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neurociências Período crítico e plasticidade Claudio Alberto Serfaty, Priscilla Oliveira-Silva, Paula Campello-Costa Apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono Agamenon Monteiro Lima, Marcelo José da Silva Feedback visual e força de preensão palmar Nilton Damasceno Corrêa, Demóstenes Moreira, Ana Caroline Soares de Fonseca, Monica de Barros Ribeiro Cilento Inteligência e hidrocefalia congênita Aurilene de Siqueira Guerra, Marcelo Moraes Valença Riso em ambiente escolar Kátia Tomagnini Passaglio et al. Neurociência e evo-devo Bruno Duarte Gomes, Luiz Carlos de Lima Silveira www.atlanticaeditora.com.br JANEIRO • FEVEREIRO de 2008 • Ano 4 • Nº 1 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 4 - N ú m e ro 1 - Ja n e iro / Fe ve re iro d e 2 0 0 8 ISSN 1807-1058 neurociências Xadrez e teoria do chunking Givago da Silva Souza, Jaime Nonato de Oliveira, Luiz Carlos de Lima Silveira Quimiocinas no sistema nervoso central Antonio Lucio Teixeira A procura pelo oscilador circadiano sincronizado pelo alimento Judney Cley Cavalcante Teste de Stroop computadorizado Cláudio Córdova et al. Discriminação de cores Paulo Roney Kilpp Goulart et al. Adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X Lorena Martins Cunha, Regina Célia Beltrão Duarte, Luiz Carlos Santana da Silva www.atlanticaeditora.com.br MARÇO • ABRIL de 2008 • Ano 4 • Nº 2 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 4 - N ú m e ro 2 - M a rço / A b ril d e 2 0 0 8 ISSN 1807-1058 neurociências Forum Imagens internas e reconhecimento imune e neural de imagens externas Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Yuri Chaves Martins Comentários Pedro Hernan Cabello Flávio Alves Lara Hilton Pereira da Silva Luiz Carlos de Lima Silveira Wilson Savino José Luiz Martins do Nascimento Fernando Salgueiro Passos Telles www.atlanticaeditora.com.br MAIO • JUNHO de 2008 • Ano 4 • Nº 3 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 4 - N ú m e ro 3 - M a Io / Ju n h o d e 2 0 0 8 ISSN 1807-1058 neurociências The evolution of concepts of color vision Barry. B. Lee Limites do estudo neurobiológico do comportamento Amauri Gouveia Jr, Caio Maximino, Iza Batista Taccolini A força e a herança dos males da alma Bruno Duarte Gomes, Luiz Carlos de Lima Silveira Relatividade espaçotemporal neural Givago da Silva Souza, Luiz Carlos de Lima Silveira Imunologia: uma harmonia de ilusões Nelson Monteiro Vaz BDNF em pacientes HIV positivos Thales Lage Bicalho Bretãs et al. Contribuições das neurociências para a dança Mônica Medeiros Ribeiro, Antonio Lúcio Teixeira www.atlanticaeditora.com.br JULHO • DEZEMBRO de 2008 • Ano 4 • Nº 4 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 4 - N ú m e ro 4 - JU lh o / D e ze m b ro d e 2 0 0 8 ISSN 1807-1058 Capa_v4n4.indd 1Capa_v4n4.indd 1 5/1/2009 20:12:425/1/2009 20:12:42 Sumário Volume 4 número 1 - janeiro/fevereiro de 2008 EDITORIAL Uma segunda garrafa, Luiz Carlos de Lima Silveira, Jean-Louis Peytavin ..................................................3 OPINIÃO Neurociência e evo-devo, Bruno Duarte Gomes, Luiz Carlos de Lima Silveira ...........................................5 Autorreconhecimento da imagem especular: um exemplo de evolução convergente em neurociência cognitiva, Givago da Silva Souza, Luiz Carlos de Lima Silveira ..................................................................................................................8 A busca do substrato neural das tomadas decisões em condições de risco, Givago da Silva Souza, Luiz Carlos de Lima Silveira ................................................................10 A noção de tempo e o ato de perguntar, Patrick W. Azevedo, Sylvia Beatriz Joffily ..............................................................................................12 LIVROS Felicidade, uma história, Darrin McMahon, Globo Editora, 2007 O que nos faz felizes, Daniel Gilbert, Elsevier, 2007 Daniel Martins de Barros ...................................................................................................................14 ARTIGOS ORIGINAIS Desempenho da inteligência em crianças com hidrocefalia congênita, Aurilene de Siqueira Guerra, Marcelo Moraes Valença ..........................................................................16 Possíveis benefícios psicológicos e fisiológicos do riso em ambiente escolar, Kátia Tomagnini Passaglio, Raul de Barros Neto, Liza Fensterseifer, Brenda Carolina Rodrigues de Meireles, Jaíza Pollyanna Dias da Cruz, Luana Carola dos Santos, Valquíria Santos Lins .......................................22 Polissonografia em idosos com síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono, Agamenon Monteiro Lima, Marcelo José da Silva ...................................................31 Influência do feedback visual na força de preensão palmar, Nilton Damasceno Corrêa, Demóstenes Moreira, Ana Caroline Soares de Fonseca, Monica de Barros Ribeiro Cilento ........................................................................................................38 REVISÃO Período crítico e plasticidade no sistema nervoso central, Claudio Alberto Serfaty, Priscilla Oliveira-Silva, Paula Campello-Costa ....................................................46 NORMAS DE PUBLICAÇÃO ..........................................................................................................54 EVENTOS .......................................................................................................................................56 2 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 © ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida, arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do proprietário do copyright, Atlântica Editora. 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Editoração e arte Cristiana Ribas cristiana@atlanticaeditora.com.br Ilustração da capa Charlotte Pouzadoux Atendimento ao assinante atlantica@atlanticaeditora.com.br Redação e administração Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço: artigos@atlanticaeditora.com.br ou Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 – Rio de Janeiro – RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 Rio de Janeiro Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 – Rio de Janeiro – RJ Tel./Fax: (21) 2221-4164 / 2517-2749 E-mail: atlantica@atlanticaeditora.com.br www.atlanticaeditora.com.br São Paulo Rua Teodoro Sampaio, 2550/cj.15 05406-480 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3816-6192 Recife Rua Dona Rita de Souza, 212 52061-480 – Recife – PE Tel.: (81) 3444-2083 Assinaturas: 6 números ao ano 1 ano – R$ 175,00 Rio de Janeiro: (21) 2221-4164 São Paulo: (11) 3361-5595 Recife: (81) 3444-2083 Revista Multidisciplinar das Ciências do Cérebro Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USP Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF Conselho editorial Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística) Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia) Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento) Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento) Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia) Eliane Volchan, UFRJ (Cognição) João Santos Pereira, UERJ (Neurologia) Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional) Leonor Scliar-Cabral, UFSC(Lingüística) Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição) Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação) Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia) Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica) Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética) Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia) Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria) Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia) Neurociências é publicado com o apoio de: SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) Presidente: Stevens Kastrup Rehen www.fesbe.org.br/sbnec ISSN 1807-1058 Editor executivo Jean-Louis Peytavin jeanlouis@atlanticaeditora.com.br Publicidade e marketing René Caldeira Delpy Jr. rene@atlanticaeditora.com.br Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 3 Editorial Em “Determinismo, acaso e imortalidade”, publicado no Neurociências [1], escrito a guiza de comentário sobre o artigo de Cláudio Tadeu Daniel Ribeiro e Yuri Chaves Martins [2], mencionamos brevemente a hipótese de Giulio Tononi e Gerald Maurice Edelman sobre os mecanismos neurais da consciência [3]. Diferentemente das abordagens convencionais que têm sido usadas para compreender a consciência, as quais debruçam-se exaustiva- mente sobre a contribuição de áreas cerebrais específicas ou grupos espe- cíficos de neurônios encefálicos, Tononi e Edelman preocupam-se com que tipos de processos neurais podem explicar as propriedades fundamentais da experiência consciente. Partindo da hipótese de que integração e complexidade são essas propriedades chaves, aplicando medidas objetivas dessas duas funções durante a atividade neural e analisando meticulosamente os dados neurológicos há muito disponíveis, eles propõem testar experimentalmente uma hipótese revolucionária para o substrato neural da consciência – the dynamic core hypothesis [3]. A possibilidade de testar objetiva, experimentalmente, hipóteses sobre os mecanismos neurais da consciência levará o homem a responder a mais misteriosa das três questões fundamentais do conhecimento científico: a) O que é o Universo, sua origem e seu fim, ou seu estado inicial e seu estado final, uma busca que ao longo dos séculos passou na observação astronômica para as complexas teorias da Astrofísica contemporânea; b) O que é a vida, sua origem e onde ela existe, a preocupação dos diversos ramos da Biologia; c) O que é a consciência, sua origem e que seres vivos são conscientes, a questão última da Neurociência. Propositadamente acima singularizamos Neurociência como contraponto ao título da nossa revista e para sublinhar que em certo momento falarmos de astrofísicas, biologias e neurociências é negar que a busca final é por um único e definitivo Conhecimento. Entretanto, é também parte do nosso entusiasmo ressaltar a natureza plu- ral dos profissionais que se juntam nas respostas às mais diversas questões que pertencem ao Realm das Neurociências e essa foi a motivação de assim batizar nossa revista por ocasião da abertura do primeiro Sekt que marcou seu nascimento. Nesta edição começamos a sorver a segunda garrafa. Uma segunda garrafa Luiz Carlos de Lima Silveira, Editor Jean-Louis Peytavin, Editor executivo 4 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Após um ano de interrupção e de reflexão, reto- mamos a publicação de Neurociências, com o objetivo bem determinado de apresentar uma revista que satisfaz todos os pesquisadores, médicos, biólogos, psicólogos e outros especialistas que têm a ver com os mistérios do cérebro. Não é um desafio fácil de resolver, porque a comunidade dos neurocientistas brasileiros é relativamente pequena e extremamente exigente! Entretanto essa comunidade leu e assinou entusiasticamente a revista – e reclamou de sua interrupção – dando-nos a vontade de continuar. Somos convencidos desde o início que é impor- tante divulgar uma revista em língua portuguesa, ape- sar da massiva concorrência dos jornais e websites de língua inglesa; que é importante publicar trabalhos originais e revisões de excelente nível para a forma- ção e a informação de nosso público brasileiro; que é importante formar uma comunidade de discussão para melhorar a comunicação entre as disciplinas tradicionais. Como mencionamos no primeiro número de Neurociências [4]: “Está em gestação uma nova revolução na his- tória do desenvolvimento científico e tecnológico. Ela é dirigida para o funcionamento do cérebro, para a criação de máquinas inteligentes e para o desenho de interfaces entre cérebro e máquina. O Brasil pode desfrutar de uma posição de destaque nessa nova era. Graças a um trabalho de mais de meio século, encontram-se funcionando em muitas universidades e institutos de pesquisa grupos de investigação em Neurociência, com um grande número de pesquisa- dores, já em sua terceira geração. A recente criação do Instituto Internacional de Neurociências em Natal e do Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, pode servir para atrair jovens neuro- cientistas, aumentar o intercâmbio entre os cientistas brasileiros e do exterior, e criar uma ponte entre a vida acadêmica e as necessidades da sociedade em geral.” De lá para cá assistimos no início de 2007 à criação da Rede Instituto Brasileiro de Neurociência (IBN Net), apoiada pela FINEP, estendendo-se de Belém a Porto Alegre, compreendendo laboratórios em onze universidades brasileiras e integrada por al- gumas centenas de docentes-pesquisadores, alunos de pós-graduação e graduação [5]. A Neurociências pretende ser com seus leito- res neurocientistas ou de outras áreas parte dessa aventura em que a comunidade científica brasileira se engajou para desvendar os mecanismos da cons- ciência, da percepção, da memória, do aprendizado, do controle motor, das neuropatias e alterações psiquiátricas. Ela é um espaço aberto a todos esses neurocientistas espalhados por um país continental de cultura ímpar, os quais convidamos a vir construir, aperfeiçoar esse espaço conosco. Referências 1. Silveira LCL. Determinismo, acaso e imortalidade. Neurociências 2006;3:231-235. 2. Daniel Ribeiro CT, Martins YC. Disponibilidade de informação, evolução do conhecimento e im- previsibilidade da ciência na era pós-industrial. Neurociências 2006;3:209-222. 3. Tononi G, Edelman GM. Consciousness and com- plexity. Science 1998;282:1846-1851. 4. Silveira LCL. Neurociências no Brasil – uma rev- olução tecnológica ao nosso alcance. Neurociên- cias 2004;1:42-47. 5. Silveira LCL, de Souza DOG. Apresentação [dos lab- oratórios que integram a Rede Instituto Brasileiro de Neurociências (IBN Net) e são dedicados aos estudos da visão]. In Feitosa Santana C, Silveira LCL, Ventura DF (editores). Cadernos da Primeira Oficina de Estudos da Visão, p 7-9. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Psicologia (IP), Núcleo de Neurociências e Com- portamento (NeC); 2007. 105 p. Agradecemos os assinantes que confiaram no futuro da revista, apesar da longa e inesperada interrupção. A duração da assinatura corresponde a um numero determinado de edições (6 edições para a assinatura anual, 12 edições para a assinatura bi-anual), independentemente do período de tempo entre 2 edições. Assinantes Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 5 Opinião Neurociência e evo-devo Bruno Duarte Gomes*, Luiz Carlos de Lima Silveira** *Universidade Federal do Pará, Departamento de Fisiologia, **Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropi- cal, Departamento de Fisiologia No dia 27 de abril de 1900, o já então respeitadíssimo físico Lord Kelvin proferiu uma palestra intitulada “Nineteenth century clouds over the dynamical theory of heat and light”, a qual versava sobre dois mistérios ainda insolúveis na física do início do século vinte, os resultados do experimento de Michelson e Morley denotando a inexistência do éter, e as incongruências não previstas encontradas nadescrição experimental da radiação de corpo negro [1]. Apesar disso, Lord Kelvin estava certo de que seria apenas uma questão de tempo até que essas duas nuvens escuras da física fossem clareadas e depois condensadas por argumentos newtonianos bem estabelecidos. Nessa mesma palestra ele lançou a célebre frase de que o trabalho dos físicos do século que começava consistiria apenas em acrescentar casas decimais a constantes já conhecidas. O que veio depois, na mesma década de 1900, é bem conhecido por nós e mudou radicalmente a nossa concepção do Universo. Com o desenvolvimento da biologia evolucionária, apesar de não haver um comentário semelhante que possamos citar aqui, pelo menos não de fama análoga ao feito por Lord Kelvin, parece estar acontecendo algo similar e dessa vez bastante relacionado à Neurociência. A palavra que representa a suposta revolução é evo-devo, uma gíria para a expressão em inglês “evolutionary developmental biology”. Algo como biologia evolucionária do desenvolvimento [2]. A evo-devo parece ser muito mais do que apenas “acréscimos de casas decimais” à síntese da evolução edificada na primeira metade do século XX, principalmente por Ernst Mayr, Julian Huxley e Theodosius Dobzhansky [2,3]. A origem da evo-devo está na união do conhecimento acumulado pela embriologia comparativa do século XIX com o modo de como um organismo evolve. Em resumo, os estudiosos da evo-devo argumentam que a seleção natural agiria mais sobre as regiões promotoras de genes responsáveis pelo desenvolvimento, trazendo a novíssima concepção de que as mudanças evolucionárias ocorreriam mais por modificações regulatórias do que por mutação na seqüência dos genes em si [2,4,5]. Para se começar a entender a importância da Neurociência na evo-devo além de conceitos, há o surpreendente trabalho de corroboração a essa teoria, feito por Pollard et al. [6]. Nesse trabalho foram usadas as modernas técnicas de biologia molecular associadas à nova genômica comparativa – o que só se tornou possível graças à disponibilidade de genomas seqüenciados ou parcialmente seqüenciados de diversos vertebrados – para identificar regiões do genoma humano conhecidas como HAR (human accelerated regions) que, peculiarmente, apesar de se supor estarem sob pressão seletiva negativa, possuem uma rápida taxa de substituição nucleotídica dentro da linhagem humana desde a divergência do nosso ancestral comum com o chimpanzé. Muitos dos HARs encontrados na sondagem genômica estão associados com 6 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 genes envolvidos na regulação da transcrição e no neurodesenvolvimento. Pollard et al. encontraram que uma região particular do cromossomo 20, a HAR1, de 118 pares de base, possui uma elevada taxa de alteração estimada em 18 substituições na linhagem humana desde o ancestral comum do homem e do chimpanzé, contrastando com a taxa de apenas 0,27 substituições em outros mamíferos amniotas. Para se ter uma idéia da elevada taxa de substituição dessa região na linhagem humana, Pollard e colaboradores estimaram em apenas 2 substituições de bases ocor- ridas em HAR1 entre a galinha e o chimpanzé. A região HAR1 é na verdade composta de dois genes de RNA de seqüências sobrepostas e que são transcritos de modo divergente: HAR1F e HAR1R. Utilizando hibridização in situ, Pollard et al. [6] desco- briram que a região HAR1F é expressada intensam- ente durante o desenvolvimento do neocórtex em embriões humanos, mais especificamente na porção dorsal do telencéfalo. Uma análise mais detalhada mostrou que, surpreendentemente, as células Cajal- Retzius contém a região HAR1F ativa. Essas células são as mesmas que produzem reelina durante o desenvolvimento do sistema nervoso. A reelina é uma proteína de papel extremamente importante no neurodesenvolvimento, atuando na migração de precursores de neurônios e no posicionamento de células no córtex cerebral e em outras estruturas cerebrais. A expressão de HAR1F nas mesmas célu- las produtoras de reelina se manteve até a 17º - 19º semana de gestação, justamente quando as células Cajal-Retzius estão espalhadas dentro da camada granular subpial, esta possuindo neurônios e seus precursores em um padrão de migração tangencial provindo de fora do neocórtex, a região do telencéfalo unicamente desenvolvida em humanos. Além disso, Pollard et al. [6] clonaram um segmento de DNA correspondente a maior parte do exon 1 de HAR1F isolado de embriões do Macaca fascicularis, um primata catarríneo (os catarríneos, da Eurásia e África, compõem juntamente com os platirríneos da América, a subordem Anthopoidea, a qual pertence o homem). Foi observado um padrão de co-expressão com células produtoras de reenina na camada granular subpial, bastante similar ao en- contrado no homem, mostrando que apesar da forte alteração de seqüências nucleotídicas, o HAR1F é bastante conservado desde a divergência entre hom- inídeos e os demais catarríneos, há aproximadamente 25 milhões de anos. Foi observada a expressão de ambas as regiões, HAR1F e HAR1R, em várias áreas do cérebro de adultos e nem em um outro tecido, com HAR1F se expressando de modo muito mais intenso que HAR1R. Pollard et al. chamam a atenção para dois fatos muito interessantes a respeito da região HAR1: to- das as 18 substituições em HAR1 são de pares AT para GC, o que tem o efeito de reforçar a estrutura secundária do RNA formado. A região HAR1 está localizada na banda final do braço cromossômico. Os autores afirmam que as duas características podem fornecer informações acerca da elevada taxa de substituição em HAR1. A substituição majoritária de AT para GC curiosamente está em igualdade com quase todos os tipos de substituição encontrados em outras HARs, além do que, 12% de todas as 49 HARs conhecidas por aqueles autores possuem localização similar no cromossomo a HAR1, quando a percentagem estimada para isso seria menor que 5%. Baseado em outros trabalhos, Pollard et al. afirmam que os sítios de forte freqüência de recom- binação, geralmente encontrados no final de braços cromossômicos, estão associados com aumentos na substituição AT para GC. Também tem sido proposto em outros trabalhos a seleção para estabilidade do gene ou o aumento nos níveis de expressão como explicações alternativas para a substituição não aleatória de AT para GC. Pollard et al. ainda afirmam que qualquer um dos processos citados poderia ser combinado com uma seleção para mudanças específicas compensatórias na estrutura do RNA, o que explicaria a forte taxa de alteração da seqüência HAR1 e sua estabilidade. O belo e laborioso trabalho de Pollard et al. mostra de modo inconteste o futuro promissor da evo-devo junto à Neurociência e acrescenta muito a trabalhos anteriores que estudaram outras seqüên- cias gênicas as quais tem se atribuído importante papel na evolução do cérebro na linhagem humana, como a ASPM [7,8], envolvida no tamanho cerebral e a FOXP2 [9], relacionada à produção da fala. Entretanto, como os próprios autores citam, esse trabalho inova por usar como análise uma seqüência nucleotídica não codificada em proteínas. Referências 1. Two dark clouds on the horizon [online]. [citado 2007 feb 1]. Disponível em URL:http://www.physics.gla. ac.uk/Physics3/Kelvin_online/clouds.htm 2. Orr HA. Turned on: a revolution in the field of evolu- tion? [online]. 17 de Out de 2005 [cit 2007 apr 22]. Disponível em URL: http://www.newyorker.com/crit- ics/books/articles/051024crbo_books1 3. Mayr E. Biologia, ciência única. São Paulo: Compan- hia das letras; 2005. 261p. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 7 4. Finlay BL. Endless minds most beautiful. Develop Sci 2007;10(1):30–34. 5. Gerson ME. The juncture of evolutionary and develop- mental biology [online]. 31 de Out de 2003 [citado 2007 feb 1]. Disponível em URL:http://tremont.type- pad.com/technical_work/papers/Evo-DevoJuncture. pdf 6. PollardKS, Salama SR, Lambert N, Lambot MA, Cop- pens S, Pedersen JS et al. An RNA gene expressed during cortical development evolved rapidly in hu- mans. Nature 2006;443(7108):167-72. 7. Evans P D, Anderson JR, Vallender EJ, Gilbert SL, Mal- com CM, Dorus S et al. Adaptive evolution of ASPM, a major determinant of cerebral cortical size in humans. Hum Mol Genet 2004;13:489-494. 8. Bond J, Roberts E, Mochida GH, Hampshire DJ, Scott S, Askham, JM. ASPM is a major determinant of cere- bral cortical size. Nat Genet 2002;32(2):316-20. 9. Enard W, Przeworski M, Fisher SE, Lai CS, Wiebe V, Kitano T et al. Molecular evolution of FOXP2, a gene involved in speech and language. Nature 2002;418:869-72. 8 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Autorreconhecimento da imagem especular: um exemplo de evolução convergente em neurociência cognitiva Givago da Silva Souza*, Luiz Carlos de Lima Silveira** *Universidade Federal do Pará, Departamento de Fisiologia, **Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropi- cal, Departamento de Fisiologia Um ato ordinário de olhar-se no espelho e barbear-se, pentear o cabelo ou sorrir, traduz de maneira simples que reconhecemos a imagem especular como nossa e assim nos tornamos objetos de nossa própria atenção. Para que isso ocorra é proposto que uma idéia prévia de si mesmo já exista. O autorreconhecimento é apenas uma parte da consciência de si próprio [1]. Em Neurociência, o reconhecimento da imagem refletida pelo espelho como a de si próprio vem sendo estudado desde o princípio do século XX, mas apenas no início da década de 1970 foi que este comportamento passou a ser mais sistematicamente compreendido [2,3]. Um comportamento relativamente padrão é esperado para determinar se um animal consegue se autoreconhecer através do espelho [2,4]. Inicial- mente ocorre uma resposta social, ou seja, o animal se comporta como se observasse um outro da espécie. Em seguida, o animal inspeciona o espelho, cheirando-o e vasculhando o objeto. Posteriormente é esperado um padrão de movimentos repetitivos e estereotipados do animal na frente do espelho. No estágio final do teste são pintadas marcas no formato de X em uma região que não pode ser visualizada pelo animal sem o auxílio do espelho. O corante utilizado para marcar pode ou não ser visível. Na presença do espelho, caso o corante seja visível, o animal visualiza a marca e tende a tocar na região pintada um maior número de vezes que na presença do corante invisível ou na ausência do espelho. É comum que alguns animais percam o interesse pela marca rapidamente, pois verificam que ela não representa uma ameaça. Durante muito tempo verificou-se que apenas os humanos e os pongídeos (exceto gorilas) eram capazes de se reconhecerem usando um espelho [5], enquanto os símios não conseguiam realizar a mesma tarefa [6,7]. A história evolucionária, a complexidade social e o alto grau de encefalização dos grandes primatas explicariam tal fato. O substrato anatômico do reconheci- mento de si em primatas provavelmente está localizado no córtex pré-frontal direito, já que diversos estudos em humanos (ver a lista em Keenan et al. [8]) mostram que danos nesta área pioram a capacidade de reconhecimento da própria imagem. Nos últimos anos, novos métodos para o teste do espelho mostraram que outros animais também se comportavam de maneira autocognoscitiva. Reiss & Marino [9] mostraram que golfinhos (Tursiops truncatus) apresentavam comportamentos rítmicos e repetitivos na frente do espelho e, sempre que eram marcados com tinta em uma parte do corpo, buscavam imediatamente Opinião Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 9 o espelho para explorar a área na qual haviam sido pintados. Mais recentemente, Plotnik et al. [4] trab- alhando com elefantes asiáticos (Elephas maximus) observaram que estes também se autoreconheciam frente ao espelho. Golfinhos e elefantes são famosos por possuírem grandes cérebros em relação ao ta- manho do corpo e uma organização social complexa, assemelhando-se com os primatas superiores. Esses novos achados aquecem a discussão da emergência da cognição e da consciência de si próprio em táxons distintos, realçando a importân- cia do alto grau de encefalização e complexidade comportamental. Visto que animais como golfinhos e elefantes apresentarem história evolucionária [10- 12] e organização cortical [13,14] diferentes dos primatas, é inevitável interrogar-se a respeito de que áreas corticais seriam responsáveis pela aquisição de tais comportamentos complexos. Respondendo a essa interrogação poder-se-á obter importantes infor- mações a respeito do modo como o sistema nervoso gera um mesmo comportamento a partir de seleções ambientais distintas. Referências 1. Knoblich G. Self recognition: body and action. Trends Cogn Sci 2002; 6:447-9. 2. Gallup Jr GG. Jr. Chimpanzees: self-recognition. Sci- ence 1970; 167:86-7. 3. Gallup Jr GG, McClure MK, Hill SD, Bundy RA. Capac- ity for self-recognition in differentially reared chimpan- zees. Psychol Rec 1971;21:69-74. 4. Plotnik JM, de Wall FBM, Reiss D. Self-recognition in an Asian elephant. Proc Natl Acad Sci U S A 2006;103:17053-7. 5. Gallup Jr GG. Self-awareness and the evolution of so- cial intelligence. Behav Processes 1998;42:239-47. 6. Gallup Jr GG, Wallnau LB, Suarez SD. Failure to find self-recognition in mother–infant and infant–infant rhesus monkey pairs. Folia Primatol 1980;33:210-9. 7. Anderson JR. Mirror-mediated finding of hidden food by monkeys (Macaca tonkeana and M. fascicularis). J Comp Psychol 1986;100:237-42. 8. Keenan JP, Wheeler MA, Gallup Jr GG, Pascual-Leone A. Self-recognition and the right prefrontal cortex. Trends Cogn Sci 2000;4:338-44. 9. Reiss D, Marino L. Mirror self-recognition in the bottle- nose dolphin: A case of cognitive convergence. Proc Natl Acad Sci U S A 2001;98:5937-942. 10. Milinkovitch MC, Meyer A, Powell JR. Phylogeny of all major groups of cetaceans based on DNA sequences from three mitochondrial genes. Mol Biol Evol 1994;11:939-48. 11. Arnason U, Gullberg A, Janke A. Mitogenomic analy- ses provide new insights into cetacean origin and evolution. Gene 2004;333:27-34. 12. Krause J, Dear PH, Pollack JL, Slatkin M, Spriggs H, Barnes I, Lister AM, Ebersberger I, Paabo S, Hofreiter M. Multiplex amplification of the mammoth mitochon- drial genome and the evolution of Elephantidae. Na- ture 2006;439:724-27. 13. Marino, L., Sudheimer, K.D., Murphy, T.L., Davis, K.K., Pabst, D.A., Mclellan, W.A., Rilling JK, Johnson JI. Anatomy and three-dimensional reconstructions of the brain of a bottlenose dolphin (Tursiops trun- catus) from magnetic resonance images. Anat Rec 2001;264:397-414. 14. Shoshani J, Kupsky WJ, Marchant GH. Elephant brain Part I: Gross morphology, functions, comparative anatomy, and evolution. Brain Res Bull 2006;70: 124-57. 10 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 A busca do substrato neural das tomadas decisões em condições de risco Givago da Silva Souza*, Luiz Carlos de Lima Silveira** *Universidade Federal do Pará, Departamento de Fisiologia, **Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropi- cal, Departamento de Fisiologia No nosso cotidiano somos muitas vezes forçados a tomar uma decisão cuja escolha nos trará oportunidades potenciais de sucesso ou fracasso. Paulus [1] divide a tomada de decisão em três fases: avaliação e formação de preferências entre as possíveis opções; seleção de uma das possibili- dades; experiência da conseqüência. O estudo da tomada de decisão sob riscos tem na teoria do prospecto seu principal alicerce teórico. Um de seus idealizadores, o psicólogo Daniel Kahneman, foi agraciado com o prêmio Nobel de economia de 2002. Segundo a teoria do prospecto ou da perspectiva, as pessoas sofreriam mais com as perdas que se alegrariam com os ganhos de valores semelhantes [2,3]. As pessoas são mais sensíveisàs possibilidades de perdas que às possibilidades de ganhos proporcionais. O entendimento da tomada de decisão sob riscos vem sendo de grande importância na economia e psicologia. Os neurocientistas têm buscado encon- trar os substratos neurais que coordenariam essa resposta comportamental durante suas diferentes fases (para revisão ver Trepel et al. [4]). Diversos estudos encontraram que neurônios do estriado e do córtex cerebral pré-fron- tal estão envolvidos na antecipação de recompensas relacionadas à decisão a ser tomada [5,6] (primeira fase) e na experimentação das conseqüências [7,8] (terceira fase). É provável que outras áreas, como a amígdala [9] e o córtex cerebral cingulado anterior [10], também sejam ativadas durante es- sas fases. Recentemente, Tom et al. [11] detectaram através de ressonância mag- nética funcional durante o ato da decisão (segunda fase) com expectativa de ganho (sucesso) que as áreas que estão ativadas são os córtices cerebrais pré-frontal, orbitofrontal e cingulado anterior, assim como o estriato e as regiões dopaminérgicas mesencefálicas, e tais áreas são reconhecidamente relacionadas à recompensa obtida após a decisão tomada. Além disso, foi visto que essas mesmas áreas também estão relacionadas ao ato de decidir com expectativa de perda (fracasso), no entanto dessa vez elas apresenta- ram diminuição de sua atividade. Outro achado importante deste trabalho é que áreas relacionadas com a emoção, como regiões da amígdala e da ínsula, não se alteraram durante o ato de decisão. Os autores ressaltaram que resultados nulos em imageamento funcional devem ser interpretados com cuidado. Os achados são consistentes com hipóteses de que perdas e ganhos são codificados por um mesmo mecanismo e pela mesma circuitaria neural, ao invés de processamentos separados. Adicionando-se aos resultados anátomo-funcionais relacionados à tomada de decisão sob riscos, o artigo de Tom et al. [11] mostrou pela primeira vez Opinião Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 11 que a resposta neural para perdas potenciais é mais intensa do que àquela para potenciais ganhos, fato anteriormente detectado através de estudos psicomé- tricos [12] e conhecido como aversão à perda [1]. O entendimento das diversas fases de tomadas de decisões sob risco pode ajudar a compreender porque as pessoas temem tomar uma decisão ou perdem a noção dos riscos que estão sujeitas. A aplicabilidade desse conhecimento estende-se desde às situações rotineiras de escolher uma roupa ou onde ir passear no fim de semana, passando pela neuropsiquiatria e estendendo-se à economia. Referências 1. Paulus MP. Neurobiology of decision-making: Quo vadis? Brain Res Cogn Brain Res 2005;23:2-10. 2. Kahneman D, Tversky A. Prospect theory: an analysis of decision under risk. Econometrica 1979. p. 263- 291. 3. Tversky A, Kahneman D. Advances in prospect theory: Cumulative representation of uncertainty. J Risk Un- certain 1992;5:297-323. 4. Trepel C, Fox CR, Poldrack RA. Prospect theory on the brain? Toward a cognitive neuroscience of decision under risk. Brain Res Cogn Brain Res 2005;23:34- 50. 5. Berridge KC, Robinson TE. What is the role of do- pamine in reward: hedonic impact, reward learning, or incentive salience? Brain Res Brain Res Rev 1998;28:309-69. 6. Schultz W. Predictive reward signal of dopamine neu- rons. J Neurophysiol 1998;80:1-27. 7. Breiter HC, Aharon I, Kahneman D, Dale A, Shizgal P. Functional imaging of neural responses to expectancy and experience of monetary gains and losses. Neuron 2001;30:619-39. 8. Delgado MR, Locke HM, Stenger VA, Fiez JA. Dorsal striatum responses to reward and punishment: ef- fects of valence and magnitude manipulations. Cogn Affect Behav Neurosci 2003;3:27-38. 9. Garavan H, Pendergrass JC, Ross TJ, Stein EA, Rising- er RC. Amygdala response to both positively and neg- atively valenced stimuli. NeuroReport 2001;28:2779- 83. 10. Gehring WJ, Willoughby AR. The medial frontal cor- tex and the rapid processing of monetary gains and losses. Science 2002;295:2279-82. 11. Tom SM, Craig RF, Trepel C, Poldrack RA. The neural basis of loss aversion in decision-making under risk. Science 2007;315:515-8. 12. Gonzalez R, Wu G. On the shape of the probability weighting function. Cognit Psychol 1999;38:129-66. 12 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 A noção de tempo e o ato de perguntar Patrick W. Azevedo, Sylvia Beatriz Joffily Núcleo de Estudos e Pesquisas em Neuropsicologia Cognitiva, CCH, UENF Correspondência: Sylvia Beatriz Joffily, Tel: (21) 2294- 5578/9842-0729, E-mail: joffily@uenf.br Do ponto de vista neuropsicológico cognitivo o que significa perguntar? Além dos homens, que outro animal está apto a elaborar e a responder questões de caráter espaço/temporal? Questionar, mesmo de forma rudimentar, os desconfortos gerados pelas condições físicas e ambientais é um recurso de sobrevivência comum às diferentes espécies uma vez que a capacidade de produzir respostas ad- equadas ou de encontrar soluções para tais desconfortos pode representar a vida ou a morte do animal. A análise etimológica do conceito que caracteriza o ato de perguntar reforça esta idéia uma vez que o vocábulo perguntar deriva do verbo latino prae-cuntare e se refere à ação de cutucar, de sondar o desconhecido com o auxílio de um contus, em latim, uma varinha. Animais de sangue frio, como os répteis e os anfíbios, cuja existência se restringe ao território e às condições climáticas de origem, solucionam de maneira imediata e eficiente através de respostas herdadas os descon- fortos que vão encontrando ao longo de suas vidas. Entretanto, estas mesmas respostas revelam-se ineficazes frente ao ineditismo, variedade e complexidade dos desconfortos que os animais, cuja existência ultra- passa o território e as condições climáticas de origem, se deparam em suas andanças. São estes desconfortos que, possivelmente, propiciaram o surgimento da capacidade de aprender, ou seja, da capacidade de gerar um acervo ontogenético de respostas individualizadas representacionais que caracteriza o comportamento flexível e criativo dos animais de sangue quente. Como o próprio nome define, aprender significa prender, fixar, sustentar em tempo presente algo que, em essência, é impermanente e fugaz. Foi aprendendo que os mamíferos para sobreviverem dedicaram-se, não só a transformar, como também a perpetuar, em tempos pretéritos e futuros, as sensações e os movimentos que os favoreciam ou os desfavore- ciam em suas andanças. Ao recurso psicológico que permite sustentar em tempo presente os estímulos que não estão mais ao alcance dos órgãos sensoriais periféricos dá-se o nome de representar. Só pensa, sonha, fala, identifica circunstâncias pretéritas e prevê ocorrências futuras os animais que re-presentam. Enquanto que as perguntas e as respostas filogenéticas, de caráter inato, reflexo e grupal, indispensáveis à sobrevivência, pressupõem a ativação de áreas rombencéfalicas e mesencéfalicas, as perguntas e as respostas de caráter ontogenético, personalizado, individual, abstrato/representacional, promotoras de mutações comportamentais, pressupõem a ativação de áreas diencefálicas e telencefálicas. É sobretudo a relação que o lobo frontal (fonte de síntese, vontade e de- cisão) estabelece com o cérebro límbico (gerador de emoções) que possibilita Opinião Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 13 a integração dos efêmeros e múltiplos fragmentos sensoriais em um único, estável e multifacetado cenário existencial. No mesencéfalo, ou mais precisamente nos tubérculos quadrigêmeos, neurônios visuais e auditi- vos, juntamente com outras aferências provenientes do resto do corpo, acionam, sempre que um evento inesperado surge no ambiente externo, os músculos do pescoço e dos globos oculares. Nestas ocasiões, o pólo cefálico do animal, olhos e cabeça, alertado peloestímulo insólito, volta-se automaticamente em direção ao evento na tentativa de responder a pergunta “onde” está o estímulo responsável pelo desconforto. Por outro lado, a capacidade de gerar perguntas e respostas representacionais, um dos pilares da consciência e da produção intelectual dos homens, pressupõe a ativação de áreas evolutivamente mais recentes, como as telencefálicas. Assim, qualquer resposta, seja ela inata ou adquirida, grupal ou in- dividual, flexível ou inflexível, mediata ou imediata, comportamental ou representacional, é sempre um recurso funcional que se contrapondo a um vácuo cognitivo liga um ser cognosciente a algo que ele desconhece, mas cujo conhecimento lhe parece imprescindível, vantajoso e oportuno. Nos homens a complexidade evolutiva dos seus cérebros, ricos em neurônios anastomizados e mnêmicos e a interferência das diferentes áreas cere- brais, umas sobre as outras, dão origem às múltiplas realidades internas que caracterizam os tempos, pas- sado e futuro. São estes tempos que permitem aos homens identificarem no alimento diário, não só uma linda forma geométrica, como também, um saboroso quitute, uma saudosa recordação familiar ou, até mesmo, uma desagradável exigência cotidiana aonde sapos e gatos reconhecem somente uma comida. Portanto, contrariamente as invariáveis respos- tas que envolvem estruturas cerebrais evolutivamente mais arcaicas como as geradas pela pergunta “onde”, as respostas geradas pela pergunta “o que”, “como”, “quando”, “quem” e “por que” em consonância com o grau de complexidade do Sistema Nervoso, variam, não só, de espécie para espécie, como também de indivíduo para indivíduo. Para que estas questões sejam adequadamente elaboradas e respondidas, as estruturas rombence- fálicas e mesencefálicas que compõem os substratos neurais relacionadas aos comportamentos inatos devem estar submetidas às estruturas telencefálicas e diencefálicas que compõem os substratos neurais dos comportamentos adquiridos. Somente assim, as repetitivas respostas geneticamente herdadas configurando os estreitos e efêmeros limites do tempo presente, darão origem, através de respostas inéditas, criativas, eficientes e individualizadas, aos ilimitados tempos, pretérito e futuro que caracterizam a mente dos homens. Bibliografia Benoist L. Signes, symboles et mythes. Paris: PUF; 2004. Boysson-Bardies. Comment la parole vient aux enfants. Paris: Odile Jacob; 2005. Johnson MH (ed.). Brain development and cognition. Ox- ford UK & Cambridge USA: Blackwell; 1993. Denton D. Les émotions primordiales et l’éveil de la conscience. Paris: Flammarion; 2005. 14 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Livros A felicidade é tida como um dos desejos últimos do ser humano – mui- tas de, senão todas, nossas ações e comportamentos ocorrem visando, como resultado, a sua obtenção. Esse conceito é invocado até mesmo como mote para diferenciar o certo do errado, já que, segundo o Utilitarismo, uma ação é moral quando contribui para o aumento da felicidade global da humanidade. Com tanto peso em nossa economia interna (e, por que não, externa), não é de se espantar que esse tema venha sendo estudado com o instrumen- tal das neurociências, cada vez mais sofisticados e desenvolvidos em seus resultados. Tal fato tem dado ensejo a uma enxurrada de publicações – os autores buscam a um só tempo reunir os saberes que se acumulam sobre o tema e alcançar elevados patamares de venda, dado ser este um assunto que freqüenta o topo das listas dos mais vendidos. Em meio à plêiade de livros que versam sobre a felicidade, como alcançá- la e o que o cérebro tem a ver com tudo isso, duas obras recentes assumem papel de relevo. “Felicidade, uma história” faz um apanhado bastante extenso do tema – dos primórdios da civilização até o pós-modernismo de nossos dias – com enfoque em como a humanidade entende a felicidade, traçando uma história intelectual do conceito, desde como relacionamos com ele e o que temos feito para ser felizes, não sem poucas vezes nos afastando do objetivo. O exemplo mais paradigmático é o do estudo que correlaciona o grau de sa- tisfação com a vida (ou o “grau de felicidade”) de um povo com o PIB per capita do seu país. É assustador perceber, não que há uma correlação entre o ganho médio das pessoas e o quanto são felizes, mas sim o quanto essa curva é achatada – após um rendimento de cerca de R$ 2.000,00 por mês (US$13.000,00 por ano), não há acréscimo de satisfação com o incremento de renda. Assustador porque a maioria das pessoas acredita que poderia estar mais feliz se aumentasse ao menos um pouco seus ganhos, sem se dar conta que, ao chegar a esse patamar, manterão o mesmo sentimento do “pouquinho que falta”. Assim, desgastam-se no trabalho cada vez mais, deixando de desfrutar prazeres que a vida oferece – e que poderiam aumentar a felicidade – para ganhar mais dinheiro, o que, comprovadamente, não as fará mais satisfeitas. Em “O que nos faz felizes”, estudos das neurociências são analisados numa tentativa de se encontrar os fatores responsáveis, ao fim e ao cabo, por nossa felicidade – não por acaso o título original é tropeçando na felicidade. E sua conclusão diz respeito exatamente ao que destacamos acima – não conseguimos nos sentir felizes porque tentamos prever o futuro o tempo todo, e quase 100% das vezes de forma errônea – por ser responsabilidade do córtex pré-frontal, muito recentemente surgido, a habilidade de antecipar o futuro ainda é muito precária. Por exemplo: tendemos a imaginar que quando recebermos aquela promoção, aí então poderemos fazer aquela viagem, ou Felicidade, uma história, Darrin McMahon, Globo Editora, 2007 O que nos faz felizes, Daniel Gilbert, Elsevier, 2007 DANIEL MARTINS DE BARROS é médico psiquiatra formado pela Universidade de São Paulo (USP), editor-assistente da Neurociências, e trabalha desde 2002 no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Me- dicina da USP, onde também é membro do Núcleo de Psi- quiatria Forense e Psicologia Jurídica. Correspondência: dan_barros@yahoo.com.br Por Daniel Martins de Barros Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 15 mesmo investir naquele hobby caro que tanto desejamos. Mas na maioria das vezes as novas circunstâncias são distintas do que prevíramos, e com a promoção chegam maiores responsabilidades, menos tempo, mais pressão ou outro fator qualquer inesperado, e a frustração nos afasta da felicidade sonhada. Os estudos sobre a felicidade, assim como os estudos sobre o compor- tamento moral, violência e outras funções bastante subjetivas, vêm receben- do um renovado interesse por parte das ciências cognitivas, neuroimagem, psicofarmacologia e assim por diante. Mesmo que não se traduzam em fórmulas infalíveis para a cura de todos os males da civilização, sem dúvida contribuirão de forma significativa para o entendimento do cérebro, por fim, de nós mesmos. 16 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Artigo original Desempenho da inteligência em crianças com hidrocefalia congênita Intelligence performance in children with congenital hydroceph- alus Aurilene de Siqueira Guerra, M.Sc.*, Marcelo Moraes Valença** Resumo O objetivo do estudo foi avaliar funções cognitivos de crianças com hidrocefalia congênita (HC) associada com mielomeningocele. Foram avaliadas 42 crianças com HC e 42 crianças saudáveis. Todos os sujeitos foram submetidos a uma avaliação neuropsicológica com o teste da figura complexa de Rey, para avaliar a memória visual, e as escalas de inteligência para crianças de Weschsler, para avaliar os índices de processamento da memória, e os quocientes intelectuais (QI). As crianças com HC apresentaram menor número de anos de escolaridade e os escores foram também significativamente menores nos testes que avaliaram memória visual, velocidade de processamento, organização perceptiva,resistência à distração e compreensão verbal. Os QI verbais e executivos, bem como o QI total, estavam também significativamente diminuídos no grupo com HC. Concluímos que existe como característica freqüente um comprometimento das funções cognitivas nas crianças com HC. Algumas destas crianças apresentam um desempenho cognitivo próximo do padrão normal. Palavras-chave: hidrocefalia, cognição, memória, neurocirurgia, neuropsicologia, inteligência. Abstract The aim of this study was to evaluate cognitive functions in children with congenital hydrocepha- lus associated to myelomeningocele. Forty-two with CH and 42 healthy children were evaluated. All were submitted to a neuropsychological evaluation with the complex figure of Rey test to evaluate visual memory, and the Wechsler’s scales of intelligence for children to evaluate the memory processing, and the intellectual quotients (IQ). Children with CH present less number of years at school and the scores were also significaticavely lower in the tests that evaluated visual memory, speed of processing, perceptive organization, resistance to distraction and verbal comprehension. Verbal and executive’s IQ, such as total IQ, were also lower in the CH group. It was concluded that exists a fail in the cognitive functions in children with CH. Some of these children presented a cognitive performance close to the regular standard. Key-words: hydrocephalus, cognition, memory, neurosurgery, neuropsychology, intelligence. *Neuropsicológa, Mestra na Pós-graduação em Neu- ropsiquiatria e Ciências do Comportamento da Universi- dade Federal de Pernambuco, **Neurocirurgião, Coordenador da Pós-graduação em Neuro - psi quiatria e Ciências do Com- portamento da Universidade Federal de Pernambuco Correspondência: Aurilene de Siqueira Guerra, Rua Brejo da Madre de Deus,180, Bloco A16/302 Janga 53437-040 Paulista PE, E-mail: aurilene- guerra@uol.com.br. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 17 Introdução A spina bifida é a malformação mais freqüente do sistema nervoso central [1], resultado do fecha- mento incompleto do tubo neural que ocorre entre o 21º e 28º dia após a concepção, podendo ser classificada como: a) occulta, o defeito não é visível e é geralmente assintomática (5-40% da população), b) meningocele, exteriorização de um cisto ou tumor coberto pelas meninges, sem envolvimento medular, usualmente assintomática, e c) mielomeningocele, uma malformação mais complexa e forma mais grave de spina bifida, com complicações neurológicas sé- rias ou fatais envolvendo medula, meninges e raízes [1-3]. Em 80% dos casos de spina bifida a região lombo-sacra está envolvida. Estudos epidemiológi- cos sugerem que mielomeningocele está associada à diabetes e uso de fármacos antiepilépticos pela mãe, e presença de spina bifida em parentes do primeiro grau [2]. Outras malformações estão associadas à mie- lomeningocele (i.e., agenesia do corpo caloso e anormalidades do tronco cerebral e cerebelo), algu- mas delas levam ao desenvolvimento de hidrocefalia congênita (HC, 80-90% dos casos) [4]. Estima-se que uma em cada mil crianças nascidas vivas desenvolve HC associada à mielomeningocele [5]. Ainda existe alguma controvérsia se a hidrocefalia ou a spina bifida, ou ambas, mesmo quando “adequadamente” tratadas, causariam um dano cerebral progressivo com comprometimento cognitivo em todos os pacien- tes. Sabe-se, porém, que o tratamento precoce com derivação liquórica ventrículo-peritoneal (DVP) da HC pode diminuir as seqüelas neurológicas, principal- mente quando se considera a esfera cognitiva [6]. Complicações inerentes ao procedimento cirúrgico (i.e., mau funcionamento valvular, meningites e tro- cas freqüentes do sistema de derivação) bem como associadas ao estado nutricional do neonato podem também comprometer o encéfalo nos desenvolvimen- tos de suas funções [7]. Os problemas psico-sociais que estas crianças com hidrocefalia e mielomeningocele sofrem, e levam para a vida adulta, são conseqüências não só dos déficits cognitivos como também podem ser influenciados por outras anomalias freqüentemente encontradas na malformação, tais como: paralisia dos membros inferiores, deformidades da bacia, pé e pernas, escoliose, apnéia do sono, incoordenação e distúrbio da deglutição associados com malformação de Arnold-Chiari tipo II, síndrome da medula ancorada, crises epilépticas, obesidade, fraturas patológicas, anormalidades esfincterianas e sexuais, infecções urinárias de repetição e alergia ao látex [2]. O objetivo deste estudo foi avaliar aspectos cognitivos de crianças com HC associada com mielo- meningocele lombar que foram submetidas a DVP. Material e métodos Foram avaliadas 84 crianças [42 saudáveis (21 do sexo masculino) - grupo controle; e 42 com HC e mielomeningocele lombar (21 do sexo masculino)], ida- des variando entre 7 a 15 anos, no período de 2004 a 2005 no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco ou no Instituto Materno Infantil- IMIP. Todos os sujeitos foram submetidos a uma avaliação neuropsicológica com o teste da figura complexa de Rey, para avaliar a memória visual, e as escalas de inteligência para crianças de Weschsler (bateria Wisc III), para avaliar os índices de processamento da me- mória, e os quocientes intelectuais (QI) [8,9]. A mielomeningocele lombar foi abordada cirurgi- camente nas primeiras horas após o nascimento da criança. Nos pacientes que apresentaram aumento do perímetro cefálico um exame de ultra-sonografia ou de tomografia computadorizada foi realizado para a confirmação diagnóstica da HC. Aspectos éticos Cada paciente e seu responsável foram pre- viamente informados, sobre a natureza do estudo, conforme termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelas Comissões de Ética para Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Pernam- buco e do Instituto Materno Infantil de Pernambuco. Análise estatística Os dados numéricos são mostrados como média ± desvio padrão (DP). O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para determinar o tipo de distribuição das variáveis estudadas. Quando a distribuição foi normal utilizava-se um teste paramétrico (teste t de Student ou Anova). Do contrário usava-se testes não-paramétricos. Para comparação de duas amostras indepen- dentes, quando as variáveis não apresentavam uma distribuição normal foram utilizados os testes não-paramétricos de Mann-Whitney. Se mais de dois grupos eram comparados utilizava-se o teste não- paramétrico de Kruskal-Wallis, seguido do pós-teste de comparações múltiplas de Dunn. Para avaliar se 18 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 havia correlação entre a idade do paciente e o escore obtido no QI total usou-se o teste não-paramétrico de Spearman. Para considerar um escore no QI total signifi- cativamente baixo em relação ao grupo controle foi estabelecido o valor menor do que 81, baseando-se no cálculo: média menos dois desvios padrão do grupo controle (média – 2DP). Resultados Os dados individuais do grupo controle e do grupo de crianças com hidrocefalia são mostrados nas Tabe- las I e II, respectivamente. Na Tabela 3 observa-se que o grupo de crianças com HC apresentou baixo desem- penho escolar e os escores foram também menores nos testes que avaliaram memória visual, velocidade de processamento, organização perceptiva, resistência à distração e compreensão verbal. Os QI verbais e executivos, bem como o QI total, estavam significati- vamente diminuídos no grupo com HC (Tabela III). No grupo controle não houve diferença estatística em qualquer dos parâmetros cognitivos mostrados na Tabela III quando consideramos o sexo. Nas crianças controles o QI total foi 100,8 ± 9,7 (meninas, 101,0 ± 9,1; meninos, 100,7 ± 10,5; p > 0,05). No grupo das crianças com hidrocefalia também não houve diferença estatística entre os gêneros, considerando QI total (meninos 68,0 ±10,0 vs. meninas 64,3 ± 10,5, p = 0,3020 no teste de Mann-Whitney), QI verbal Tabela I - Dados individuais da avaliação cognitiva no grupo de 42 crianças controles. Criança Idade (anos) sexo Escolari- dade QI verbal QI ex- ecutivo QI total Com- preen- são verbal Orga- nização Percep- tual Re- sistência a distra- ção Velocid- ade de proces- samento Memória visual 1 7 F 4 107 106 111 111 93 99 124 28 2 7 F 3 110 96 105 106 111 101 100 28 3 7 M 6 97 100 102 110 100 95 100 27 4 7 M 5 80 91 75 71 86 72 99 29 5 8 F 7 104 106 100 108 100 80 85 25 6 8 F 2 87 75 80 89 80 67 82 29 7 8 F 5 108 103 106 96 104 116 93 31 8 8 M 4 105 102 110 104 95 98 126 28 9 8 M 4 101 104 103 100 93 100 112 28 10 8 M 8 114 112 113 120 95 99 134 30 11 9 F 3 105 101 103 100 92 95 104 29 12 9 F 4 101 104 102 110 95 96 107 29 13 9 F 5 107 106 111 111 93 99 124 28 14 9 F 2 105 106 103 111 98 95 104 29 15 9 M 3 104 102 103 100 96 95 104 27 16 9 M 7 114 113 112 98 104 116 95 31 17 9 M 5 112 82 98 111 91 75 71 29 18 9 M 6 108 103 106 96 104 116 93 30 19 10 F 3 111 105 105 111 101 87 101 29 20 10 F 3 104 87 95 108 91 78 85 28 21 10 F 7 112 82 98 111 91 75 71 28 22 10 F 6 108 103 106 96 104 116 93 29 23 10 M 2 114 112 113 120 92 95 112 30 24 10 M 6 101 104 102 110 95 96 107 30 25 10 M 4 101 104 103 100 93 95 112 27 26 10 M 3 98 95 105 99 87 75 103 26 27 11 F 4 107 106 111 111 93 97 124 28 28 11 F 2 111 105 105 111 101 87 101 29 29 11 M 3 102 108 105 100 104 108 105 30 30 11 M 4 105 105 105 104 103 106 103 30 31 12 F 4 111 87 100 107 88 99 96 27 32 12 M 6 92 113 95 105 103 67 90 31 33 13 F 7 129 102 114 120 88 84 93 29 34 13 M 4 109 111 110 122 117 116 101 28 35 14 F 5 87 99 91 93 91 75 82 27 36 14 F 3 85 91 87 87 94 59 64 28 37 14 M 3 88 110 98 72 99 96 90 29 38 14 M 4 65 115 87 55 99 59 101 30 39 15 F 4 112 95 104 111 77 75 99 26 40 15 F 5 85 84 84 76 73 70 74 28 41 15 M 3 83 75 78 78 70 72 71 26 2 15 M 3 92 93 91 100 92 92 94 30 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 19 Tabela II - Dados individuais da avaliação cognitiva dos 42 pacientes com mielomeningocele e hidrocefalia. Paciente Idade (anos) Sexo Anos de Escolari- dade QI verbal QI ex- ecutivo QI total Com- preen- são verbal Orga- nização percep- tual Re- sistência a Distra- ção Velocid- ade de proces- samento Memória visual 1 7 F 5 75 75 73 80 67 59 87 19 2 7 F 4 82 80 81 80 81 83 79 16 3 7 M 3 71 83 75 74 88 54 82 9 4 7 M 2 65 60 59 69 63 47 55 10 5 8 F 4 60 57 55 64 63 54 61 17 6 8 F 2 65 60 59 40 69 47 55 13 7 8 F 1 63 59 57 63 60 53 54 15 8 8 M 2 60 57 55 64 63 47 53 17 9 8 M 2 71 83 75 74 87 54 52 10 10 8 M 3 71 75 73 70 66 59 55 15 11 9 F 3 75 75 72 74 68 54 72 17 12 9 F 3 60 57 55 64 63 53 61 13 13 9 F 1 62 56 54 62 60 50 61 10 14 9 F 2 52 79 71 76 72 71 77 14 15 9 M 2 68 78 72 74 76 63 64 5 16 9 M 4 62 56 54 62 60 50 61 10 17 9 M 3 65 60 59 40 69 47 55 13 18 9 M 2 60 67 55 64 63 54 61 10 19 10 F 0 68 40 52 75 40 63 64 8 20 10 F 2 71 83 75 74 88 54 61 9 21 10 F 1 65 60 59 69 63 47 55 10 22 10 F 0 60 57 55 64 63 54 82 13 23 10 M 1 66 75 68 69 61 51 87 13 24 10 M 3 92 87 89 102 89 63 85 15 25 10 M 0 85 86 84 84 83 78 96 14 26 10 M 4 76 73 74 79 78 74 61 9 27 11 F 1 79 83 75 74 87 54 52 10 28 11 F 0 65 60 59 40 69 47 55 13 29 11 M 2 63 59 57 62 60 53 54 15 30 11 M 2 71 85 75 74 88 54 82 10 31 12 F 5 45 63 50 41 63 47 61 6 32 12 M 3 70 58 61 68 63 63 52 10 33 13 F 3 66 81 71 71 78 47 68 10 34 13 M 2 70 66 65 65 59 67 68 8 35 14 F 0 45 45 50 42 48 47 47 0 36 14 F 1 68 91 78 68 93 59 67 15 37 14 M 1 71 51 58 74 48 54 64 0 38 14 M 3 76 73 74 74 78 74 71 6 39 15 F 2 75 74 75 72 71 70 70 15 40 15 F 1 71 83 75 74 87 54 52 18 41 15 M 2 75 75 73 80 67 59 87 14 42 15 M 1 71 75 73 70 66 69 72 18 Tabela III - Avaliação cognitiva em 42 crianças com hidrocefalia e 42 crianças saudáveis. Parâmetros Controle Hidrocefalia p* Idade (anos) 10,4 ± 2,4 10,4 ± 2,4 0,9964 Escolaridade (anos) 4,3 ± 1,5 2,0 ± 1,5 <0,0001 Memória visual 28,5 ± 1,4 11,7 ± 4,3 <0,0001 Velocidade de processamento 98,3 ± 15,7 65,6 ± 12,4 <0,0001 Organização perceptiva 94,6 ± 9,1 69,7 ±12,3 <0,0001 Resistência a distração 90,3 ± 15,4 57,1 ± 9,4 <0,0001 Compreensão verbal 101,4 ± 14,2 68,0 ± 12,5 <0,0001 Quociente intelectual verbal 101,9 ± 11,8 67,1 ± 9,0 <0,0001 Quociente intelectual executivo 101,1 ± 10,2 69,0 ± 12,0 <0,0001 Quociente intelectual total 100,8 ± 9,7 66,1 ± 10,2 <0,0001 Dados são média ± desvio padrão, *p versus grupo controle no teste Mann-Withney. 20 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 (meninos 70,4 ± 7,7 vs. meninas 65,3 ± 9,8, p = 0,1245 no teste de Mann-Whitney) e no QI executivo (meninos 70,6 ± 11,2 vs. meninas 67,5 ± 13,9, p = 0,5374 no teste de Mann-Whitney). A Tabela IV mostra a distribuição das crianças controle e com hidrocefalia de acordo com o escore obtido no QI total. Considerando os escores do grupo controle e subtraindo duas vezes o desvio padrão da média (81 seria o limite inferior de normalidade considerando 2 DP) apenas 3/42 (7,1%) pacientes com HC apresentaram um QI total maior do que 80 (i.e., 81, 84 e 89). Não houve diferença nos escores do QI total observados entre as faixas etárias 7-9 anos (64 ± 10), 10-12 anos (67 ± 12) e 13-15 anos (69 ± 9) (p = 0,3844 no teste de Kruskal-Wallis). No teste de Spearman não houve correlação entre idade do paciente e QI total (p = 0,4641). Discussão Este estudo mostrou que crianças que receberam tratamento cirúrgico para correção da mielomeningo- cele e da hidrocefalia apresentam déficits importantes no desenvolvimento das funções cognitivas e que o distúrbio não progride pelo menos entre 7-9 anos e 13-15 anos de idade. Neste aspecto, Jacob et al. [10], ao realizarem um estudo longitudinal com um grupo de 19 crianças com HC e spina bífida, mostraram que houve um declínio nas habilidades intelectuais entre as três faixas etárias estudadas: 1-2 anos, 4-5 anos e 7-11 anos. Isto sugere que nos primeiros anos de vida pelas demandas próprias desta faixa etária as diferenças não são tão importantes com relação às crianças saudáveis. Todavia, o déficit cognitivo continua progredindo até que aos 7-9 anos de idade deixam de progredir, pelo menos até os 13-15 anos de idade. Vários artigos já abordaram o tema da disfunção cognitiva na hidrocefalia ou na spina bífida [1,5-7,10- 16,18,24,25]. Os resultados são controversos. Princi- palmente quando consideramos as inúmeras causas de hidrocefalia na criança ou os vários graus de spina bifida neonatal. No nosso estudo, procurando dimi- Tabela IV - Distribuição das crianças do grupo controle (n = 42) e do grupo com hidrocefalia e mielomeningo- cele lombar (n = 42) quanto ao quociente de inteligência total. Quociente de inteligência Controle Hidrocefalia N % N % 50 – 70 - - 21 50% 71 – 85 3 7,1 20 45,2% 86 – 100 12 28,5 1 4,7 101 -110 20 47,7 - - >110 7 16,6 - - nuir a interferência de outros fatores sobre a esfera cognitiva, resolvemos incluir apenas pacientes com mielomeningocele lombar e HC. Crianças com hidrocefalia apresentam déficit cognitivo particularmente ligado à atenção, alta distrabilidade e déficit de memória principalmente vinculado ao uso pobre de estratégias, reduzido do- mínio da língua e deficiência no cálculo matemático [11,12]. Curiosamente, Lumenta e Skotarczak [13] relatam que 63% das crianças com hidrocefalia não apresentam déficit cognitivo. Apesar da literatura mostrar que estas crianças apresentam relativa preservação da habilidade verbal, mesmo assim elas têm déficits importantes na apren- dizagem verbal, no discurso expressivo, na fluência da fala e articulação das palavras [14]. Nestes pacientes também encontramos ausência no desenvolvimento de estratégias mnemônica. Iddon et al. [16] comentam que o déficit cognitivo encontrado em crianças com hidrocefalia permanece na vida adulta, trazendo muita dificuldade para o indivíduo quando se emprega, principalmente na rea- lização de tarefas complexas que exigem atenção. Somado à claraassociação de malformações de estruturas neurais vinculadas com a função cognitiva, devemos lembrar da presença de déficits motor e esfincteriano nesses pacientes; trazendo, portanto, um outro aspecto que deve ser valorizado no pleno desenvolvimento cognitivo: uma associação freqüente de baixa-estima na spina bífida [17]. Essa debilidade física pode certamente interferir na educação e sub- seqüentemente na função cognitiva e intelectual [19]. Outro fato que devemos salientar é que QI baixo e anormalidades neurológicas estão associadas com problemas comportamentais [21]. Acredita-se que o dano cerebral ocorra antes da correção do padrão hipertensivo intracraniano pela DVP e que o encéfalo, com o funcionamento ade- quado do shunt, apresentaria um desenvolvimento próximo da normalidade. Neste sentido, lentificação da mielinização cerebral na HC, com alterações ele- trofisiológicas particularmente no córtex pré-frontal tem sido demonstrada [22]. O cérebro ainda em desenvolvimento é particularmente vulnerável, ocor- Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 21 rendo alterações degenerativas como conseqüência da hidrocefalia e hipertensão intracraniana, com adelgaçamento do corpo caloso, dano do trato ópti- co, redução da mielinização com digenesia cortical e atrofia cerebral [23]. Em decorrência destes danos encefálicos do desenvolvimento muito destas crian- ças vão apresentar déficits visuais e auditivos, os quais prejudicariam ainda mais o aprendizado. Como foi discutido, o comprometimento das funções cognitivas nos pacientes com o complexo HC e mielomeningocele é o resultado de interações genéticas e meio-ambientais; assim a expressão fe- notípica é variável: com indivíduos com déficits quase imperceptíveis e outros com grande acometimento cognitivo, obrigando a uma dependência substancial na realização das atividades de vida cotidiana [24,25]. Conclusão Nosso trabalho conclui que comprometimento das funções cognitivas é uma característica freqüen- temente encontrada nas crianças com HC associada à mielomeningocele, justificando a baixa escolaridade observada neste grupo de crianças. Porém, algu- mas dessas crianças apresentam um desempenho cognitivo próximo do padrão normal e os declínios cognitivos deixam de progredir a partir dos 7 anos de idade. Concluímos ainda que não existe diferença intelectual entre os gêneros feminino e masculino. Os maiores déficits cognitivos estão relacionados nas esferas cognitivas de velocidade de processamento de informação na memória. Referências 1. Fletcher JM, Barnes M, Dennis M. Language development in children with spina bifida. Semin Pediatr Neurol 2002;12:2001-8. 2. Northrup H, Volcik KA. Spina bifida and other neural tube defects. Curr Probl Pediatr 2000;30:313-32. 3. Adzick NS, Walsh DS. Myelomeningocele: Prenatal diagnosis, pathophysiology and management. Semin Pediatr Surg 2003;12:168-74. 4. Sobkowiak CA. Effect of hydrocephalus on neuronal migration and maturation. Eur J Pediatr Surg 1992;2 Suppl 1:7-11. 5. Heinsbergen I, Rotteveel J, Roeleveld N, Grotenhuis A. Outcome in shunted hydrocephalic children. Eur J Paediatr Neurol 2002;6:99-107 6. Mataro M, Poca MA, Sahuquillo J, Cuxart A, Iborra J, de la Calzada MD, Junque C. 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Estes testes foram aplicados em uma escola pública para adolescentes (11 a 15 anos), em dois dias e depois, durante 10 dias, foi feita a promoção do riso. Os testes foram reaplicados. Os parâmetros fisiológicos como freqüência cardíaca, pressão arterial, sensibilidade dolorosa e dosagem da IGAsalivar foram feitos, antes e após os alunos assistirem a um filme-comédia. Os dados obtidos foram processados estatisticamente utilizando o coeficiente de correlação de Spearman e o Teste t de Student, antes e depois das oficinas do riso. Os resultados foram positivos evidenciando a melhora nas respostas dos testes. Os parâmetros fisiológicos também mostraram resultados positivos como o aumento da atividade cardíaca, alívio da dor e aumento na IGA salivar. Os resultados apontam para uma ação potencializadora do riso sobre as habilidades testadas, indicando ser uma excelente ferramenta determinante para a criação de um ambiente escolar saudável, que resultaria em melhora do processo ensino-aprendizagem. Palavras-chave: riso, adolescência, aprendizagem, escola. Abstract The aim of this study was to investigate the influence of the laugh on different abilities that take care effectively of the purpose of learning. Specific tests had been used in order to evaluate attention, perception, memory, organizations of space and space-time, capacity of understand- ing and structure of thought, emotional interpretation of texts, reasoning and development in mathematical tasks. These tests had been performed in a public school with adolescents (11-15 years old), in two days and later, during 10 days, the promotion of laugh was made. The tests had been reapplied. Physiological parameters as cardiac frequency, arterial pressure, sensorial threshold of pain and the dosage of the IGA in the saliva were evaluated before and after the students watched a comedy movie. The result data had been processed statistically using the coefficient of correlation of Spearman and Test t-Student, before and after the workshops of laugh. The results were positive showing the improvement in the response of the tests. The physiologi- cal parameters had also showed positive results such as increase of the cardiac activity, relief of pain and increase in the IGA. The results point to a potential action of laugh on the tested abilities, indicating to be an excellent tool for the creation of a healthful school environment, which would result in improvement of the process of learning/teaching. Key-words: laugh, adolescence, learning, school. *Professor Adjunto III do Curso de Psicologia da PUC Minas, **Professora Assistente do Curso de Psicologia da PUC- Minas, ***Acadêmico Pontifí- cia Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade São Gabriel - Psicologia Correspondência: Dra. Kátia Tomagnini Passaglio, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Unidade São Gabriel, Coordenação do Curso de Psicologia, Rua Walter Ianne, 255, São Gabriel 31980-110 Belo Horizonte MG Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 23 Introdução O riso vem sendo estudado desde aproximada- mente 55 a.C., entretanto, muitas são as definições que permeiam o rir, o risível e o humor. Alguns filó- sofos como Platão, Kant, Aristóteles, entre outros estudiosos e cientistas, falam sobre o riso e sua contribuição na história do pensamento, e da impor- tância do rir para a saúde física e mental [1]. Rir, segundo Oliva [2] é uma forma de fazer as emoções se tornarem comunicáveis, dessa forma, o riso apresenta-se como um comportamento emocional que possui a função de comunicação, presente em toda a vida do sujeito. O riso apresenta-se mais do que como uma manifestação de alegria, como muitas vezes é cono- tado, mais do que isso possui um importante papel de promover interações sociais entre os indivíduos no meio em que se encontram. A psicologia considera o riso capaz de contribuir na afetividade nas emoções e até mesmo na inteligência [3]. Acredita que o humor é uma forma de lidar com os problemas diários. Assim, o riso ajuda a estabelecer a saúde mental, pois pessoas com baixo humor pos- suem geralmente mais problemas emocionais. Com uma saúde mental equilibrada, o indivíduo também estabelece uma melhor saúde física e socialização. Se o indivíduo encontra-se mentalmente saudá- vel, logo sua saúde física poderá estar equilibrada. Dessa forma, o riso além de um importante papel psicológico também possui uma grande importância fisiológica. O riso cria uma conexão entre corpo e mente, pois é usado para manter o equilíbrio da vida emocional e física. No ambiente escolar, espaço onde acontece a socialização secundária do sujeito, o riso aparece como uma ponte para a formação de laços sociais e de interações entre as pessoas. Além disso, a contribuição da expressão emocional através do riso, permite ao educando uma boa relação com professo- res e colegas, promovendo um estado psicológico e emocional propício ao aprendizado. Por outro lado, a ausência do riso pode ser pre- judicial, pois o aluno que não interage, ou tem difi- culdade de interação, perde a possibilidade de trocar impressões, através de brincadeiras e considerações, sobre os mais variados assuntos, perdendo assim, uma parcela da oportunidade de aprendizagem. Neste sentido, o riso pode ser excelente para uma melhor aprendizagem. Sendo assim, essa pesquisa busca objetivar os possíveis benefícios fisiológicos e psicológicos do riso, em ambiente escolar, através da análise de habilidades que atendem efetivamente aos propósitos do aprendizado. Material e métodos Neste trabalho foram pesquisados em média 257 alunos adolescentes, 134 meninos e 123 meninas, na faixa etária de 11 a 15 anos, de uma escola pública, com a escolaridade de 6º a 8º séries do ensino fundamental. A metodologia, simplificada, consiste em aplicação de testes que avaliam parâ- metros psicológicos e fisiológicos, antes e depois de oficinas de promoção do riso, que aconteceram ao longo de dez dias. Parâmetros avaliados Os parâmetros avaliados foram a atenção, percepção, memória, organizações de espaço e es- paço-temporal, habilidade de compreensão de texto, habilidades matemáticas, disposição, estados emo- cionais e coordenação motora fina. Os parâmetros fisiológicos foram freqüência cardíaca, pressão arte- rial, sensibilidade dolorosa, medida antropométrica da face e imunoglobulina A salivar. Testes Os testes psicológicos utilizados na pesquisa foram desenvolvidos especificamente para a mesma. Após estudo teórico, os testes foram confeccionados e previamente testados em um experimento piloto que contou com a participação de 32 adolescentes. Para a pesquisa envolvendo o riso foram organiza- das duas baterias de testes aplicados em dois dias consecutivos. A 1º bateria foi formada pelos testes CVSH, memória, cadê e matemática. A 2º bateria foi formada pelos testes disposição, português, tetris, seqüência e labirinto. Os testes consistiam em: CVSH – Como Você se Sente hoje, cujo objetivo foi avaliar o estado emocional do aluno e consistiu em marcar com um X nas alternativas que condizem com seu estado emocional do dia. Tetris, tem como objetivo investigar a organização espacial, através da identificação da figura modelo dentre outras dispostas em posições diferentes no espaço. Cadê, em três níveis de dificuldade considerados fácil, médio e difícil. Objetivava-se verificar a capaci- dade de percepção e atenção espaciais. Foram apre- sentadas aos alunos três cenas diferentes, uma de 24 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 cada vez, com a imagem de diversos objetos. Dentre eles os alunos localizaram objetos (desenhos) especí- ficos em cada cena e marcaram na folha de resposta. Para seu desenvolvimento o aplicador marcou tempo específico de execução da tarefa para cada nível. Seqüência, objetivava-se verificar a capacidade de organização espaço-temporal, percepção e aten- ção. O aplicador mostrou uma seqüência de fichas com círculos pretos, os quais os alunos os reproduzi- ram na folha de resposta de maneira correspondente às seqüências mostradas. Memória, o objetivo foi verificar a capacidade de memória. O aplicador mostrou uma seqüência de 10 figuras e posteriormente,
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