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ANÁLISE MECANICISTA DA APLICABILIDADE DE UM SOLO LATERÍTICO CONCRECIONADO COMO CAMADA DE SUBLASTRO NA ESTRADA DE FERRO CARAJÁS Bruno Guimarães Delgado1 Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP Núcleo de Geotecnia da Escola de Minas - NUGEO/EM Fabiana Bartalini Von Der Osten2 Instituto Militar de Engenharia - IME Antônio Carlos Rodrigues Guimarães3 Instituto Militar de Engenharia - IME Laura Maria Goretti da Motta4 COPPE - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ RESUMO Na última década tem evoluído o uso de método mecanicista para previsão do comportamento de pavimentos ferroviários quando solicitados pelo carregamento dinâmico imposto pela passagem das composições. Este tipo de análise permite melhor aproveitamento de solos tropicais típicos brasileiros o que não é possível com os métodos empíricos utilizados até então. No presente trabalho é analisada a aplicabilidade de um solo laterítico concrecionado como camada de sublastro para obra de expansão da Estrada de Ferro Carajás (EFC) por análise numérica utilizando o programa Ferrovia 3.0. Os parâmetros mecânicos deste material foram obtidos por ensaios triaxiais de cargas repetidas para a determinação do módulo de resiliência em corpos de prova de 10 cm de diâmetro por 20 cm de altura, moldados com energia equivalente a do ensaio Proctor Intermediário. São apresentados resultados de ensaios de caracterização geotécnica, classificação MCT dos finos e de deformação permanente conduzidos com variados estados de tensões confinantes e desvio, compatíveis com as tensões esperadas no campo para a camada de sublastro. Os resultados indicam a viabilidade de aplicação do solo estudado como material de sublastro na EFC, quando comparados os valores de deflexão da via obtidos por simulação numérica computacional com os valores admissíveis estabelecidos pela norma AREMA (2009) e pela tendência ao acomodamento verificada nos ensaios de deformação permanente. Palavras-chave: Análise mecanicista; solos lateríticos; sublastro; módulo de resiliência; deformação permanente. ABSTRACT In the last decade has evolved used mechanistic methods for forecasting the behavior of rail track when requested by the dynamic loading imposed by the passage of the compositions. joins to this the search for a better use of tropical soils typically Brazilian rather than purely empirical methods unsuited to the genesis of our soils and which had been used until then. In this paper we analyzed the applicability of a sintered lateritic soil as layer subballast for the expansion of Carajás Railroad (EFC) through computational numerical analysis using for this the software Ferrovia 3.0. This analysis was based on parameters obtained from mechanistic triaxial tests of repeated loads to determine resilient modulus of the samples 10 cm diameter by 20 cm height, framed with energy equivalent to Intermediate Proctor test. Are also presented, the results of geotechnical characterization, MCT classification of fine particles and test for permanent deformation conducted with varying states of confining stresses and deviation, consistent with the field stress expected for layer subballast. The results indicate the feasibility of applying the studied soil as material sublastro at the EFC, when comparing the values of deflection obtained by computational numerical simulation with the permissible values set by the standard AREMA (2009) and the tendency to complacency verified assays permanent deformation. Keywords: Mechanistic analysis, lateritic soils, subballast, resilient modulus, permanent deformation. 1. INTRODUÇÃO A experiência brasileira mostra que os solos lateríticos finos ou com presença de concreções lateríticas, também designado laterita, tem sido utilizados com sucesso como camada de sublastro em camadas de pavimentos ferroviários de maneira similar ao que acontece com sua utilização em bases e sub-bases rodoviárias no país. No entanto, muitas vezes estes materiais não cumprem os requisitos tradicionais especificados e podem ser recusados por isto. Assim, cada vez mais é necessário um novo olhar sobre a forma de qualificação e seleção de materiais de pavimentação. Destacam-se estudos desenvolvidos no âmbito da Estrada de Ferro Carajás e da região Amazônica face à carência de materiais pétreos oriundos de britagem de rocha nessa região, tais como os de Vertamatti (1988) e Delgado (2012) que mostram estes novos critérios, baseados na Mecânica dos Pavimentos. Os fundamentos conceituais da Mecânica dos Pavimentos, os ensaios e métodos numéricos foram desenvolvidos para pavimento rodoviário, mas podem ser usados para pavimento ferroviário. Neste caso, a fadiga do revestimento asfáltico pode ser associada ao que ocorre nos trilhos ou nos dormentes. Os esforços repetitivos contribuem para a ocorrência de fragmentação do material do lastro, com produção de finos e enrijecimento desta camada. Como são processos gerados por repetição de cargas, os ensaios de caracterização dos materiais de lastro, sublastro e subleito devem reproduzir esta condição. Assim, o conceito de módulo de resiliência é importante na ferrovia e na rodovia. No caso de deformação permanente a analogia é direta, porque o sucessivo acúmulo de deformações permanentes pelas camadas do pavimento ferroviário pode gerar desnivelamento da estrutura, prejudicando o desempenho dos trilhos (SPADA, 2003). Logo, uma abordagem atual e eficaz do comportamento estrutural de um pavimento ferroviário deve incluir a realização de ensaios de módulo de resiliência e de deformação permanente dos materiais. Estes têm sido realizados por ensaios triaxiais de cargas repetidas, que geram parâmetros adequados para o dimensionamento mecanicista da via férrea. Este artigo analisa resultados de avaliação da aplicabilidade de um solo laterítico granular como camada de sublastro na Estrada de Ferro Carajás (EFC) à luz da Mecânica dos Pavimentos. Como exemplo de aplicação efetiva deste tipo de material, na figura 1 é mostrado um trecho de um pavimento ferroviário sendo construído com solo laterítico concrecionado como camada de sublastro na Estrada de Ferro Carajás (EFC), no estado do Pará, no ano de 2007, não tendo sido avaliado na época a aplicabilidade do material mostrado à luz da Mecânica dos Pavimentos. Figura 1. Aspecto de um solo laterítico concrecionado sendo aplicado em camada de sublastro (foto dos autores). 2. MECÂNICA DOS PAVIMENTOS FERROVIÁRIOS A avaliação sistemática do comportamento da via férrea tem mostrado que a resposta do pavimento ferroviário frente às solicitações impostas pela passagem das composições, indica que os mecanismos de ruptura, associados ao tráfego, são: trincas por fadiga nos trilhos ou dormentes e as deformações permanentes nas camadas como um todo. O conceito vigente até a década de 1960 era que a ruptura do pavimento estava associada somente à deformação permanente do subleito conforme o critério empírico dos métodos baseados no ensaio de Índice de Suporte Califórnia, ISC ou CBR (SPADA, 2003). O dimensionamento de um pavimento ferroviário visa garantir a proteção do subleito mediante a definição de camadas sobrepostas com dada espessura e rigidez, garantindo simultaneamente ainda que as próprias camadas não trinquem ou se plastifiquem. Tratar o pavimento ferroviário como um sistema multicamadas permite relacionar os componentes da via férrea – trilhos, dormente, fixações, lastro, sublastro e subleito – na busca do entendimento do efeito de carregamento proporcionado pela passagem dos veículos sobre as tensões e deformações geradas ao conjunto das camadas (SELIG e WATERS, 1994). Fortunato (2005) relata que os modelos tradicionais para análise da via férrea consideram o comportamento da via de duas formas: trilhos representados por vigas infinitas apoiadas continuamente sobre apoios elásticos (modelo de Zimmermann de 1888) ou vigas contínuas sobre apoios discretos e equidistantes(modelo de Talbot de 1918). Em ambos, os apoios são considerados perfeitamente elásticos, homogêneos e isotrópicos. O mais comum dos modelos tradicionais é o que representa o trilho como viga sobre apoio contínuo composto de um único material elástico o que não permite uma análise mais detalhada da mecânica da via férrea implicando em distorções que acabam onerando o projeto do pavimento. Estes modelos não são apresentados aqui por serem superados quanto à modelagem adequada de uma via férrea. Passar a considerar, nas análises, o pavimento ferroviário como um sistema em múltiplas camadas e resolver o problema a partir de métodos numéricos, com suporte computacional, à luz da teoria da elasticidade de sistemas em camadas é a forma de aproximar mais do real comportamento da via. Segundo Fernandes (2005) isto permite tratar a via como um sistema estrutural mesmo sem que se tenha solução analítica exata. Nestas análises, tipicamente considera-se a mesma sujeita somente a carregamento vertical, em que seus componentes são considerados separadamente: trilhos, acessórios de fixação, dormentes, lastro, sublastro e subleito, conforme evidenciado na figura 2. Spada (2003) lembra que cada uma dessas camadas, tem o seu módulo de resiliência e seu coeficiente de Poisson, sendo que cada camada deve trabalhar solidária às demais, ou seja, não sendo permitido nenhum deslizamento nas interfaces entre elas. Atualmente dispõe-se de diversos programas computacionais para resolver e analisar o modelo estrutural descrito. Tais programas podem ser bi ou tridimensionais, em multicamadas, utilizando propriedades tensão-deformação não lineares para o lastro, sublastro e subleito, de forma a se obter a resposta elástica do sistema estrutural da via férrea. Um dos mais utilizados no Brasil foi desenvolvido por Rodrigues (1994): programa computacional Ferrovia. O modelo é tridimensional, elástico-linear e obtém as respostas ao carregamento vertical da via, incluindo-se as tensões e deformações nas camadas de lastro, sublastro e subleito. O programa Ferrovia emprega em seus cálculos o método das camadas finitas, sendo os trilhos e dormentes representados por elementos de viga interconectados e as fixações que fazem a ligação são representadas como molas; as camadas de lastro, sublastro e subleito são modeladas pelo método das camadas finitas (programa FLAPS 1.0 – Finite Layer of Pavement Structures), determinam a matriz de rigidez, que é somada à matriz de rigidez da grade. O programa é estruturado a partir de uma superposição de programas e opera baseado no critério de ruptura de Mohr-Coulomb. São restringidas possíveis tensões de tração entre o dormente e o lastro. A malha de pontos nodais da grade é montada com onze dormentes, cada um subdividido em dez elementos de viga. Figura 2. Modelo estrutural da via férrea como um sistema multicamadas (SELIG e WATERS, 1994). Neste estudo foi utilizada a versão 3.0 do programa Ferrovia para analisar o pavimento ferroviário com emprego do material proposto visando avaliar a sua aplicabilidade como camada de sublastro. 3. O SUBLASTRO FERROVIÁRIO A camada de sublastro, nos países de clima temperado, é constituída basicamente de material grosso (mais de 50% retido na peneira de 0,075 mm de abertura da malha) com granulometria inferior a do lastro. Tradicionalmente, segundo Brina (1988), o material para sublastro deve atender às seguintes características: índice de grupo = 0 e enquadramento preferencialmente, no grupo A1 (classificação HRB ou TRB); Limite de Liquidez (LL) ≤ 35; índice de plasticidade (IP) ≤ 6; índice de suporte Califórnia (CBR) ≥ 30 e expansão máxima de 1%. Atualmente, porém, a Mecânica dos Pavimentos possibilita a avaliação do comportamento mecânico do material, a ser empregado como camada de sublastro, através dos ensaios de módulo de resiliência e de deformação permanente. Delgado (2012) destaca que a deformação permanente deve ser a principal preocupação dos engenheiros quanto à seleção de jazidas de materiais para sublastro ferroviário. O sublastro apresenta relevância técnica e econômica para a mecânica da via férrea, e assim, a identificação e a seleção de materiais para aplicação nesta camada são essenciais para projetos mais eficientes e duráveis. Selig e Waters (1994) chamam a atenção para a necessidade de se realizar ciclos de manutenção periódicos na camada de lastro, visando restituir suas propriedades originais, obtendo-se assim, uma vida útil do sublastro e do subleito, praticamente coincidente com a vida útil da própria via permanente projetada. Tal conceito, segundo Balbo (2007) é análogo à ideia preconizada pela escola europeia para pavimentos rodoviários, de se fazer intervenções na superfície evitando-se uma possível remoção da base inservível. Este modelo de desempenho pode ser observado no gráfico de perda de serventia de um pavimento ferroviário lastrado típico apresentado na figura 3. Assim, ressalta-se a importância do projeto e do dimensionamento da camada de sublastro quanto à deformação permanente, visto que não se prevê manutenção para a mesma ao longo da vida útil do pavimento. Fica evidente também a necessidade de melhores critérios de seleção dos materiais economicamente disponíveis em solo brasileiro para uso nesta camada. Figura 3. Perda de serventia de um pavimento ferroviário lastrado típico (SELIG e WATERS, 1994). Para garantir esta análise, são de fundamental importância os ensaios de carga repetida ou dinâmicos para caracterização do solo a ser utilizado para fins de pavimentação ferroviária, visto que métodos empíricos como o do CBR e classificação HRB, por exemplo, não permitem tal análise. A caracterização mecânica adequada se torna ainda mais premente em função da natureza específica dos solos tropicais de comportamento laterítico, que não seguem os padrões de comportamento geotécnico de solos de países de clima temperado (DELGADO, 2012). A figura 4 apresenta um exemplo típico de deformação permanente da camada de sublastro em um pavimento ferroviário brasileiro no qual se removeu a camada de lastro para avaliar a deformação da camada de sublastro e a manutenção necessária ao trecho em questão. Vê-se que, aparentemente, o solo é granular, no entanto apresentou afundamentos após aproximadamente 20 anos de solicitação (PENHA, 2010). Figura 4. Deformação permanente de um sublastro na Estrada de Ferro Carajás (PENHA, 2010). 4. ENSAIOS DE LABORATÓRIO DESTE ESTUDO Segundo Der Osten (2012) a deformação permanente admissível para uma via permanente cuja matriz de carga envolva tanto carga geral, como minérios e passageiros, visando o coeficiente de conforto, deve ficar entre 3 e 7,5 mm total no topo do trilho. A American Railway Engineering and Maintenance of Railway Association (AREMA, 2009) estabelece critérios limites para a via férrea, como: pressão no contato dormente-lastro, deflexão máxima do trilho, deflexão máxima do lastro, tensão máxima de compressão no topo do subleito, tensão máxima de tração no trilho, tensão máxima de tração no dormente, entre outros. O sublastro deve ser escolhido e dimensionado de forma contribuir para atender tais critérios. Para este trabalho, foram avaliadas quatro jazidas de solos lateríticos para aplicação como material de sublastro no pavimento ferroviário da EFC. Foram realizados ensaios de: granulometria completa por peneiramento e sedimentação (NBR 7181/1988), densidade real dos grãos (NBR 6508/1984), limite de liquidez (LL) e limite de plasticidade (LP), conforme as respectivas normas NBR 6459/1984 e NBR7180/1984, usadas para definição do índice de plasticidade (IP) do solo. Também foi realizado ensaio de compactação (NBR 7182/86) para determinação da umidade ótima do material com energia equivalente a do ensaio Proctor Intermediário que corresponde à energia empregada no campo para a camada de sublastro ferroviário. Uma das jazidas pesquisadaera de um “pedregulho arenoso”, e somente esta será analisada no presente artigo. O resultado da classificação granulométrica deste solo escolhido para demonstrar as premissas discutidas neste trabalho, está mostrado na tabela 1. Da análise da curva de compactação, obteve-se a massa específica aparente seca máxima do solo de 16,3 kN/m² e a umidade ótima de compactação de 22% foi adotada nos ensaios mecânicos. Nota-se que, mesmo o material sendo considerado granular, pela sua natureza laterítica, apresenta umidade ótima relativamente elevada, devido aos pedregulhos serem porosos. A densidade real média dos grãos apresentou valor de 2,187. Esta amostra apresenta comportamento não plástico. Tabela 1. Composição granulométrica do material da jazida de cascalho laterítico deste trabalho. Composição Granulométrica ( % ) ( Escala ABNT ) Argila Silte Areia Pedregulho Fina Média Grossa 10 11 17 4 15 43 Esse cascalho laterítico estudado apresentou valores de módulo de resiliência variando entre 181 e 429 MPa, considerados elevados quando comparados com algumas misturas estabilizadas granulometricamente apresentadas em Silva (2003) e com britas graduadas simples (BGS) apresentadas em Balbo (2007), por exemplo. A figura 5 apresenta o gráfico com a distribuição dos módulos de resiliência obtidos no ensaio em função da tensão desvio, de melhor correlação para este tipo de solo do que a tensão confinante. A tabela 2 apresenta os coeficientes dos modelos σd e σ3 para o cascalho laterítico estudado. Estes resultados apresentam baixo coeficiente de correlação, para os dois modelos de comportamento, mas não sendo os expoentes k2 desprezíveis nas duas funções, certamente o modelo composto, determinado em função das duas tensões simultaneamente seria o mais indicado e tem maior coeficiente de correlação. No entanto, o programa de análise de tensões utilizado, Ferrovia 3.0, não tem como considerar modelos de módulo composto. Assim, apresentam-se somente estes, tendo sido usado o de melhor ajuste na modelagem numérica. Figura 5. Módulo de resiliência do cascalho laterítico deste estudo obtido no ensaio triaxial de carga repetida (DER OSTEN, 2012). Para esta jazida não se aplica a classificação MCT, desenvolvida para solos finos, porém a título de estudar a natureza dos finos, realizou-se esta classificação para a fração fina do solo desta jazida estudada, classificada como LG´, o que explica o desempenho do solo como um todo em função da maior estabilidade natural proporcionada pela fração fina laterítica. Para análise do comportamento do solo da jazida de cascalho laterítico estudada quanto à deformação permanente, foram feitos sete ensaios de deformação permanente com diferentes pares de tensões. O gráfico da figura 6 ilustra o comportamento das amostras frente aos carregamentos constantes da tabela 3. Segundo Guimarães (2009) as deformações permanentes acumuladas inferiores a 1,5 mm após cerca de 150.000 ciclos tendem ao acomodamento (teoria do shakedown), já as deformações permanentes superiores a 1,5 mm podem ser consideradas excessivas e nem sempre apresentam estabilização da plastificação. Para maiores detalhes sobre a teoria do shakedown recomenda-se a leitura de Guimarães (2009). Tabela 2. Coeficientes dos modelos de MR em função de σd e σ3 para o cascalho laterítico estudado. MR = k1 σdk₂ (MPa) MR = k1 σ3k₂ (MPa) k1 k2 R² k1 k2 R² 179,5 -0,23 0,672 192,7 -0,16 0,209 Destaca-se que o material estudado apresenta comportamento característico de um solo muito deformável plasticamente para vários dos níveis de tensão empregados nos ensaios, como mostra o gráfico de deformação permanente total, figura 6. Analisando o gráfico verifica-se que todos os ensaios apresentam acomodamento das deformações permanentes, porém apenas os ensaios 1 e 2 apresentam deformações permanentes consideradas aceitáveis, com valores de 0,491 mm e 1,015 mm respectivamente. Portanto, na verificação mecanicista, é necessário garantir que nesta camada só atuarão tensões iguais ou inferiores às correspondentes aos pares de tensão usados nestes dois ensaios. Nos demais ensaios (3, 4, 5, 6 e 7), apesar do acomodamento das deformações, os valores iniciais de deformações permanentes são considerados acima da deformação permanente aceitável para esta camada, inviabilizando a utilização desse solo como sublastro do pavimento ferroviário caso atuem estes níveis de tensões sob o carregamento previsto. Figura 6. Deformação permanente total para o cascalho laterítico estudado (DER OSTEN, 2012). Tabela 3. Condição dos ensaios de deformação permanente realizados para o cascalho laterítico estudado. Ensaio σd (kPa) σ3 (kPa) εp (mm) Número de ciclos N Umidade % 1 70 70 0,491 162.000 21,2 2 200 100 1,015 265.000 21,2 3 280 140 2,092 168.100 21,2 4 400 100 10,207 162.520 20,4 5 250 50 2,093 162.310 21,5 6 300 50 4,301 350.000 22,9 7 420 140 10,747 255.440 21,9 5. ANÁLISE MECANICISTA DO PAVIMENTO FERROVIÁRIO De posse dos dados obtidos nos ensaios triaxiais de carga repetida, é possível através de simulação numérica computacional, inferir o comportamento do pavimento ferroviário e conferir se todas as tensões e deformações críticas são atendidas. Utilizaram-se os dados obtidos no laboratório para o cascalho laterítico estudado, inseridos no programa Ferrovia 3.0 para avaliar a adequação deste material como camada de sublastro para a Estrada de Ferro Carajás (EFC), junto com dados complementares fornecidos pela mineradora Vale dos parâmetros de projeto para a expansão desta ferrovia, extraídos do projeto executivo do trecho correspondente à jazida analisada. A seção transversal da via permanente considerada é mostrada na figura 7, em aterro, segundo Souto (2010). O esquema de carregamento utilizado para a simulação computacional representou o efeito de uma composição de dois vagões tipo GDT. A carga por eixo de projeto foi de 40 toneladas, porém, devido às condições de carregamento dinâmico impostas à via, simulou-se um carregamento vertical de 80 tf por eixo. Souto (2010) verificou que a condição mais severa imposta à via em termos de tensões e deslocamentos é dada pela composição de truques entre vagões adjacentes. Devido à distribuição dos pontos da malha de elementos finitos do programa, a distância entre eixos de vagões teve que ser ajustada para as configurações de grade proposta pelo programa, o que levou ao modelo de carregamento ilustrado na figura 8. Figura 7. Seção transversal em aterro do pavimento ferroviário para expansão de um trecho da EFC (SOUTO, 2010). 40tf 40tf 40tf 40tf 40tf 40tf 40tf 40tf 61cm Composição de dois vagões GDT (80tf/eixo) / espaçamento entre dormentes de 61cm (esquema em planta) 244cm 183cm183cm Figura 8. Esquema em planta do carregamento aplicado na análise numérica do segmento (SOUTO, 2010). Para as simulações feitas no presente trabalho, foram adotados dormentes monobloco de concreto e trilhos tipo TR-68, com os seguintes dados de entrada, lembrando que o programa Ferrovia 3.0 trabalha com as unidades citadas: Cargas Número do ponto nodal no meio discretizado: Carga 1=134; Carga 2=140; Carga 3=157; Carga 4=163. Tipo de carga = força vertical Valor da carga = -40 tf (compressão) Número de cargas aplicadas = 4 Grade Bitola da via = 160 cm; Espaçamento entre dormentes = 61 cm Módulo K = 70.000 kgf/cm2. Trilhos: Módulo de elasticidade do aço = 2.100.000 kgf/cm2 Momento de inércia da seção do trilho = 3950 cm4 Largura = 15 cm Área da seção = 86 cm2 Dormentes: Módulo de elasticidade = 320.000 kgf/cm2 Momento de inércia da seção do dormente = 26.533 cm4 Largura = 30 cm Área da seção = 630 cm2 Comprimento = 280 cm Tipo = monobloco Fundação (lastro, sublastro e subleito) Número de camadas = 3 Número de incrementos de cargas = 4 Característica LastroSublastro Subleito Espessura (cm) 30 25 200 Coeficiente Poisson 0,3 0,4 0,4 Coesão (kgf/cm2) 0 0,19 0,20 Angulo de atrito (o) 40 29 29 Código (MR) kgf/cm2 2.000 k1=3104 e k2=-0,23 800 Subcamadas 5 5 - O subitem de propriedades das camadas denominado código corresponde ao módulo de resiliência dos materiais. Para as camadas de lastro e subleito foram mantidos os valores de módulo de resiliência especificados no projeto executivo do referido trecho. As características de coesão e ângulo de atrito foram admitidas como valores típicos de cada tipo de material. Para a camada de sublastro os códigos foram definidos pelas equações fornecidas pelo ensaio triaxial de cargas repetidas para determinação do módulo de resiliência na unidade kgf/cm2. O programa permite a inserção somente de dois parâmetros k1 e k2 que correspondem aos coeficientes obtidos dos modelos de módulo de resiliência, nesse caso em função da tensão desvio. Para o cascalho laterítico estudado os valores são da Tabela 2, modificados para a unidade usual do Ferrovia, resultando em: k1=3104 (transformação não linear) e k2= - 0,23. Esta é uma limitação do programa, mas que não invalida seu emprego. Os resultados analisados da análise numérica foram: a tensão no topo das camadas de lastro, sublastro e subleito e deflexão no trilho. Apesar da grande variação observada nos valores de módulo de resiliência do sublastro, a simulação numérica do comportamento estrutural utilizando o programa Ferrovia 3.0 indicou pouca variação das tensões máximas atuantes no topo das camadas de lastro, sublastro e subleito, para diferentes valores de módulos de resiliência e espessuras de sublastro simulados. Este fato pode ter ocorrido pelo fato da grade ser muito mais rígida que as camadas subjacentes, assim, a variação da rigidez da camada de sublastro não foi suficiente para provocar significativa variação no estado de tensões atuantes no lastro, sublastro e subleito. Na tabela 4 são apresentados estes níveis de tensões atuantes em cada camada e a deflexão máxima no trilho. A bacia completa de deflexão sob duas cargas está apresentada na Figura 9. Nas medidas reais no campo, os valores de deflexão são devidos à compressão elástica do lastro e / ou ao fechamento de algum espaço entre trilhos e placas de apoio, ou entre as placas de apoio e os dormentes, mas referem-se sempre a deflexões sob carregamento, ou seja, cessada a carga, há o retorno à posição original. Tabela 4. Tensões máximas no topo das camadas obtidas por simulação numérica com o programa Ferrovia 3.0. Tensão máxima de compressão no topo do lastro Tensão máxima de compressão no topo do sublastro Tensão máxima de compressão no topo do subleito Deflexão máxima no trilho (40t) 360 kPa 230 kPa 140 kPa 4mm Comparando-se o valor da tensão máxima no topo do subleito (tabela 4) com as tensões usadas no ensaio 2 de deformação permanente (tabela 3) vê-se que o calculado é menor do que o aplicado no ensaio (soma das tensões desvio e confinante = 300 kPa), portanto, admite- se que não haverá acúmulo de deformação permanente nesta camada de tal monta que contribua para o desnivelamento excessivo dos trilhos. Quanto à deflexão, AREMA (2009) sugere como valor limite para a deflexão do trilho 6,35 mm e o manual de Lundgren baseado nos estudos de Talbot indica valores limites para a deflexão conforme mostrado na tabela 5 (Hay, 1982). Sabe-se que a deflexão depende da carga e, portanto, para comparar com estes limites é necessário saber para que carga estes foram estabelecidos. No entanto, como foi usada na modelagem do presente trabalho carga relativamente elevada, pode-se inferir que os valores de deflexão calculados são admissíveis. A bacia de deflexão obtida pela análise numérica comparada ao limite estipulado pela AREMA (2009) mostra-se menor do que esse, e enquadra-se no intervalo de bom comportamento da via pela tabela 5, tanto no intervalo de deflexão (0 - 5,1) para a via com vida útil elevada, quanto no intervalo de deflexão (3,3 - 5,1) desejável máxima normal, para via de carga pesada, capaz de oferecer uma combinação de flexibilidade e rigidez adequadas ao bom desempenho da via férrea. Assim, pode-se concluir que este material, existente em jazida próxima à um trecho da EFC que será duplicado, pode ser efetivamente utilizado como camada de sublastro pelos padrões de deformabilidade apresentados, tanto elástica quanto plástica, para o trem tipo simulado. Tabela 5. Critérios de deflexão da via quanto à durabilidade (HAY, 1982). Deflexão (mm) Comportamento da via 0 - 5,1 Intervalo de deflexão para a via com vida útil longa 3,3 - 5,1 Deflexão desejável máxima normal, para uma via de carga pesada, capaz de oferecer uma combinação de flexibilidade e rigidez. 9 Deflexão desejável limite para uma via de construção leve. > 10 Via mantida pobremente ou fraca que irá deteriorar-se rapidamente. Figura 9. Simulação de uma bacia de deflexão do pavimento ferroviário da EFC considerando como camada de sublastro o cascalho laterítico estudado. 6. CONCLUSÕES Após a simulação numérica computacional para os níveis de tensão que o material estará submetido em campo, o estudo apresentado permitiu concluir que o material analisado é adequado para emprego como camada de sublastro na Estrada de Ferro Carajás tanto do ponto de vista das deformações elásticas como das deformações plásticas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABNT NBR 6459. Determinação do limite de liquidez de solos. 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