Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULA 4 ÉTICA E RELAÇÕES INTERPESSOAIS Prof. Roberto Luís Renner 2 CONVERSA INICIAL Este texto tem por objetivo apresentar diferentes aspectos que envolvem a ética e a economia. Para tanto, está organizado em cinco temas. No primeiro tema, abordaremos diferentes definições e aspectos históricos da economia. Na sequência trabalharemos questões que envolvem atividade econômica e a ética. Veremos que as atividades econômicas de um indivíduo, empresa ou nação é algo complexo e que merece atenção especial no que diz respeito aos princípios éticos. No âmbito econômico, a ética envolve questões que, com base na observação de certas ações, notamos que elas ultrapassam qualquer princípio. Em outras palavras, discutiremos sobre se o agente em questão se importa somente com o benefício próprio ou se zela pela coletividade. O terceiro tema abordará a vida e obra de Adam Smith. Esse pensador merece nossa atenção pela forma como desenvolveu seu pensamento no campo da economia, e também porque cumpre importante papel também nos dias atuais, uma vez que conduz a uma reflexão sobre as diferentes teorias econômicas. Na quarta parte do texto falaremos sobre a vida e obra de Amartya Kumar Sen, importante escritor e economista indiano. Veremos que para Sen, a liberdade do indivíduo é algo importante, visto que conduz este ao crescimento. Por último, desenvolveremos o tema da ética no mundo globalizado. Entendemos por globalização um processo de integração, seja na economia entre países, seja nas relações humanas e nos aspectos políticos e culturais. O conceito de globalização nos remente, portanto, ao entendimento de um mundo sem fronteiras. CONTEXTUALIZANDO É possível contatar que ao longo da história a economia sempre fez parte da vida do ser humano, seja no aspecto mais restrito, seja no mais abrangente. Ainda hoje o assunto economia é abordado pelos meios de comunicação de todo o mundo. No mundo globalizado, a economia de um país afeta a dos demais, de uma forma ou de outra – isto é: os trabalhadores de uma pequena fábrica de peças no interior de qualquer parte do Brasil manterão seus empregos não apenas se a economia daquele município for estável, mas se assim for no restante do país ou do mundo. 3 TEMA 1 – ECONOMIA: DEFINIÇÕES E ASPECTOS HISTÓRICOS O vocábulo economia tem sua origem nos termos gregos oikos (“casa”), e nomos, que remete a “costume”, “lei” ou, ainda, a “gerir, administrar”. A junção desses termos poderia ser traduzido por algo como “regras ou administração da casa”. Daí vem o sentido de uma ciência social, cujo objetivo é estudar a produção, a distribuição e também o consumo de bens e serviços. No que diz respeito à produção, o termo economia abrange aquilo que resulta do trabalho humano. Em relação à análise da distribuição, essa palavra refere-se ao fato de, muitas vezes, o produto manufaturado não ser distribuído a todos: em outras palavras, ao fato de que nem todas as classes sociais têm condições financeiras de adquirir esse produto. E, por último, estuda a questão do consumo dos bens e dos serviços e os motivos destes serem consumidos. O estudo da economia pode ser dividido em dois campos: a microeconomia e a macroeconomia. A microeconomia pode ser definida como a ciência econômica direcionada ao estudo do comportamento de consumo de indivíduos e famílias. Ela tem como objetivo esclarecer os diferentes aspectos da produção e de que maneira se fixa o preço. A macroeconomia, por sua vez, é entendida como o ramo da economia cuja prioridade é a análise geral ou global por meio da estatística e da matemática a fim de se analisarem os diferentes aspectos econômicos e sua distribuição em um setor da economia. Para tanto, a macroeconomia faz uso de elementos como taxa de juros, investimentos, emprego e desemprego, bens e serviços, aspectos ligados a inflação, poupança, consumo, investimentos de empresas de iniciativa privada ou não e ao comportamento do governo diante da economia. A economia sempre fez parte da vida do ser humano em maior ou menor grau. No entendimento dos gregos, por exemplo, a riqueza – ou a obtenção dela – constituía um aspecto não primordial. A economia, portanto, abrangia apenas uma pequena parte da vida do indivíduo e da cidade. O que de fato era considerado relevante na cultura grega eram a política e a filosofia, tidas como os reais e importantes valores para o ser humano. Na Idade Média − período entre os séculos V e XV −, a economia baseava- se principalmente na agricultura, ou seja, na produção de alimentos. Obviamente, havia a produção de certos equipamentos e de armas; porém a base econômica 4 girava em torno da agricultura. Nesse período a troca dos produtos era a prática vigente. A base econômica era baseada em feudos1, portanto, quem tinha poder em mãos era o proprietário da terra. Outro aspecto econômico relevante neste momento eram as atividades artesanais – cuja produção era baixa em virtude de o artesão estar envolvido em todas as fases de um produto. Na agricultura, a produção também era baixa, visto que as técnicas de trabalho eram rudimentares. Ao final da Idade Moderna (1453-1789), eclode a Revolução Francesa e ocorre a transição do feudalismo para o capitalismo. É nessa época que vive Adam Smith (1723-1790), célebre filósofo e economista britânico, nascido na Escócia, e que, no ano de 1776, publica A riqueza das nações, uma investigação sobre a natureza e as causas das riquezas das nações até hoje importante obra para os estudos de economia. Composto de cinco livros (ou partes), A riqueza das nações é definido, por muitos estudiosos, como o marco do enfoque científico dos fenômenos econômicos. O importante é observar que a teoria apresentada nessa obra se fundamenta na teoria do crescimento econômico. Não podemos deixar de mencionar Karl Marx, o autor das teorias econômicas socialistas mais importantes. Na obra O capital, Marx se aprofunda nos estudos da economia política tanto dos autores clássicos quanto de seus contemporâneos. Com base nesses estudos, Karl Marx – entre os anos de 1861 e 1862 – elabora imenso manuscrito que leva à elaboração da teoria da mais- valia, a qual remete à parte do valor da força de trabalho dispendida por determinado trabalhador na produção de algo, mas que não é remunerada pelo patrão. TEMA 2 – ATIVIDADE ECONÔMICA E ÉTICA O ser humano, em suas atividades, busca satisfazer suas necessidades e, com isso, desenvolver-se como indivíduo. As atividades econômicas são complexas e merecem atenção quanto a princípios éticos. As ações praticadas nesse campo devem observar princípios estabelecidos sem ultrapassá-los. Em outras palavras, suas ações não podem contemplar apenas o próprio benefício, sem levar em conta o bem dos demais que façam parte do mesmo meio. 1 Terra ou fonte de renda concedida a alguém (vassalo) por um senhor de certos domínios (suserano) mediante a prestação de certos serviços. 5 Tal questão merece atenção especial, pois qualquer atividade econômica sempre está ligada, de certa maneira, a outro indivíduo ou a uma coletividade maior ou menor. Todo ser humano faz parte de um grupo social. Sendo assim, ele pode desenvolver uma atividade econômica que venha a resultar em bens e serviços que poderão satisfazer necessidades tanto individuais como as do coletivo em que está inserido. Essa atividade econômica está imbuída de uma conduta ou de uma postura que envolverá diferentes decisões, as quais irão interferir sobre diferentes formas de agir. Toda atividade sempre tem um objetivo a ser atingido, mesmo que muitas vezes esse objetivo não esteja explícito a todos que fazem parte do processo, e se deve sempre observar princípios importantes, ligados à ética, ao ser humano e ao social. O primeiroprincípio diz respeito ao fato de que toda ação econômica deve ser embasada em um princípio ético. Porém muitas vezes, é difícil estabelecer se tal princípio está sendo ou não observado, e se a interpretação dada é a correta. Isso se deve ao fato de que cada indivíduo envolvido nesse processo econômico tem seu entendimento sobre o que é correto ou não. Vejamos, por exemplo, o caso de se estabelecer o preço de um bem de consumo ou serviço dentro de princípios éticos. É comum encontrarmos produtos que variam de preço de um mercado para outro de forma desproporcional. Nesse caso, a pergunta a ser feita é: é moralmente correto um comerciante estabelecer o valor de forma subjetiva? Outro exemplo: estabelecer o preço de um produto quando este começa a se tornar escasso no mercado em razão de fatores externos, como clima ou período de produção, entre outros: considere um produtor de leite: é eticamente correto ou moral ele aumentar o valor do litro de leite em um período em que a oferta do produto no mercado diminui, ainda que tal produto não tenha sofrido nenhuma variação nos valores de sua produção? Tal prática é muito comum no Brasil e em muitas partes do mundo, e merece nossa atenção, dado que a base de produção geralmente não sofre nenhuma variação. Por que então deveria haver uma variação no valor final do produto por ele estar mais escasso no mercado? Essa questão do princípio ético deve ser observada também em relação à qualidade do produto no que se refere ao que será comercializado ao consumidor final. Muitas vezes, para se obter mais luro, tal ação envolve o uso de publicidade enganosa. Nesse caso, é importante questionar: será eticamente correto anunciar um produto como sendo bom e confiável sem que este de fato o seja? 6 O segundo princípio relaciona-se ao fato de que toda ação econômica deve ser humana, dado que envolve pessoas. Nessa perspectiva, esta deve atender a necessidades concretas, levando-se em conta a dignidade dos envolvidos. De acordo com esse princípio, a atividade econômica não deve perder de vista a solidariedade nem a fraternidade, isto é, tal ação não deve ter como foco o bem- estar de um em detrimento dos demais. O foco da ação econômica deve, portanto, visar primeiramente ao ser humano, e não ao lucro. Um exemplo de conduta humana e ética é quando um patrão busca não só cumprir com o combinado com seus funcionários, pagando em dia seus salários, mas quando, além disso, lhes oferece benefícios extras tendo em vista o seu bem- estar. Caso, por exemplo, da oferta de almoço no trabalho, quando se oferece ao funcionário não apenas um prato de comida, mas sim alimentação de qualidade e um ambiente agradável. Um exemplo negativo dentro desse princípio relaciona-se à qualidade do produto oferecido no mercado. É comum a mídia mostrar algumas ações de comerciantes inescrupulosos que adulteram produtos de forma criminosa. Tal ação aumenta os lucros desse comerciante, prejudicando aquele que consome o produto adulterado. Essa ação econômica não prioriza, portanto, o ser humano, mas sim a obtenção do lucro, fugindo, portanto, do princípio de que toda ação econômica deva ser humana. O terceiro princípio leva em conta a questão social, ou seja, o grupo no qual a ação econômica é executada objetivando justiça social. Nesse sentido, um empresário que apenas pensa em obter vantagens com suas ações − ignorando que sua empresa precisa dos trabalhadores, dos consumidores e de todos que estejam envolvidos direta ou indiretamente no processo − está desconsiderando o social. Ele aumenta seus lucros pela não realização da oferta de um serviço ou de um produto que havia combinado entregar: não só não entrega, como pratica abuso de preços. Ao adotar tal postura, sua prática é condenável eticamente, visto que não atende o aspecto social. A atividade econômica que um indivíduo ou uma grande empresa desempenha é uma fração de um todo maior, que é a atividade social. Essa deve ser o foco primário daquele que tem uma atividade econômica, e não o lucro. Para muitos, obter lucro em uma atividade econômica só é possível por meio de ações que levam à exploração do semelhante. Tal postura, entretanto, está totalmente equivocada, uma vez que toda ação econômica é uma ação social e, portanto, deve contemplar ações voltadas ao bem de todos os envolvidos. 7 TEMA 3 – ADAM SMITH Quando o assunto é atividade econômica e ética, um personagem que precisa ser destacado pela forma como desenvolveu seu pensamento e por suas contribuições no campo da economia, é Adam Smith (1723-1790). No campo da ciência econômica, as contribuições de Smith exercem importante papel ainda hoje, visto que eals nos conduzem à reflexão sobre as diferentes teorias econômicas. Adam Smith nasceu na cidade de Kirkcaldy, na Escócia. Filósofo e economista, estudou na Universidade de Glasgow entre os anos de 1937 e 1940. Posteriormente, fez seus estudos também na universidade de Oxford e, mais tarde, foi professor na cidade de Edimburgo, lecionando filosofia moral, ética, economia política, entre outras disciplinas. Smith é considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico − ideologia baseada na organização da economia individual, ou seja, as decisões econômicas são tomadas por indivíduos e não por instituições ou organizações coletivas. Uma de suas obras mais famosas é A riqueza das nações – na qual ele faz uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações, e expõe aspectos falhos do sistema capitalista. Outra obra de destaque de Smith é Teoria dos sentimentos morais, publicada em 1759 e que busca explicar a questão da aprovação e desaprovação moral. A base dessa obra é o julgamento moral do ser humano, apresentando uma complexidade na análise dos sujeitos sociais. Essa teoria toma como ponto de partida o sujeito como ele se apresenta em sua íntegra, ou seja, com todas suas paixões e sentimentos. Para Smith, o sentimento moral do ser humano segue uma organização que está em plena conformidade com sua própria natureza, ou seja, segundo sua natureza interior. Para Smith, esta natureza interior do ser humano deseja manter com o próximo relações de solidariedade e de ajuda mútua, objetivando a promoção da felicidade de todos, e não de interesses egoístas. Desse modo, fica evidente que, para Smith, o sentimento moral do ser humano não tem como base o interesse único do indivíduo. Segundo ele, os juízos morais do homem têm uma vasta gama de fatores que podem promover diferentes ações, buscando sempre o sentido moral. 8 Um aspecto importante em sua teoria com relação à questão da moral é encontrado no volume 7 da Teoria dos sentimentos morais, quando ele afirma A felicidade da humanidade, bem como de todas as outras criaturas racionais, parece ter sido o propósito original projetado pelo Autor da natureza, quando ele as trouxe à existência. [...] E essa opinião [...] é ainda mais confirmada pelo exame dos trabalhos da natureza, que parecem todos projetados para promover a felicidade e proteger contra a miséria. Mas, agindo de acordo com os ditames de nossas faculdades morais, perseguimos necessariamente os meios mais eficazes para promover a felicidade da humanidade e pode-se dizer, portanto, que, em certo sentido, cooperamos com a Divindade e promovemos, tanto quanto está em nosso poder, o plano da Providência. (Smith, citado por Cerqueira, 2006, p. 11) Esse trecho da obra nos revela que o posicionamento de Smith era baseado no providencialismo – teoria que entende Deus como o verdadeiro personagem da história e a quem tudo deve ser atribuído, ou seja, tudo tem sua origem na providência divina. Muitos intérpretes da obra de Smith afirmam que o ponto de partida de sua obra é o entendimento de uma divindade que apresenta uma natureza benevolente e sábia: benevolente na medida em que tempor princípio básico de suas ações a felicidade do ser humano, e sábia porque tem o pleno entendimento do todo. Com relação à benevolência divina para com o ser humano, Hasbach, citado por Kleer (1995, p. 275) diz: “O Criador assemelha-se a um relojoeiro que, de maneira engenhosa, reuniu as engrenagens do mundo para produzir ordem, harmonia, beleza e felicidade, sem que as engrenagens soubessem ou desejassem este resultado”. Segundo essa alegoria, o relojoeiro é aquele que organiza as diferentes peças do relógio para que este venha cumprir a função primária de sua existência; as mãos do relojeiro orientam a direção das peças. Da mesma forma seria a interferência divina na humanidade. Todavia, aqui cabe uma observação: as diferentes ações observadas ao longo da história da humanidade realmente estavam em conformidade com a vontade daquele posicionado por trás de toda essa engrenagem? Há diferentes interpretações da teoria de Smith; muitas delas, inclusive, vão ao extremo, afirmando que ele faz parte do grupo de pensadores que se posicionam na contramão das explicações teleológicas, ou seja, negam que em sua obra haja orientação de uma providência para ações da sociedade, sendo que esta agiria em conformidade com suas vontades. Outros estudiosos da teoria de Smith compartilham a ideia de que o sistema smithiano se fundamenta na 9 existência de uma harmonia natural das coisas, e essa teoria seria baseada na fé pessoal de Smith em Deus, que visaria ao bem do ser humano, ou seja, Smith concebia Deus como um ser benevolente. TEMA 4 – AMARTYA SEN: ECONOMIA E ÉTICA O economista e escritor indiano Amartya Kumar Sen (1933-) fez seus estudos de economia na Universidade de Cambridge, Inglaterra. Ao retornar à Índia, começou a dar palestras e iniciou carreira como professor na Escola de Economia de Delhi. Posteriormente, lecionou na Escola de Economia e Ciência Política de Londres e na Universidade de Harvard. Na Universidade de Cambridge atuou como reitor. Foi também um dos fundadores do Institulo Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento (Universidade da ONU). Assombrado com a fome que continuava a assolar seu país, Sen aprofundou os estudos sobre a economia dos países em desenvolvimento, analisando as diferentes condições das pessoas mais pobres do planeta. Desse estudo resultaram várias obras influentes, que abordam a desigualdade econômica, a pobreza, a fome, a ética e a economia. Seu livro mais conhecido, Pobres e famintos: um ensaio sobre direito e privação, publicado em 1981, faz uma análise profunda sobre o direito e também sobre a privação por que muitos cidadãos passam. Nela, Kumar Sen observou que a miserabilidade a que muitos são sujeitados não é gerada pela falta de comida, mas sim pela má organização (ou, em muitos casos, a falta dela) dos governos, que não fazem a devida distribuição dos alimentos, ocasionando a morte de centenas de milhares de pessoas. Em 1998, recebeu o Prêmio Nobel de Economia em virtude de seus trabalhos teóricos, que contribuem para uma nova compreensão dos conceitos referentes à pobreza, miséria, fome, e bem-estar social, fatores enfrentados por grande parte da população mundial. Para ele, o desenvolvimento de um país está intimamente ligado às oportunidades oferecidas à população, relacionadas à cidadania, ou seja, ao direito de se fazer escolhas e de se ter uma vida digna. Essa ideia engloba a garantia dos direitos sociais básicos, como saúde e educação, e avança para direitos como a segurança, liberdade e habitação. A perspectiva de Sen sobre a teoria ética é de maximizar a justiça nas decisões concretas que ela determina. Nesse sentido, ele se volta à ideia do 10 utilitarismo − teoria filosófica cujo objetivo é compreender os diferentes fundamentos da ética e da moral partindo das consequências das ações. Em outras palavras, uma ação só pode ser aceita como correta no aspecto moral se suas consequências produzirem o bem-estar coletivo; se isso não ocorrer, tal ação é condenável e errada. Para Sen, a economia tem sua raiz, basicamente, em duas vertentes diferentes: a primeira, vinculada à ética, e a segunda, à engenharia. No que tange à ética na economia, Sen faz uma retomada na história, afirmando que desde os pensadores gregos, como Aristóteles, a economia já estava vinculada à ética, na medida em que a riqueza deveria existir para promover o bem do ser humano e não para subjugá-lo. A economia “engenharia”, por sua vez, refere-se à capacidade de produzir soluções aos problemas apresentados pelo mercado, ou seja, a questões voltadas à produção de algo. Na compreensão de Sen, quando há proximidade da economia e da ética, ambas são beneficiadas. No entanto, segundo ele, a economia “engenharia” tem suas limitações, pois se inclina somente a questões técnicas e não a aspectos éticos. Para Sen, a liberdade do indivíduo é algo importante, visto que somente ela poderá conduzir o sujeito ao crescimento. Conforme suas palavras, a privação da liberdade econômica na forma de pobreza extrema, pode tornar a pessoa uma presa indefesa na violação de outros tipos de liberdade. A privação de liberdade econômica pode gerar a privação de liberdade social, assim como a privação de liberdade social ou política, da mesma forma gerar privação de liberdade econômica. (Sen, 2010, p. 23) Em outras palavras, as privações da liberdade do sujeito alimentam a privação de outros direitos e, dessa maneira, o círculo vicioso dificilmente pode ser rompido pelo indivíduo envolvido. Sendo assim, resta àqueles que têm condições – ou seja, os que estão imbuídos de autoridade − romper esse círculo vicioso, e tal ação seria uma ação ética. TEMA 5 – ÉTICA NO MUNDO GLOBALIZADO O conceito de globalização é traduzido de diferentes maneiras, conforme a área. Em termos gerais, globalização refere-se a um processo de integração, em escala global, entre as diferentes partes do planeta. Trata-se da ideia de um mundo sem fronteiras, envolvendo a integração tanto da economia como de outros aspectos, como a política, a tecnologia, a cultura e, para muitos, a religião. 11 O conceito de aldeia global está atrelado à criação de uma rede de conexões, que resulta em uma proximidade maior entre as pessoas e nações. Tal fator conduziria a uma maior facilidade entre as diferentes culturas e também entre as economias espalhadas ao redor do globo. Para muitos historiadores e pesquisadores, esse processo teve seu início aproximadamente entre os séculos XV e XVI, momento em que ocorreram as grandes navegações e as consequentes descobertas marítimas. Nesse período, espanhóis e portugueses lançaram-se ao mar com a finalidade de abrir novas rotas marítimas e de descobrir novas terras. Dessa maneira, o europeu entrou em contato com outras culturas e foram estabelecidos diversos tipos de relações comerciais, religiosas e culturais. Para outros historiadores, a globalização efetivou-se depois da decadência do socialismo da União Soviética, quando houve o crescimento do neoliberalismo, que levou à chamada globalização econômica ao redor do mundo. Com a globalização, as grandes empresas começaram a buscar novos mercados, tendo como alvo os países que haviam abandonado o socialismo, visto que, nestes, havia a demanda por diferentes produtos. Outro fator característico da globalização é o barateamento do processo produtivo das mercadorias. Isso porque as multinacionais buscam países cuja mão de obra é mais barata, e ali se instalam para obter maior lucratividade. Tal produto é, depois, vendido a países espalhados pelo mundo todo. As grandes mudanças que estão ocorrendo no mundo atualmente requerem dessa sociedade ações práticas e equilibradas. Um exemplo é com relação à natureza. O uso desenfreado de recursos naturais em várias partes do planeta já está acarretando consequênciasnegativas ao meio ambiente. Desse modo, a sociedade precisa buscar soluções para o uso dos diferentes recursos, a fim de não comprometer o equilíbrio ambiental. Em outras palavras, é necessário que todos se comprometam com ações éticas. Uma reflexão que precisa ser retomada é que a ética individual, dê lugar à ética da coletividade. Quando a decisão de um sujeito ou de um pequeno grupo toma proporções que prejudicam o coletivo, isso merece profunda reflexão. Para Bittar (2002), um aspecto importante é que a sociedade atual fez grandes substituições, o que, de certo modo, acabou por influenciar a busca por uma ética coletiva que gere equilíbrio na sociedade. Em suas palavras, “no lugar da transcendência, a racionalidade, no lugar do manual, o lucro; no lugar da 12 unidade, a multiplicidade; no lugar da integração, a fragmentação” (Bittar, 2002, p. 54). Conforme este autor, algumas dessas mudanças, por um lado, trouxeram grandes avanços, sendo estes benéficos para a sociedade. Por outro lado, entretanto, essas mudanças afetaram o modo de vida no que diz respeito às relações na sociedade e, com isso, o crescimento econômico de alguns em detrimento de muitos. Ao dizer “no lugar da virtude, o lucro”, Bittar expressa que, para muitos, o lucro está em primeiro lugar, independentemente das ações que precisam ser tomadas. Isso significa que, se for necessário subjugar alguns para a obtenção de lucro, isso será feito. Essa postura é encontrada, por exemplo, em alguns líderes políticos, que tomam certas decisões que ainda assim prejudiquem uma maioria. Cabe aqui uma reflexão ética por parte de toda a sociedade sobre suas diferentes ações, a fim de que muitos não sejam prejudicados com decisões pautadas em necessidades subjetivas por parte de poucos ao redor do planeta. FINALIZANDO Abordamos aqui diferentes tópicos que envolvem a ética e a economia. Analisamos as relações entre a atividade econômica e a ética. Vimos como a atividade econômica de um indivíduo, de uma empresa ou de uma nação é algo complexo e que merece atenção no que se refere aos princípios éticos. Vimos ainda que, no campo da ciência econômica, as contribuições de Smith exercem papel preponderante ainda nos dias de hoje, na medida em que nos conduzem a uma reflexão sobre as diferentes teorias econômicas. No quarto tema do texto apresentamos a vida e obra de Amartya Kumar Sen, economista e escritor indiano. Para esse estudioso, a liberdade do indivíduo é algo muito importante, uma vez que conduz ao seu crescimento. Por último, trabalhamos o tema ética no mundo globalizado. O conceito de globalização remente ao entendimento de um mundo único, sem fronteiras, em que há uma integração tanto da economia como de outros aspectos, como o político, o cultural e o religioso. 13 REFERÊNCIAS AMARTIA Sen. Algo sobre. Disponível em: <https://www.algosobre.com.br/biografias/amartya-sen.html>. Acesso em: 4 ago. 2017. AMARTYA Sen. Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Amarty a_Sen>. Acesso em: 21 ago. 2017. BITTAR, E. C. B. Curso de ética jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. CERQUEIRA, H. E. A. da G. Sobre a filosofia moral de Adam Smith. Disponível em: <http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A039.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2017. DEFINIÇÕES de economia. Economia Nostra, 11 mar. 2014. Disponível em: <https://economianostra.wordpress.co m/2014/03/11/definicoes-de-economia/>. Acesso em: 21 ago. 2017. GLOBALIZAÇÃO. Sua Pesquisa.com. Disponível em: <http://www.suapesquisa .com/globalizacao/>. Acesso em: 21 ago. 2017. KLEER, R. Final causes in Adam Smith’s theory of moral sentiments. Journal of the history of philosophy, v. 33(2): 275-300, 1995. MACFIE, A. L. The individual in society: Papers on Adam Smith. London: Routledge, 2010. MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1985. Livro 1. MEDEIROS, A. M. Globalização. Consciência política, out. 2014. Disponível em: <http://www.portalconscienciapolitica.com.br/economia- politica/globaliza%C3%A7%C3%A3o/>. Acesso em: 21 ago. 2017. NICOLAU, M. O príncipe. Rio de Janeiro: Difel, 2002. NOVAES, A. Ética. 8. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. SARTORI, Gi. A política. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. _____. Brasil: de Castelo a Tancredo. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. SEN, A. K. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. https://economianostra.wordpress.com/2014/03/11/definicoes-de-economia/ 14 _____. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo. Companhia das Letras, 2010. _____. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras,1999. SKIDMORE, T. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. SMITH, A. The Theory of Moral Sentiments. Edited by D. D. Raphael and A. L. Macfie. Indianapolis: Liberty Fund, 1982 [1759]. TUGENDHAT, E. Lições sobre ética. 5. Ed. Petrópolis: Vozes, 2003. VÁZQUEZ, A. S. Ética. 20. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
Compartilhar