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PESSOAS FÍSICAS INTRODUÇÃO Neste material começaremos a estudar o Código Civil. Antes de mais nada, precisamos fazer uma introdução teórica, abordando a importante ideia do “direito civil constitucional”: “Direito Civil Constitucional”: pode ser traduzido num sistema de normas e princípios, reguladores da vida privada, relativos à proteção da pessoa nas suas mais diferentes dimensões fundamentais, integrado pela Constituição. Portanto, quando do enfrentamento de alguma questão, haverá que se fazer uma leitura da norma civil de modo a compreender sua estrutura interna a partir da legalidade constitucional. Essa releitura que o direito civil deve passar à luz da Constituição é que permite o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a eficácia dos Direitos Fundamentais nas relações privadas, chamada de eficácia horizontal dos direitos fundamentais (V. Recurso Extraordinário 210.819/RJ). 3 paradigmas: Socialidade, eticidade e operabilidade Amparado na dignidade da pessoa humana, além dos princípios basilares, o Código Civil de 2002 trouxe novos princípios norteadores: socialidade, eticidade e a operabilidade. Pela socialidade, o Código busca a superação do caráter individualista e egoísta predominante no CC/16. Percebe-se uma denotação social em muitos institutos civis: a família, o contrato, a propriedade, a posse, a responsabilidade civil, a empresa, o testamento. Em razão deste princípio, teve-se a relativização da autonomia da vontade, como nas relações contratuais, onde podemos observar um marcante intervencionismo estatal. Em relação à eticidade, observamos a ideia de valorização da ética, da boa-fé objetiva, que deve constar essencialmente das relações, de modo que, sem ela, o negócio jurídico padece de irregularidade. Conforme se explorará em momento oportuno, da boa-fé, pode-se extrair uma tríplice funcionalidade (função interpretativa da boa-fé objetiva, função de controle da boa-fé objetiva e função de integração da boa-fé objetiva). Como se verá, tais funções vêm sendo muito utilizadas pelos Tribunais no exame de casos concretos, de modo que é importante que o candidato fique atento quanto a esses pontos. Por fim, mas não menos importante, temos a operabilidade, que busca trazer maior efetividade às regras do Código Civil, conferindo ao intérprete liberdade na adequação da norma aos casos concretos, o que se conseguiu pela adoção do sistema de cláusulas gerais. Em relação às cláusulas gerais, valiosas são as lições do Professor Carlos Roberto Gonçalves, para quem: “As cláusulas gerais resultaram basicamente do convencimento do legislador de que as leis rígidas, definidoras de tudo e para todos os casos, são necessariamente insuficientes e levam seguidamente a situações de grave injustiça. Embora tenham, num primeiro momento, gerado certa insegurança, convivem, no entanto, harmonicamente no sistema jurídico, respeitados os princípios constitucionais concernentes à organização jurídica e econômica da sociedade. Cabe destacar, dentre outras, a cláusula geral que exige um comportamento condizente com a probidade e boa-fé objetiva (CC, art. 422) e a que proclama a função social do contrato (art. 421). São janelas abertas deixadas pelo legislador, para que a doutrina e a jurisprudência definam o seu alcance, formulando o julgador a própria regra concreta do caso. Diferem do chamado “conceito legal indeterminado” ou “conceito vago”, que consta da lei, sem definição, como, v. g., “bons costumes” (CC, arts. 122 e 1.336, IV) e “mulher honesta” – expressão que constava do art. 1.548, II, do Código Civil de 1916 –, bem como dos princípios, que são fontes do direito e constituem regras que se encontram na consciência dos povos e são universalmente aceitas, mesmo não escritas.” Enfim, importante consequência da constitucionalização do direito civil é a concentração do seu regramento na personalidade, considerando a necessidade de se relevar a importância da concepção do indivíduo enquanto pessoa e não como ser dotado de patrimônio, ou seja, a visão civilista deve estar vinculada à proteção da pessoa em primeiro lugar, e não do patrimônio, uma vez que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/88). PESSOAS NATURAIS 1 – INÍCIO DA PERSONALIDADE Ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, o brasileiro considera que qualquer ser humano, sem distinção, tem total possibilidade de ser sujeito de direitos e obrigações. Neste sentido, o artigo 1º do Código Civil anuncia que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Aqui, verifica-se a capacidade de direito, que não se confunde com a capacidade de exercício ou de fato, que depende do preenchimento de requisitos legais, para que seja possível exercer plena e pessoalmente os atos da vida civil. Nos termos do artigo 2º do Código Civil, a personalidade civil tem início com o nascimento com vida. No entanto, tal dispositivo informa que a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro (concebido, mas ainda não nascido). - nascimento: é a saída do nascituro para o mundo exterior, sendo desnecessário o corte do cordão umbilical para que seja considerado o nascimento. - com vida: observa-se com a respiração, pela entrada de ar nos pulmões, momento em que se considera adquirida a personalidade. Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Vale mencionar, ainda, que a interpretação do art. 2º, em relação ao momento de início da personalidade civil e ao reconhecimento da personalidade ao nascituro, encontra divergência na doutrina. Podem ser citadas três teorias que tentam fixar o exato momento. Vejamos: a) Teria natalista – entende que o nascituro não é dotado de personalidade. Essa teoria adota uma interpretação literal do artigo 2º do Código Civil, entendendo que a personalidade jurídica somente é adquirida com o nascimento com vida. b) Teoria concepcionista – para esta teoria, o nascituro possui personalidade jurídica, uma vez que esta seria adquirida no momento da concepção. c) Teoria condicionalista – reconhece a personalidade do nascituro desde a concepção, mas se trata de personalidade sujeita a uma condição suspensiva, qual seja, o nascimento com vida. Apesar de não ter afirmado expressamente, de certa forma, o STF adotou a teoria natalista, conforme se infere das palavras do Ministro Ayres Brito, quando do julgamento da ADI 3510/DF. Confira-se: O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria “natalista”, em contraposição às teorias “concepcionista” ou da “personalidade condicional”). Ainda que se adote a teoria natalista, deve-se ter em mente, contudo, que o art. 2 º reconhece que a lei porá a salvo os direitos do nascituro. Neste sentido, vale mencionar o Enunciado 1 da Jornada de Direito Civil, que trata do natimorto (nascido sem vida), dispondo o seguinte: “a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”. Portanto, tem-se que, violados os direitos personalíssimos do nascituro, vinculados à sua imagem, podemos falar em indenização pelo dano moral daí advindo, substituindo-o processualmente para defesa desse direito. Merece menção, dada a notoriedade que ganhou nos principais veículos de informação jurídica, o entendimento ao que o STF chegou a respeito dos embriões no julgamento da já citada ADI 3510/DF: “A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas deobstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição.” Assim, segundo o STF, o embrião não é considerado pelo direito como vida, de modo que não é pessoa. Tem-se, com isso, que, apesar de receber tratamento especial pela Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005), o embrião não pode ser considerado como vida para efeitos de tutela jurídica. 2 – CAPACIDADE DE FATO (DE EXERCÍCIO DE DIREITOS): Conforme adiantado acima, trata-se da possibilidade de praticar, pessoalmente, os atos da vida civil. Conforme se infere dos artigos 3º a 5º do Código Civil, essa capacidade pode sofrer limitações. Assim, de acordo com o artigo 3º, serão absolutamente incapazes os menores de 16 anos, de modo que estará vedada, para estes, o exercício das situações jurídicas pessoalmente, devendo estar representado por terceira pessoa (representante legal). A prática de um ato pelo incapaz, sem a devida representação, implica na nulidade do ato, não produzindo qualquer efeito jurídico (cf. art. 166, I, do CC/02). Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. Candidato, atenção especial quanto ao ponto: a Lei nº 13.146/2016 (Estatuto da pessoa com deficiência) alterou esse dispositivo, de modo que não são considerados mais absolutamente incapazes, ex lege, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos, ou os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Assim, com essa substancial alteração legislativa, tem-se que, como regra, parte-se da premissa que os deficientes não são incapazes. A ideia do referido estatuto foi retirar da pessoa com deficiência a presunção de incapacidade, tratando-a como presumivelmente capaz. Isso, contudo, não impede que, verificada a impossibilidade dos atos da vida civil pessoalmente pelo deficiente, as pessoas legalmente legitimadas promovam a sua interdição (V. arts. 747 e ss do NCPC), de modo que lhe seja atribuída a condição de absolutamente ou relativamente incapaz, a depender do caso e do grau de incapacidade. Por fim, voltando-se aos menores de 16 anos (absolutamente incapazes), não pode se olvidar que, diariamente, eles envolvem-se em negócios jurídicos, como a compra de lanche na escola, não sendo razoável supor que este tipo de negócio deve ser invalidado por conta da incapacidade absoluta. Neste sentido, a III Jornada de Direito Civil do CJF aprovou o Enunciado 138, que dispõe que “A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º , é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto”. Já o art. 4º do CC/02 menciona aqueles que serão relativamente incapazes a certos atos, ou à maneira de os exercer. São eles: os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; os pródigos. Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) IV - os pródigos. Merece destaque o fato de que o Estatuto da pessoa com deficiência também alterou esse dispositivo, de modo que não são considerados mais relativamente incapazes, ex lege, os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido, bem como os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo. As razões são as mesmas acima mencionadas, para onde remetemos o candidato, a fim de que melhor fixe a ratio dessa importante alteração legislativa. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm#art114 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm#art114 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm#art114 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm#art114 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm#art127 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm#art114 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm#art114 Quanto aos relativamente incapazes, tem-se que, para a prática dos atos da vida civil, eles devem estar assistidos do representante legal, sendo anulável o ato que não observe essa exigência. 3 – CESSAÇÃO DA INCAPACIDADE Via de regra, nos termos do caput do art. 5º do CC/02, a incapacidade cessa aos dezoito anos completos. O parágrafo único do dispositivo em questão, todavia, prevê hipóteses em que se autoriza a cessação da incapacidade antes mesmo dos dezoito anos, por meio da emancipação. Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público efetivo; IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. A emancipação pode ocorrer nos seguintes casos: a) Pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial. Vale mencionar, Absolutamente incapazes Representados Sob pena de NULIDADE Relativamente incapazes Assistidos Sob pena de ANULABILIDADE aqui, que o STJ tem entendido que a emancipação do menor, em regra, isenta os pais dos atos danosos praticados pelo filho após a sua concessão, salvo em caso que se ateste abuso ou fraude (V. REsp 764.488/MT); b) Por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; c) Pelo casamento; d) Pelo exercício de emprego público efetivo; e) Pela colação de grau em curso de ensino superior; f) Pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. 4 – FIM DA PERSONALIDADE O artigo 6º do CC/02 afirma que a personalidade tem o seu fim com a morte da pessoa, que, nos termos do artigo 3º da Lei 9.434/1997, se dá com o diagnóstico da morte encefálica (morte real). Art. 6º A existência da pessoa natural termina com a morte; presume- se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. Mencione-se que, de acordo com o STJ, a data do óbito é relevantepara a verificação do termo inicial do pensionamento decorrente de responsabilidade civil por homicídio, assim como para efeitos previdenciários. (V. REsp 1.198.534/RS e Súmulas 340 e 416). Além da morte real, o Código Civil reconhece a possibilidade de se declarar o fim da personalidade por meio da morte presumida, quando, apesar de não ter sido atestada formal e cientificamente, for extremamente provável. Por isso, o art. 6º do CC/02 afirma que “a existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”. Neste caso, para o reconhecimento da morte presumida, será necessário observar o procedimento para a declaração de ausência e a posterior abertura da sucessão (cf. arts. 22 a 39 CC/02). Por outro lado, o art. 7º do CC/02 reconhece a possibilidade de declaração da morte presumida, SEM decretação de ausência, nas seguintes situações: (I) se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; (II) se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. Vale destacar que o artigo 8º prevê o instituto da comoriência, que ocorre quando dois ou mais indivíduos falecem na mesma ocasião e não se pode determinar qual deles morreu primeiro, de modo que, então, presume-se que faleceram simultaneamente. Tal ponto ganha especial relevância quando do estudo do direito sucessório, pois, se tais pessoas morreram simultaneamente, não ocorreu, entre elas, transmissão de direitos, no caso de uma ser herdeira da outra. Art. 8° Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos. Atenção: Não é requisito da comoriência que as mortes decorram do mesmo evento, mas sim na mesma ocasião. DIREITOS DA PERSONALIDADE 1 – INTRODUÇÃO Os direitos da personalidade não derivam da relação da pessoa com a coisa (direitos reais), nem da sua relação com outra pessoa (direito obrigacional). Tais direitos, na verdade, originam-se da relação que a pessoa tem consigo mesma, ou seja, daqueles bens que a pessoa guarda dentro do seu corpo e intelecto, e que formam a sua personalidade, razão pela qual são intransmissíveis e irrenunciáveis (art. 11 CC/02). Vale destaque o que restou consignado no Enunciado 274 da IV Jornada de Direito Civil do CJF: “Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”. Tem-se, assim, que, além dos direitos da personalidade mencionados e tratados no Código Civil, outros podem ser extraídos do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CF, de modo que o rol previsto no Código Civil é meramente exemplificativo. Como forma de exemplo de um direito da personalidade que não está expressamente previsto no Código Civil, cite-se o direito ao esquecimento, tão debatido na atualidade por doutrina e jurisprudência. No campo doutrinário, tal direito foi reconhecido pelo Enunciado 531, com o seguinte teor: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. De acordo com as justificativas da proposta, “Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados”. O próprio STJ, no julgamento do REsp nº 1.334.097/RJ, reconheceu o direito ao esquecimento de homem inocentado da acusação de envolvimento na chacina da Candelária e que foi retratado pelo extinto programa “Linha Direta”, da TV Globo, mesmo após a absolvição criminal. A emissora foi condenada a indenizar o autor da demanda, por danos morais, em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). 2 – CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE O art. 11 do Código Civil dispõe que com “exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. Além disso, a doutrina aduz que os direitos da personalidade também são absolutos, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e vitalícios. Vejamos: a) Intransmissibilidade – considerando que os direitos da personalidade decorrem da relação que a pessoa tem consigo mesma, nos âmbitos físico e intelectual, por consequência, a pessoa detentora deles não pode transmiti-los a terceiros. Há, contudo, aspectos da personalidade que podem se desdobrar em bens jurídicos patrimoniais e estes podem ser transmitidos. Exemplo: pretensão reparatória por dano moral. Apesar disso, em certos casos, os descendentes de pessoa morta podem reivindicar a proteção de direitos personalíssimos do de cujus. Esta espécie de proteção encontra-se prevista no art. 12, parágrafo único do Código Civil, e é chamada pela doutrina de dano por ricochete ou dano reflexo. Por fim, conquanto os direitos da personalidade sejam intransmissíveis, a pretensão ou direito de exigir a sua reparação pecuniária, em caso de ofensa, transmite-se aos sucessores, nos termos do art. 943 do CC/02. Este, inclusive, é o entendimento do STJ: “O direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima”. b) Irrenunciabilidade – no exercício dos direitos da personalidade, o seu titular não pode, ainda que voluntariamente, se comprometer a deixar de exercê-los. Observe-se, contudo, que a indisponibilidade dos direitos da personalidade não é absoluta, mas relativa. Quanto ao ponto, vale a menção ao Enunciado 4 da I Jornada de Direito Civil do CJF: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”. – CUIDADO, POIS EM UMA PROVA OBJETIVA VOCÊ DEVE MARCAR A LITERALIDADE DO ART. 11: “Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.” c) Absolutos – Trata-se de uma consequência da oponibilidade erga omnes dos direitos da personalidade. São tão relevantes e necessários que impõem a todos um dever de abstenção, de respeito. Por outro lado, têm caráter geral, pois inerentes a toda pessoa humana. d) Ilimitados – Conforme adiantado acima, o número de direitos da personalidade é ilimitado, conquanto os arts. 11 a 21 tenham se referido expressamente a respeito de alguns. Reputa-se tal rol meramente exemplificativo, pois não esgota o seu elenco, visto ser impossível imaginar-se um numerus clausus nesse campo. Na atualidade, em razão dos avanços científicos e tecnológicos, a personalidade passaa sofrer novas ameaças que precisarão ser enfrentadas, com regulamentação da sua proteção. Assim, para uma efetiva proteção dos direitos da personalidade, deve-se ter em mente que o rol vai além das prerrogativas catalogadas na Constituição e na legislação ordinária. e) Imprescritíveis – os direitos da personalidade não são extintos pelo não- uso e pelo decurso do tempo, muito menos pela inércia na pretensão de defendê-los. Vale ressaltar, contudo, que, apesar de o dano moral consistir na lesão a um interesse que visa a satisfação de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (vida, a honra, o decoro, a intimidade, a imagem, etc.), a pretensão à sua reparação está sujeita aos prazos prescricionais estabelecidos em lei, por ter caráter patrimonial. Quanto ao ponto, o STJ já decidiu que “o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima”. Não se pode, pois, afirmar que é imprescritível a pretensão à reparação do dano moral, embora consista em ofensa a direito da personalidade. OBSERVAÇÃO: No que diz respeito aos casos de reparação por danos sofridos em razão de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar, a jurisprudência tem entendido que NÃO HÁ PRAZO PRESCRICIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO, TORTURA E PERSEGUIÇÃO. REGIME MILITAR. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. EVENTO DANOSO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDA. 1. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que não se aplica a prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932 às ações de reparação de danos sofridos em razão de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar, afirmando a sua IMPRESCRITIBILIDADE. 2. O Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, no sentido de que os juros moratórios, em caso de responsabilidade extracontratual, devem incidir a partir da data do evento danoso, nos termos da Súmula 54/STJ. Incidência da Súmula 83/STJ. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1417171 SP 2013/0371447-3, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 10/12/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/12/2013) f) Impenhorabilidade – Uma vez que os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana e dela inseparáveis, e por essa razão indisponíveis, consequentemente não podem ser penhorados, uma vez que a constrição é o ato inicial da venda forçada determinada pelo juiz para satisfazer o crédito do exequente, o que é impensável em relação aos direitos em questão. g) Vitalícios – Os direitos da personalidade inatos são adquiridos no instante da concepção e acompanham a pessoa até sua morte. Como visto acima, mesmo após a morte, alguns desses direitos permanecem resguardados, como, por exemplo: o respeito ao morto, à sua honra ou memória e ao seu direito moral de autor. 3 – ROL DE DIREITOS DA PERSONALIDADE Como mencionado, além dos direitos da personalidade mencionados e tratados no Código Civil, outros podem ser extraídos do princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que o rol previsto no Código Civil é meramente exemplificativo. Sem prejuízo de outros que possam ser extraídos do princípio da dignidade da pessoa humana, podemos mencionar os seguintes direitos da personalidade: direito à vida, direito à integridade física, direito ao nome, direito à imagem, direito à vida privada, direito ao esquecimento, direito à livre manifestação de pensamento e liberdade de imprensa, direitos autorais. Por sua importância para fins de prova, vejamos o rol de direitos da personalidade regulamentados pelo Código Civil e algumas discussões correlatas: Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes (art. 13, CC). É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte (art. 14, CC) Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica (art. 15, CC). O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome (art. 16) O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome (art. 19) A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma (art. 21, CC) Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais (art. 20, CC) Obs.: Pela interpretação literal do art. 20, as biografias não-autorizadas seriam proibidas, de modo que o biografado poderia impedir a produção da biografia ou, se ela já estivesse pronta, a sua comercialização. Contudo, foi ajuizada uma ADI (nº 4815) perante o STF, sendo que esta corte julgou procedente a ação, e declarou ser desnecessária a autorização prévia para a publicação de biografias. Assim, para que seja publicada uma biografia NÃO é necessária autorização prévia do indivíduo biografado, das demais pessoas retratadas, nem de seus familiares. Essa autorização prévia seria uma forma de censura, não sendo compatível com a liberdade de expressão consagrada pela CF/88. Caso o biografado ou qualquer outra pessoa retratada na biografia entenda que seus direitos foram violados pela publicação, ele terá direito à reparação, o que poderá ser feito de diversas formas.
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