Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO – PERSPECTIVA SOCIO-HISTÓRICA E NEUROPSICOLÓGICA AULA 5 Prof. Reginaldo Daniel da Silveira 2 CONVERSA INICIAL Revisitando os transtornos de aprendizagem e o TDAH Dificuldades de aprendizagem consideradas fora da curva do desenvolvimento neuronal dos indivíduos podem ser localizadas em algum modelo de transtornos. Entre 5 e 15% das pessoas apresentam transtornos de aprendizagem distribuídos em fatores essenciais como atenção, memória, cognição, hiperatividade, impulsividade e outros. O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), com prevalência média de 11,26%, precisa ser tratado em um esquema múltiplo de intervenção com a Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC), sendo considerada a forma de intervenção psicossocial mais indicada. TEMA 1 – O QUE SÃO TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM? O ser humano aprende a ser o que é no meio social ao qual pertence. Isso se dá pela educação, na qual, ao adquirir conhecimento, ele se torna útil para si mesmo e para os outros a quem ajuda a se transformar (Mayer, 2013). Não existe terminologia única para transtornos de aprendizagem. Dificuldades e transtornos (distúrbios) de aprendizagem, em um sentido geral, abarcam problemas amplos de aprendizagem (duas ou mais áreas afetadas) e transtornos específicos de aprendizagem (leitura, matemática ou escrita). A literatura americana se refere mais ao termo transtornos, já a europeia usa mais dificuldades. A “não aprendizagem”, na perspectiva de dificuldade, pode advir de uma metodologia pedagógica, um ambiente físico, contatos sociais, contexto de vida. Para França (2019), o termo se refere a um modo diferente de cada um aprender, podendo ser cultural, cognitivo ou emocional. Como transtorno, ela não decorre de causas educativas, pode apresentar disfunções neurológicas, e mesmo aqui, assegura a autora, não é prudente considerar somente a causa biológica, pois problemas de atenção, ansiedade ou agitação também ocorrem por conflitos pessoais ou familiares – e não unicamente por razões fisiológicas. Esta breve introdução enseja tratar do tema “não aprendizagem” destituído do olhar fragmentado e mecânico, do “mau funcionamento”, se ele acontece no ambiente pedagógico, ou no funcionamento neurológico; há que se 3 considerar o campo histórico-cultural em que o indivíduo está inserido. Por essa inflexão, a aprendizagem se dá pelo processamento das informações adquiridas na transmissão social em áreas específicas do cérebro sobre conhecimentos de interesse da realidade em que vivemos (Mano; Marchello, 2015). Sobre a sintomatologia, pela nossa concepção, não podemos reduzir o olhar sobre o outro apenas à luz de diagnósticos fundamentados em critérios e especificidades, pois nem sempre eles se aplicam a determinadas situações. Isso não significa descartar informações, uma vez que, ao recorrermos aos manuais pela ausência de outras respostas, podemos obter esclarecimentos valiosos. Contudo, é inegável que a transformação de seres humanos se dá nos dias de hoje pelo modo flexível, híbrido, digital, dinâmico e diversificado de pensar e agir, e isso se aplica no aprender, no ensinar e no derivativo dessas duas coisas em processos como o diagnosticar. É o produto de nossas aprendizagens obtidas pela linguagem ou escrita que nos faz seres histórico- culturais, e como tal devemos levar isso em consideração sobre o que nos rodeia. O aprender, portanto, se dá sobre um fundo de uma experiência histórica que é anterior ao indivíduo, na articulação do velho e do novo, formando o contexto cultural que é a mediação concreta da existência humana (Severino, 1998). Para Sulkes (2018), o transtorno de aprendizagem envolve condições neurológicas na infância, antes da idade escolar. As áreas de desenvolvimento prejudicadas dizem respeito à dificuldade para adquirir, manter ou aplicar habilidades ou conjuntos específicos de informação. Uma definição do National Joint Commitee of Learning Disabilities (NJCLD)1 vincula o transtorno de aprendizagem a um distúrbio neurológico. De modo simples o transtorno resultado de uma diferença na maneira como o cérebro de uma pessoa é “conectado”. Ainda de acordo com o NJCLD (LD online, [S.d.]), crianças com transtornos de aprendizagem são tão inteligentes ou mais que seus pares; as dificuldades surgem em situações como ler, escrever, soletrar, raciocinar, recordar e/ou organizar informações. Vejamos algumas informações sobre os transtornos de aprendizagem (LD online, [S.d.]): 1 Fundado em 1965 em Washington, o Comitê Conjunto Nacional de Dificuldades de Aprendizagem (NJCLD, em inglês) reúne representantes de organizações comprometidas com a educação e o bem-estar de indivíduos com dificuldades de aprendizagem. 4 a) Afetam cerca de 15% da população e podem ter um impacto profundo nos indivíduos e nas famílias. b) Referem-se a indivíduos tão inteligentes quanto seus colegas, porém, com dificuldade em aprender em ambientes escolares convencionais. c) Os transtornos de aprendizagem aparecem no entendimento ou no uso da linguagem, falada ou escrita. d) Muitas vezes, é difícil, com base nos comportamentos observados, distinguir entre alunos lentos e pessoas com deficiência. e) O diagnóstico real de uma dificuldade de aprendizagem só pode ser feito por profissionais treinados – psicólogos clínicos, psicólogos educacionais, alguns médicos etc. TEMA 2 – TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM E SUAS PREVALÊNCIAS Em nossos estudos sobre transtornos de aprendizagem, consideramos que eles compreendem uma ou mais inabilidades específicas em atividades como ler, escrever ou fazer cálculos matemáticos. No sentido geral, seriam aqueles abaixo da curva esperada em seu nível desenvolvimento neuronal. Até certo tempo, de acordo com clássico texto de Emil Kraepelin sobre transtornos mentais (1883), não havia menção a transtornos infantis (Gazzaniga; Heatherton, 2005). Pensou-se, durante certo tempo, que “as crianças eram miniadultos, não tinham o direito de brincar, estudar ou ‘ser criança’; até mesmo suas roupas eram idênticas às usadas pelos mais velhos” (Teixeira, 2013). Segundo Gazzaniga e Heatherton (2005), esse modo de pensar foi observado na primeira edição do DSM, que também via a criança como miniversão do adulto. Hoje já outra interpretação: Atualmente, em resposta à crença de que as capacidades cognitivas, emocionais e uma categoria no Eixo 1 chamada “transtornos” geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância ou adolescência. Essa categoria inclui uma ampla variedade de transtornos, desde os que afetam apenas áreas circunscritas do mundo da criança, como transtornos de leitura e gagueira, até os que afetam todos os aspectos de sua vida, como o autismo e o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. (Gazzaniga; Heatherton, 2005, p. 524) Para Sulkes (2018), além de áreas como atenção, memória, percepção, linguagem, solução de problemas ou interação social, “outros transtornos do desenvolvimento neurológico comuns incluem déficit de atenção/hiperatividade, distúrbios do espectro do autismo e deficiência intelectual”. Para o autor, os 5 transtornos de aprendizagem específicos comuns envolvem problemas de leitura, matemática, ortografia, expressões escritas ou manuscritas, compreensão ou uso da linguagem verbal ou não verbal. Basicamente eles se referem à capacidade de: compreender ou utilizar a linguagem falada; compreender ou usar a linguagem escrita; fazer cálculos matemáticos; coordenar os movimentos focar a atenção em uma tarefa (Sulkes, 2018). 2.1 Prevalência dos transtornos de aprendizagem Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a prevalência de transtornos de aprendizagem no Brasil carece de dados mais robustos, por nãopadronizar idade, escolaridade, grupo cultural ou linguístico para diferentes regiões do país (SBP, 2018). A situação não é exclusiva do país, já que estudos canadenses revelam que as taxas de incidência nos transtornos de aprendizagem podem ser vulneráveis a distorções ou preconceitos. Não há uma definição operacional precisa das dificuldades e transtornos que seja amplamente aceita. No argumento da Learning Disabilities Association of Ontario (LDAO)2, é preciso considerar o que seja Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) (LDAO, 2018). Alguns voltam-se para um tipo específico de alteração que envolve atenção, memória e concentração; outros o veem como uma alteração separada, mas relacionada e frequentemente coexistente; há ainda os que não o mencionam. Considerando-se o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), a prevalência de transtornos de aprendizagem é de 5 a 15% entre crianças em idade escolar, em diferentes idiomas e culturas; nos adultos, esse dado é desconhecido (Instituto ABCD, [S.d.]). Rodrigues (2016) menciona que a prevalência desses transtornos de aprendizagem, segundo a American Psychiatric Association (APA), é difícil de se estabelecer isoladamente, pelo fato de os estudos iniciais se concentrarem nos transtornos de aprendizagem em 2 A LDAO é uma instituição canadense que trabalha com recursos, serviços, informações, locais e produtos projetados para ajudar pessoas com transtornos de aprendizagens e TDAH, além de pais, professores e outros profissionais. 6 geral, sem o cuidado de separar os transtornos específicos. Na edição de 2014 do Manual da APA, já há referência aos transtornos específicos de aprendizagem, aparecendo dados de que os transtornos de leitura têm sido mais frequentes quando combinados com outros transtornos, variando entre 2% a 10% das crianças em idade escolar. Números da Sociedade Brasileira de Pediatria (2018), levando em conta o DSM-5, confirmam os índices de 5 a 15%, considerando diferentes linguagens e culturas. Uma amostra de 1.618 crianças e adolescentes do 2º ao 6º ano do ensino fundamental das quatro regiões geográficas do Brasil apresentou os seguintes resultados: 7,6% para comprometimento global; 5,4% para comprometimento na escrita; 6,0% para comprometimento na área de aritmética; e 7,5% para comprometimento da leitura. Um estudo do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal de Minas Gerais realizado em 2014 mostrou que a prevalência da dislexia na população é de 6% a 7% e mais frequente em meninos do que em meninas (SBP, 2018). Revelou também que a discalculia, um transtorno específico de aprendizagem com prejuízo no campo da matemática, ocorre entre 3% a 6% da população. Por fim, é válido que se registrem dados encontrados em um mapeamento de dados com 23 estudos de prevalência do TDAH realizados em diferentes áreas geográficas de quatro continentes (América, Ásia, Europa e África) para elaborar um cenário das investigações. Na prevalência do transtorno, observou- se a média de 11,26% (Hora et al., 2015). TEMA 3 – TDA OU TDAH? Ao pé da letra, o Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) se refere a crianças com comportamentos dispersos, notadamente no desempenho escolar. Ele se diferencia do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) por este acrescentar inquietude e impulsividade ao quadro da desatenção. Observando-se a evolução de estudos sobre o transtorno ligado à atenção, percebe-se que ele teve uma designação inicial como Transtorno de Déficit de Atenção (TDA), sem a presença de sintomas de hiperatividade e/ou impulsividade, de acordo com o DSM-3 publicado em 1980 (Epstein; Loren, 2013). Segundo esses autores, com a publicação do DSM-3-R, ocorrida em 1987, a designação passou a ser de Transtorno de Déficit de 7 Atenção/Hiperatividade (TDA/H), em um momento de grande controvérsia. As críticas se dirigiam à primazia da hiperatividade e sancionaram o transtorno, colocando a desatenção e a impulsividade como elementos centrais na síndrome (Victor; Grevet; Abreu, citados por Camargos Jr.; Hounie, 2005). A pergunta esperada é se existe um distúrbio puramente relacionado à atenção. A tarefa não é fácil, uma vez que se existir uma disfunção neurológica associada a algum comprometimento no funcionamento de certas áreas do cérebro, é arriscado falar somente numa única causa, mesmo que seja biológica. França (2019) explica isso com o argumento de que alunos frequentemente apresentam sintomas ligados à atenção, ansiedade ou agitação, podendo, além de possíveis causas fisiológicas, apresentar conflitos pessoais. Lobo (2010) refere-se a Distúrbio de Déficit de Atenção Clássico SEM Hiperatividade, como o que ocorre em 50% das mulheres e com menos prevalência entre homens. Nele, há o desvio da atenção em distrações, dificuldade de concentração, parecendo não ouvir quando a pessoa é chamada e captando às vezes apenas partes de um assunto3. Independentemente da classificação nos manuais de doenças mentais de distúrbio da atenção inserido na designação de TDAH por centralizar desatenção e impulsividade no quadro sintomático, o TDA pode, portanto, existir sem a hiperatividade. Levando em consideração a desatenção numa lista de verificação de sintomas em Smith e Strick (2001), teríamos: a) com frequência a criança deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras; b) frequentemente surgem dificuldades para focar a atenção em tarefas ou atividades lúdicas; c) a criança parece não escutar quando lhe dirigem a palavra; d) é comum não seguir instruções e não terminar os deveres escolares e as tarefas domésticas; e) tem dificuldade para organizar atividades; f) reluta em se envolver com tarefas ou as evita; g) com frequência perde coisas (como brinquedos, livros, lápis); 3 Esse distúrbio estaria ao lado de outros cinco: Déficit de Atenção Clássico COM Hiperatividade; Déficit de Atenção COM Hiperfoco; Déficit de Atenção do Lobo Temporal; Déficit de Atenção do Sistema Límbico ou Pequeno Déficit de Atenção ou Transtorno Depressivo; e Déficit de Atenção do Tipo Anel de Fogo. 8 h) distrai-se facilmente com visões e sons irrelevantes; i) frequentemente apresenta esquecimento em tarefas diárias. Na definição de Pereira e Mattos (2011, p. 493), o TDAH é “um transtorno neuropsíquico reconhecido pela primeira vez na infância, caracterizado por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade intensa”. Para os autores, esse quadro sintomático causa comprometimento funcional em áreas importantes da vida das pessoas. No histórico do TDAH, considerava-se, no passado, um transtorno que a criança tinha em sua fase infantil e que desaparecia antes da idade adulta. Sabemos hoje que, quando diagnosticado no plano médico, é uma condição neurológica estendida por toda a vida com longa duração; pode, no caso da hiperatividade, diminuir à medida que o indivíduo encontra maneiras saudáveis de canalizar sua energia (Sinfield, 2019). Smith e Strick (2001) reportam no TDAH a prevalência de 3 a 5% da população escolar e, a exemplo de vários outros especialistas, põem em dúvida serem os meninos mais afetados como se dizia no passado, destacando que atualmente os gêneros apresentam o mesmo risco. Considerando-se o que já foi dito sobre a desatenção, no caso da hiperatividade e impulsividade, Pereira e Mattos (2011, p. 494) destacam os seguintes quadros sintomáticos: a) frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira; b) frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado; c)frequentemente corre ou escala em demasia, em situações nas quais isso é inapropriado (em adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação); d) com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer; e) está frequentemente “a mil” ou muitas vezes age como estivesse “a todo vapor”; f) frequentemente fala em demasia; g) frequentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas; h) com frequência tem dificuldade para aguardar sua vez; 9 i) frequentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros (por exemplo, intrometer-se em conversas ou em brincadeiras). TEMA 4 – A MEDICALIZAÇÃO NO TDAH O diagnóstico inicial do TDAH, a partir dos anos 1950, passou por nomes como Disfunção Cerebral Mínima (DCM), síndrome da hiperatividade, hipercinesis (hiperação), distúrbio de hiperatividade infantil e outros até ser conhecido no DSM-4 como Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Moraes, 2012). Nos últimos anos, o termo TDAH se incorporou rapidamente a um modelo médico, com destaque para o tratamento farmacológico. A maneira como foi classificado apresentou-se como exemplo empírico para a teorização do problema da medicalização da sociedade. Nele, psiquiatria e saúde pública se vincularam a mecanismos de controle social. Nos registros vigentes da literatura, encontramos no olhar de Conrad e Barker (2010) o uso de políticas escolares cada vez mais encorajadoras à medicação e a acomodações especiais para alunos com incapacidades de aprendizagem. Para os autores, diante da dificuldade de estarem atentas ou manifestarem bom comportamento, essas crianças são definidas como portadoras de TDAH sem indicação das causas sociais e não médicas. Em um cenário no qual a medicalização classifica a hiperatividade como crime e abuso infantil, Bianchi et al. (2016) explicam que o TDAH é mostrado como um dos diagnósticos pioneiros no uso de drogas psicotrópicas para os referidos “problemas de comportamento infantil”, explicada entre outros fatores pelos lucros extremos na indústria farmacêutica. Embora não existam grupos de defesa dos pacientes nos moldes estadunidenses como vimos anteriormente, alguns movimentos estão em andamento no Brasil e neles se incluem doenças como TDAH, TEA e TOC, o que contribui para melhores condições de tratamento e cidadania (Bianchi et al., 2016). Em termos médicos, o tratamento do TDAH ocorre pela administração de metilfenidato, considerado essencial para a teoria da hipofunção dopaminérgica (aumento de dopamina em fendas sinápticas) como o striatum (Moraes, 2012). Rohde e Halpern (2004) ressaltam que o tratamento do TDAH envolve abordagem múltipla, com intervenções psicossociais e psicofarmacológicas, e 10 destacam haver estudos sobre a eficácia superior da medicação nos sintomas centrais do transtorno quando comparada com outras abordagens. Moraes (2012), por outro lado, aponta eventos adversos mais frequentes causados pelos medicamentos como perda de apetite, insônia, irritabilidade, cefaleia e sintomas gastrointestinais. Ele põe em evidência outros eventos submetidos à controvérsia como interferência no crescimento, abuso do metilfenidato e tempo de manutenção do tratamento. Golden et al. (2016) apresentam dados de estudos sobre a medicalização do TDAH feitos no Reino Unido, Austrália e Irã entre 2000 e 2010: Na Austrália e Reino Unido, os médicos consideraram o superdiagnóstico do TDAH e discutiram o uso excessivo de medicamentos para questões de mau comportamento. Clínicos gerais em Londres consideraram a medicalização no TDAH controversa, estigmatizante e desvantajosa e encaminhamentos feitos para “prevenção de riscos”. Entrevistas no Reino Unido identificaram três posições: crítica (rotulagem), ceticismo e relutância em medicalizar e diagnosticar por questões de desempenho escolar. No Reino Unido, na Austrália e no Irã, a mídia foi descrita como influenciadora da medicalização. Uma palavra parece ser relevante sobre o TDAH: não se opor nem negar a eficácia de medicamentos, mas considerar a medicalização como produtora de infantilização, segregação e culpabilização (Rodrigues, 2003). TEMA 5 – ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA NO TDAH Segundo Camargos Jr. e Hounie (2005, p. 877), existem pelo menos oito razões para considerar que o tratamento do TDAH deva ser multimodal, com intervenções psicossociais além do tratamento farmacológico. 1. inexistência de resposta a fármacos estimulantes (10 a 30% dos casos e efeitos colaterais; 2. associações medicamentosas/uso de fármacos de segunda linha; 3. medicações estimulantes não são eficazes em todos os sintomas; 4. benefícios restritos apenas aos dias em que a medicação é usada; 5. falta de dados suficientes para benefícios e riscos; 11 6. inaceitação familiar para o uso de medicação em alguns casos; 7. efeito sinérgico gerado pela cominação medicamento mais intervenção psicossocial; 8. evidências existentes do uso indiscriminado e abusivo de prescrições médicas. O tratamento por meio de psicoterapia tem se mostrado útil para verificação do contexto social da criança com TDAH. Isso porque considera o campo das relações do organismo com o ambiente, e o terapeuta promove alterações ambientais favoráveis (Santos; Vasconcelos, 2010). Como estratégia de intervenção psicossocial, o modelo cognitivo- comportamental é o mais indicado para o TDAH (Rohde; Halpern, 2004; Ribeiro, 2016; Rangé et al., 2011; ABDA [S.d.]). Isso ocorre pela evidência científica de eficácia para sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade (Rohde; Halpern, 2004), além de outros residuais de cunho comportamental, cognitivo e emocional, em que a TCC é indicada por estudiosos como Knapp (2004, citado por Gomes, 2019). A Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) ressalta que a TCC tem evidências científicas quanto à eficácia sobre sintomas centrais (desatenção, hiperatividade, impulsividade) e no manejo de sintomas comportamentais (oposição, desafio, teimosia) (ABDA, [S.d.]). Segundo Rangé et al. (2011), o tratamento psicoterápico do TDAH envolve: a) psicoeducação; b) manejo dos problemas emocionais; c) treino de habilidades e estratégias de enfrentamento (em crianças, a participação dos pais é relevante para o tratamento). Santos e Vasconcelos (2010) defendem o trabalho interdisciplinar entre a neurociência e os analistas do comportamento. Esse posicionamento pode favorecer intervenções clínicas para a elaboração de novos padrões na atenção, no autocontrole e engajamentos em atividades com vistas a adaptar o indivíduo em seu ambiente escolar, familiar e social. Numa visão geral, a ABDA ([S.d.]) corrobora com especialistas o uso de intervenção multidisciplinar no TDAH, envolvendo profissionais das áreas médicas, saúde mental e pedagógica, em conjunto com os pais. Cabe ao profissional educar a família sobre o transtorno por meio de informações 12 adequadas acerca da forma de lidar com os sintomas dos filhos. A ABDA ressalta ainda que pode haver necessidade de um acompanhamento psicopedagógico centrado na forma do aprendizado, e a esse respeito pode haver exemplos quanto à organização e ao planejamento do tempo. Também o tratamento reeducativo psicomotor pode ser indicado para melhorar o controle do movimento. NA PRÁTICA Os resultados de prevalência do TDAH são próximos, mas não precisos. O tratamento medicamentoso é importante, mas não é a única forma, podendo em alguns casos provocar efeitos patologizantes. A TCC é um modo de intervenção psicossocial indicado. FINALIZANDO Ainda temos muito o que aprender sobre os transtornos de aprendizagem. A avaliação dos efeitos diagnosticantes e medicalizantes deve avançar, e para isso é preciso maior ação em movimentoscontra a medicalização. O TDAH tende a gerar interpretações sem evidência, e o que se tem como dados conclusivos é a importância de não haver dependência do DSM-5, ao mesmo tempo que se amplie o processo investigativo e preventivo sobre possíveis sinais de desvios neurodesenvolvimentais com a participação de outros atores (pais, professores e equipe multidisciplinar de saúde). 13 REFERÊNCIAS ABCD – Associação Brasileira de Cientistas para Desconstrução de Diagnósticos e Desmedicalização. Quem somos. [S.d.]. Disponível em: <http://desmedicalizacao.org/#sobre>. Acesso em: 05 abr. 2020. ABDA – Associação Brasileira do Déficit de Atenção. [S.d.]. Disponível em: <http://www. tdah.org.br>. Acesso em: 05 abr. 2020. BIANCHI, E. et al. Medicalization beyond physicians: pharmaceutical marketing on attention deficit and hyperactivity disorder in Argentina and Brazil (1998- 2014). Saude soc., São Paulo, v. 25, n. 2, p. 452-462, abr./jun. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104- 12902016000200452&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 05 abr. 2020. CAMARGOS JR., W.; HOUNIE, A. G. Manual Clínico do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Nova Lima: Editora Info, 2005. CONRAD, P.; BARKER, K. K. The social Construction of Illness: Key insights and policy implications. Journal of Health and Social Behavior, v. 51, 1 suplem., p. 67-79, jan. 2010. EPSTEIN, J. N.; LOREN, R. E. Changes in the Definition of ADHD in DSM-5: Subtle but Important. Neuropsychiatry, London, v. 3, n. 5, p. 455-458, out. 2013. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3955126/>. Acesso em: 05 abr. 2020. FRANÇA, L. O que é dificuldade de aprendizagem e como contorná-la? PAR, Plataforma Educacional, 15 abr. 2019. Disponível em: <https://www.somospar.com.br/dificuldade-de-aprendizagem/>. Acesso em: 05 abr. 2020. GAZZANIGA, M.; HEATHERTON, T. F. Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2005. GOLDEN, M. T. et al. What do general practitioners know about ADHD? Attitudes and knowledge among first-contact gatekeepers: systematic narrative review. BMC family practice, v. 17, art. 129, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.1186/s12875-016-0516-x>. Acesso em: 6 abr. 2020. GOMES, M. da G. H. As contribuições da Terapia Cognitivo- Comportamental para o tratamento de crianças com TDAH. 41 f. Trabalho http://desmedicalizacao.org/#sobre https://doi.org/10.1186/s12875-016-0516-x 14 de Conclusão de Curso (Especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental), CETCC – Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental, São Paulo, 2019. Disponível em: <https://cetcc.com.br/wp-content/uploads/2020/02/Maria- da-Gra%C3%A7a-Harrays.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. HORA, A. F. et al. A prevalência do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): uma revisão de literatura. Psicologia, Lisboa, v. 29, n. 2, p. 47-62, dez. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874- 20492015000200004>. Acesso em: 05 abr. 2020. LDAO – Learning Disabilities Association of Ontario. Learning Disabilities Statistics. Some recent Canadian sources for statistics on learning disabilities. 2018. Disponível em: <http://www.ldao.ca/introduction-to-ldsadhd/articles/about- lds/learning-disabilities-statistics/>. Acesso em: 05 abr. 2020. LD Basics: What is a Learning Disability? LD online, [s.d.]. Disponível em: <http://www.ldonline.org/ldbasics/whatisld>. Acesso em: 05 abr. 2020. LOBO, F. Déficit de atenção com ou sem hiperatividade: abordagem multidisciplinar. EcoDebate, 28 dez. 2010. Disponível em: <https://www.ecodebate.com.br/2010/12/28/deficit-de-atencao-com-ou-sem- hiperatividade-abordagem-multidiscplinar-artigo-de-frederico-lobo/>. Acesso em: 05 abr. 2020. MANO, A. de M. P.; MARCHELLO, A. M. dos S. Dificuldades e distúrbios de aprendizagem na concepção de professores de séries iniciais do ensino fundamental. Revista Científica Eletrônica da Pedagogia, Garça, ano XIII, n. 25, jul. 2015. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/BTZp7xYt6jIf3KJ _2015-12-10-15-54-18.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. MAYER, E. de F. D. A constituição do humano na aprendizagem. 91 f. Dissertação (Mestrado em Educação nas Ciências) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2013. MORAES, R. B de S. “... como se fosse lógico”: considerações críticas da medicalização do corpo infantil pelo TDAH na perspectiva da sociedade normalizadora. 402 f. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo), http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-20492015000200004 http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-20492015000200004 http://www.ldao.ca/introduction-to-ldsadhd/articles/about-lds/learning-disabilities-statistics/ http://www.ldao.ca/introduction-to-ldsadhd/articles/about-lds/learning-disabilities-statistics/ http://www.ldonline.org/ldbasics/whatisld https://www.ecodebate.com.br/2010/12/28/deficit-de-atencao-com-ou-sem-hiperatividade-abordagem-multidiscplinar-artigo-de-frederico-lobo/ https://www.ecodebate.com.br/2010/12/28/deficit-de-atencao-com-ou-sem-hiperatividade-abordagem-multidiscplinar-artigo-de-frederico-lobo/ 15 Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2012. PEREIRA, A.; MATTOS, P. Tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). In: RANGÉ, B. et al. Psicoterapias cognitivo- comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 493-507. QUAL É a prevalência dos transtornos de aprendizagem? Instituto ABCD. [S.d.]. Disponível em: <https://www.institutoabcd.org.br/perguntas/qual-e-a- prevalencia-dos-transtornos-de-aprendizagem/>. Acesso em: 05 abr. 2020. RIBEIRO, S. P. TCC e as funções executivas em crianças com TDAH. Rev. bras.ter. cogn., Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 126-134, jul./dez. 2016. Disponível em: <http://www.rbtc.org.br/detalhe_artigo.asp?id=241>. Acesso em: 05 abr. 2020. RODRIGUES, J. T. A medicação como única resposta: uma miragem do contemporâneo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, n. 1, p. 13-22, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v8n1/v8n1a03>. Acesso em: 05 abr. 2020. RODRIGUES, M. E. Problemas e transtornos de aprendizagem: definições e determinantes. Educere et educare, Cascavel, v. 11, n. 23, jul./dez. 2016. Disponível em: <http://e- revista.unioeste.br/index.php/educereeteducare/article/view/14204/11106>. Acesso em: 05 abr. 2020. ROHDE, L. A.; HALPERN, R. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: atualização. J. Pediatr., Porto Alegre, v. 80, n. 2, supl., p. 61-70, abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021- 75572004000300009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 05 abr. 2020. SANTOS, L. de F.; VASCONCELOS, L. A. Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade em Crianças: uma revisão interdisciplinar. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 26, n. 4, p. 717-724, out./dez. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26n4/15.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. SBP – Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes sobre o papel do pediatra diante da criança com dificuldade escolar. Rio de Janeiro: SBP, 2018. Disponível em: <https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21156d- http://www.scielo.br/pdf/pe/v8n1/v8n1a03 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572004000300009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572004000300009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21156d-DIRETRIZES_-Papel_pediatra_diante_crianca_DificEscolar.pdf 16 DIRETRIZES_-Papel_pediatra_diante_crianca_DificEscolar.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020. SEVERINO, A. J. Produção de conhecimento,ensino/aprendizagem e educação. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 2, n. 3, p. 11-20, ago. 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414- 32831998000200002>. Acesso em: 05 abr. 2020. SMITH, C.; STRICK, L. Dificuldades de aprendizagem de A a Z. Porto Alegre: Artmed, 2001. SINFIELD, J. An Overview of Living With ADHD. Verywell Mind, 2019. Disponível em: <https://www.verywellmind.com/adhd-overview-4157275>. Acesso em: 06 abr. 2020. SULKES, S. B. Visão geral dos transtornos de aprendizagem. Manual MSD. Versão para Profissionais de Saúde. 2018. Disponível em: <https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/pediatria/dist%C3%BArbios-de- aprendizagem-e-desenvolvimento/vis%C3%A3o-geral-dos-transtornos-de- aprendizagem#v1104946_pt>. Acesso em: 05 abr. 2020. TEIXEIRA, G. Manual dos transtornos escolares: entendendo os problemas de crianças e adolescentes na escola. Rio de Janeiro: BestSeller, 2013. Edição do Kindle. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21156d-DIRETRIZES_-Papel_pediatra_diante_crianca_DificEscolar.pdf https://www.verywellmind.com/adhd-overview-4157275
Compartilhar