativos contemporâneos, cula tarefa é a de facilitar a
vida dos indivÍduos, apresentam também normas que náo encontram
acomodaçáo adequada nessa Ìlraneira de descrever as normas jurídi-
cas. Sob essa perspectiva, lembra Hart as leis de eÌaboÍação dos acor
dos privados, as leis constitucionais, administrativas, de pÍocesso ludi
cial etc. Essas "lers" compreendem atrlbuicóes de poderes jurídicos, de
procedlmeÌltos especlficos, e de condiçoes sem caráter de homogenei-
dade com as leis penais.11 Ou seja, elas não são ÌÌormas impositivas de
deveres e conseqüentes sançóes caso sejam desobedecidas, mas sim
confeÍem poderes juddrcos aos funcionários públicos, possibilitando a
implantaçáo de modificaçoes no próprio coÌtjunto normativo e a decl-
são de casos jurídicos. Isso significa que as normas atributivas de
poderes náo se assemelham às prescriçóes, tars como a do tipo "náo
mates ou te puno" (Direito Penal).
Por certo que nem todas as leis impóem às pessoas que
façam ou náo façam algo. Náo será enganador cÌassificar assrm
9 H L 
^. 
HaÌt (1961) p 28(CL,p.23).
10 H L.A Hart (1961), p. 29 (Ct,, pp.26-27).
11 H.L.A Hart (1961), pp s5ì 42 (CL, pp.2Si 34).
110
I I r,,r,, ,,1,.'1ì1'r 'r r|' lrrr' rlr
lotr; tlttc t;llttlottlrìl Ìx)(l(lÍolj ilos l)iìrLictlliìr()s pêrra oLll'or(Jilr()lìì l'()Íil'iì
rìÌoÌìl.os, {lc)ÌcbrarenÌ coÌìtratos ou casanÌeDtos' e leis que dáo po(le
res aos lLrncionárLos' por exenÌpio' a um iuiz paÍa iuÌgar casos' a
ÌrÌÌÌ rÌÌinÌstro paÍa fazeÍ regulamentos ou a um conselho munlcipal
para fazer posturas? [H L A Hart' CD, p 33 (CL' p 28)]
Portanto, segundo Hart, Austin promove' com essa homogeneiza-
çáo, um reducionismo espúrio; uma identiíicaçáo 
incorreta' forçada e
fadada inarredavelmente ao fracasso, porquanto coÌoca todas as nor-
mas sob uma mesma etiqueta e, por conseqüência' íunçáo
c) Como úÌtima oposição ao "modeìo das ordens baseadas em
ameaças", Hart lembra o íato de, para Austrn' a sançáo representar
qualquer medicìa que possa ser preiudiciaÌ para o sujeito Sob esta
mbrica, encontra se, por coÌÌseguinte' incÌuída a nulÌficaçáo 'lecorren-
te das tÍansaçoes que náo respeltam as condiçoes estatuídas em lei 
12
PoÍtarlto, um dos argumentos que aduz Austtn a favor da tese da uni-
formidade cÌas norn.Ìas é considerar a nuÌidade, à semeÌhança do casti-
go imputado no caso cle oíensa à iei penal' um mal inÌposto pela ordem
jurídica à transgressão da nornla'
Não obstante, para Hart, essa assimtlaqáo promovida por Austìn
é um grande engano Porque no caso da norma penaÌ' de íato' exis-
tem uma hipótese de concÌuta proibida e uma medida destinada a
desalentá-Ìa, mas esta não ó a situaçáo da nulidade: "Ora' como se
poderÍarn consrderar a esta Ìuz atividades sociais táo deseiáveis
como a de homens que assumem ÍecÌprocameÌ-Ìte promessas' gue
náo satisÍazem as exigências legais quanto à Íorma?" 
13 As regras
que estabelecem formalidade para um determinado exercíci'o de
poder;urídico não têm como seÍ equiparaclas às Ìeis penais Porque'
caso aÌguma das normas atributrvas de podeÍes jurídtcos nào seja
observada, a única conseqüência delas decorrer-Ìte é que "nada se
produz", ou seja, nada ocorre para o mundo luridico De mais a mais'
"., 
q.,ur.ro às normas cle comportamento' há a possibilidade de se
distlnguir a conduta deteÍminada e a sançáo a ser apltcada em caso
de suãvioÌação, o mesmo náo ocorre nas normas que atribuem 
pode-
res jurÍdÍco;, pois é parte delas a conseqüência Ìeferida de nada
ocorreÍ para o Direito
,2 J AL,. | - t.83.1. oD 4-i -05 06
1:l FLL.A. Hart (1961), p 42 (CL, p 34)
111
*
No caso das regras de Direlto CriÌnÌÌìaÌ, ó logiciÌlÌìr)Ììt,o Ì)osjriiv()i
e poderá ser desejável que haja tais regras, ainda que a aÌìÌeac:ì (Ì11
qualquer mat ou castigo nào exista. E verdade que se poderá argÌr
mentar não serem neste caso Íegras jurídicas; apesar disso, pode
mos distinguir com clareza a regraque proíbe certo comportameÌl
to da estatuição de sançôes a aphcar, se a regra for violada, e supor
que aquela existe sem estas. Em certo sentido podemos subtrair a
sanção sem elimtnar um padrão intetigível de comportamento que
aquela visava manter. Mas náo podemos logicamente fazer tal dis-
tlnçáo entÍe a regra que exige a observância de certas condições,
por exemplo, a intervençáo de testemunhas paÍa o testamento váli
do, e a chamada sançáo da "nulidade". Neste caso, se a náo-obser-
vância desta condição essencial náo impÌicasse nulidacle, a exis-
tência da própria ïegra seÌ.n saÌlções náo poderia seÍ afirmada cle
forma intehgível, rÌÌesmo como regra não-jurídica (...). Se o nào con-
seguir-se colocar a bola entre as tÍaves não significasse ,,nuÌidade"
da náo marcaçáo, a existência das regras de pontuaçáo do jogo não
podeda ser afirmada IH.L.A. Hart CD, p. 43 (CL, p. 34)Ì.
À vista disso, o que fez AlÌstin foi ampliar o signiíicado cle ,,san-
cionar" para rncluir as nulidades Ìta teÌìtativa de salvar sua teoria.
Entretanto, há outro argumento, pontua Hart, com o qual se procu-
ra reduzir todas as normas a comandos baseados em ameaças, emboÍa
utiÌize de técnica diversa: em vez de colocar as normas que conferem
poderes conÌo ordens, concebem Ìlas como fragmentos de normas.
Aqui, de duas uma: ou as ordens jurídicas apresentam "normas coerci-
tivas" ou eÌas sáo "fragmeÌltos de normas coercitivas". AíÌrma Hart: ,As
regras que conferem poderes juídicos aos particulares sáo aqui, como
na teoria mais extrema, meros fragmentos das veÍdadeiras leis compÌe-
tas, porque são já ordens baseadas em ameaças. Estas illtimas cleverão
ser identificadas pela interrogação: quais as pessoas a quem a lei orde
na que íaçam coisas, sujeitas a um castigo se náo obeclecerem?',14
Essa é, por exemplo, a posiçáo de KeÌsen. para Kelsen, há normas
compÌetas e normas incompÌetas. "Normas completas" sáo aqueÌas
dotadas de sançáo (negativa); "normas Ìncompletas" sáo aqueÌas nor-
mas que não dispóem de sançóes e que, portanto, devem se relacionar
14 H.L.A Hart (1961), p 45 (CL, p.3?).
112
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(l{r Iì()(l() irì(lll()l.o coÌÌr iìs lÌorlÌÌa5 salÌcioÌÌacllotaS paliì scr()lìì 'v(-rr(la(lol
Íits lÌorllÌtìÍi".
Ìirìl.cnde Hart ser esse modo de descrever as normas um modo
(lìlereÌltedoanterioÍ,dadoqueelenáoexige,detodasasnormassrn
gularÌncnte consicìeradas, sançoes, é apenas necessário que haja 
"leis
f,...,i,.a"" que estabeieçam sançoes para sustentá-las Dessa 
forma'
áe"loc" se a questáo das ordens baseadas em ameaças de sanqáo
para, em vez disso, pensar se em leis dirÍgidas a funcionários para que
apliquem sancoês l5
Portanto, vislumbra Hart duas foïmas de explÌcaçáo para a teorra
das nulidades como sançóes: uma extrema e outra menos ex'tíeÌÌÌa
Conforme a versáo menos extrema, preserva-se o caráter normativo
das leis que atribuem poderes jurrdlcos; segundo a versão mais exLre-
nÌa, essas normas seriam íragmentos de norma De todo modo' segulÌ-
do HaÍt, o preço de insistir nessa uniformização' por tudo o quanto se
disse, é a distorÇáo da leitura 'las 
normas
4.2. Insuficiência do cÍitério do soberano como
"chave do Direito "
Para Austin, "Ouando um deteÌminado superior humano' que náo
possui o hábito de obedeceÍ a um outÍo supedor' recebe hahitÌraì obe
aiência aa maior Ìlarte cle uma sociedade' este superior ó sol:erano
nestaSociedad.e,eestasociedade(incÌuindoosupeliol)érlmasocie-
dade política independente" 16 Assim, a íigura do soberano ilimitado
que sustenta suas ordens com a força identifica a sociedade política
Índependente, demais cle ser agente produtor de díreito
Diante disso, Hart formula dois argumentos: a) a teoria do sobeÍa-
no náo é suficiente para identifìcar todas as normas; b) a teoria do
soberano náo explica a continuidade das notmas'
(a) Conforme consigna Austin, o soberano pode detegar o poder
legislativo tacitamente Para isso' basta haver alguma
demonstração de consentimento, mesmo que esse consenti-
mento seia a não-interferência Portânto' se o soberano aplica
norma produzicla por um legislacÌor subordinâdo (conduta
15 H L.A. Har1. (1961), P. 44 (CL P 36)
16 J. ArÌstrn (1832), P 239
113
positiva do soberano) ou não iÌnpede que eÌa seja aplicâcla
pelos tribunais (conduta negativa do soberano), a norma sera
uma normâ jurídica do conjunto de ordens do soberano.
Isso significa que, nos termos do modelo ex?licativo cÌe Austin,
toda norma deriva da autoddade do soberano, seja ela decorrência de
uma atribuição expressa dessa possibilidade ou uma atribuição tácita
mediante seu consentimento. Diz Austin: ,,Como qualquer manif.estação
de um desejo, as ordens sáo expressas ou tácitas. Se o desejo se expres_
sa por meio de palawas (escÍitas ou faladas), a ordem é expressa; se se
indica por meio da conduta (ou por qualquer outra manifestaçáo distin_
ta das palavras), a ordem é tácita,'. Entende Austin serem os costumes
ordens tácitas, nesses termos: 'Agora bem, quando os costumes se
transfoÍmam em Íêgras iuddicas pelas deÕisoes clos juízes subordina_
dos, as regras juúdicas odginadas nos costumes são mandatos tácitos
do legislador soberano".17 Ou seja, na falta de aÌguma confirmação da
paÍte do soberano (ainda outra vez, ,,expressa" ou ',tácita,,), o costume
nâo é direito, mas sim "moral positiva,'. Ele apenas adquirirá o staüus de
norma jurídica quando se promulgue uma lei ou haja utitizaçáo judicial.
Com a cÌara fìnaìidade de contestar essa forma de se reconhecer
os costumes, Hart levanta duas questóes; euando surge o costume
como direito? Como o costume é reconhecido?1s
Com respeito ao primeiro ponto, Hart assinaÌa que a teoria de
Austin está equivocada quando retrata, necessadamente, a intervenção
dos juÍzes para que os costumes tenham força ìegaÌ. De fato, pondera
Hart, é possível que ordens jurídicas estabeleçam que os costumes
sejam "direito" a partir da decisáo judicial. Entretanto, nacla indica que
deva ser necessariamente assim. Ou seja, a afirmação segundo a qual
os costumes adquirem juridicidade apenas após a decisáo judicial deve
ser cotejada com as normas da ordem jurídica em apreço, pois, sem isso,
a afirmação é apenas dogmática, isto é, ela apenas demonstra sua inca_
pacidade de diferenciar "o que é necessário', do que,,pode suceder,,.
Aliás, pode, incÌusive, por outro lado, suceder que alguma norma esta_
beleça a exclusáo ou a inadmissibiiidade de se resolver casos jurídicos
com costumes. Em suma, da mesma maneira que uma Ìei possui ,,força
Ìegal" antes de algum tribunal apÌicála, nada impede gue os costumes
17 J. Austin (1832), pp. 52 53.
18 H.L.A. Hafi (1961), pp. b3 54 (CL, pp.42 43).
114
rll',Ì!rlrlri rlt"llxrilrr {lli lrlrIllr r
l(lnlÌarÌI, atÌl,os do aLo clo LribunaÌ, lnesÌÌÌa "força ìegal"; Lutlo esl'ii;ì
tloporrcler da contingência das oÍdens jurÍdicas e de suas disposiqoes ll)
No que diz respeito ao segundo ponto, afirma Hart qÌre urÌì dos
problemas da teoria de Austin quando coloca a questão do reconheci-
rÌ1ento do costume está na compreensáo de eles dependerem de um tri-
bunal ou da tegisÌatura ou cle o sobeÍano ter ordenado (tacitamente),
pois isso implica atribut ao vocábulo "ordenar" um significado muil;o
geneïoso. Hart ilustra este ponto da seguinte maneira: "Um sargeÌ.Ìto'
gue obedece, ele própdo, normalmente aos seus superioÍes, ordena aos
seus homens que executem certas tarefas de faxina e pune-os quando
eles desobedecem. O general, ao tomar conhecimento disto, perm j1'e
que as coisas continuem assim, ainda que, se tivesse ordenado ao sar-
gento para pÔr fim à faxina, fosse obedecido. Nestas circunstâncias'
pode consideÍar-se que o general expressou tacitamente a sÌra vonta-
de de que os homens fizessem os trâbalhos de faxina A sua náo-inter-
ferência, quando podia ter interferido, é um substituto siÌencioso das
paÌavras que poderia ter empregado, a ordenar as tarefas de faxina" 20
O problema desta construção, diz Hart, está no fato de têìos como
"oÍdens tácitas" signiíicar, para Austin, que o soberano nãointedere
na prática dos súditos, mas que ìnflige puniçÓes caso náo respeitem a
pÍâïica.2l Isso significa que, païa isso, eÌe, o soberano, deve estar inte-
rado da aplicaçáo do costume como lei e decide náo interferir' Ou seja,
a fragiiidade está no fato de seÍ raramente possível atribut esse conhe-
cimento ou consideraçáo ao "soberano", o que contamina a icléia de
"aprovaçáo tácita" e cÌa "possibilidade de punir"; na realidade, trata-se
de puÍa ficçáo, pois o soberano náo tem como "saber tudo".
Portanto, a teoria da aprovaçáo tácita é faÌha'
(b) Segundo Hart, o conceito de "hábito de obediência" utilizado
ìtror Austin é também insuficiente para solucional o problema
da continuidâde das normas de um órgáo legislativo nào mais
existente. Para explicar essa questão' Hart narra a história
hipotética de um monarca absoluto (que chama de -Rex) consi-
derado como monarca porque não obedece habitualmente a
ninguém, mas é obedecido habitualmente por seÌrs súditos
19 rrL.A. Hart (1961), pp. 55-56 (CL, pp 46 47)
20 H.L.A. Hart (1961), pp. 54 55 (CL pp 44 45)
21 H.L.A. Hart (1961), pp 56'57 (CL, pp 46 47)
115
Com isso, as normas coercitivas pronunciadas por Jìex síto
regras de obediência emanadas poÍ um superior.
Hart, para contestaÍ a teoÍia do hábito de obediôncia, figura a
situação de, com a morte do monarca .Rex, este, ao menos em tese,
poder ser sucedido por seu filho, Bex 11. O probÌema é que dos hábitos
de obediência presentes quanto às ordens de Rex 1náo se segiue que o
seu filho será obedecido. Isso porque deve-se aguardar até que seja íÍr
mado o hábito de obediência a Rex IL Esse lapso de tempo, nào resta
quaìquer dúvida, e embaraçoso, pois não há nada servindo "de ponte',
entre os comandos de .Rex 1e Ãex 1Í. Falta uma regra informando, ante
cipadamente, quem deve substituir Ãex 1e, poÍ conseguinte, que faça
com que suas normas, já editadas, continuem a ser válidas.
Entende, assim, não ter Austin vislumbÍado com a teoda do hábito
de obediência o fato de, antes mesmo de emitir suas ordens, Rex II jâ
dever ser considerado soberano errt razâo de uma regra de sucessào no
direito de governar.22 Daí pergunta Hart: "como pode a lei criada por um
legisiador anterior, desaparecido há muito, ser ainda iei para uma socie-
dade de que não pode dizer-se que lhe obedeça habitualmente? " 23 A
existência desta regra, para Hart, que náo tem como ser identiíicada
com uma regra de conduta, é que asseoura a continuidade da autorida
de impÌicada, como, também, explica a persistência do direito ante or.
Entretanto, ainda há outra tentativa de se explicar a persistência
das normas, a de Hobbes. De fato, Hobbes, no livro "Leviatá", afirmou
eDfaticamente: "...o legislador náo é aquele por cuja autoÍidade as Ìeis
peÌa pÍimeira vez foÍam Íeitas, mas aquele por cuja autoridade elas
continuam a ser leis ".24
Para Hart, esse argumento também náo convence. Aliás, sua base
é a mesma da teoria das ordens tácitas considerada no item a), de tal
modo que as críticas lá aduzidas náo apenas cabem aqui, mas, na rea
lidade, sáo mais evidentes. Em sÍntese, ela consiste na afirmação de,
se o soberano náo interfere na execuçáo das leis pelos seus agrentes a
respeito da lei feita há muito tempo, ele está tacitamente consentincìo
naquilo que eles, os agentes do soberano, estão fazendo, ou sela, o
soberano precisa ter, mais uma vez, "conhecimento de tudo". E, como
o soberano apenas interfere quando náo aprova o que está sendo felto,
22 H.L.A. Han (1961), pp. 67,70 (CL, pp. 51-54).
23 "l.l .A H.Í L196ì), p. /ì {Cl p. bl).
24 Tho. Hobbes,Ievratá, CapítuÌo )CrÕ/I, 5
( i L / 1 r r : , r , Ì , , , , l , , lì! 'rL/' (l,i l),r,,,1, '
{l(isl.ir corÌÌpreersao se ex[raí sereÌÌÌ as "lcis" corrsideradas "lcls" apo
r)irs quaÌìdo uIiÌizadas peÌos jtLízes, Ìsto é, aplicadas, em últrma atrá]rsc,
pelos LribuÌlals; seÌÌì isso, elas não seriam "Ìeis", pois lhes faltaria afir-
ÌÌìaÇão da autorrdade.25
Como conseqüêncra, perde-se a distinçáo entre Ìeis revogÍadas e
Ìeis vigentes, pois apenas importa o pronunciaÌnento judiciaÌ como
I-redida do que deve considerar-se Direito.26
4.3. Deficiência na noção de soberania Ìlimitada de Austin
Afirma Austin que, embora o poder do soberano possa teÍ algur)s
limites políticos, ele náo tem limites jurÍdicos; por isso, ser "soberano":
ele comanda sem ter de obedecer a ninguém.
É cÌaro, d.iz HaÍt, que esta teoÍia tem Ìá seus atrativos. PoÍqlìc,
"desde que encontremos o soberano que recebe obediência habltual,
não a prestando a nÍnguém, podemos fazer duas coisas. Em primeÌro
lugaÍ, podemos identificaÍ nas suas ordens gerais o direito de unÌa
dada sociedade e distingui Io de muitas outras regras, p nctpios e
padroes, morais ou simplesmente consuetudinários, pelos quais às
vidas dos seus membros são também regidas. Em segundo lugar, den-
tro do campo do Direito, podemos determinar se estaremos perante uÌn
sistema jurídico independente ou se se trata meramente de uma parte
subordinada de algum sistema mais ampÌo".27
Todavia, diz Hart, há inúmeros problemas em construçóes como
esta de Austin.
O pdmeiro deles é de "configuïação", porque colocar essa Ìeitura
náo é uma condiqão necessária ou um pressuposto da existência do
dúeito. As ordens jurídicas atuais, longe de terem essas caractedsti-
cas, apresentam limitaçóes ao órgão legisÌativo em suas constituições;
isso náo apenas quanto ao modo de legislar, mas pela excÌusáo absolu-
ta de certas matédas do âmbito da competência legisÌativa.2s
Em segundo lugar, uma constituiçáo que restringe os poderes le-
gislativos \âo o faz estatuindo deveres, mas "incapacidades ". Portan-
25 H.L.A. HaÌt (1961), p.73 (CL, p.63).
26 H.L.A. Hart (1961), p.73 (CL, p.63).
27 H.L.A. Hart (1961), p.76 (CL, pp.65-66).
28 H.L.A. Hart (1961), p. 77 (CL, p. 66).
to, os limites correspondem à ausência de poder jurÍdico e, por conse-
guinte, à nulidade do ato.
Em terceiro lugaÍ, para se demonstrar a existência de uma "socie-
dade política independente", conforme quer Austin, náo e preciso
demonstrar a ilimitaçáo jurídica do soberano, apenas é necessário
demonstrar que ele não está submetido à autoridade estÍangeira. Ou
seja, restricâo constitucionaÌ no plano interno à capacidade de Iegislar
não redunda em "perda da independência política" no plano externo.
Ademais, importa assinalar que a tese do soberano ilimitado se
choca com o funcionamento das ordens jurídicas " desenvolvidas ", pois
eias apresentam, normaÌmente, cláusuÌas a respeito da própria reforma
das constituiçoes.
Nesse sentido, "seï autoddade legislativa ilimitada" é uma coisa;
outra é "ser autoridade legislativa suprema" no sistema, embora limi
tada, pois pode-se comandar pÍeterindo qualquer outro comando, mas,
neste comando, dever respeitar certos preceitos, como vaÌores consig
nados em uma constituiçáo. Portanto, para haver independência, o que
importa é a posiçáo diante de outros "soberanos", e náo ausência de
Íestrição jurídica inteÍna.29
Com efeito, diante das formuÌaçoes de John Austin, e das oposiçòes
formuladas por Hart, ó necessário agora fornecer as respostas deste aos
problemas assinalados, isto é, trazer o modelo que formula HaÌt com vis-
tas a cobrir as clareiras expostas. Em termos seqüenciais, iremos apre-
sentar as saídas de Hart através dos segïintes "eúos": a discussáo sobre
"compoÍtamentos regulares", por um lado, e, por outro, os "comporta-
mentos reguÌados" (itens 5 e 6); a substituição do modelo do soberano por
um que seja suficiente paia expÌicaÍ a continuidade das normas (itens 7,
8, e 9); a questáo da "textura aberta" do dúeito (10 e 11), da moral (item
15) e aìgumas ponderações de eÌucidação gerat (12, 13 e 14).
5. Hábitos e regÍas sociais
"Hábitos" e "regras sociais" sáo conceitos distintos, diz Hart.
Porque "ter um hábito" significa "fazer algo" sem qualquer tipo de
"pressáo social" para que a atividade se repita.
Nesse sentido, comer pizza e beber vinho às sextas-feiÍas à noite
pode ser um hábito, mas náo uma "regra sociaÌ" ou uma "obrigação".
29 H.i-\. HaÌr (1961), pp.79-80 (CL, p.69).118
rllir,,',r,,r', í1,, l1r,r ,r 1l',l)rr,,rl,'
lriji() f)1)r({u(-' r)iì(lil ir)ìl-x)(ltl cltlo, t)lÌì veT de I)lzzt\ e villlÌ(), s(} ÍtÌs()lv't ll
rrorrror srrslri o beber saquê orr, ÌresÌro, beber chope acoÌÌìllaÌllÌaclo (l(l
llrìì irÌ)oril.ivo. Portanto, "ter" uÌr hábito consiste, apenas, na reiieríì
(.riÌ() de LlÌÌì compoÌtamento sem qualquer conotação de cobrança orÌ
pr cssào social.
Por sua vez, uma "regra sociaÌ" remete a um "dever", um "ter
rlrrr:", um "deveria". Ou seja, uma convençáo importa haver cert.:ì
robraÌÌça e esforço dos membros do grupo para a sua realizaçáo Estcl
a) o caso da regira social de " ser gentiÌ", pois aqueles que violam a ÍeçJra
íl(. 'ger)llleza' sao ctiLicados por isso.
Por esse aspecto, pode-se, agora, segundo Hart, explicar a "tazâo
fir)al" da insuficiência do modelo de Austin: ele não diferencia os conl-
portamentos "regulares" dos comportamentos "regulados" De fato'
"atos reguÌares" e "atos regulados" têm algo em comum: ambos apre-
sentam a convergência fática da repetiçáo empüicamente observável'
rÌÌas apenas isso. Porque a simples obseÍvaçáo dos comportamentos
sendo repetidos náo permite se diga tratar se de unÌ mero agir sem
importância (ir comer pizza e beber vinho; ou comer sushi e beber
saquê; ou beber chopê e comer aperitivo) ou de uma regra social (ser
gentiÌ).
Para náo cometer o mesmo engano de Austin, Hart - no que se
nota a ìnfluência de Wittgenstein - assinala existirem três "diferenças
salientes": 1) a "crítica" presente nas regras sociais; 2) a "ìegitimida-
de" da cdtica; e 3) o aspecto "interno".30
(1) A "crítica" presente nas regiras sociais Para haver um "hábi-
to", entende HaÍt, basta haver comportamentos "convergen-
tes Íaticamente"; mas paÍa que haja uma "regra social", essa
identidade íático-comportamentaÌ é insuficiente poÍque, nas
"regras sociais", os desvios sáo geralmente vistos como "Ìap-
sos" ou "faltas" suscetíveis de críticas. Ademais' as ameaças
ou indicaçóes de desvio são objetos de pressáo no sentido de
íorçar a conformidade com a regra social, ainda que essa críti
ca e pressáo variem em intensidade: "Em primeiro lugar' para
30 H.L.A. Hart (1961), pp. 63 68 (CL, pp 53 58) Para essa influência basta observar o g 202
das "lnvestigações FiÌosófìcas" que Hart teve acesso na versão do'caderno âzuÌ": "Por
isso 'seguir uma regra' é uma pratris. E crer estaÌ â segrÌiÌ a Ìegrâ não é seguir a regra
E por isso não se pode seguir a Ìegra "pÌivatim", porquê então crer estar a segrurr a regra
seÍia o mesmo do que sequiÍ a regra.
que o grupo tenha um háÌliüo, basta que o seu comportamen
to convüja de fato. O desvio do procedimento regular náo é
necessariamente objeto de qualquer forma de crítica. Mas tal
convergência geral ou mesmo a identidade de comportamen-
to náo bastam para criar a existência de uma regÍa que exija
taÌ comportamento: onde há tal regra, os desvios sáo geraÌ-
mente vistos como lapsos ou faltas suscetíveis de cÍítica, e as
ameaças de desvio sáo objeto de pressão no sentido da con-
formidade, embora as formas de crítica e de pressào variem
consoante os diferentes tipos de regra";31
(2) A "legitimidade" da crítica. HaÍt pontua que, além de haver,
no caso das regïas sociais, críticas efetivamente produzidas,
essas críticas são consideradas aceitas, ou seja, a ocoÍrência
do desvio é tida como uma "boa razão" para uma "reaçáo de
desaprovação": "Em segundo lugar, onde há estas regras, Ìlào
só tal crítica é efetivamente produzida, mas o desvio ao
padráo é geraÌmente aceite como boa razáo para fazêìo. A crí
tica por causa do desvio é encarada como legítima ou justifi-
cada neste sentido, tal como sucede com as exigências de
observância do padráo quando há ameaça de desvio. Além
disso, com exceçáo de ì.Ìma minoria de transgressores crôni
cos, tal cdticâ e tais exigências são geÍalmente encaradas
como ìegítimas ou feitas por boas razóes, tanto por aqueles
que as fazem, como por aqueÌes a quem sáo feitas";:z
(3) O aspecto "interno". A partir das considerações pÍecedentes,
Hart distingue dois pontos de vista: "externo" e "interno". A
possibilidade de se constatar empiïicamente convergências
fáticas eÌe denomina "aspecto externo", e a posiçáo daquele
que o observa "ponto de vista externo". Por outÍo lado, intitu-
Ìa a postuÍa crítica dos sujeitos em relaçáo ao desvio compor-
tamentaÌ de "aspecto interno", e a posição daquele que o ana-
Ìisa de "ponto de vista interno".
Por conseguinte, afirma que a diferença entre os hábitos e as regras
sociais está, pÍecisamente, no "aspêcto inteÍno", ou sela, no "sentimen-
to assumido de obrigação" a Íespeito de ceÍto comportamento por ser
estê essencial para que êsteja presente a atitude crítica diantê das faÌ-
31 GriÍo do oÌisinaÌ. H.L.A. Hart (1961), p. 64 (CL, p. 54).
32 GÌifo do origiüaÌ. H.L.A. HaÌt (1961), p. 65 (CL, pp. 54 55).
12ô
( iIrrrr/lr 1'ri ílì'llnìtrrr IlI |)lr''llr'
l.irs croÌììetÍdas: "O terceiro aspecto que distingue as regras sociais clos
lìábitos está Implícito no que se disse já' mas é de taÌ importância e táo
fJeqúentemente ignorado ou falseado na ciência iuddica que o iremos
desenvolver aqui (...). Uma regÍa social tem um'aspecto interno', para
além do aspecto e)"terno que partiÌha com o hábito social e que consis-
te Do comportamento regular e uniforme que qualquer observador pode
registrar".33 Com efeito, diz Hart, o ponto de vista interno é "o ponto de
vista dos que não se limitam a anotar e a predizer o comportamento
conforme às regras, mas que usam as regras como padróes para a apre-
ciaçáo do comportâmento próprio e dos outros" 34 Porque quanto ao
aspecto externo seu observador "contenta-se apenas com a anotaçáo
clas regulâridades dos compoÍtamentos observáveis em que consiste
em parte a conformidade com as regras".35
Observe-se, por oportuno, que o "aspecto interno" hartiano náo se
tracìuz apenas em "(...)simples questáo de sentimentos, por oposiçào ao
comportamento físico observável externamente", mas em "( ) atitude
cdtica Íeflexiva em Íelaçáo a ceÍtos tipos de comportamentos enquanto
padrões comuns e que eÌa própda se manifeste crítica (e autocrítica), em
exigências de conformidade e no Íeconhecimento de que tais cíticas e
exigências sáo justificadas ( )" 36 ou seja, o "aspecto interno" acentua-
do por Hart ó quatificado como uma aì:ordagem crítica e Íeflexiva
Entendendo o atÍibuto "crÍtico" unido ao "reflexivo" como náo apenas
uma reaçâo à postura dos outros com respeito a certo comportamento'
mas também quanto à própria postura quando a mesma situacào ocorre
É exatamente essa abordagem (cÍÍtica quanto aos outros e quanto a si
mesmo) gue, segundo Hart, torna presentes expÍessões normativas'
como "Eu tenho de fazer isso", "isso está bem", "isso está maÌ"'
Com o objetìvo de mais bem assentar esses aspectos, Hart recorre
ao exempÌo do "jogo de xadrez". Afüma que dizer que os jogadores de
xadrez têm o hábito de mover as peças de certo modo náo é uma des-
crição adequacla da atividade que desenvolvem Porque os jogadores
náo se limitam a movimentar as peças de maleira idêntica e reiterada;
eÌes têm convicçÓes a Íespeito do que as regras do xadrez permitem e
proíbem. Essas idéias se manifestam nas exigências de conformidade
feitas uns aos outros quando ocorre uma ameaça de desvio quanto às
3J F.L.A. Fdrr (19b1). p b5,CL p 55)
34 Grifos do orìginal H L.A. Haft (1961) p 108 (CL, p 96)
35 H.L.A Hdrr (ì96ì). p 9q rCL p Blì
36 lÌ.L.A. harr (ì961). o.66 {CL. p.56
regras do iogo e, aÌénì disso, no reconhecimento recíproco da legitiÌÌÌi-
dade da crítica e das exigências quando recebidas.3T Dessa forma, fra
ses como "Você não pode mover a peça dessa forma,', ,,Este movimen_
to está errado" etc. são comuns e aceitáveis aos oÌhos dos jogâdores.
Em síntese, os "hábitos" consistem em (1) convergência reiterada
de comportamento, sendo (2) indiferente aos membros do grupo quaÌ_
quer tipo de omÍssáo quanto à prática. por sua vez, as ,,regras sociais',
sáo (1) práticas Íegulares de conduta, (2) passíveis de crítica (3) justifi_
cada quando nãoobseÍvadas e (4) reflexivas.
Observe-se, contudo, que, embora seja a existência de ulra regra
social condição "necessária" para haver uma ,,obrigaçáo", diz Hart não
ser condição "suficiente", o que exige mais escÌarecimentos.
6. "Sentir-se" obrigado e "estar" obdgado
Sabe-se agora que náo se pode tomar por iguais os hábitos e as
regras sociais; o específico aspecto interno destas últimas os diferência.
Entretanto, é preciso estabelecer ainda a diferença entre o ,,senti_
mento de estaÍ obrigado" e o "estar obdgado". porque, segundo Hart,
"sentir-se obrigado" e "teÍ uma obdgaçáo" náo sáo a mesma coisa. Ou
seja, "sentir" a obrigação de "desejar bom dia" (regra sociaÌ de genti_
leza) náo é a mesma coisa que "ter a obrigação" de clesejar bom dia.
Para solucionar isso, Hart acrescenta, às distinções anteÍiores, três
condições que, consideradas conjuntamentê, possibiÌitam a reconstru_
ção da frase "Sentir-se obdgado" em termos de ,,obdgaçáo,': 1) a ,'per_
sistente" exigência de conformidade; 2) a ,,relevância" da norma; e 3) o
"possível conflito" entre a "reg.ra" e os ,,desejos,' da pessoa implicada.
Entende Hart que a "persistente', exigência de conformidade é a
primeira condiçáo, porque neste caso ,,(...) é grande a pressão sociaÌ
exercida sobre âqueles que dela se desviam". A ,,reÌevância" da norma
é a segunda característica das obrigaçóes porque ,,(...) se crê que sáo
necessárias à manutençáo da vida social ou de aÌgum aspecto desta
aÌtamente apreciado". E o "possivei conflito" entre a ,,regÍa,, e os ,,de_
sejos" da pessoa implicada é a terceira condição, porque ,,(...) é geral_
mente reconhecido que a conduta exigida por essas regras pode,
enquanto beneficia outros, estar em conflito com o que a pessoa gue
está vinculada pelo dever pode desejar fazer,'.
37 H.L.A. Hart (1961), p.2a GL, p.22).
122
( lIrrrrlrlrri rl'r'll ri/1 ílrì ìlr'ìrlr'
(lorÌì css(, arcri,.scittttt, lliìrl. cÌìcga à caLcçJoria rlas "tlLrriç;tlçotls"
lllssa calegoria, corltudo, col]ìporta subcÌasses: as "obriga<1cx:l;
Drorais" e as "obrigaçóes juríclicas" Tanto no primeiro caso quanto llo
ii()l]r.rncìo câso as condiçÓes "necessátias" e as "suficieÌìtes" podem ser
rclentificadas: há a possibiÌidade de se constatar reguÌaridade de colì-
cluta (aspecto externo), crÍtica justificada e autocrítica (aspecto inter-
no), aÌém da persistente exigôncia de conformidade, relevância e pos-
síveÌ conflito entre a regra e os desejos da pessoa implicada na sitrra
ção de aplicaçáo da regra. Mas o que as diferencia?
Para HaÍt, a diferença entÍe as "obrigaçóes morais" e as "obÍiga
çóes jurídicas" está no individuaÌizador do modo de produção das obÍi
gações jurídicas e no que chama de "normas secundárias de modifica
çáo". Para se compreendeÍ esse argumento' é pÍeciso expor agora o
que denomina "problemas dos sistemas simples"
7. Slstemas simpies e sistemas complexos
Hart, considerando o termo "sistema" como termo que desigÌli)
"ord.enamentos jurídicos", esclarece que ou bem os sistemas jurídicos
sáo "simples" ou bem os sistemas jurÍdicos sáo "complexos"
Ser "simpÌes" ou seÍ "complexo" depende da abrangência tipoÌó
gica de normas. Designa assim, Hart, por "sistema jurídico simples"
aqueÌe que prevê apenas normas de conduta ou "primáïias"; e por "sis
tema juÍídico complexo" aquele que prevê, além das normas de condu'
ta, normas atributìvas de poderes ou normas " secundárias ".38
Inicia Hart sua argumentaçáo afúmando ser possível imaginar um
sistema sem legisladores, sem tribunais e funcionários de aÌgum tipo
De fato, têm existido sociedades "tribais" com estas características ' ou
seja, sociedades as quais o único mecanismo de contÍole social é a rea-
ção do grupo. Contudo, para uma sociedade funcionar com esta confi
guraçáo, ela deve preencher, ao menosi as seguintes condiçóes:39
(1) As regras devem conter restdçóes ao ÌivÍe uso da violência'
aofurtoeàfraude;
(2) Mesmo que exista uma minoria que rejeite essas normas,
deve haver uma maioÍia que as acelte;
H.L.A. Hàrt (1961), pp
H.L.A. Hart (1961), pil
1,9 70 (CL, pp. s8'59).
r01-102 {CL, pp. 89 90)
38
39
(3) A sociedade eÌn guestáo deve ser pequena e Ìigada por eslrei
tos laços de parentesco, sentimentos comuns e crenças;
(4) E necessário que o ambiente desta pequena sociedade seja
estáve1.
Entende Hart que, caso falte quaÌquer dessas caracteïístic as, náo
há como esta comunidade continuar existindo porque Ìogo apareceÌiam
as carências de "certeza", "dinamicidade" e "eficiência".
(a) "Certeza": carência de "certeza" porque as normas jurídicas
não possuem qualquer marca "comum" identificadora. Dessa
forma, sem algum procedimento que determine a identidade e
peftencimento das normas ou de alguma autoridade que
possa oficiahlente reconhecêlas, não há como saber quais
são as normas desse conjunto normativo "pdmitivo" sem cau-
sar pÍejuízos e exclusóes lndevidas;
(b) "Dinamicidade"; carência de "dinamicidade" porque as normas
primárias, pelo fato de apenas se ocuparem das condutas, náo
estatuem quaÌquer critério de modificaÇáo no conjr.rnto norma-
trvo. Portanto, inexistem meios para modificar as normas adap-
tando o conjunto normativo às novas circunstâncias sociais;
(c) "Eficiência": carência de "eficiência" porque as normas pri-
márias náo estabelecem qualquer órgão que possa aplicar e
que identiÍrque a vioÌaçáo dos comandos, de maneira que elas
táo-somente contem com a pÍessáo social quando descumpri-
das, pressão esta que é muito difusa.
Exatamente por isso as sociedades atuais, dadas as suas caracte-
rísticas, operam náo apenas com "normas primárias", mas com "nor-
mas secundárias". A tarefa que cabe a essas regras "secundárias"
atender é a de pôr fim a essas incertezas. Nesses termos:
(a') Regra ou norma de "reconhecimento ": a normas de reconhe
cimento (ingl. rule oÍ recognition) servem para identrficar as
normas primárias pertencentes à oÍdem jurídica. portanto,
essas normas eliminam as dúvidas a respeito do pertencimen-
to das normas em reÌaçáo a um ordenamento jurídìco, pois
infoÍmam o que se pode considerar como direito em uma
determinada comunidade. A regÍa de Íeconhecimento, assim,
124
,,l! li,,Ìr ',11,l) r, 1)
resolve a carèncra (a), a "carêncta cÌe certeza" das Iìor rrI ls I)ri
rnárÌas;
(b') Regras oLÌ normas de "modificaçáo": as lìornas de modifica
qão (ingÌ. rules ofchangre) são as noÏmas instituidoras, em seÌr-
tido amplo, dos órgãos criadores de normas Elas têm por fuÌl-
qáo regular o processo cle criaçáo, de eÌiÌninaçáo e dê tÌansíor
maqão das normas primarias Portanto, especificam as pes
soas qlÌe podem legislar, estabeÌecem pÍocedimentos parâ os
se.r5 aros, eíej'os elc. Desse "nodo sáo e"senciais pala se evi
tar a estagnação dos materiais jurídicos' promovendo concli-
çoes cÌe eliminaçáo das normas antigas e a inserçáo de nor-
mas novas. As normas de modificaçáo cumprem, assim, a fuÌì
ção de resolver a carência (b)' a carência de "dinamicidade"
das no rmas P'.malias:
(c') Regras ou normas de "julgamento" (de "adjudicaçáo" ou de
"apÌicação"; ingl rules oí adjudication\: as regras de julga-
meÌlto são as noÍmas instauradoras dos órgáos de apÌicação
das normas. Elas regulanÌ a aplicação das normas prlmarias
identificando os agentes competentes e determinando os pro-
cedimentos a seÌ:em seguidos 40 As noÍmas de iulgamento
cumpÍem, nesse passo, a função de resolver a carência (c), a
carencla cle -eÍjciencja cìds noÌmês ptimarìas
Observe se, todavia, gue as noÍmas secundárias, embora cumpram
a funçáo principal de regulação das noÍmas pdmárias, também reguÌanÌ
mediatamente as condutas. Porque, se as noÏmas de mudança de nor-
mas incidem dúetamente sobre as normas primárias' elas também for
necem inÍormaçóes sobÍe o como as normas primárias devem ser modi-
ficadas por seus operadores, o que é caractedstica de regulaqáo de con-
duta: o mesmo pocle ser dito com Íespeito às normas de iulgamento que'
a pesar do fato de incidirenÌ nas normas primárias' regulam tambem a
coFdula dos agenlês habilirados a apÌ cal as sancÓes
Portanto, Hart, coma distinçáo entÍe Íegras pÍimárias e secundá
ïias, afirma que os problemas da "incerteza"' "dinamicidade" e "carên-
cia de eficiência" encontram as devidas soluçoes A "lncerteza" é soÌu-
cionada porque a "regra cle reconhecimento" identÌfica as normas pri
márÌas (regÍas de conduta) pertencentes à ordem iurídica; a "'linamici
40 H.l, A. Hafi (1961). pp. 104 107 (CL pp 92-95)
125
dade", porque as "ÌlorÌÌÌas de ÌÌìodlÍÌcaçâo" estabeÌec(jlÌì os urgdus cl td
dores de norrnas, beÌÌÌ como os processos pala a crid\'ao, a eÌrürrÌlaÇac)
e a transformaÇão das normas; e a "carêncÌa de eficlência", porque as
"Dormas de julgamento" estabelecem os órgáos cle aplicaçáo de nor
Ì]las, identificando os agentes coÌnpeteÌÌtes e determinando os proce
dimentos a serem seguidos. Conì esse suporte, afirÌÌÌa Hart: ,,Uma vez
abarìdoÌÌada a lloçáo de que os fundamentos de uÌn sisteÌna jurícÌico
consrstem num hábito de obediência a um soberano luridÌcanìente iÌi_
mitado, e substltuída pela concepqão de uma regra últina de reconhe-
cimento, gue faculta um sistema de regras com Õs seus critérÌos de
validade, estan.Ìos confroÌttados com um dornínio cle Íascinantes e
iÌnportantes questôes". Conforme esse traqado, afirma serem basica-
mente duas essas questÕes: "Como podemos demonstrar que as dispo
siçoes fundaÌìlentaÌs de uÌra constituição, que são sen.Ì dúvida direito,
o são realmente?"; e "Un segundo conjunto de questóes advém da
coÌnpÌexidade e irÌìprecisáo ocultas da asserção de que um sistetrra juri-
dico ex]sfe num dado pais ou no seio de uÌÌÌ dado grupo sociaÌ',.41
Ouanto à prilneira questão, enfatize-se que paÍa se determinar a
Rlegral de RIeconhecimento], é necessário pô-la Ìto contexto das regras
sociais em gerai. E isso será possíveÌ na medjda em que se puder apon-
taÍ 'o grupo que acelta a regra de reconheclmento" sob o ponto de
vista interno, já que, sob o ponto de vista e),.terno, pode-se aperras
apontar a coincidència fática de quaÌquer gÌupo.
No que diz respeito à segunda questáo, depois de teï sido apontado
o grupo de aceitantes, deve-se ponderar se eles configuraÌn um ,,grupo
reÌevaÌÌte" en] reÌação a esta existência da regra de reconhecimento.
Portanto, o primeiro aspecto perguntado por Hart diz respeito ao
"como" se alcança a determinaçáo da RR; e o segllndo, se o ,,grupo,'é
"relevante" para a deterÌrinaQáo da "existência da orcìenÌ jruídica,,.
B. A "determinação" da regra de reconhecimento
e a "reievância" do grupo que a determina
A determinação da RR é questão decisiva na teoria de Hart. para
alcancá-la, é imprescinclível resgatar o que foi dito a propósito da exis-
tência das regras sociais em geral, pois é nesta linha de argumentaçáo
que trabaÌha nosso autor.
41 GÌLfo do originaÌ. H.L.A. HaÌt (1961), pp. t2z 1z3lCL, pÌr -r;r 109)
,l'. li, )i,r, ' L)"'1,'
Sr:tlitttclo lliìÍ1, Ì()(Jliìrj Íjooiois sc tliiottlllcrt;tltt clos lt;tlril'or; ()lìl Ìilziì()
(lo.Ìs rogras socrars nào sereìÌì ÌlÌeras rcpetjçóes fáLicas 'Ìpr{r'rrìsivt'irj
eÌÌÌpiÌicaÌÌìente, ülas stm regras dotadas de unÌ "poÌÌ1'o de visl'a ilìt'(lr
ÌÌo". Portanto, a resposta cle Hart é a seguinte: a RR, como as regras
soclais, pode ser individualizada a partir do grupo de pessoas qrÌc 'Ì
aceita como regra do "ponto de vista interno", isto é, aÌém da "reprjl'j
çáo fátrca", eÌa é passíveÌ de "crrtica 
justificada" quando náo observa
da, bem como de "autocrítica" do agente'
Ouanto à segunda questão, esta resume-se em se saber quaÌ c rr
grupo "reÌevante" cle pessoas para se determinar a existência da lìH'
Àu sela, de que grupo impoÍta verificar esse "ponto de vista interno"
Nos teÍmos hartianos, a resposta é bastante clara e drrcl''ì
Segundo Hart, dizer que um ordelamento jurídico exÍste é "( ) turlit
afirmação bifuonte, que visa tanto à o'bediência pelos cidadãos comurì\
como à acejtaç ão pelos íuncionários das regras secundártas colrrtr
padróes cdticos comuns de compoÏtamento oficial Náo precisaÌÌìos del
,ao" sr,rpreet-tde, conÌ essa dualidade. É meramente o reflexo cÌo carátr:r
compo;rlo de um sj"fêma iurrdiro por comparacao com uma [orma pte
jurÍdica descentralizada e mais simples de estÍutura social que consis
te apenas em regras primárias. Na estrutura mais simpìes' uma vez
que há fr.lncionários, as regras devem ser amplamente aceitas coÌÌlo
padróes criticos para o comportamento do grupo Se o ponto de vista
interno náo estivesse aí largamente cìisseminado, náo podeÏia logic'ì
mente haveÍ quaisquer regras. Mas onde há uma reunião de regras pr I
márìas e secundáÍias, situação que é, como defendemos' a maneir'ì
mais frutuosa de encaÍar um sistema jurídico, a aceitaçáo das regras
como padróes comuns para o grupo pode ser desligada do aspectc)
relativamente passivo da aquiescência do indivíduo comum em relaqão
às regras, obedecendo Ìhes por sua conta apenas Num caso extremo'
o ponto de vista interno, com seu uso característico da linguagem;ur i
dica ('Esta é uma regra váÌida'), podeÌia estar confinado ao mtrndo ofi-
cial. Neste sistema mais complexo, apenas os funcionários poderiaÌÌÌ
aceitar e usar os cdtérios de valiclade jurídica do sistema A sociedade
em que isso sucedesse poderia ser lamentavelmente semelhante a unÌ
rebanho; os carneúos poderiam acabar no matadouro Mas há poucas
razóes para pensar que não pudesse existir ou para lhe negar o títr'lÌo
de sistema juídico" a2
42 G;ifaÌnos. HLA HaÍ|(1961)'pp. 128 129(CL,pp 113'114)
|2./
I
PortaÌ]to, seguindo a formulação de Hart, é possíveÌ corìclÌrtr a []os
sibiliclade de que haja aprovaçáo "apenas" pelos "fuÌÌcronários" e cuÌÌì-
primento por "medo" da parte dos "cidadáos comuns", pors, enquaÌlto
os funcionários (e em particuÌar os juízes) devem "aceitar" e "obede-
cer" às regras, os cidadáos comuns devem, apenas, " obedeceÌlltas,'.
Evidentemente que isso náo siglifica que os cidadáos comuns em
situaçáo de normalidade "náo demonstrem aceitaçáo", mas se nao
aceitam a sociedade correspondente poderá ser deploravelmente uma
sociedade submissa, como um rebanho de carneirinhos; e um Íebanho
de carneirinhos pode lr paÍa o matadouro, diz Hart.
Há, portanto, duas coDdiçôes minimas necessárias e suíicien-
tes para a existência de um sistema jurídico. Por um Ìado, as
regras de coÌllportamento que sáo válidas segundo os cdtérios
últimos de validade do sistema devem ser geraÌmente obedecidas
e, por outro lado, as suas regras de reconhecimento especificando
os critérros de validade jurídica e as suas regras de aiteraçáo e de
julganÌento devern ser efetivamente aceitas como padrões púbÌi-
cos e coÌÌìuns de comportamento oficial pelos seus funcionários. A
primeira condicáo é a única que os cidadáos privados necessjtam
satisfazer: podem obedecer cada qual "por slra conta apenas" e
sejam quais forem os motivos por que o façam, embora nlÌrna
sociedade sá eles aceitem de fato freqüenteÌrente estas regras
como padróes comuns de comportamento e reconheçam uma obÍÌ-
gaçáo de lhes obedecer, ou recoÌlduzam mesmo esta obrigação à
obrigaÇáo mais geral de respeitar a constituiçáo. A segunda con-
dição deve tanìbém ser satisfeita pelos funcionários do srsterna.
EIes devem encarar estas regiras como padroes comuns de com-
portamento oíicial e consideraÍ criticanÌente con.Ìo lapsos os seus
próprios desvios e os de cada um dos outros. Naturalnìente é taÌÌr
bém verdade que, além destas, haverá muitas reçtras pÍimárias
que se aplicam aos funcionários na sua capacidade merameÌlte
pessoaÌ, a que eÌes necessitam apenas de obedeceÍ IH.L.A. Hart,
CD, p.128 (CL, p. 113)1.
9. PatoÌogia e surgimento dos srstemas jurídicos
Do item anterior resuÌta que o caso não-problemático em que se
pode afirmar a existència de um sistema jurídico é o de haver con-
gruência entre os funcionários e os cidadãos comuns em relaçáo ao
128
r:" Lr )i llr 'li I'r '1 llrr )r|irÌ!'
(lir1)rt.o. ÍiÌll,rcliÌlit.o, Ììa lÌÌo(lida cÌÌI clLle clispêÌrid'ìd()s colÌì(xl()lÌì ;l 
()l-ol l()r'
o sisl.erÌia luriclÌco eÌìcoÌltra se eÌl sLtuação de apreseÌlLar pal'ololrias 
4ij
Refertdas patologias poctem eclocÌrr por razÒescÌrstintas A dispari
clade pode ensejar "revoluçoes", o sistenìa iurídico pode ser roÌllpido erÌì
razáo de um "poder inimigo que ocupa o país", como' também' quanclo
a "aÌ.Ìarquia de bandidos" conduz ao colapso do controle jurídico
Segundo Hart, qualquer que seja a Íazáo da derrocada 'lo 
sisteÌÌÌa
jurícÌico (revoÌução, ocupação' ou cotapso), pode haver etapa internediii
,i" na q.,^t os iribunais continuem em funcionamento Íazendo uso dits;
regras de Íeconhecimento do antÍgo regimê, embora náo sejam senrprtr
obedecidas. Nessa situação, é impossível dÌzer precisamente o monÌcÌì
to em que o sistema iurídico anterioí deixou de existir' Pense'se agtri rì()
caso de um país que foi ocupado' mas que tempos depois' em virtude de
uma reação, consegue-se restabelecer o antigo centro de comando 
44
Por sua vez, pode se pensar no surgimento de "novos" sjstemas
jurídicos como o "outro lado da moeda"
Nesse sentid.o, Hart acentua haver a possibiÌidade de tanto surgi
rem novos sistemas jurídicos a partir cle uma "assembÌéia legislativa-
ÌÌáe" oÍiginária cìe uma relação de domÍnio sobre uma coiônia que vê a
autoridade Ìegislativa dominante "sair de cena", deixando iivre espaço
para iniciar seu próprio poder legisiativo, como, também' na situação
ãe violência com a sucessiva decÌaÍaçáo de independència 
45
Ouanto a isso, fornece HaÏt esboço esquemático do surgimento de
um sistema jurídico nos seguintes teÍmos: "no início de um perÍodo
podemos ter uma colônia com uma assembléia legislativa' um poder
ìudicial e um executivo locals Esta estrutura constitucional 
foi cÌiada
por uma lei clo Partamento do Reino Unido, que conserva total compe
iência jurídica para ÌegisÌar para a colônia; taÌ inclul o podeí de alterar
ou rev;gar, quer as leis iocais' quer as suas próprias Ìeis' incluÌndo as
que se ;Íerem à coustiturçáo da colônia Neste estágio' o sistema jurí
.lico da colÔnia é evidentemente uma parte subordinada de um siste-
ma mais ampÌo, caracterizado pela regra itÌtima de reconhecimento de
que aquiÌo que é aprovado pela Rainha no Parìamento é direìto Ìlara
(inter alja) a coÌônra No fim cÌo período de desenvolvimento' vemos que
a regra última de reconhecìmento se deslocou' porque a competência
jurídlica do Parlamento cLe Westminster parã legislar para a antiga colÔ
4:l H L.A. Hart (19tj1) pp 129 130 (CL, pp 114 115)
44 H.L A. Hart (1961) pp 129 130 (CL, pp 114 115)
,ls H L.A HaÌt (1961), p 132 (CL, p 118)'
nia já não é reconheclda nos seus tribuÌÌais. E arlda verclade que a
maior parte da estrutura constitucronaÌ da antlga coÌônia se encontra
na lei original do Parlamento de WestminsteÍ: mas taÌ constltui agora
somente um fato histórico, porque já náo deve o seu estatuto jurídico
contemporâneo no território à autoridade do parlamento de
Westminster. O sistema jurídico na antiga colônia tem agoÍa uma 'raiz
locaÌ', no sentido de que a regra de reconhecimento especificando os
critédos últimos da validade juridica lá não se refere aos atos legrslati
vos de uma assembléia legislativa de um outro terÍitório".46
10. "Textura aberta": o direito entre o formalismo
e o antiformalismo
A idéia de "te>atuÍa aberta" do direito está reÌacionada, na obra de
Hart, à qllestão da interpÍetacão lurídica e a um problema que verÌÌ se
arrastando por muÌto tempo na literatura jurídica: se os intórpretes
"revelaÌr" o sentido dos textos ou se eles "criam" o sentido do te*co.
O relevante desse debate é que, se os intérpretes "revelam" o sen-
tido dos textos legais, há, poÍ conseguinte, um sentido "correto" e um
sentido "errado" reÌacioÌtados ao êxito do intérprete em sua tarefa ou
ao seu malogro; por outro lado, se se entende que os intérpretes
"criam" o sentido dos textos, náo há que se falar em sentido correto ou
incorreto, pois não existe qualquer "sentido exato" ao qual o intérpre-
te deva aceder. PoÍ outras paÌavras, se há um sentido coÍreto e outro
incorreto, no pdmeiro caso o significado do texto juÍídico preexiste à
atividade iÌlterpretativa, toÍnando a atividade interpÍetativa vrnculacla
a este significado preexistente; mas, se inexiste sentÌdo correto e incor-
reto dos tertos, por não preexistir significado algum, a atividade inter-
pretativa passa a ser puramente discricionária.
A esse respeito, deve se pontuar, por oportuno, que Hart, no
Capítulo VII de "O Conceito de Direito", não formuÌa uma "teoria da
interpretação", por assim dizer, "coÌnpleta", pois estima tão-sornente
fornecer informaçóes essenciais para a compreensão dos probÌemas da
linguagem no Dúeito. De fato, o que procura HaÍt é demonstrar as insu-
ficiências tanto da posicáo formalista quanto da posiçâo antiformalis
ta, pois as considera exageradas, isto é, pólos ex-tremos do que com-
preende ser a melhor inteleccão da questão.
46 H.L.A. HaÍt (1961), pp. 131 132 (CL, pp 117-118).
130
I .'..1" . 'l' lì or 'r rlrr 
rL" rl!'
CJ vícro (.Lo "ÍollììolisllÌo" ltlrj(lico, (lllr Hart' "( )(iol)sisl'(ì trttrrr'r 'tli
t.uclo p.Ìra coÌrl as rcgras forÌÌÌuladas de íorrna verbal gue' ao lÌÌeslÌìo
LeÌÌÌpo, procÌrra disfarçar e mintmizar a necessidade de taÌ escolha' uÌìÌa
vez editada a regra geral Um modo de conseguir rsto consiste em fixar
o sìgnificado da regÍa, de ta1 forma que os seus termos gerais devan
ter o mesmo significado em cada caso em que estela em causa a slla
aplicacáo" a7 Por sua vez, o " antiformaÌismo " (ou, conforme prefere
Hart, o "ceticisÌÌto") corresponde à postura segundo a qual "( ) falar
sobre regras é um mito que esconde a verdade que afiÍma o dúeito sinl-
plesmente em decisóes dos tibunais" 4s AÌiás' os formalistas' para
negar o caráter criacior de normas afirmado pelos cétlcos' fregüente-
mente utilizam o expediente retórico de consignar o dever do intérpre
te cle buscar a "vontade do legisladoÍ"; vontade considerada semprc
presente nos textos legals, ainda que sejam esses textos ohscuros oÌl
náo imediatamente evìdentes 49
Dessa forrna, para o formaÌista' apenas há "casos fáceis"' ou seja'
casos em qlle a tócnica da subsunção (texto e caso) é suficiente; por
outro lado, para o antiformaÌista apenas há "casos difíceis"' isto e'
casos em que se devem perscrutar soluçóes para os probÌemas jurídi-
cost estes sempre novos e de complicacìa assimilaçâo ao que foi prodlr
zido pelos Ìegisladores
Atento a essas posturas, afirma Hart que "o formaÌìsmo e o ceti
crsmo sobre as regras sáo os Cila e Caríbidis da teoria iurídica; sáo
grandes exageros, salutares na medida em que se corrigem mutua-
mente, e a verclade reside no meio deles" 50 Ou seja' pretende indicar
Hart que, assumidos os extremos, está-se diante de um problema de
difíciÌ (quando náo de impossíveÌ) soluçáo Portanto, é precìso buscar-
se uma "meia encosta" Sl
47
48
49
50
51
H.L.A HaÌt (1961) p 142 (CL Ìr 126).
H L A HaÌt (1961), pp 149 150 (CL' pp 132-133)
H.L.A. Hart (1961) P 149 (CL, P 132).
H.L.A. HaÍt (1961), p. 161 (CL p 142)
AsrefeÌêÌÌciasaCiÌaeCaÌibdissáointeressaÌrtesnapassagemdeHartapor'rcodesl'a
cacÌa SeguÌrdo a nÌtoÌogia grega Caríbclis era unÌ terrível monstro marÌÌÌho qrìe hâbìta
va, lunto-conr CiÌa, un]a caveÌna do estrêito 'ìe 
Messina CariÌrdjs vivÌã sob as ro'has e
tlêsvczesaoclÌatlagavaerìonnesquantjdades.ÌeágLÌaÌevandoosÌ]alcosapilÌrLc
OrÌtras tantas vezes devoÌvìa Caribdjs essa água fornrando um ÌrorÌíveÌ e veÌoz 
ÌêderÌìoi
nho que eÌa ocultado sob densa Ìrévoa' Já CiÌa era uma jovenì que ioi condenada a 
guaÍ
daloestÍeitodeMessinaDeselrsdozepésouêr'.tlemidadesinfeÌioressâiamcabeçaÍ]
cÌ-. cachoÍo, de Ìahclo suâve, enìboÌaÌ)áo se possa dizer o mesnlo de sua voracrdadc
131
I
Hart tÍaduz sua soluçáo da seguinte maneira: "Em todos os caÌrpos
de expeÍiência, e não só no das regras, há um limite à natureza da lingua-
gem, quanto à orientaçáo que a linguagem geral pode oferecel Haverá na
verdade casos simpÌes que estáo sempre a ocorrer em contextos seme-
lhantes, aos quais as expressóes gerais sáo cÌararnente apÌicáveis (...),
mas haverá também casos em que não é claro se se aplicam ou náo".52
O exempÌo apresentado porHart é o do automóveì, llicicÌetas e
patins diante de uma regra que proíbe o ingresso de "veícuÌos" em
determinado Ìocal, como um parque.S3 A esse respeito, mesmo se
possa afirmar claramentê que náo se deve ingressar com um carro no
parque, não é táo simpÌes o caso de se a regÍra está proibindo o uso de
bicicletas e de patins no parque. Ou seja, no pdmeiro caso, pouca dis
cussão há, mas, no segundo, está presente alguma dificuldade e neces-
sidade de atuar discricionariamente.
Ìsso significa que "os legisladores humanos náo podem teÍ taÌ
conhecimento de todas as possíveis combinaçóes de circunstâncias
que o futuro pode trazeÍ" 54 E é exatan.Ìente por isso que Hart traduz
aspectos como este tributando à "textura abeÍta do direito". Afirma
Hart, pontualmente: 'A textura aberta do direito significa que há, na
verdade, áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas
paÍa serem desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionáÍios, os
quais deteÍminam o equiÌíbrio, à luz das circunstâncìas, entre interes-
ses conflitantes que vaÍiam em peso, de caso para caso. Seja como for,
a vida do direito traduz-se em Ìarçta medida na orientaçáo, quer das
autoridades, queÍ dos indivíduos privados, através de regras determi-
nadas que, diferentemente das aplicaçóes de padrões variaveis, nào
exigem deles uma apreciaçáo nova de caso para caso".55
Nesses termos, enquanto o formalista é um "otimista", o cético é
um "desapontado", dirá Hart, porque o cético descob u que "as regiras
não sáo tudo o que seriam no paraíso de um formalista, ou num mundo
em que os homens fossem rguais aos deuses e pudessem prever todas
as combinaçóes possíveis de fato".56
Portanto, tÍansparece que o formaÌista se preocupa "apenas" com
o que o "texto normativo dispôs" (de tal modo que seu olhar apenas
52 H.L.A. Hart (1961), p. 139 (CL, p 124).
53 H.L.A. Hart (1961), p. 140 (CL, p. 124).
54 H.L.A. Hart (1961), p. 141 (CL, p 125).
55 H.L.A. Hârt (1961), p. 148 (CL pp. 131 132).
56 H L.A. Hart (1961), p. 152 (CL, p. 13s).
132
I ll,rrrr,L' rr'r !l' Ìirrrr'L rlrr )rrIrÌr'
osl,il (lirecioÌìacÌo para deÌìtro do direito ou da "lelrrslaçáo")' tto pit:;scr
clLlo o antifornlalista ou cético "apenas" vê a "dlmensáo social" e as
"variaçóes que os problemas cotidianos podem ofertar ao intérprete"
(com o que seu olhar está sempre para fora, isto é, para as vicissitudes
das ocorïências fáticas imprevi.stas)
A tentativa de conciliaçáo desses extremos é realizada por HaÌt
mediante a distinçáo entre "zona clara de aplicação do diÍeito" e "zona
d.e penumbra". Os casos que recaem na "zona cÌara" sáo aqueles em
que as questóes nominais parecem náo cobrar qualquer interpretaçâo'
por sua vezi os casos que estáo cobertos pela "zona de penumbra" são
aqueles os quais mesmo que os textos Ìegais ofeÍeçam algumâ diretriz
isso apenas ocorÍe de modo incerto Portanto, Hart destaca o fato de
tanto poderem ocorrer situaçóes em que a aplicação de um texto seÌa
ÌÌ.Ìecânica e sem maiores especulações (casos da zona clara)' como
pode suceder que haja necessidacle' dada a indeterminação do texto
Ìeqal em reÌaÇáo ao caso apresentado' de usar se alguma discriciona
riedade (casos cÌa zona de penumbra)
A razão para essas ocorrências está retacìonada à própda "trama da
Ìinguagem", pois a linguagem pocìe tanto ser vaga quanto ambígua dian
te cle um caso. Hart, nesse momento, deúa tlansparecel' ao menos' duas
razóes vinculadas a esse aspecto: o relativo desconhecimento dos fatos'
que encontÍa fundamento na "impossibilidade" de os ÌegisladoÍes "pre-
verem todas as ocorrências futuras" possíveis; e a relativa "indetermina-
çáo dos objetivos" a serem alcançados com os textos 
legais prodrrzidos'
Em síntese, Hart defende a parcial ìndeterminagão da linguagem;
esta parciaÌ indeterminaçáo está relacionada com aspectos própÍios da
Ìinguagem natural (ambigüidade e vagueza) como do desconhecimen
to dos Íatos e dos objetivos a serem alcançados pelas "leis" Portanto'
nem sempre haverá "casos fáceis" como, também, "casos difíceis"'
Nessa situaÇáo, caso de zona cÌara certamente é a do automóveÌ e a
proibiçáo de ingressar com veículos no paÍque; e caso de zona de
penumbra, o da bicicleta e a dos patins, pois se pode questionar se eles
sáo "veículos" ou náo
1.1. A regra de reconhecimento diante da
"textura aberta"
Pode-se, por fim, questionar sobre um ponto específico a respeito
cla RR. Como se sabe, a RR cumpre a funçáo de eliminar a incerteza a
133
I
respeito do que é material jurídico e do que não é. Mas e quaÌdo aLgrr
ma dúvida pairar sobre algum elemento que venha a coÌì-Ìpor a RR?
Essa questáo é exposta por Hart no CapÍtulo ViÌ de sua obra. O
ponto que levanta ó, por suas palavras, o seguinte: "Oue inferência se
deve retirar relativamente ao lugar dos tribunais dentro dum sistema
jurídico, a partir do fato de que a regra última de um sistema jurÍdico
pode assim estar em dúvida e que os tribunais podem resolver a dúvi-
da? Isso exige qualquer restrição à tese de que o fundamento de um
sistema jurídico é uma regra de reconhecimento aceite que especifica
os critórios de validade iuÍídica?".57
De fato, "À primeira vista... ", cliz Hart, "...o espetáculo parece para-
doxal; os tribunais estão aqui a exeÍcer poderes criadores que estabeÌe-
cem os critérios úÌtimos, pelos quais a vaÌidade das próprias Ìeis que
lhes atribuem jurisdiçâo como juízes deve ela própria ser contestada.
Como pode uma constituição atribuir autoridade para dizer o que e uma
constituiçáo?". Dessa forma, a resposta sempre está em RR porque, se
bem seja possíveÌ alguma dúvida a respeito de alguns pontos, nâo há
em todos. Porque "é, na verdade, uma condiçáo necessária do sistema
jurídico existente que nem toda a regÍa esteja sujeita a dúvidas em
todos os pontos. A possibilidade de os tÍibunais disporem de autorida-
de em certo tempo dado para decidú essas questões de limites Íespei-
tantes aos cÍitérios últimos de validade depende apenas do fato de que,
nesse tempo, a aplicaçáo de tais critérios a uma vasta zona do direito,
incluindo as regras que atribuem autoddade, náo suscita dúvida, embo-
ra o lespectivo alcance e âmbito precisos a suscitem".58
Observe se, todavia, que há circularidade no argumento de Hart.
Porque, por um lado, a RR, como regra úÌtima, é invocativa dos critérios
de validade juddicos aceites e seguidos pelos juÍzes em seu sentido
amplo (juízes singuÌares e dos tribunais diversos); e, por outro, náo se
pode identificar quem sáo os juízes senáo com base nas próprias regras
de julgamento, já que a existência dessas instâncias de juÌgamento é
dependente das regras secundárias que conferem poderes jurídicos:
assim, a identificação das regras do conjunto normativo depende da RR
e a RR depende das regras que atribuem poderes; porque, em última
análise, estas, as regras que atribuem poderes, devem ser identifica-
das pela leitura da regra de reconhecimento.
IlL||rr'L'Ì'r' III IìrIrrrr Ilr) Iìrr"rl''
12. Características da regra de reconhecimento
'I\rd o coÌlsiderado, segundo Hart, apenas pode haver uma noÏÌlla
de reconhecimento em cada ordenamento jurídico. Sendo isso correto,
algumas caracteÍísticas da RR podem ser enunciadas
Em primeiro lugar, a RR funcionalmente opera como regra inclusi-
va e exclusiva: "incÌusiva" a respeito das normas reconhecidas por ela;
"exclusiva" no que atine às normas de outros ordenamentos' ou seja'
as regÌas que, em sentido contrário' náo fotam reconhecidas PortaÌ.Ìto'
para sê obter resposta à pergunta qual é a RR de dada ordem jurÍdica'
deve-se perquirir com que cdtérios deteÍminado oÍdenamento jurídico
funciona efetivamente.
Em segundo iugar, como reçtra suprema do ordenamento jurÍdico,
a RR póe fim à procura do critério último de vaÌidaçáo,5g pois' se o de-
cïeto de um Órgáo do Executivo é váÌido porque foi eÌaborado em con-
formidade com uma determinada lei; se a lei é válida por ter sido eÌa-
borada em confoÌmidâde com o que a constituiçáo estabelece; a cons-
tituição é válida porque a regra de reconhecimento indica que o que

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