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MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO – PERSPECTIVA SOCIO-HISTÓRICA E NEUROPSICOLÓGICA AULA 6 Prof. Reginaldo Daniel da Silveira 2 CONVERSA INICIAL Esta aula sobre a medicalização ressoa como um click que, no toque do botão, nos faz constatar que a medicalização existe e que é preciso desmedicalizar. Para isso, buscam-se ações públicas e privadas, terapias alternativas, psicoterapias e atividades físicas. Neste caminho, pesquisa-se, pratica-se e avalia-se resultados. Busca-se não apenas estudar a desmedicalização ou combater a medicalização, pois é preciso, também, encontrar formas de entender o comportamento humano e lidar com ele através de qualquer recurso, mesmo que seus preceitos nos lembrem algum tipo de intervenção. TEMA 1 – ESTUDOS DE CASO SOBRE DESMEDICALIZAÇÃO A reflexão de que é mais fácil criticar a medicalização do que propor a desmedicalização, como dizem Melo e Cunha (2008), se confirma na literatura e também em determinados estudos de caso. Vários destes têm sido feitos em diferentes lugares e tempos, alguns para entender a medicalização em possíveis ações futuras, e outros para investigar ações em andamento. Um estudo de caso do tipo único analisou como se dá o processo de humanização e medicalização na atenção primária em saúde para cuidado pré- natal (Warmling, 2018). O estudo compreendeu 16 municípios (3.500 a 300.000 habitantes no Rio Grande de Sul, 17 grupos focais, 17 Unidades Básicas de Saúde, 47 trabalhadores, 14 médicos, 19 enfermeiros e 14 cirurgiões-dentistas). Os dados mostraram que, nas práticas observadas, o protocolo humanizado com acompanhamento da gestante pelo generalista não é cumprido. O obstetra se ocupa não apenas de gestantes de alto risco, mas também acompanha as de baixo risco. Nesse sentido, cuidados básicos de acompanhamento clínico que deveriam ser feitos pelo profissional generalista (humanista) são direcionados ao obstetra (biológico). No estudo de Warmling (2018), a abordagem humanizada está em desvantagem em relação às práticas medicalizadas. Não há investimentos no desenvolvimento de relações interprofissionais, o que permite concluir que tal condição é legitimada pelos gestores de políticas públicas. Outro estudo de caso foi sobre como implementar o apoio matricial para situações clínicas de saúde mental na Atenção Primária à Saúde. Jorge, Sousa 3 e Franco (2013) relatam fatores importantes para a prática com efeito desmedicalizante. Esse tipo de ação pública de saúde, de acordo com Santos, Uchoa-Figueiredo e Lima (2017), é um novo modo de produzir saúde, em que duas ou mais equipes desenvolvem, de modo compartilhado, uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica. No caso descrito, usou-se o matriciamento numa perspectiva crítica e reflexiva. Depois de vivenciar algumas semanas de prescrição médica, uma usuária de 56 anos foi até um Centro de Atendimento Psicossocial – CAPs – com os sintomas de dores de cabeça, insônia e dependência de medicamentos. A equipe matricial composta por profissionais de várias áreas da saúde trabalhou dialogicamente. Entre os fatores trabalhados, observou-se: procedimento de acolhida, mudanças no fluxo burocrático e hierárquico de usuários na rede de saúde, aproximação entre profissionais e serviço, comunicação e interação, transcendendo-se o modelo tradicional biomédico. Também foram observadas situações atribuídas à inexistência de práticas de saúde mental, como capacitação insuficiente em transtornos mentais, inexistência de rede assistencial de suporte e necessidade de diagnosticar. Outro ponto crítico observável foi a forma de lidar com o modelo positivista de atenção à saúde, situação reforçada pela usuária. Em um relato, Jorge, Sousa e Franco (2013) observaram a usuária mais à vontade para relatar o episódio potencializador de sua crise. A exigência de virgindade e condenação à gravidez antes do casamento fez com que, por ordem do pai, ela doasse uma filha. Só 16 anos depois aceitou ser mãe, e segundo os autores, a dor psíquica no estereótipo de “mãe-abandônica, filha-transgressora” afetou sensivelmente seu modo de ser. Os autores reportam no estudo que o apoio matricial facilita o encontro do outro com a saúde mental em maior amplitude de possibilidades. Ao mesmo tempo, destacam insuficiências sobre como desterritorializar a usuária da condição de mãe que abandonou, filha que transgrediu. A conclusão mostra a utilidade de uma equipe matricial no cuidado da saúde mental e o potencial para problematizar práticas, agregar dispositivos e sinalizar caminhos de assistência à saúde, com efeitos desmedicalizantes. Estudos sobre medicalização são feitos em pesquisas desde a graduação até níveis lato e stricto sensu. Silva (2014) relata o estudo feito com uma criança de 8 anos, usuária de Ritalina e diagnósticada com TDAH. Por meio de 4 mediações inicialmente com os pais e em seguida com a criança, observou-se capacidade de aprendizagem sem alteração psicológica ou neurológica com vistas a TDAH. O esclarecimento prestado aos pais e a retirada da medicalização pela intervenção psicológica desmedicalizante mostrou resultados positivos. Um estudo mostra como pacientes psicóticos em tratamento psiquiátrico em uma ONG podem ser vistos e tratados sem necessariamente recorrerem ao uso de remédios ou diagnósticos biomédicos, apenas através de processo psicoterápico. Uma jovem senhora (S. S. S), queixosa de perseguição pela vizinha, ouvida no momento psicoterápico, foi levada a lidar com uma possível crise paranoica, certamente não detectável fora desse contexto. Um senhor ansioso (P. C. E. C.), a ponto de se ferir na cabeça de tanto se cutucar, foi ajudado a lidar e controlar esse comportamento através da troca psicoterápica, diferentemente do que seria na pratica medicalizante. Para os autores Melo, e Cunha (2008), o sintoma não encontra sua verdade na nosografia, mas na relação particular do sujeito com ele, descaracterizando a visão puramente médica de um comportamento. TEMA 2 – USO DE TERAPIAS ALTERNATIVAS Diante das críticas aos processos medicalizantes, temos observado crescente demanda por terapias complementares com aceitação confirmada por profissionais de saúde. Serviços substitutivos incluem, no exemplo dos CAPs, consulta/atendimento, visitas domiciliares, grupos terapêuticos e oficinas (Zanella et al., 2016). É o que verificamos no tema anterior sobre Apoio Matricial (AM), como estratégia para a desmedicalização no Sistema Único de Saúde (SUS). O apoio matricial é um modo de realizar a atenção em saúde de forma compartilhada com vistas à integralidade e à atenção, por meio do trabalho interdisciplinar. Em estudo junto a um Centro de Referência Especializado em Saúde do Trabalhador (Cerest) em Betim, MG, onde foram entrevistados 41 profissionais, concluiu-se que o AM pode operar como estratégia de fortalecimento da saúde do trabalhador no SUS (Lazarino; Silva; Dias, 2019). Entre os aspectos mais destacados, está o atendimento individual compartilhado, a discussão de casos e temas técnicos específicos entre as equipes e o desenvolvimento conjunto de ações de vigilância epidemiológica. 5 A 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, formou uma comissão com vistas a novos procedimentos de assistência psiquiátrica brasileira (Barroso; Silva, 2011). Foram propostas ações comuns às Práticas Integrativas e Complementares (PICs), como atendimento integral, multiprofissional e realizável em postos de saúde, ambulatórios especializados e em serviços criados especialmente para este atendimento, os CAPS (Thiago; Tesser, 2011). As PICs, também chamadas de terapias alternativas, são consideradas pela Organização Mundial da Saúde – OMS como procedimentos da Medicina Tradicional (Gali et al., 2012). Os tratamentos utilizam recursosterapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais, na prevenção de doenças como depressão e hipertensão e, em alguns casos, também podem ser usados como tratamentos paliativos em doenças crônicas (Brasil, 2013). O SUS oferece atualmente, de forma integral e gratuita, 29 formas terapêuticas alternativas de PICs à população. Vejamos algumas: A acupuntura, de acordo com a ABCMED (2014), é uma forma de tratamento da medicina tradicional chinesa, existente há mais de 2 mil anos. Consiste na aplicação de agulhas em pontos específicos do corpo (acupontos), na região correspondente à situação a ser tratada. As agulhas são aplicadas em terminações nervosas escolhidas pelo acupunturista. Introduzidas na pele, elas são manipuladas manualmente ou por meio de estímulos elétricos. Supõe-se que esse procedimento gere estímulos nervosos que percorrem a medula espinhal chegando ao cérebro, liberando neurotransmissores benéficos para a saúde. Exemplos de atendimento de acupuntura em unidades do SUS são considerados satisfatórios. Fernandes (2017) reporta que usuários anseiam por ampliação da oferta dessa terapia e a continuidade do tratamento por períodos mais amplos, além de apontar a necessidade de implementação de políticas públicas visando ampliar a oferta nos serviços vinculados ao SUS. Meditação e atenção plena são práticas aplicadas de modo único e específico ou compondo modelos psicoterápicos como a Terapia Cognitivo- Comportamental. A meditação é considerada como uma fonte de redução da ansiedade e do estresse, uma vez que controla a respiração, relaxa o corpo e aumenta a concentração. Sobre isso, Gali et al. (2012) destaca estudos indicando que a prática da meditação aumenta o fluxo sanguíneo e a atividade 6 cerebral nos lobos frontal e occipital, além de diminuir a circulação sanguínea e metabólica nas demais regiões do corpo. Teasdale (2016, p. 38) entende que a atenção plena, também denominada mindfulness, “é a percepção consciente que emerge quando prestamos atenção de uma maneira particular às coisas como elas são: deliberadamente, no momento presente e de uma maneira imparcial”. Por nossa experiência, a meditação acalma a mente, e a atenção plena nos faz estar mais atento, focados no momento presente, com consciência do que estamos fazendo naquele instante. Outras modalidades de PICs disponibilizadas no SUS são as seguintes (Fernandes, 2017, p. 45): Homeopatia – tratamento com substâncias altamente diluídas para estimular o sistema natural do corpo de cura. Reiki – prática de imposição de mãos que usa a aproximação ou o toque sobre o corpo da pessoa com o objetivo de estimular os mecanismos naturais de autocura do corpo. Quiropraxia – emprega elementos diagnósticos e terapêuticos manipulativos, com o intuito de tratar e prevenir as desordens do sistema neuromúsculo-esquelético e dos efeitos destas na saúde da pessoa. Arteterapia – práticas que usam a arte como base do processo terapêutico, abrange diversas técnicas expressivas no cuidado à saúde. Pode ser realizada de forma individual ou em grupo. Musicoterapia – engloba a música e seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) em um processo para favorecer e promover a saúde em suas diversas dimensões. Pode ser realizada de forma individual ou em grupo. Naturopatia – utiliza métodos e recursos naturais, para apoio e estímulo à capacidade intrínseca do corpo de recuperação da saúde. Massoterapia – massagens relaxantes, estéticas ou terapêuticas utilizadas para promover a saúde. Por meio do toque, é possível lidar com aspectos físicos e mentais de cada pessoa. 7 TEMA 3 – USO DE PSICOTERAPIA Em diferentes perspectivas teóricas, as psicoterapias geralmente visam à modificação de padrões de pensamento ou comportamento, embora variem os modos de provocar mudanças (Gazzaniga; Heartherton, 2005). Sobre elas, Freitas e Amarante (2017), ao comentar o acesso do Professor Irving Kirsch, da Harvard Medical School, às pesquisas dos laboratórios farmacêuticos para testar antidepressivos1, relatam que seu uso em três mil pacientes foi tão eficaz quanto os psicofármacos. Esses dados ressaltam a dialética dos medicamentos por um lado danoso (efeitos colaterais e inconsistência científica) versus um lado útil, como apoio à psicoterapia, em casos estritamente necessários. A psicanálise inspirada em Freud para descobrir sentimentos e impulsos inconscientes causadores de pensamentos e comportamentos desadaptativos foi reformulada em abordagens psicodinâmicas modernas: o divã foi trocado pela poltrona, mas a “terapia da fala” foi mantida (Gazzaniga; Heartherton, 2005). O modelo de insight para entender os próprios processos psicológicos e se liberar de influências inconscientes passou a encontrar outras formas de liberar sintomas. Tratar o indivíduo como um todo deu lugar às terapias humanistas, das quais a mais conhecida é a terapia centrada no cliente. Nessa prática, o insight é obtido através da ênfase no “oferecimento de um clima emocional de apoio para os clientes, que desempenham um papel importante na determinação do ritmo e da orientação de sua terapia” (Weiten, 2010, p. 436). Se a psicanálise perdeu força, nas terapias humanistas poucos profissionais parecem seguir estritamente seus princípios, e muitas das técnicas defendidas por elas são hoje empregadas para estabelecer um bom relacionamento terapêutico com o paciente (Gazzaniga; Heartherton, 2005). Enquanto os modelos baseados no insight consideram o comportamento desadaptativo como resultado de um problema subjacente, a terapia comportamental vê o comportamento como o problema e o tomam alvo de trabalho na terapia. Ela aplica os princípios de aprendizagem e condicionamento para direcionar esforços no sentido de mudar comportamentos dasadaptativos (Weiten, 2010). 1 O acesso foi conseguido mediante o Freedom of Information Act (Foia), lei americana que garante às pessoas o acesso a informações do governo. 8 Pela nossa percepção, à medida que os modelos psicoterápicos deram ênfase à relação pensamento-comportamento, percebeu-se a relevância dos fatores cognitivos para o surgimento de transtornos mentais. Essa reflexão passou a fazer parte das perguntas dos terapeutas comportamentais e deram lugar ao surgimento da terapia cognitivo-comportamental, a qual se encontra em franco crescimento nos meios de tratamento da saúde mental. Cordioli e Knapp (2008) explicam a grande aceitação da TCC pelos seguintes fatores: Visão maior das psicopatologias dos transtornos mentais. Modelos e hipóteses testáveis, com verificação de eficácia. Curta duração de vários tratamentos. Protocolos e manuais padronizados. Escalas e ferramentas para verificação de resultados. Em termos simples, nossa experiência na TCC indica que o trabalho do terapeuta cognitivo-comportamental é ativo para descobrir pensamentos prejudiciais e como eles interferem nos comportamentos de uma pessoa em sofrimento. Nas sessões psicoterápicas, a conversa busca abordar eventos atuais, sem desconsiderar problemas passados. Nesse decurso, investigam-se pensamentos e sentimentos vivenciados e, trabalhando possíveis conexões com informações àquele que está sendo tratado. O seu uso pode ser aplicado a famílias, casais ou grupos. Em várias das práticas, ele substitui ou atua combinado com medicação. Na visão de Gazzaniga e Heatherton (2005), a TCC busca corrigir cognições errôneas e treinar a pessoa para que ela possa adotar novos comportamentos. Veja a seguir: Por exemplo, a pessoa com fobia social, que teme a avaliação negativa, poderia aprender habilidades sociais e, ao mesmo tempo, ser ajudada pelo terapeuta a compreender como sua avaliação das reações dos outros a ela pode estar errada. A TCC provou ser uma das formas maisefetivas de psicoterapia para muitos tipos de doença mental, especialmente transtornos de ansiedade e transtornos de humor. (Gazzaniga; Heartherton, 2005, p. 437) Atendendo aos transtornos mentais em geral, no TDAH, a TCC é desenvolvida em âmbito familiar e escolar da criança, investigando a conexão entre os diferentes contextos vividos e a história de sofrimento, com visão negativa e incapacitante de si mesma por críticas e reclamações. Nesse 9 entendimento, desvalia, desamor e os comportamentos condicionados mal adaptativos podem ser suprimidos ou amenizados. TEMA 4 – O USO DA ATIVIDADE FÍSICA Entendemos que a saúde física está relacionada ao bom condicionamento físico, agregando resultados positivos para a aptidão física e manutenção equilibrada dos sistemas vitais ao organismo. Nessa perspectiva, o condicionamento gera bem-estar físico, psicológico, emocional e social. A participação cada vez mais efetiva de profissionais da área de atividades físicas na saúde pública nas duas últimas décadas vem sendo impulsionada pelo SUS, Movimento Antimanicomial e Núcleo de Apoio de Saúde da Família (NASFs), de acordo com Melo, Oliveira e Vasconcelos-Raposo (2014). Acrescente-se a isso o fato de pesquisas internacionais ressaltarem a importância da prática de exercícios físicos como opção não medicalizante aos transtornos mentais. A literatura é pródiga em destacar que atividades físicas trazem benefícios a pacientes com transtornos mentais como a esquizofrenia. O proveito dessa prática propõe uma dinâmica diferenciada para os indivíduos com os transtornos, tornando-os agentes principais do tratamento. Uma situação que é comum em hospitais e unidades de saúde é o falseamento do quadro clínico de pacientes submetidos ao tratamento medicamentoso, e quando as atividades físicas são desenvolvidas, ocorre o alívio “real” (destaque nosso) da ansiedade (Melo; Oliveira; Vasconcelos-Raposo, 2014). Em pesquisas, a prática de exercícios físicos revela sua eficácia como terapia não medicamentosa aplicada à saúde mental. Em um desses estudos em pacientes (Estados Unidos) com transtornos mentais na faixa etária entre 15 e 54 anos, Goodwin (2003) relata que as atividades físicas regulares (60,3% dos pacientes) foram associadas a uma prevalência significativamente reduzida dos principais transtornos de depressão e ansiedade. Em um outro trabalho realizado na Holanda, pacientes com transtornos mentais avaliados em entrevistas diagnósticas foram submetidos a atividades físicas. Have e Monshouwer (2011) dizem que foram encontrados dados que mostram que participantes com exercícios físicos mensurados tiveram maior probabilidade de recuperação de suas doenças em comparação com os colegas sem exercícios físicos. Os autores falam que, embora permaneça incerto se a 10 associação realmente reflete um efeito causal da atividade, o exercício físico é benéfico para a saúde mental. Um pequeno estudo na Universidade de Michigan, relatado por Paiva (2015) e publicado no Journal of Pediatrics2, observou os efeitos a curto prazo de uma sessão de exercícios na capacidade cognitiva das crianças. Diagnosticadas ou com suspeita de TDAH, 20 crianças, entre 8 e 10 anos, passaram por testes de soletração, leitura e matemática em dois momentos: após 20 minutos de exercício em uma esteira e após 20 minutos de leitura. Os resultados mostraram que os dois grupos tiveram melhor desempenho, ainda que sutil, após os exercícios físicos. O grupo com TDAH respondeu corretamente 80% das questões após a leitura, contra 84% após o exercício físico. Fatores apresentados por Neves e Silva (2019) justificam a importância das atividades físicas para a saúde mental. Ao praticar exercícios, o indivíduo aumenta a produção e a liberação de neurotransmissores que atuam na regulação de funções como memória, aprendizagem, emoções, sede, sono, fome, bem-estar, ansiedade e humor. O aumento do fluxo sanguíneo cerebral pelo exercício físico aumenta a atividade de enzimas antioxidantes (nos exercícios aeróbicos, por exemplo), aumentando as capacidades de defesa. A liberação de neurotransmissores como norepinefrina, serotonina e endorfinas tem efeitos positivos gerais, entre elas a melhor do humor. Os autores destacam a maior resistência ao estresse e depressão pela liberação de dopamina e endorfina. TEMA 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Depois do que estudamos, o modo simples, objetivo e direto de entender a medicalização é vê-la como a transformação de pessoas em pacientes. Qualquer ansiedade, qualquer comportamento, nos coloca na denominação de doentes, e não sendo saudáveis, precisamos de diagnóstico, prescrição e tratamento. Algum tipo de intervenção com procedimentos médicos é necessária para quem é arbitrariamente classificado como fora da linha. Quem decide isso e como decide? O que chamamos de doença acaba sendo uma questão histórico-cultural no tempo, no contexto, no entendimento e no insight. 2 Journal of Pediatrics é um periódico médico na área de pediatria, filiado nos Estados Unidos à Association of Medical School Pediatric Department Chairs. 11 Até pouco tempo (1980), homossexuais eram considerados doentes mentais (embora ainda hoje haja quem assim os considere). No passado, esse tipo de comportamento era medicalizado com estrogênio (para reduzir a libido), terapia eletroconvulsiva ou mesmo castração química, como ocorreu com Alan Turing, o pai da computação, que após ser duramente medicalizado, se suicidou. Não obstante, apesar da importância do remédio para a saúde humana, muitas vezes ele é apenas um meio para atingir-se o “normal da sociedade”. A primeira medida contra o Alan Turing foi a prisão. Recentemente (janeiro 2020), o médico chinês Li Wenliang, um dos primeiros a alertar as pessoas sobre o Coronavírus, recebeu a visita de policiais e teve que assinar um documento comprometendo-se a “mudar seu comportamento” de espalhar rumores na população. Infelizmente, morreu por estar infectado. Ante determinados diagnósticos biomédicos, é de se perguntar o que representa a cura por esta ou aquela prescrição. O que ela é? Para que serve? Quanto tempo devemos ficar em função dela? Que efeitos colaterais podem surgir? Por que esses medicamentos em vez de outros? Por que essa dosagem? Quais testes temos que fazer? Que alternativas podemos ter? Na sala de aula, o aluno “fora da curva”, ao prestar atenção, se mexer demasiadamente e não aprender, requer cuidados médicos. Na escola, no trabalho, na família, a “não doença” é medicalizada pela redefinição de fenômenos sociais que emergem por valores políticos, noções alteradas de bem- estar, indústria farmacêutica, manuais de doenças mentais, estatísticas, mídias e tecnologias. Na busca de ciência para entendimento, a neuropsicologia aparece em duas vieses: a medicalizante e a não medicalizante. No primeiro caso, é usada para garantir a medicalização por “descobertas” do tipo “o comportamento fora dos padrões vem através do desequilíbrio neuroquímico do cérebro”, dado não evidenciado. Por outro lado, a neuropsicologia pode ajudar a entender aspectos básicos do funcionamento mental e servir de apoio a professores, pais e profissionais da saúde tanto no processo ensino-aprendizagem como no apoio a ações públicas de saúde. Entre as diversas ações, movimentos desmedicalizantes colocam em discussão aspectos do tipo: ambiguidade na diagnosticalização pelo DSM 5, patologização de comportamentos comuns à vida comum (incluindo 12 disseminação de pesquisas sem evidencia), prescrição generalizada de psicotrópicos e controle social pela autoridade biomédica. Não se trata apenas de enumerar ações críticas sobre falta de consenso científico no diagnóstico e no tratamento do TDAH, criar movimentos como o Stop DSM nos diagnósticos duvidáveisde distúrbios mentais, ou trocar o discurso especialista pela práxis generalista da ação interdisciplinar. É preciso olhar o contexto da sociedade capitalista na busca da eficiência a todo o custo, que ao unir saúde e educação, passou a oxigenar a “caçada aos anormais”. Nesse fluxo, se torna possível perceber a necessidade de quebrar paradigmas. Por fim, considera-se não ser possível incorrer no mesmo reducionismo da ação biomedicalizante ao agir no simplismo de considerar todo o processo médico como se ele apenas gerasse efeitos maléficos. Ao mesmo tempo, não há como ver, nas novas tecnologias na saúde, apenas comandos contra a liberdade e a autonomia individual. Não nos cabe dizer que a culpa de tudo é pelo biológico, por que antes de mais nada, ele é histórico-cultural. Precisamos fugir ao discurso antimédico do bem contra o mal. De outra forma, o risco de se envolver num establishment caleidoscópico de um único, estático e arbitrário movimento significa não perceber a complexidade histórica, política, social e econômica, e isso implica em desconhecer nossas limitações e a impossibilidade de atingirmos uma totalidade definitiva. NA PRÁTICA É inegável que ações terapêuticas como apoio matricial, psicoterapias, terapias alternativas e atividades físicas são um forte “remédio” contra a medicalização biologizante e patologizante. Tal constatação é resultado de evidências por meio de inúmeras pesquisas dentro da temática. FINALIZANDO É possível que nunca possamos encontrar uma resposta definitiva para o término do processo medicalizante, visto que é impossível nascer, crescer e evoluir num mundo sem qualquer influência do ambiente multidimensional da construção social, que é ideológica e política. Contudo, somos levados a crer que o meio em que vivemos é o espaço-tempo para um fim maior: a nossa humanização, e se não temos uma resposta sobre acabar ou não acabar, sabemos que podemos diminuir o nosso sofrimento. 13 REFERÊNCIAS BARROSO, S. M.; SILVA, M. A. Reforma Psiquiátrica Brasileira: o caminho da desinstitucionalização pelo olhar da historiografia. Rev. SPAGESP, Ribeirão Preto, v. 12, n. 1, p. 66-78, jun. 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Práticas Integrativas e Complementares (PICS): quais são e para que servem. Brasília-DF, 2013. Disponível em: <https://saude.gov.br/saude-de-a-z/praticas-integrativas-e-complementares>. Acesso em: 2 abr. 2020. CORDIOLI, A. V.; KNAPP, P. Cognitive-behavioral therapy in the treatment of mental disorders. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 30, n. 2, p. 51-53, out. 2008. FERNANDES, R. T. Receber tratamento de acupuntura no Sistema Único de Saúde: narrativas sobre as experiências. 158 f. 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