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MEDICALIZAÇÃO NA 
EDUCAÇÃO – PERSPECTIVA 
SOCIO-HISTÓRICA E 
NEUROPSICOLÓGICA 
AULA 5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Reginaldo Daniel da Silveira 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Revisitando os transtornos de aprendizagem e o TDAH 
Dificuldades de aprendizagem consideradas fora da curva do 
desenvolvimento neuronal dos indivíduos podem ser localizadas em algum 
modelo de transtornos. Entre 5 e 15% das pessoas apresentam transtornos de 
aprendizagem distribuídos em fatores essenciais como atenção, memória, 
cognição, hiperatividade, impulsividade e outros. 
O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), com 
prevalência média de 11,26%, precisa ser tratado em um esquema múltiplo de 
intervenção com a Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC), sendo 
considerada a forma de intervenção psicossocial mais indicada. 
TEMA 1 – O QUE SÃO TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM? 
O ser humano aprende a ser o que é no meio social ao qual pertence. Isso 
se dá pela educação, na qual, ao adquirir conhecimento, ele se torna útil para si 
mesmo e para os outros a quem ajuda a se transformar (Mayer, 2013). 
Não existe terminologia única para transtornos de aprendizagem. 
Dificuldades e transtornos (distúrbios) de aprendizagem, em um sentido geral, 
abarcam problemas amplos de aprendizagem (duas ou mais áreas afetadas) e 
transtornos específicos de aprendizagem (leitura, matemática ou escrita). A 
literatura americana se refere mais ao termo transtornos, já a europeia usa mais 
dificuldades. 
A “não aprendizagem”, na perspectiva de dificuldade, pode advir de uma 
metodologia pedagógica, um ambiente físico, contatos sociais, contexto de vida. 
Para França (2019), o termo se refere a um modo diferente de cada um aprender, 
podendo ser cultural, cognitivo ou emocional. Como transtorno, ela não decorre 
de causas educativas, pode apresentar disfunções neurológicas, e mesmo aqui, 
assegura a autora, não é prudente considerar somente a causa biológica, pois 
problemas de atenção, ansiedade ou agitação também ocorrem por conflitos 
pessoais ou familiares – e não unicamente por razões fisiológicas. 
Esta breve introdução enseja tratar do tema “não aprendizagem” 
destituído do olhar fragmentado e mecânico, do “mau funcionamento”, se ele 
acontece no ambiente pedagógico, ou no funcionamento neurológico; há que se 
 
 
3 
considerar o campo histórico-cultural em que o indivíduo está inserido. Por essa 
inflexão, a aprendizagem se dá pelo processamento das informações adquiridas 
na transmissão social em áreas específicas do cérebro sobre conhecimentos de 
interesse da realidade em que vivemos (Mano; Marchello, 2015). 
Sobre a sintomatologia, pela nossa concepção, não podemos reduzir o 
olhar sobre o outro apenas à luz de diagnósticos fundamentados em critérios e 
especificidades, pois nem sempre eles se aplicam a determinadas situações. 
Isso não significa descartar informações, uma vez que, ao recorrermos aos 
manuais pela ausência de outras respostas, podemos obter esclarecimentos 
valiosos. 
Contudo, é inegável que a transformação de seres humanos se dá nos 
dias de hoje pelo modo flexível, híbrido, digital, dinâmico e diversificado de 
pensar e agir, e isso se aplica no aprender, no ensinar e no derivativo dessas 
duas coisas em processos como o diagnosticar. É o produto de nossas 
aprendizagens obtidas pela linguagem ou escrita que nos faz seres histórico-
culturais, e como tal devemos levar isso em consideração sobre o que nos 
rodeia. O aprender, portanto, se dá sobre um fundo de uma experiência histórica 
que é anterior ao indivíduo, na articulação do velho e do novo, formando o 
contexto cultural que é a mediação concreta da existência humana (Severino, 
1998). 
Para Sulkes (2018), o transtorno de aprendizagem envolve condições 
neurológicas na infância, antes da idade escolar. As áreas de desenvolvimento 
prejudicadas dizem respeito à dificuldade para adquirir, manter ou aplicar 
habilidades ou conjuntos específicos de informação. 
Uma definição do National Joint Commitee of Learning Disabilities 
(NJCLD)1 vincula o transtorno de aprendizagem a um distúrbio neurológico. De 
modo simples o transtorno resultado de uma diferença na maneira como o 
cérebro de uma pessoa é “conectado”. Ainda de acordo com o NJCLD (LD 
online, [S.d.]), crianças com transtornos de aprendizagem são tão inteligentes ou 
mais que seus pares; as dificuldades surgem em situações como ler, escrever, 
soletrar, raciocinar, recordar e/ou organizar informações. Vejamos algumas 
informações sobre os transtornos de aprendizagem (LD online, [S.d.]): 
 
1 Fundado em 1965 em Washington, o Comitê Conjunto Nacional de Dificuldades de 
Aprendizagem (NJCLD, em inglês) reúne representantes de organizações comprometidas com 
a educação e o bem-estar de indivíduos com dificuldades de aprendizagem. 
 
 
4 
a) Afetam cerca de 15% da população e podem ter um impacto profundo nos 
indivíduos e nas famílias. 
b) Referem-se a indivíduos tão inteligentes quanto seus colegas, porém, 
com dificuldade em aprender em ambientes escolares convencionais. 
c) Os transtornos de aprendizagem aparecem no entendimento ou no uso 
da linguagem, falada ou escrita. 
d) Muitas vezes, é difícil, com base nos comportamentos observados, 
distinguir entre alunos lentos e pessoas com deficiência. 
e) O diagnóstico real de uma dificuldade de aprendizagem só pode ser feito 
por profissionais treinados – psicólogos clínicos, psicólogos educacionais, 
alguns médicos etc. 
TEMA 2 – TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM E SUAS PREVALÊNCIAS 
Em nossos estudos sobre transtornos de aprendizagem, consideramos 
que eles compreendem uma ou mais inabilidades específicas em atividades 
como ler, escrever ou fazer cálculos matemáticos. No sentido geral, seriam 
aqueles abaixo da curva esperada em seu nível desenvolvimento neuronal. 
Até certo tempo, de acordo com clássico texto de Emil Kraepelin sobre 
transtornos mentais (1883), não havia menção a transtornos infantis (Gazzaniga; 
Heatherton, 2005). Pensou-se, durante certo tempo, que “as crianças eram 
miniadultos, não tinham o direito de brincar, estudar ou ‘ser criança’; até mesmo 
suas roupas eram idênticas às usadas pelos mais velhos” (Teixeira, 2013). 
Segundo Gazzaniga e Heatherton (2005), esse modo de pensar foi observado 
na primeira edição do DSM, que também via a criança como miniversão do 
adulto. Hoje já outra interpretação: 
Atualmente, em resposta à crença de que as capacidades cognitivas, 
emocionais e uma categoria no Eixo 1 chamada “transtornos” 
geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância ou 
adolescência. Essa categoria inclui uma ampla variedade de 
transtornos, desde os que afetam apenas áreas circunscritas do mundo 
da criança, como transtornos de leitura e gagueira, até os que afetam 
todos os aspectos de sua vida, como o autismo e o transtorno de déficit 
de atenção/hiperatividade. (Gazzaniga; Heatherton, 2005, p. 524) 
Para Sulkes (2018), além de áreas como atenção, memória, percepção, 
linguagem, solução de problemas ou interação social, “outros transtornos do 
desenvolvimento neurológico comuns incluem déficit de atenção/hiperatividade, 
distúrbios do espectro do autismo e deficiência intelectual”. Para o autor, os 
 
 
5 
transtornos de aprendizagem específicos comuns envolvem problemas de 
leitura, matemática, ortografia, expressões escritas ou manuscritas, 
compreensão ou uso da linguagem verbal ou não verbal. Basicamente eles se 
referem à capacidade de: 
 compreender ou utilizar a linguagem falada; 
 compreender ou usar a linguagem escrita; 
 fazer cálculos matemáticos; 
 coordenar os movimentos 
 focar a atenção em uma tarefa (Sulkes, 2018). 
2.1 Prevalência dos transtornos de aprendizagem 
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a prevalência de 
transtornos de aprendizagem no Brasil carece de dados mais robustos, por nãopadronizar idade, escolaridade, grupo cultural ou linguístico para diferentes 
regiões do país (SBP, 2018). A situação não é exclusiva do país, já que estudos 
canadenses revelam que as taxas de incidência nos transtornos de 
aprendizagem podem ser vulneráveis a distorções ou preconceitos. Não há uma 
definição operacional precisa das dificuldades e transtornos que seja 
amplamente aceita. No argumento da Learning Disabilities Association of Ontario 
(LDAO)2, é preciso considerar o que seja Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) 
e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) (LDAO, 2018). 
Alguns voltam-se para um tipo específico de alteração que envolve atenção, 
memória e concentração; outros o veem como uma alteração separada, mas 
relacionada e frequentemente coexistente; há ainda os que não o mencionam. 
Considerando-se o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos 
Mentais (DSM-5), a prevalência de transtornos de aprendizagem é de 5 a 15% 
entre crianças em idade escolar, em diferentes idiomas e culturas; nos adultos, 
esse dado é desconhecido (Instituto ABCD, [S.d.]). Rodrigues (2016) menciona 
que a prevalência desses transtornos de aprendizagem, segundo a American 
Psychiatric Association (APA), é difícil de se estabelecer isoladamente, pelo fato 
de os estudos iniciais se concentrarem nos transtornos de aprendizagem em 
 
2 A LDAO é uma instituição canadense que trabalha com recursos, serviços, informações, locais 
e produtos projetados para ajudar pessoas com transtornos de aprendizagens e TDAH, além de 
pais, professores e outros profissionais. 
 
 
6 
geral, sem o cuidado de separar os transtornos específicos. Na edição de 2014 
do Manual da APA, já há referência aos transtornos específicos de 
aprendizagem, aparecendo dados de que os transtornos de leitura têm sido mais 
frequentes quando combinados com outros transtornos, variando entre 2% a 
10% das crianças em idade escolar. 
Números da Sociedade Brasileira de Pediatria (2018), levando em conta 
o DSM-5, confirmam os índices de 5 a 15%, considerando diferentes linguagens 
e culturas. Uma amostra de 1.618 crianças e adolescentes do 2º ao 6º ano do 
ensino fundamental das quatro regiões geográficas do Brasil apresentou os 
seguintes resultados: 7,6% para comprometimento global; 5,4% para 
comprometimento na escrita; 6,0% para comprometimento na área de aritmética; 
e 7,5% para comprometimento da leitura. 
Um estudo do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da 
Universidade Federal de Minas Gerais realizado em 2014 mostrou que a 
prevalência da dislexia na população é de 6% a 7% e mais frequente em meninos 
do que em meninas (SBP, 2018). Revelou também que a discalculia, um 
transtorno específico de aprendizagem com prejuízo no campo da matemática, 
ocorre entre 3% a 6% da população. 
Por fim, é válido que se registrem dados encontrados em um mapeamento 
de dados com 23 estudos de prevalência do TDAH realizados em diferentes 
áreas geográficas de quatro continentes (América, Ásia, Europa e África) para 
elaborar um cenário das investigações. Na prevalência do transtorno, observou-
se a média de 11,26% (Hora et al., 2015). 
TEMA 3 – TDA OU TDAH? 
Ao pé da letra, o Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) se refere a 
crianças com comportamentos dispersos, notadamente no desempenho escolar. 
Ele se diferencia do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) por 
este acrescentar inquietude e impulsividade ao quadro da desatenção. 
Observando-se a evolução de estudos sobre o transtorno ligado à 
atenção, percebe-se que ele teve uma designação inicial como Transtorno de 
Déficit de Atenção (TDA), sem a presença de sintomas de hiperatividade e/ou 
impulsividade, de acordo com o DSM-3 publicado em 1980 (Epstein; Loren, 
2013). Segundo esses autores, com a publicação do DSM-3-R, ocorrida em 
1987, a designação passou a ser de Transtorno de Déficit de 
 
 
7 
Atenção/Hiperatividade (TDA/H), em um momento de grande controvérsia. As 
críticas se dirigiam à primazia da hiperatividade e sancionaram o transtorno, 
colocando a desatenção e a impulsividade como elementos centrais na síndrome 
(Victor; Grevet; Abreu, citados por Camargos Jr.; Hounie, 2005). 
A pergunta esperada é se existe um distúrbio puramente relacionado à 
atenção. A tarefa não é fácil, uma vez que se existir uma disfunção neurológica 
associada a algum comprometimento no funcionamento de certas áreas do 
cérebro, é arriscado falar somente numa única causa, mesmo que seja biológica. 
França (2019) explica isso com o argumento de que alunos frequentemente 
apresentam sintomas ligados à atenção, ansiedade ou agitação, podendo, além 
de possíveis causas fisiológicas, apresentar conflitos pessoais. 
Lobo (2010) refere-se a Distúrbio de Déficit de Atenção Clássico SEM 
Hiperatividade, como o que ocorre em 50% das mulheres e com menos 
prevalência entre homens. Nele, há o desvio da atenção em distrações, 
dificuldade de concentração, parecendo não ouvir quando a pessoa é chamada 
e captando às vezes apenas partes de um assunto3. 
Independentemente da classificação nos manuais de doenças mentais de 
distúrbio da atenção inserido na designação de TDAH por centralizar desatenção 
e impulsividade no quadro sintomático, o TDA pode, portanto, existir sem a 
hiperatividade. Levando em consideração a desatenção numa lista de 
verificação de sintomas em Smith e Strick (2001), teríamos: 
a) com frequência a criança deixa de prestar atenção a detalhes ou comete 
erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras; 
b) frequentemente surgem dificuldades para focar a atenção em tarefas ou 
atividades lúdicas; 
c) a criança parece não escutar quando lhe dirigem a palavra; 
d) é comum não seguir instruções e não terminar os deveres escolares e as 
tarefas domésticas; 
e) tem dificuldade para organizar atividades; 
f) reluta em se envolver com tarefas ou as evita; 
g) com frequência perde coisas (como brinquedos, livros, lápis); 
 
3 Esse distúrbio estaria ao lado de outros cinco: Déficit de Atenção Clássico COM Hiperatividade; 
Déficit de Atenção COM Hiperfoco; Déficit de Atenção do Lobo Temporal; Déficit de Atenção do 
Sistema Límbico ou Pequeno Déficit de Atenção ou Transtorno Depressivo; e Déficit de Atenção 
do Tipo Anel de Fogo. 
 
 
8 
h) distrai-se facilmente com visões e sons irrelevantes; 
i) frequentemente apresenta esquecimento em tarefas diárias. 
Na definição de Pereira e Mattos (2011, p. 493), o TDAH é “um transtorno 
neuropsíquico reconhecido pela primeira vez na infância, caracterizado por um 
padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade intensa”. 
Para os autores, esse quadro sintomático causa comprometimento funcional em 
áreas importantes da vida das pessoas. 
No histórico do TDAH, considerava-se, no passado, um transtorno que a 
criança tinha em sua fase infantil e que desaparecia antes da idade adulta. 
Sabemos hoje que, quando diagnosticado no plano médico, é uma condição 
neurológica estendida por toda a vida com longa duração; pode, no caso da 
hiperatividade, diminuir à medida que o indivíduo encontra maneiras saudáveis 
de canalizar sua energia (Sinfield, 2019). 
Smith e Strick (2001) reportam no TDAH a prevalência de 3 a 5% da 
população escolar e, a exemplo de vários outros especialistas, põem em dúvida 
serem os meninos mais afetados como se dizia no passado, destacando que 
atualmente os gêneros apresentam o mesmo risco. 
Considerando-se o que já foi dito sobre a desatenção, no caso da 
hiperatividade e impulsividade, Pereira e Mattos (2011, p. 494) destacam os 
seguintes quadros sintomáticos: 
a) frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira; 
b) frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras 
situações nas quais se espera que permaneça sentado; 
c)frequentemente corre ou escala em demasia, em situações nas quais isso 
é inapropriado (em adolescentes e adultos, pode estar limitado a 
sensações subjetivas de inquietação); 
d) com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver 
silenciosamente em atividades de lazer; 
e) está frequentemente “a mil” ou muitas vezes age como estivesse “a todo 
vapor”; 
f) frequentemente fala em demasia; 
g) frequentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem 
sido completadas; 
h) com frequência tem dificuldade para aguardar sua vez; 
 
 
9 
i) frequentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros (por 
exemplo, intrometer-se em conversas ou em brincadeiras). 
TEMA 4 – A MEDICALIZAÇÃO NO TDAH 
O diagnóstico inicial do TDAH, a partir dos anos 1950, passou por nomes 
como Disfunção Cerebral Mínima (DCM), síndrome da hiperatividade, 
hipercinesis (hiperação), distúrbio de hiperatividade infantil e outros até ser 
conhecido no DSM-4 como Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade 
(Moraes, 2012). Nos últimos anos, o termo TDAH se incorporou rapidamente a 
um modelo médico, com destaque para o tratamento farmacológico. A maneira 
como foi classificado apresentou-se como exemplo empírico para a teorização 
do problema da medicalização da sociedade. Nele, psiquiatria e saúde pública 
se vincularam a mecanismos de controle social. 
Nos registros vigentes da literatura, encontramos no olhar de Conrad e 
Barker (2010) o uso de políticas escolares cada vez mais encorajadoras à 
medicação e a acomodações especiais para alunos com incapacidades de 
aprendizagem. Para os autores, diante da dificuldade de estarem atentas ou 
manifestarem bom comportamento, essas crianças são definidas como 
portadoras de TDAH sem indicação das causas sociais e não médicas. 
Em um cenário no qual a medicalização classifica a hiperatividade como 
crime e abuso infantil, Bianchi et al. (2016) explicam que o TDAH é mostrado 
como um dos diagnósticos pioneiros no uso de drogas psicotrópicas para os 
referidos “problemas de comportamento infantil”, explicada entre outros fatores 
pelos lucros extremos na indústria farmacêutica. 
Embora não existam grupos de defesa dos pacientes nos moldes 
estadunidenses como vimos anteriormente, alguns movimentos estão em 
andamento no Brasil e neles se incluem doenças como TDAH, TEA e TOC, o 
que contribui para melhores condições de tratamento e cidadania (Bianchi et al., 
2016). 
Em termos médicos, o tratamento do TDAH ocorre pela administração de 
metilfenidato, considerado essencial para a teoria da hipofunção dopaminérgica 
(aumento de dopamina em fendas sinápticas) como o striatum (Moraes, 2012). 
Rohde e Halpern (2004) ressaltam que o tratamento do TDAH envolve 
abordagem múltipla, com intervenções psicossociais e psicofarmacológicas, e 
 
 
10 
destacam haver estudos sobre a eficácia superior da medicação nos sintomas 
centrais do transtorno quando comparada com outras abordagens. 
Moraes (2012), por outro lado, aponta eventos adversos mais frequentes 
causados pelos medicamentos como perda de apetite, insônia, irritabilidade, 
cefaleia e sintomas gastrointestinais. Ele põe em evidência outros eventos 
submetidos à controvérsia como interferência no crescimento, abuso do 
metilfenidato e tempo de manutenção do tratamento. 
Golden et al. (2016) apresentam dados de estudos sobre a medicalização 
do TDAH feitos no Reino Unido, Austrália e Irã entre 2000 e 2010: 
 Na Austrália e Reino Unido, os médicos consideraram o superdiagnóstico 
do TDAH e discutiram o uso excessivo de medicamentos para questões 
de mau comportamento. 
 Clínicos gerais em Londres consideraram a medicalização no TDAH 
controversa, estigmatizante e desvantajosa e encaminhamentos feitos 
para “prevenção de riscos”. 
 Entrevistas no Reino Unido identificaram três posições: crítica 
(rotulagem), ceticismo e relutância em medicalizar e diagnosticar por 
questões de desempenho escolar. 
 No Reino Unido, na Austrália e no Irã, a mídia foi descrita como 
influenciadora da medicalização. 
Uma palavra parece ser relevante sobre o TDAH: não se opor nem negar 
a eficácia de medicamentos, mas considerar a medicalização como produtora de 
infantilização, segregação e culpabilização (Rodrigues, 2003). 
TEMA 5 – ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA NO TDAH 
Segundo Camargos Jr. e Hounie (2005, p. 877), existem pelo menos oito 
razões para considerar que o tratamento do TDAH deva ser multimodal, com 
intervenções psicossociais além do tratamento farmacológico. 
1. inexistência de resposta a fármacos estimulantes (10 a 30% dos casos e 
efeitos colaterais; 
2. associações medicamentosas/uso de fármacos de segunda linha; 
3. medicações estimulantes não são eficazes em todos os sintomas; 
4. benefícios restritos apenas aos dias em que a medicação é usada; 
5. falta de dados suficientes para benefícios e riscos; 
 
 
11 
6. inaceitação familiar para o uso de medicação em alguns casos; 
7. efeito sinérgico gerado pela cominação medicamento mais intervenção 
psicossocial; 
8. evidências existentes do uso indiscriminado e abusivo de prescrições 
médicas. 
O tratamento por meio de psicoterapia tem se mostrado útil para 
verificação do contexto social da criança com TDAH. Isso porque considera o 
campo das relações do organismo com o ambiente, e o terapeuta promove 
alterações ambientais favoráveis (Santos; Vasconcelos, 2010). 
Como estratégia de intervenção psicossocial, o modelo cognitivo-
comportamental é o mais indicado para o TDAH (Rohde; Halpern, 2004; Ribeiro, 
2016; Rangé et al., 2011; ABDA [S.d.]). Isso ocorre pela evidência científica de 
eficácia para sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade (Rohde; 
Halpern, 2004), além de outros residuais de cunho comportamental, cognitivo e 
emocional, em que a TCC é indicada por estudiosos como Knapp (2004, citado 
por Gomes, 2019). A Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) 
ressalta que a TCC tem evidências científicas quanto à eficácia sobre sintomas 
centrais (desatenção, hiperatividade, impulsividade) e no manejo de sintomas 
comportamentais (oposição, desafio, teimosia) (ABDA, [S.d.]). 
Segundo Rangé et al. (2011), o tratamento psicoterápico do TDAH 
envolve: 
a) psicoeducação; 
b) manejo dos problemas emocionais; 
c) treino de habilidades e estratégias de enfrentamento (em crianças, a 
participação dos pais é relevante para o tratamento). 
Santos e Vasconcelos (2010) defendem o trabalho interdisciplinar entre a 
neurociência e os analistas do comportamento. Esse posicionamento pode 
favorecer intervenções clínicas para a elaboração de novos padrões na atenção, 
no autocontrole e engajamentos em atividades com vistas a adaptar o indivíduo 
em seu ambiente escolar, familiar e social. 
Numa visão geral, a ABDA ([S.d.]) corrobora com especialistas o uso de 
intervenção multidisciplinar no TDAH, envolvendo profissionais das áreas 
médicas, saúde mental e pedagógica, em conjunto com os pais. Cabe ao 
profissional educar a família sobre o transtorno por meio de informações 
 
 
12 
adequadas acerca da forma de lidar com os sintomas dos filhos. A ABDA ressalta 
ainda que pode haver necessidade de um acompanhamento psicopedagógico 
centrado na forma do aprendizado, e a esse respeito pode haver exemplos 
quanto à organização e ao planejamento do tempo. Também o tratamento 
reeducativo psicomotor pode ser indicado para melhorar o controle do 
movimento. 
NA PRÁTICA 
Os resultados de prevalência do TDAH são próximos, mas não precisos. 
O tratamento medicamentoso é importante, mas não é a única forma, podendo 
em alguns casos provocar efeitos patologizantes. A TCC é um modo de 
intervenção psicossocial indicado. 
FINALIZANDO 
Ainda temos muito o que aprender sobre os transtornos de aprendizagem. 
A avaliação dos efeitos diagnosticantes e medicalizantes deve avançar, e para 
isso é preciso maior ação em movimentoscontra a medicalização. 
O TDAH tende a gerar interpretações sem evidência, e o que se tem como 
dados conclusivos é a importância de não haver dependência do DSM-5, ao 
mesmo tempo que se amplie o processo investigativo e preventivo sobre 
possíveis sinais de desvios neurodesenvolvimentais com a participação de 
outros atores (pais, professores e equipe multidisciplinar de saúde). 
 
 
 
13 
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