Prévia do material em texto
neurociências Período crítico e plasticidade Claudio Alberto Serfaty, Priscilla Oliveira-Silva, Paula Campello-Costa Apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono Agamenon Monteiro Lima, Marcelo José da Silva Feedback visual e força de preensão palmar Nilton Damasceno Corrêa, Demóstenes Moreira, Ana Caroline Soares de Fonseca, Monica de Barros Ribeiro Cilento Inteligência e hidrocefalia congênita Aurilene de Siqueira Guerra, Marcelo Moraes Valença Riso em ambiente escolar Kátia Tomagnini Passaglio et al. Neurociência e evo-devo Bruno Duarte Gomes, Luiz Carlos de Lima Silveira www.atlanticaeditora.com.br JANEIRO • FEVEREIRO de 2008 • Ano 4 • Nº 1 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 4 - N ú m e ro 1 - Ja n e iro / Fe ve re iro d e 2 0 0 8 ISSN 1807-1058 neurociências Xadrez e teoria do chunking Givago da Silva Souza, Jaime Nonato de Oliveira, Luiz Carlos de Lima Silveira Quimiocinas no sistema nervoso central Antonio Lucio Teixeira A procura pelo oscilador circadiano sincronizado pelo alimento Judney Cley Cavalcante Teste de Stroop computadorizado Cláudio Córdova et al. Discriminação de cores Paulo Roney Kilpp Goulart et al. Adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X Lorena Martins Cunha, Regina Célia Beltrão Duarte, Luiz Carlos Santana da Silva www.atlanticaeditora.com.br MARÇO • ABRIL de 2008 • Ano 4 • Nº 2 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 4 - N ú m e ro 2 - M a rço / A b ril d e 2 0 0 8 ISSN 1807-1058 neurociências Forum Imagens internas e reconhecimento imune e neural de imagens externas Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Yuri Chaves Martins Comentários Pedro Hernan Cabello Flávio Alves Lara Hilton Pereira da Silva Luiz Carlos de Lima Silveira Wilson Savino José Luiz Martins do Nascimento Fernando Salgueiro Passos Telles www.atlanticaeditora.com.br MAIO • JUNHO de 2008 • Ano 4 • Nº 3 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 4 - N ú m e ro 3 - M a Io / Ju n h o d e 2 0 0 8 ISSN 1807-1058 neurociências The evolution of concepts of color vision Barry. B. Lee Limites do estudo neurobiológico do comportamento Amauri Gouveia Jr, Caio Maximino, Iza Batista Taccolini A força e a herança dos males da alma Bruno Duarte Gomes, Luiz Carlos de Lima Silveira Relatividade espaçotemporal neural Givago da Silva Souza, Luiz Carlos de Lima Silveira Imunologia: uma harmonia de ilusões Nelson Monteiro Vaz BDNF em pacientes HIV positivos Thales Lage Bicalho Bretãs et al. Contribuições das neurociências para a dança Mônica Medeiros Ribeiro, Antonio Lúcio Teixeira www.atlanticaeditora.com.br JULHO • DEZEMBRO de 2008 • Ano 4 • Nº 4 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 4 - N ú m e ro 4 - JU lh o / D e ze m b ro d e 2 0 0 8 ISSN 1807-1058 Capa_v4n4.indd 1Capa_v4n4.indd 1 5/1/2009 20:12:425/1/2009 20:12:42 Sumário Volume 4 número 1 - janeiro/fevereiro de 2008 EDITORIAL Uma segunda garrafa, Luiz Carlos de Lima Silveira, Jean-Louis Peytavin ..................................................3 OPINIÃO Neurociência e evo-devo, Bruno Duarte Gomes, Luiz Carlos de Lima Silveira ...........................................5 Autorreconhecimento da imagem especular: um exemplo de evolução convergente em neurociência cognitiva, Givago da Silva Souza, Luiz Carlos de Lima Silveira ..................................................................................................................8 A busca do substrato neural das tomadas decisões em condições de risco, Givago da Silva Souza, Luiz Carlos de Lima Silveira ................................................................10 A noção de tempo e o ato de perguntar, Patrick W. Azevedo, Sylvia Beatriz Joffily ..............................................................................................12 LIVROS Felicidade, uma história, Darrin McMahon, Globo Editora, 2007 O que nos faz felizes, Daniel Gilbert, Elsevier, 2007 Daniel Martins de Barros ...................................................................................................................14 ARTIGOS ORIGINAIS Desempenho da inteligência em crianças com hidrocefalia congênita, Aurilene de Siqueira Guerra, Marcelo Moraes Valença ..........................................................................16 Possíveis benefícios psicológicos e fisiológicos do riso em ambiente escolar, Kátia Tomagnini Passaglio, Raul de Barros Neto, Liza Fensterseifer, Brenda Carolina Rodrigues de Meireles, Jaíza Pollyanna Dias da Cruz, Luana Carola dos Santos, Valquíria Santos Lins .......................................22 Polissonografia em idosos com síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono, Agamenon Monteiro Lima, Marcelo José da Silva ...................................................31 Influência do feedback visual na força de preensão palmar, Nilton Damasceno Corrêa, Demóstenes Moreira, Ana Caroline Soares de Fonseca, Monica de Barros Ribeiro Cilento ........................................................................................................38 REVISÃO Período crítico e plasticidade no sistema nervoso central, Claudio Alberto Serfaty, Priscilla Oliveira-Silva, Paula Campello-Costa ....................................................46 NORMAS DE PUBLICAÇÃO ..........................................................................................................54 EVENTOS .......................................................................................................................................56 2 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 © ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida, arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante. Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil, Nutrição Brasil e MN-Metabólica. I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes. Editoração e arte Cristiana Ribas cristiana@atlanticaeditora.com.br Ilustração da capa Charlotte Pouzadoux Atendimento ao assinante atlantica@atlanticaeditora.com.br Redação e administração Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço: artigos@atlanticaeditora.com.br ou Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 – Rio de Janeiro – RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 Rio de Janeiro Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 – Rio de Janeiro – RJ Tel./Fax: (21) 2221-4164 / 2517-2749 E-mail: atlantica@atlanticaeditora.com.br www.atlanticaeditora.com.br São Paulo Rua Teodoro Sampaio, 2550/cj.15 05406-480 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3816-6192 Recife Rua Dona Rita de Souza, 212 52061-480 – Recife – PE Tel.: (81) 3444-2083 Assinaturas: 6 números ao ano 1 ano – R$ 175,00 Rio de Janeiro: (21) 2221-4164 São Paulo: (11) 3361-5595 Recife: (81) 3444-2083 Revista Multidisciplinar das Ciências do Cérebro Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USP Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF Conselho editorial Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística) Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia) Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento) Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento) Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia) Eliane Volchan, UFRJ (Cognição) João Santos Pereira, UERJ (Neurologia) Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional) Leonor Scliar-Cabral, UFSC(Lingüística) Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição) Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação) Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia) Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica) Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética) Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia) Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria) Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia) Neurociências é publicado com o apoio de: SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) Presidente: Stevens Kastrup Rehen www.fesbe.org.br/sbnec ISSN 1807-1058 Editor executivo Jean-Louis Peytavin jeanlouis@atlanticaeditora.com.br Publicidade e marketing René Caldeira Delpy Jr. rene@atlanticaeditora.com.br Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 3 Editorial Em “Determinismo, acaso e imortalidade”, publicado no Neurociências [1], escrito a guiza de comentário sobre o artigo de Cláudio Tadeu Daniel Ribeiro e Yuri Chaves Martins [2], mencionamos brevemente a hipótese de Giulio Tononi e Gerald Maurice Edelman sobre os mecanismos neurais da consciência [3]. Diferentemente das abordagens convencionais que têm sido usadas para compreender a consciência, as quais debruçam-se exaustiva- mente sobre a contribuição de áreas cerebrais específicas ou grupos espe- cíficos de neurônios encefálicos, Tononi e Edelman preocupam-se com que tipos de processos neurais podem explicar as propriedades fundamentais da experiência consciente. Partindo da hipótese de que integração e complexidade são essas propriedades chaves, aplicando medidas objetivas dessas duas funções durante a atividade neural e analisando meticulosamente os dados neurológicos há muito disponíveis, eles propõem testar experimentalmente uma hipótese revolucionária para o substrato neural da consciência – the dynamic core hypothesis [3]. A possibilidade de testar objetiva, experimentalmente, hipóteses sobre os mecanismos neurais da consciência levará o homem a responder a mais misteriosa das três questões fundamentais do conhecimento científico: a) O que é o Universo, sua origem e seu fim, ou seu estado inicial e seu estado final, uma busca que ao longo dos séculos passou na observação astronômica para as complexas teorias da Astrofísica contemporânea; b) O que é a vida, sua origem e onde ela existe, a preocupação dos diversos ramos da Biologia; c) O que é a consciência, sua origem e que seres vivos são conscientes, a questão última da Neurociência. Propositadamente acima singularizamos Neurociência como contraponto ao título da nossa revista e para sublinhar que em certo momento falarmos de astrofísicas, biologias e neurociências é negar que a busca final é por um único e definitivo Conhecimento. Entretanto, é também parte do nosso entusiasmo ressaltar a natureza plu- ral dos profissionais que se juntam nas respostas às mais diversas questões que pertencem ao Realm das Neurociências e essa foi a motivação de assim batizar nossa revista por ocasião da abertura do primeiro Sekt que marcou seu nascimento. Nesta edição começamos a sorver a segunda garrafa. Uma segunda garrafa Luiz Carlos de Lima Silveira, Editor Jean-Louis Peytavin, Editor executivo 4 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Após um ano de interrupção e de reflexão, reto- mamos a publicação de Neurociências, com o objetivo bem determinado de apresentar uma revista que satisfaz todos os pesquisadores, médicos, biólogos, psicólogos e outros especialistas que têm a ver com os mistérios do cérebro. Não é um desafio fácil de resolver, porque a comunidade dos neurocientistas brasileiros é relativamente pequena e extremamente exigente! Entretanto essa comunidade leu e assinou entusiasticamente a revista – e reclamou de sua interrupção – dando-nos a vontade de continuar. Somos convencidos desde o início que é impor- tante divulgar uma revista em língua portuguesa, ape- sar da massiva concorrência dos jornais e websites de língua inglesa; que é importante publicar trabalhos originais e revisões de excelente nível para a forma- ção e a informação de nosso público brasileiro; que é importante formar uma comunidade de discussão para melhorar a comunicação entre as disciplinas tradicionais. Como mencionamos no primeiro número de Neurociências [4]: “Está em gestação uma nova revolução na his- tória do desenvolvimento científico e tecnológico. Ela é dirigida para o funcionamento do cérebro, para a criação de máquinas inteligentes e para o desenho de interfaces entre cérebro e máquina. O Brasil pode desfrutar de uma posição de destaque nessa nova era. Graças a um trabalho de mais de meio século, encontram-se funcionando em muitas universidades e institutos de pesquisa grupos de investigação em Neurociência, com um grande número de pesquisa- dores, já em sua terceira geração. A recente criação do Instituto Internacional de Neurociências em Natal e do Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, pode servir para atrair jovens neuro- cientistas, aumentar o intercâmbio entre os cientistas brasileiros e do exterior, e criar uma ponte entre a vida acadêmica e as necessidades da sociedade em geral.” De lá para cá assistimos no início de 2007 à criação da Rede Instituto Brasileiro de Neurociência (IBN Net), apoiada pela FINEP, estendendo-se de Belém a Porto Alegre, compreendendo laboratórios em onze universidades brasileiras e integrada por al- gumas centenas de docentes-pesquisadores, alunos de pós-graduação e graduação [5]. A Neurociências pretende ser com seus leito- res neurocientistas ou de outras áreas parte dessa aventura em que a comunidade científica brasileira se engajou para desvendar os mecanismos da cons- ciência, da percepção, da memória, do aprendizado, do controle motor, das neuropatias e alterações psiquiátricas. Ela é um espaço aberto a todos esses neurocientistas espalhados por um país continental de cultura ímpar, os quais convidamos a vir construir, aperfeiçoar esse espaço conosco. Referências 1. Silveira LCL. Determinismo, acaso e imortalidade. Neurociências 2006;3:231-235. 2. Daniel Ribeiro CT, Martins YC. Disponibilidade de informação, evolução do conhecimento e im- previsibilidade da ciência na era pós-industrial. Neurociências 2006;3:209-222. 3. Tononi G, Edelman GM. Consciousness and com- plexity. Science 1998;282:1846-1851. 4. Silveira LCL. Neurociências no Brasil – uma rev- olução tecnológica ao nosso alcance. Neurociên- cias 2004;1:42-47. 5. Silveira LCL, de Souza DOG. Apresentação [dos lab- oratórios que integram a Rede Instituto Brasileiro de Neurociências (IBN Net) e são dedicados aos estudos da visão]. In Feitosa Santana C, Silveira LCL, Ventura DF (editores). Cadernos da Primeira Oficina de Estudos da Visão, p 7-9. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Psicologia (IP), Núcleo de Neurociências e Com- portamento (NeC); 2007. 105 p. Agradecemos os assinantes que confiaram no futuro da revista, apesar da longa e inesperada interrupção. A duração da assinatura corresponde a um numero determinado de edições (6 edições para a assinatura anual, 12 edições para a assinatura bi-anual), independentemente do período de tempo entre 2 edições. Assinantes Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 5 Opinião Neurociência e evo-devo Bruno Duarte Gomes*, Luiz Carlos de Lima Silveira** *Universidade Federal do Pará, Departamento de Fisiologia, **Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropi- cal, Departamento de Fisiologia No dia 27 de abril de 1900, o já então respeitadíssimo físico Lord Kelvin proferiu uma palestra intitulada “Nineteenth century clouds over the dynamical theory of heat and light”, a qual versava sobre dois mistérios ainda insolúveis na física do início do século vinte, os resultados do experimento de Michelson e Morley denotando a inexistência do éter, e as incongruências não previstas encontradas nadescrição experimental da radiação de corpo negro [1]. Apesar disso, Lord Kelvin estava certo de que seria apenas uma questão de tempo até que essas duas nuvens escuras da física fossem clareadas e depois condensadas por argumentos newtonianos bem estabelecidos. Nessa mesma palestra ele lançou a célebre frase de que o trabalho dos físicos do século que começava consistiria apenas em acrescentar casas decimais a constantes já conhecidas. O que veio depois, na mesma década de 1900, é bem conhecido por nós e mudou radicalmente a nossa concepção do Universo. Com o desenvolvimento da biologia evolucionária, apesar de não haver um comentário semelhante que possamos citar aqui, pelo menos não de fama análoga ao feito por Lord Kelvin, parece estar acontecendo algo similar e dessa vez bastante relacionado à Neurociência. A palavra que representa a suposta revolução é evo-devo, uma gíria para a expressão em inglês “evolutionary developmental biology”. Algo como biologia evolucionária do desenvolvimento [2]. A evo-devo parece ser muito mais do que apenas “acréscimos de casas decimais” à síntese da evolução edificada na primeira metade do século XX, principalmente por Ernst Mayr, Julian Huxley e Theodosius Dobzhansky [2,3]. A origem da evo-devo está na união do conhecimento acumulado pela embriologia comparativa do século XIX com o modo de como um organismo evolve. Em resumo, os estudiosos da evo-devo argumentam que a seleção natural agiria mais sobre as regiões promotoras de genes responsáveis pelo desenvolvimento, trazendo a novíssima concepção de que as mudanças evolucionárias ocorreriam mais por modificações regulatórias do que por mutação na seqüência dos genes em si [2,4,5]. Para se começar a entender a importância da Neurociência na evo-devo além de conceitos, há o surpreendente trabalho de corroboração a essa teoria, feito por Pollard et al. [6]. Nesse trabalho foram usadas as modernas técnicas de biologia molecular associadas à nova genômica comparativa – o que só se tornou possível graças à disponibilidade de genomas seqüenciados ou parcialmente seqüenciados de diversos vertebrados – para identificar regiões do genoma humano conhecidas como HAR (human accelerated regions) que, peculiarmente, apesar de se supor estarem sob pressão seletiva negativa, possuem uma rápida taxa de substituição nucleotídica dentro da linhagem humana desde a divergência do nosso ancestral comum com o chimpanzé. Muitos dos HARs encontrados na sondagem genômica estão associados com 6 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 genes envolvidos na regulação da transcrição e no neurodesenvolvimento. Pollard et al. encontraram que uma região particular do cromossomo 20, a HAR1, de 118 pares de base, possui uma elevada taxa de alteração estimada em 18 substituições na linhagem humana desde o ancestral comum do homem e do chimpanzé, contrastando com a taxa de apenas 0,27 substituições em outros mamíferos amniotas. Para se ter uma idéia da elevada taxa de substituição dessa região na linhagem humana, Pollard e colaboradores estimaram em apenas 2 substituições de bases ocor- ridas em HAR1 entre a galinha e o chimpanzé. A região HAR1 é na verdade composta de dois genes de RNA de seqüências sobrepostas e que são transcritos de modo divergente: HAR1F e HAR1R. Utilizando hibridização in situ, Pollard et al. [6] desco- briram que a região HAR1F é expressada intensam- ente durante o desenvolvimento do neocórtex em embriões humanos, mais especificamente na porção dorsal do telencéfalo. Uma análise mais detalhada mostrou que, surpreendentemente, as células Cajal- Retzius contém a região HAR1F ativa. Essas células são as mesmas que produzem reelina durante o desenvolvimento do sistema nervoso. A reelina é uma proteína de papel extremamente importante no neurodesenvolvimento, atuando na migração de precursores de neurônios e no posicionamento de células no córtex cerebral e em outras estruturas cerebrais. A expressão de HAR1F nas mesmas célu- las produtoras de reelina se manteve até a 17º - 19º semana de gestação, justamente quando as células Cajal-Retzius estão espalhadas dentro da camada granular subpial, esta possuindo neurônios e seus precursores em um padrão de migração tangencial provindo de fora do neocórtex, a região do telencéfalo unicamente desenvolvida em humanos. Além disso, Pollard et al. [6] clonaram um segmento de DNA correspondente a maior parte do exon 1 de HAR1F isolado de embriões do Macaca fascicularis, um primata catarríneo (os catarríneos, da Eurásia e África, compõem juntamente com os platirríneos da América, a subordem Anthopoidea, a qual pertence o homem). Foi observado um padrão de co-expressão com células produtoras de reenina na camada granular subpial, bastante similar ao en- contrado no homem, mostrando que apesar da forte alteração de seqüências nucleotídicas, o HAR1F é bastante conservado desde a divergência entre hom- inídeos e os demais catarríneos, há aproximadamente 25 milhões de anos. Foi observada a expressão de ambas as regiões, HAR1F e HAR1R, em várias áreas do cérebro de adultos e nem em um outro tecido, com HAR1F se expressando de modo muito mais intenso que HAR1R. Pollard et al. chamam a atenção para dois fatos muito interessantes a respeito da região HAR1: to- das as 18 substituições em HAR1 são de pares AT para GC, o que tem o efeito de reforçar a estrutura secundária do RNA formado. A região HAR1 está localizada na banda final do braço cromossômico. Os autores afirmam que as duas características podem fornecer informações acerca da elevada taxa de substituição em HAR1. A substituição majoritária de AT para GC curiosamente está em igualdade com quase todos os tipos de substituição encontrados em outras HARs, além do que, 12% de todas as 49 HARs conhecidas por aqueles autores possuem localização similar no cromossomo a HAR1, quando a percentagem estimada para isso seria menor que 5%. Baseado em outros trabalhos, Pollard et al. afirmam que os sítios de forte freqüência de recom- binação, geralmente encontrados no final de braços cromossômicos, estão associados com aumentos na substituição AT para GC. Também tem sido proposto em outros trabalhos a seleção para estabilidade do gene ou o aumento nos níveis de expressão como explicações alternativas para a substituição não aleatória de AT para GC. Pollard et al. ainda afirmam que qualquer um dos processos citados poderia ser combinado com uma seleção para mudanças específicas compensatórias na estrutura do RNA, o que explicaria a forte taxa de alteração da seqüência HAR1 e sua estabilidade. O belo e laborioso trabalho de Pollard et al. mostra de modo inconteste o futuro promissor da evo-devo junto à Neurociência e acrescenta muito a trabalhos anteriores que estudaram outras seqüên- cias gênicas as quais tem se atribuído importante papel na evolução do cérebro na linhagem humana, como a ASPM [7,8], envolvida no tamanho cerebral e a FOXP2 [9], relacionada à produção da fala. Entretanto, como os próprios autores citam, esse trabalho inova por usar como análise uma seqüência nucleotídica não codificada em proteínas. Referências 1. Two dark clouds on the horizon [online]. [citado 2007 feb 1]. Disponível em URL:http://www.physics.gla. ac.uk/Physics3/Kelvin_online/clouds.htm 2. Orr HA. Turned on: a revolution in the field of evolu- tion? [online]. 17 de Out de 2005 [cit 2007 apr 22]. Disponível em URL: http://www.newyorker.com/crit- ics/books/articles/051024crbo_books1 3. Mayr E. Biologia, ciência única. São Paulo: Compan- hia das letras; 2005. 261p. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 7 4. Finlay BL. Endless minds most beautiful. Develop Sci 2007;10(1):30–34. 5. Gerson ME. The juncture of evolutionary and develop- mental biology [online]. 31 de Out de 2003 [citado 2007 feb 1]. Disponível em URL:http://tremont.type- pad.com/technical_work/papers/Evo-DevoJuncture. pdf 6. PollardKS, Salama SR, Lambert N, Lambot MA, Cop- pens S, Pedersen JS et al. An RNA gene expressed during cortical development evolved rapidly in hu- mans. Nature 2006;443(7108):167-72. 7. Evans P D, Anderson JR, Vallender EJ, Gilbert SL, Mal- com CM, Dorus S et al. Adaptive evolution of ASPM, a major determinant of cerebral cortical size in humans. Hum Mol Genet 2004;13:489-494. 8. Bond J, Roberts E, Mochida GH, Hampshire DJ, Scott S, Askham, JM. ASPM is a major determinant of cere- bral cortical size. Nat Genet 2002;32(2):316-20. 9. Enard W, Przeworski M, Fisher SE, Lai CS, Wiebe V, Kitano T et al. Molecular evolution of FOXP2, a gene involved in speech and language. Nature 2002;418:869-72. 8 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Autorreconhecimento da imagem especular: um exemplo de evolução convergente em neurociência cognitiva Givago da Silva Souza*, Luiz Carlos de Lima Silveira** *Universidade Federal do Pará, Departamento de Fisiologia, **Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropi- cal, Departamento de Fisiologia Um ato ordinário de olhar-se no espelho e barbear-se, pentear o cabelo ou sorrir, traduz de maneira simples que reconhecemos a imagem especular como nossa e assim nos tornamos objetos de nossa própria atenção. Para que isso ocorra é proposto que uma idéia prévia de si mesmo já exista. O autorreconhecimento é apenas uma parte da consciência de si próprio [1]. Em Neurociência, o reconhecimento da imagem refletida pelo espelho como a de si próprio vem sendo estudado desde o princípio do século XX, mas apenas no início da década de 1970 foi que este comportamento passou a ser mais sistematicamente compreendido [2,3]. Um comportamento relativamente padrão é esperado para determinar se um animal consegue se autoreconhecer através do espelho [2,4]. Inicial- mente ocorre uma resposta social, ou seja, o animal se comporta como se observasse um outro da espécie. Em seguida, o animal inspeciona o espelho, cheirando-o e vasculhando o objeto. Posteriormente é esperado um padrão de movimentos repetitivos e estereotipados do animal na frente do espelho. No estágio final do teste são pintadas marcas no formato de X em uma região que não pode ser visualizada pelo animal sem o auxílio do espelho. O corante utilizado para marcar pode ou não ser visível. Na presença do espelho, caso o corante seja visível, o animal visualiza a marca e tende a tocar na região pintada um maior número de vezes que na presença do corante invisível ou na ausência do espelho. É comum que alguns animais percam o interesse pela marca rapidamente, pois verificam que ela não representa uma ameaça. Durante muito tempo verificou-se que apenas os humanos e os pongídeos (exceto gorilas) eram capazes de se reconhecerem usando um espelho [5], enquanto os símios não conseguiam realizar a mesma tarefa [6,7]. A história evolucionária, a complexidade social e o alto grau de encefalização dos grandes primatas explicariam tal fato. O substrato anatômico do reconheci- mento de si em primatas provavelmente está localizado no córtex pré-frontal direito, já que diversos estudos em humanos (ver a lista em Keenan et al. [8]) mostram que danos nesta área pioram a capacidade de reconhecimento da própria imagem. Nos últimos anos, novos métodos para o teste do espelho mostraram que outros animais também se comportavam de maneira autocognoscitiva. Reiss & Marino [9] mostraram que golfinhos (Tursiops truncatus) apresentavam comportamentos rítmicos e repetitivos na frente do espelho e, sempre que eram marcados com tinta em uma parte do corpo, buscavam imediatamente Opinião Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 9 o espelho para explorar a área na qual haviam sido pintados. Mais recentemente, Plotnik et al. [4] trab- alhando com elefantes asiáticos (Elephas maximus) observaram que estes também se autoreconheciam frente ao espelho. Golfinhos e elefantes são famosos por possuírem grandes cérebros em relação ao ta- manho do corpo e uma organização social complexa, assemelhando-se com os primatas superiores. Esses novos achados aquecem a discussão da emergência da cognição e da consciência de si próprio em táxons distintos, realçando a importân- cia do alto grau de encefalização e complexidade comportamental. Visto que animais como golfinhos e elefantes apresentarem história evolucionária [10- 12] e organização cortical [13,14] diferentes dos primatas, é inevitável interrogar-se a respeito de que áreas corticais seriam responsáveis pela aquisição de tais comportamentos complexos. Respondendo a essa interrogação poder-se-á obter importantes infor- mações a respeito do modo como o sistema nervoso gera um mesmo comportamento a partir de seleções ambientais distintas. Referências 1. Knoblich G. Self recognition: body and action. Trends Cogn Sci 2002; 6:447-9. 2. Gallup Jr GG. Jr. Chimpanzees: self-recognition. Sci- ence 1970; 167:86-7. 3. Gallup Jr GG, McClure MK, Hill SD, Bundy RA. Capac- ity for self-recognition in differentially reared chimpan- zees. Psychol Rec 1971;21:69-74. 4. Plotnik JM, de Wall FBM, Reiss D. Self-recognition in an Asian elephant. Proc Natl Acad Sci U S A 2006;103:17053-7. 5. Gallup Jr GG. Self-awareness and the evolution of so- cial intelligence. Behav Processes 1998;42:239-47. 6. Gallup Jr GG, Wallnau LB, Suarez SD. Failure to find self-recognition in mother–infant and infant–infant rhesus monkey pairs. Folia Primatol 1980;33:210-9. 7. Anderson JR. Mirror-mediated finding of hidden food by monkeys (Macaca tonkeana and M. fascicularis). J Comp Psychol 1986;100:237-42. 8. Keenan JP, Wheeler MA, Gallup Jr GG, Pascual-Leone A. Self-recognition and the right prefrontal cortex. Trends Cogn Sci 2000;4:338-44. 9. Reiss D, Marino L. Mirror self-recognition in the bottle- nose dolphin: A case of cognitive convergence. Proc Natl Acad Sci U S A 2001;98:5937-942. 10. Milinkovitch MC, Meyer A, Powell JR. Phylogeny of all major groups of cetaceans based on DNA sequences from three mitochondrial genes. Mol Biol Evol 1994;11:939-48. 11. Arnason U, Gullberg A, Janke A. Mitogenomic analy- ses provide new insights into cetacean origin and evolution. Gene 2004;333:27-34. 12. Krause J, Dear PH, Pollack JL, Slatkin M, Spriggs H, Barnes I, Lister AM, Ebersberger I, Paabo S, Hofreiter M. Multiplex amplification of the mammoth mitochon- drial genome and the evolution of Elephantidae. Na- ture 2006;439:724-27. 13. Marino, L., Sudheimer, K.D., Murphy, T.L., Davis, K.K., Pabst, D.A., Mclellan, W.A., Rilling JK, Johnson JI. Anatomy and three-dimensional reconstructions of the brain of a bottlenose dolphin (Tursiops trun- catus) from magnetic resonance images. Anat Rec 2001;264:397-414. 14. Shoshani J, Kupsky WJ, Marchant GH. Elephant brain Part I: Gross morphology, functions, comparative anatomy, and evolution. Brain Res Bull 2006;70: 124-57. 10 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 A busca do substrato neural das tomadas decisões em condições de risco Givago da Silva Souza*, Luiz Carlos de Lima Silveira** *Universidade Federal do Pará, Departamento de Fisiologia, **Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropi- cal, Departamento de Fisiologia No nosso cotidiano somos muitas vezes forçados a tomar uma decisão cuja escolha nos trará oportunidades potenciais de sucesso ou fracasso. Paulus [1] divide a tomada de decisão em três fases: avaliação e formação de preferências entre as possíveis opções; seleção de uma das possibili- dades; experiência da conseqüência. O estudo da tomada de decisão sob riscos tem na teoria do prospecto seu principal alicerce teórico. Um de seus idealizadores, o psicólogo Daniel Kahneman, foi agraciado com o prêmio Nobel de economia de 2002. Segundo a teoria do prospecto ou da perspectiva, as pessoas sofreriam mais com as perdas que se alegrariam com os ganhos de valores semelhantes [2,3]. As pessoas são mais sensíveisàs possibilidades de perdas que às possibilidades de ganhos proporcionais. O entendimento da tomada de decisão sob riscos vem sendo de grande importância na economia e psicologia. Os neurocientistas têm buscado encon- trar os substratos neurais que coordenariam essa resposta comportamental durante suas diferentes fases (para revisão ver Trepel et al. [4]). Diversos estudos encontraram que neurônios do estriado e do córtex cerebral pré-fron- tal estão envolvidos na antecipação de recompensas relacionadas à decisão a ser tomada [5,6] (primeira fase) e na experimentação das conseqüências [7,8] (terceira fase). É provável que outras áreas, como a amígdala [9] e o córtex cerebral cingulado anterior [10], também sejam ativadas durante es- sas fases. Recentemente, Tom et al. [11] detectaram através de ressonância mag- nética funcional durante o ato da decisão (segunda fase) com expectativa de ganho (sucesso) que as áreas que estão ativadas são os córtices cerebrais pré-frontal, orbitofrontal e cingulado anterior, assim como o estriato e as regiões dopaminérgicas mesencefálicas, e tais áreas são reconhecidamente relacionadas à recompensa obtida após a decisão tomada. Além disso, foi visto que essas mesmas áreas também estão relacionadas ao ato de decidir com expectativa de perda (fracasso), no entanto dessa vez elas apresenta- ram diminuição de sua atividade. Outro achado importante deste trabalho é que áreas relacionadas com a emoção, como regiões da amígdala e da ínsula, não se alteraram durante o ato de decisão. Os autores ressaltaram que resultados nulos em imageamento funcional devem ser interpretados com cuidado. Os achados são consistentes com hipóteses de que perdas e ganhos são codificados por um mesmo mecanismo e pela mesma circuitaria neural, ao invés de processamentos separados. Adicionando-se aos resultados anátomo-funcionais relacionados à tomada de decisão sob riscos, o artigo de Tom et al. [11] mostrou pela primeira vez Opinião Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 11 que a resposta neural para perdas potenciais é mais intensa do que àquela para potenciais ganhos, fato anteriormente detectado através de estudos psicomé- tricos [12] e conhecido como aversão à perda [1]. O entendimento das diversas fases de tomadas de decisões sob risco pode ajudar a compreender porque as pessoas temem tomar uma decisão ou perdem a noção dos riscos que estão sujeitas. A aplicabilidade desse conhecimento estende-se desde às situações rotineiras de escolher uma roupa ou onde ir passear no fim de semana, passando pela neuropsiquiatria e estendendo-se à economia. Referências 1. Paulus MP. Neurobiology of decision-making: Quo vadis? Brain Res Cogn Brain Res 2005;23:2-10. 2. Kahneman D, Tversky A. Prospect theory: an analysis of decision under risk. Econometrica 1979. p. 263- 291. 3. Tversky A, Kahneman D. Advances in prospect theory: Cumulative representation of uncertainty. J Risk Un- certain 1992;5:297-323. 4. Trepel C, Fox CR, Poldrack RA. Prospect theory on the brain? Toward a cognitive neuroscience of decision under risk. Brain Res Cogn Brain Res 2005;23:34- 50. 5. Berridge KC, Robinson TE. What is the role of do- pamine in reward: hedonic impact, reward learning, or incentive salience? Brain Res Brain Res Rev 1998;28:309-69. 6. Schultz W. Predictive reward signal of dopamine neu- rons. J Neurophysiol 1998;80:1-27. 7. Breiter HC, Aharon I, Kahneman D, Dale A, Shizgal P. Functional imaging of neural responses to expectancy and experience of monetary gains and losses. Neuron 2001;30:619-39. 8. Delgado MR, Locke HM, Stenger VA, Fiez JA. Dorsal striatum responses to reward and punishment: ef- fects of valence and magnitude manipulations. Cogn Affect Behav Neurosci 2003;3:27-38. 9. Garavan H, Pendergrass JC, Ross TJ, Stein EA, Rising- er RC. Amygdala response to both positively and neg- atively valenced stimuli. NeuroReport 2001;28:2779- 83. 10. Gehring WJ, Willoughby AR. The medial frontal cor- tex and the rapid processing of monetary gains and losses. Science 2002;295:2279-82. 11. Tom SM, Craig RF, Trepel C, Poldrack RA. The neural basis of loss aversion in decision-making under risk. Science 2007;315:515-8. 12. Gonzalez R, Wu G. On the shape of the probability weighting function. Cognit Psychol 1999;38:129-66. 12 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 A noção de tempo e o ato de perguntar Patrick W. Azevedo, Sylvia Beatriz Joffily Núcleo de Estudos e Pesquisas em Neuropsicologia Cognitiva, CCH, UENF Correspondência: Sylvia Beatriz Joffily, Tel: (21) 2294- 5578/9842-0729, E-mail: joffily@uenf.br Do ponto de vista neuropsicológico cognitivo o que significa perguntar? Além dos homens, que outro animal está apto a elaborar e a responder questões de caráter espaço/temporal? Questionar, mesmo de forma rudimentar, os desconfortos gerados pelas condições físicas e ambientais é um recurso de sobrevivência comum às diferentes espécies uma vez que a capacidade de produzir respostas ad- equadas ou de encontrar soluções para tais desconfortos pode representar a vida ou a morte do animal. A análise etimológica do conceito que caracteriza o ato de perguntar reforça esta idéia uma vez que o vocábulo perguntar deriva do verbo latino prae-cuntare e se refere à ação de cutucar, de sondar o desconhecido com o auxílio de um contus, em latim, uma varinha. Animais de sangue frio, como os répteis e os anfíbios, cuja existência se restringe ao território e às condições climáticas de origem, solucionam de maneira imediata e eficiente através de respostas herdadas os descon- fortos que vão encontrando ao longo de suas vidas. Entretanto, estas mesmas respostas revelam-se ineficazes frente ao ineditismo, variedade e complexidade dos desconfortos que os animais, cuja existência ultra- passa o território e as condições climáticas de origem, se deparam em suas andanças. São estes desconfortos que, possivelmente, propiciaram o surgimento da capacidade de aprender, ou seja, da capacidade de gerar um acervo ontogenético de respostas individualizadas representacionais que caracteriza o comportamento flexível e criativo dos animais de sangue quente. Como o próprio nome define, aprender significa prender, fixar, sustentar em tempo presente algo que, em essência, é impermanente e fugaz. Foi aprendendo que os mamíferos para sobreviverem dedicaram-se, não só a transformar, como também a perpetuar, em tempos pretéritos e futuros, as sensações e os movimentos que os favoreciam ou os desfavore- ciam em suas andanças. Ao recurso psicológico que permite sustentar em tempo presente os estímulos que não estão mais ao alcance dos órgãos sensoriais periféricos dá-se o nome de representar. Só pensa, sonha, fala, identifica circunstâncias pretéritas e prevê ocorrências futuras os animais que re-presentam. Enquanto que as perguntas e as respostas filogenéticas, de caráter inato, reflexo e grupal, indispensáveis à sobrevivência, pressupõem a ativação de áreas rombencéfalicas e mesencéfalicas, as perguntas e as respostas de caráter ontogenético, personalizado, individual, abstrato/representacional, promotoras de mutações comportamentais, pressupõem a ativação de áreas diencefálicas e telencefálicas. É sobretudo a relação que o lobo frontal (fonte de síntese, vontade e de- cisão) estabelece com o cérebro límbico (gerador de emoções) que possibilita Opinião Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 13 a integração dos efêmeros e múltiplos fragmentos sensoriais em um único, estável e multifacetado cenário existencial. No mesencéfalo, ou mais precisamente nos tubérculos quadrigêmeos, neurônios visuais e auditi- vos, juntamente com outras aferências provenientes do resto do corpo, acionam, sempre que um evento inesperado surge no ambiente externo, os músculos do pescoço e dos globos oculares. Nestas ocasiões, o pólo cefálico do animal, olhos e cabeça, alertado peloestímulo insólito, volta-se automaticamente em direção ao evento na tentativa de responder a pergunta “onde” está o estímulo responsável pelo desconforto. Por outro lado, a capacidade de gerar perguntas e respostas representacionais, um dos pilares da consciência e da produção intelectual dos homens, pressupõe a ativação de áreas evolutivamente mais recentes, como as telencefálicas. Assim, qualquer resposta, seja ela inata ou adquirida, grupal ou in- dividual, flexível ou inflexível, mediata ou imediata, comportamental ou representacional, é sempre um recurso funcional que se contrapondo a um vácuo cognitivo liga um ser cognosciente a algo que ele desconhece, mas cujo conhecimento lhe parece imprescindível, vantajoso e oportuno. Nos homens a complexidade evolutiva dos seus cérebros, ricos em neurônios anastomizados e mnêmicos e a interferência das diferentes áreas cere- brais, umas sobre as outras, dão origem às múltiplas realidades internas que caracterizam os tempos, pas- sado e futuro. São estes tempos que permitem aos homens identificarem no alimento diário, não só uma linda forma geométrica, como também, um saboroso quitute, uma saudosa recordação familiar ou, até mesmo, uma desagradável exigência cotidiana aonde sapos e gatos reconhecem somente uma comida. Portanto, contrariamente as invariáveis respos- tas que envolvem estruturas cerebrais evolutivamente mais arcaicas como as geradas pela pergunta “onde”, as respostas geradas pela pergunta “o que”, “como”, “quando”, “quem” e “por que” em consonância com o grau de complexidade do Sistema Nervoso, variam, não só, de espécie para espécie, como também de indivíduo para indivíduo. Para que estas questões sejam adequadamente elaboradas e respondidas, as estruturas rombence- fálicas e mesencefálicas que compõem os substratos neurais relacionadas aos comportamentos inatos devem estar submetidas às estruturas telencefálicas e diencefálicas que compõem os substratos neurais dos comportamentos adquiridos. Somente assim, as repetitivas respostas geneticamente herdadas configurando os estreitos e efêmeros limites do tempo presente, darão origem, através de respostas inéditas, criativas, eficientes e individualizadas, aos ilimitados tempos, pretérito e futuro que caracterizam a mente dos homens. Bibliografia Benoist L. Signes, symboles et mythes. Paris: PUF; 2004. Boysson-Bardies. Comment la parole vient aux enfants. Paris: Odile Jacob; 2005. Johnson MH (ed.). Brain development and cognition. Ox- ford UK & Cambridge USA: Blackwell; 1993. Denton D. Les émotions primordiales et l’éveil de la conscience. Paris: Flammarion; 2005. 14 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Livros A felicidade é tida como um dos desejos últimos do ser humano – mui- tas de, senão todas, nossas ações e comportamentos ocorrem visando, como resultado, a sua obtenção. Esse conceito é invocado até mesmo como mote para diferenciar o certo do errado, já que, segundo o Utilitarismo, uma ação é moral quando contribui para o aumento da felicidade global da humanidade. Com tanto peso em nossa economia interna (e, por que não, externa), não é de se espantar que esse tema venha sendo estudado com o instrumen- tal das neurociências, cada vez mais sofisticados e desenvolvidos em seus resultados. Tal fato tem dado ensejo a uma enxurrada de publicações – os autores buscam a um só tempo reunir os saberes que se acumulam sobre o tema e alcançar elevados patamares de venda, dado ser este um assunto que freqüenta o topo das listas dos mais vendidos. Em meio à plêiade de livros que versam sobre a felicidade, como alcançá- la e o que o cérebro tem a ver com tudo isso, duas obras recentes assumem papel de relevo. “Felicidade, uma história” faz um apanhado bastante extenso do tema – dos primórdios da civilização até o pós-modernismo de nossos dias – com enfoque em como a humanidade entende a felicidade, traçando uma história intelectual do conceito, desde como relacionamos com ele e o que temos feito para ser felizes, não sem poucas vezes nos afastando do objetivo. O exemplo mais paradigmático é o do estudo que correlaciona o grau de sa- tisfação com a vida (ou o “grau de felicidade”) de um povo com o PIB per capita do seu país. É assustador perceber, não que há uma correlação entre o ganho médio das pessoas e o quanto são felizes, mas sim o quanto essa curva é achatada – após um rendimento de cerca de R$ 2.000,00 por mês (US$13.000,00 por ano), não há acréscimo de satisfação com o incremento de renda. Assustador porque a maioria das pessoas acredita que poderia estar mais feliz se aumentasse ao menos um pouco seus ganhos, sem se dar conta que, ao chegar a esse patamar, manterão o mesmo sentimento do “pouquinho que falta”. Assim, desgastam-se no trabalho cada vez mais, deixando de desfrutar prazeres que a vida oferece – e que poderiam aumentar a felicidade – para ganhar mais dinheiro, o que, comprovadamente, não as fará mais satisfeitas. Em “O que nos faz felizes”, estudos das neurociências são analisados numa tentativa de se encontrar os fatores responsáveis, ao fim e ao cabo, por nossa felicidade – não por acaso o título original é tropeçando na felicidade. E sua conclusão diz respeito exatamente ao que destacamos acima – não conseguimos nos sentir felizes porque tentamos prever o futuro o tempo todo, e quase 100% das vezes de forma errônea – por ser responsabilidade do córtex pré-frontal, muito recentemente surgido, a habilidade de antecipar o futuro ainda é muito precária. Por exemplo: tendemos a imaginar que quando recebermos aquela promoção, aí então poderemos fazer aquela viagem, ou Felicidade, uma história, Darrin McMahon, Globo Editora, 2007 O que nos faz felizes, Daniel Gilbert, Elsevier, 2007 DANIEL MARTINS DE BARROS é médico psiquiatra formado pela Universidade de São Paulo (USP), editor-assistente da Neurociências, e trabalha desde 2002 no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Me- dicina da USP, onde também é membro do Núcleo de Psi- quiatria Forense e Psicologia Jurídica. Correspondência: dan_barros@yahoo.com.br Por Daniel Martins de Barros Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 15 mesmo investir naquele hobby caro que tanto desejamos. Mas na maioria das vezes as novas circunstâncias são distintas do que prevíramos, e com a promoção chegam maiores responsabilidades, menos tempo, mais pressão ou outro fator qualquer inesperado, e a frustração nos afasta da felicidade sonhada. Os estudos sobre a felicidade, assim como os estudos sobre o compor- tamento moral, violência e outras funções bastante subjetivas, vêm receben- do um renovado interesse por parte das ciências cognitivas, neuroimagem, psicofarmacologia e assim por diante. Mesmo que não se traduzam em fórmulas infalíveis para a cura de todos os males da civilização, sem dúvida contribuirão de forma significativa para o entendimento do cérebro, por fim, de nós mesmos. 16 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Artigo original Desempenho da inteligência em crianças com hidrocefalia congênita Intelligence performance in children with congenital hydroceph- alus Aurilene de Siqueira Guerra, M.Sc.*, Marcelo Moraes Valença** Resumo O objetivo do estudo foi avaliar funções cognitivos de crianças com hidrocefalia congênita (HC) associada com mielomeningocele. Foram avaliadas 42 crianças com HC e 42 crianças saudáveis. Todos os sujeitos foram submetidos a uma avaliação neuropsicológica com o teste da figura complexa de Rey, para avaliar a memória visual, e as escalas de inteligência para crianças de Weschsler, para avaliar os índices de processamento da memória, e os quocientes intelectuais (QI). As crianças com HC apresentaram menor número de anos de escolaridade e os escores foram também significativamente menores nos testes que avaliaram memória visual, velocidade de processamento, organização perceptiva,resistência à distração e compreensão verbal. Os QI verbais e executivos, bem como o QI total, estavam também significativamente diminuídos no grupo com HC. Concluímos que existe como característica freqüente um comprometimento das funções cognitivas nas crianças com HC. Algumas destas crianças apresentam um desempenho cognitivo próximo do padrão normal. Palavras-chave: hidrocefalia, cognição, memória, neurocirurgia, neuropsicologia, inteligência. Abstract The aim of this study was to evaluate cognitive functions in children with congenital hydrocepha- lus associated to myelomeningocele. Forty-two with CH and 42 healthy children were evaluated. All were submitted to a neuropsychological evaluation with the complex figure of Rey test to evaluate visual memory, and the Wechsler’s scales of intelligence for children to evaluate the memory processing, and the intellectual quotients (IQ). Children with CH present less number of years at school and the scores were also significaticavely lower in the tests that evaluated visual memory, speed of processing, perceptive organization, resistance to distraction and verbal comprehension. Verbal and executive’s IQ, such as total IQ, were also lower in the CH group. It was concluded that exists a fail in the cognitive functions in children with CH. Some of these children presented a cognitive performance close to the regular standard. Key-words: hydrocephalus, cognition, memory, neurosurgery, neuropsychology, intelligence. *Neuropsicológa, Mestra na Pós-graduação em Neu- ropsiquiatria e Ciências do Comportamento da Universi- dade Federal de Pernambuco, **Neurocirurgião, Coordenador da Pós-graduação em Neuro - psi quiatria e Ciências do Com- portamento da Universidade Federal de Pernambuco Correspondência: Aurilene de Siqueira Guerra, Rua Brejo da Madre de Deus,180, Bloco A16/302 Janga 53437-040 Paulista PE, E-mail: aurilene- guerra@uol.com.br. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 17 Introdução A spina bifida é a malformação mais freqüente do sistema nervoso central [1], resultado do fecha- mento incompleto do tubo neural que ocorre entre o 21º e 28º dia após a concepção, podendo ser classificada como: a) occulta, o defeito não é visível e é geralmente assintomática (5-40% da população), b) meningocele, exteriorização de um cisto ou tumor coberto pelas meninges, sem envolvimento medular, usualmente assintomática, e c) mielomeningocele, uma malformação mais complexa e forma mais grave de spina bifida, com complicações neurológicas sé- rias ou fatais envolvendo medula, meninges e raízes [1-3]. Em 80% dos casos de spina bifida a região lombo-sacra está envolvida. Estudos epidemiológi- cos sugerem que mielomeningocele está associada à diabetes e uso de fármacos antiepilépticos pela mãe, e presença de spina bifida em parentes do primeiro grau [2]. Outras malformações estão associadas à mie- lomeningocele (i.e., agenesia do corpo caloso e anormalidades do tronco cerebral e cerebelo), algu- mas delas levam ao desenvolvimento de hidrocefalia congênita (HC, 80-90% dos casos) [4]. Estima-se que uma em cada mil crianças nascidas vivas desenvolve HC associada à mielomeningocele [5]. Ainda existe alguma controvérsia se a hidrocefalia ou a spina bifida, ou ambas, mesmo quando “adequadamente” tratadas, causariam um dano cerebral progressivo com comprometimento cognitivo em todos os pacien- tes. Sabe-se, porém, que o tratamento precoce com derivação liquórica ventrículo-peritoneal (DVP) da HC pode diminuir as seqüelas neurológicas, principal- mente quando se considera a esfera cognitiva [6]. Complicações inerentes ao procedimento cirúrgico (i.e., mau funcionamento valvular, meningites e tro- cas freqüentes do sistema de derivação) bem como associadas ao estado nutricional do neonato podem também comprometer o encéfalo nos desenvolvimen- tos de suas funções [7]. Os problemas psico-sociais que estas crianças com hidrocefalia e mielomeningocele sofrem, e levam para a vida adulta, são conseqüências não só dos déficits cognitivos como também podem ser influenciados por outras anomalias freqüentemente encontradas na malformação, tais como: paralisia dos membros inferiores, deformidades da bacia, pé e pernas, escoliose, apnéia do sono, incoordenação e distúrbio da deglutição associados com malformação de Arnold-Chiari tipo II, síndrome da medula ancorada, crises epilépticas, obesidade, fraturas patológicas, anormalidades esfincterianas e sexuais, infecções urinárias de repetição e alergia ao látex [2]. O objetivo deste estudo foi avaliar aspectos cognitivos de crianças com HC associada com mielo- meningocele lombar que foram submetidas a DVP. Material e métodos Foram avaliadas 84 crianças [42 saudáveis (21 do sexo masculino) - grupo controle; e 42 com HC e mielomeningocele lombar (21 do sexo masculino)], ida- des variando entre 7 a 15 anos, no período de 2004 a 2005 no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco ou no Instituto Materno Infantil- IMIP. Todos os sujeitos foram submetidos a uma avaliação neuropsicológica com o teste da figura complexa de Rey, para avaliar a memória visual, e as escalas de inteligência para crianças de Weschsler (bateria Wisc III), para avaliar os índices de processamento da me- mória, e os quocientes intelectuais (QI) [8,9]. A mielomeningocele lombar foi abordada cirurgi- camente nas primeiras horas após o nascimento da criança. Nos pacientes que apresentaram aumento do perímetro cefálico um exame de ultra-sonografia ou de tomografia computadorizada foi realizado para a confirmação diagnóstica da HC. Aspectos éticos Cada paciente e seu responsável foram pre- viamente informados, sobre a natureza do estudo, conforme termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelas Comissões de Ética para Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Pernam- buco e do Instituto Materno Infantil de Pernambuco. Análise estatística Os dados numéricos são mostrados como média ± desvio padrão (DP). O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para determinar o tipo de distribuição das variáveis estudadas. Quando a distribuição foi normal utilizava-se um teste paramétrico (teste t de Student ou Anova). Do contrário usava-se testes não-paramétricos. Para comparação de duas amostras indepen- dentes, quando as variáveis não apresentavam uma distribuição normal foram utilizados os testes não-paramétricos de Mann-Whitney. Se mais de dois grupos eram comparados utilizava-se o teste não- paramétrico de Kruskal-Wallis, seguido do pós-teste de comparações múltiplas de Dunn. Para avaliar se 18 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 havia correlação entre a idade do paciente e o escore obtido no QI total usou-se o teste não-paramétrico de Spearman. Para considerar um escore no QI total signifi- cativamente baixo em relação ao grupo controle foi estabelecido o valor menor do que 81, baseando-se no cálculo: média menos dois desvios padrão do grupo controle (média – 2DP). Resultados Os dados individuais do grupo controle e do grupo de crianças com hidrocefalia são mostrados nas Tabe- las I e II, respectivamente. Na Tabela 3 observa-se que o grupo de crianças com HC apresentou baixo desem- penho escolar e os escores foram também menores nos testes que avaliaram memória visual, velocidade de processamento, organização perceptiva, resistência à distração e compreensão verbal. Os QI verbais e executivos, bem como o QI total, estavam significati- vamente diminuídos no grupo com HC (Tabela III). No grupo controle não houve diferença estatística em qualquer dos parâmetros cognitivos mostrados na Tabela III quando consideramos o sexo. Nas crianças controles o QI total foi 100,8 ± 9,7 (meninas, 101,0 ± 9,1; meninos, 100,7 ± 10,5; p > 0,05). No grupo das crianças com hidrocefalia também não houve diferença estatística entre os gêneros, considerando QI total (meninos 68,0 ±10,0 vs. meninas 64,3 ± 10,5, p = 0,3020 no teste de Mann-Whitney), QI verbal Tabela I - Dados individuais da avaliação cognitiva no grupo de 42 crianças controles. Criança Idade (anos) sexo Escolari- dade QI verbal QI ex- ecutivo QI total Com- preen- são verbal Orga- nização Percep- tual Re- sistência a distra- ção Velocid- ade de proces- samento Memória visual 1 7 F 4 107 106 111 111 93 99 124 28 2 7 F 3 110 96 105 106 111 101 100 28 3 7 M 6 97 100 102 110 100 95 100 27 4 7 M 5 80 91 75 71 86 72 99 29 5 8 F 7 104 106 100 108 100 80 85 25 6 8 F 2 87 75 80 89 80 67 82 29 7 8 F 5 108 103 106 96 104 116 93 31 8 8 M 4 105 102 110 104 95 98 126 28 9 8 M 4 101 104 103 100 93 100 112 28 10 8 M 8 114 112 113 120 95 99 134 30 11 9 F 3 105 101 103 100 92 95 104 29 12 9 F 4 101 104 102 110 95 96 107 29 13 9 F 5 107 106 111 111 93 99 124 28 14 9 F 2 105 106 103 111 98 95 104 29 15 9 M 3 104 102 103 100 96 95 104 27 16 9 M 7 114 113 112 98 104 116 95 31 17 9 M 5 112 82 98 111 91 75 71 29 18 9 M 6 108 103 106 96 104 116 93 30 19 10 F 3 111 105 105 111 101 87 101 29 20 10 F 3 104 87 95 108 91 78 85 28 21 10 F 7 112 82 98 111 91 75 71 28 22 10 F 6 108 103 106 96 104 116 93 29 23 10 M 2 114 112 113 120 92 95 112 30 24 10 M 6 101 104 102 110 95 96 107 30 25 10 M 4 101 104 103 100 93 95 112 27 26 10 M 3 98 95 105 99 87 75 103 26 27 11 F 4 107 106 111 111 93 97 124 28 28 11 F 2 111 105 105 111 101 87 101 29 29 11 M 3 102 108 105 100 104 108 105 30 30 11 M 4 105 105 105 104 103 106 103 30 31 12 F 4 111 87 100 107 88 99 96 27 32 12 M 6 92 113 95 105 103 67 90 31 33 13 F 7 129 102 114 120 88 84 93 29 34 13 M 4 109 111 110 122 117 116 101 28 35 14 F 5 87 99 91 93 91 75 82 27 36 14 F 3 85 91 87 87 94 59 64 28 37 14 M 3 88 110 98 72 99 96 90 29 38 14 M 4 65 115 87 55 99 59 101 30 39 15 F 4 112 95 104 111 77 75 99 26 40 15 F 5 85 84 84 76 73 70 74 28 41 15 M 3 83 75 78 78 70 72 71 26 2 15 M 3 92 93 91 100 92 92 94 30 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 19 Tabela II - Dados individuais da avaliação cognitiva dos 42 pacientes com mielomeningocele e hidrocefalia. Paciente Idade (anos) Sexo Anos de Escolari- dade QI verbal QI ex- ecutivo QI total Com- preen- são verbal Orga- nização percep- tual Re- sistência a Distra- ção Velocid- ade de proces- samento Memória visual 1 7 F 5 75 75 73 80 67 59 87 19 2 7 F 4 82 80 81 80 81 83 79 16 3 7 M 3 71 83 75 74 88 54 82 9 4 7 M 2 65 60 59 69 63 47 55 10 5 8 F 4 60 57 55 64 63 54 61 17 6 8 F 2 65 60 59 40 69 47 55 13 7 8 F 1 63 59 57 63 60 53 54 15 8 8 M 2 60 57 55 64 63 47 53 17 9 8 M 2 71 83 75 74 87 54 52 10 10 8 M 3 71 75 73 70 66 59 55 15 11 9 F 3 75 75 72 74 68 54 72 17 12 9 F 3 60 57 55 64 63 53 61 13 13 9 F 1 62 56 54 62 60 50 61 10 14 9 F 2 52 79 71 76 72 71 77 14 15 9 M 2 68 78 72 74 76 63 64 5 16 9 M 4 62 56 54 62 60 50 61 10 17 9 M 3 65 60 59 40 69 47 55 13 18 9 M 2 60 67 55 64 63 54 61 10 19 10 F 0 68 40 52 75 40 63 64 8 20 10 F 2 71 83 75 74 88 54 61 9 21 10 F 1 65 60 59 69 63 47 55 10 22 10 F 0 60 57 55 64 63 54 82 13 23 10 M 1 66 75 68 69 61 51 87 13 24 10 M 3 92 87 89 102 89 63 85 15 25 10 M 0 85 86 84 84 83 78 96 14 26 10 M 4 76 73 74 79 78 74 61 9 27 11 F 1 79 83 75 74 87 54 52 10 28 11 F 0 65 60 59 40 69 47 55 13 29 11 M 2 63 59 57 62 60 53 54 15 30 11 M 2 71 85 75 74 88 54 82 10 31 12 F 5 45 63 50 41 63 47 61 6 32 12 M 3 70 58 61 68 63 63 52 10 33 13 F 3 66 81 71 71 78 47 68 10 34 13 M 2 70 66 65 65 59 67 68 8 35 14 F 0 45 45 50 42 48 47 47 0 36 14 F 1 68 91 78 68 93 59 67 15 37 14 M 1 71 51 58 74 48 54 64 0 38 14 M 3 76 73 74 74 78 74 71 6 39 15 F 2 75 74 75 72 71 70 70 15 40 15 F 1 71 83 75 74 87 54 52 18 41 15 M 2 75 75 73 80 67 59 87 14 42 15 M 1 71 75 73 70 66 69 72 18 Tabela III - Avaliação cognitiva em 42 crianças com hidrocefalia e 42 crianças saudáveis. Parâmetros Controle Hidrocefalia p* Idade (anos) 10,4 ± 2,4 10,4 ± 2,4 0,9964 Escolaridade (anos) 4,3 ± 1,5 2,0 ± 1,5 <0,0001 Memória visual 28,5 ± 1,4 11,7 ± 4,3 <0,0001 Velocidade de processamento 98,3 ± 15,7 65,6 ± 12,4 <0,0001 Organização perceptiva 94,6 ± 9,1 69,7 ±12,3 <0,0001 Resistência a distração 90,3 ± 15,4 57,1 ± 9,4 <0,0001 Compreensão verbal 101,4 ± 14,2 68,0 ± 12,5 <0,0001 Quociente intelectual verbal 101,9 ± 11,8 67,1 ± 9,0 <0,0001 Quociente intelectual executivo 101,1 ± 10,2 69,0 ± 12,0 <0,0001 Quociente intelectual total 100,8 ± 9,7 66,1 ± 10,2 <0,0001 Dados são média ± desvio padrão, *p versus grupo controle no teste Mann-Withney. 20 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 (meninos 70,4 ± 7,7 vs. meninas 65,3 ± 9,8, p = 0,1245 no teste de Mann-Whitney) e no QI executivo (meninos 70,6 ± 11,2 vs. meninas 67,5 ± 13,9, p = 0,5374 no teste de Mann-Whitney). A Tabela IV mostra a distribuição das crianças controle e com hidrocefalia de acordo com o escore obtido no QI total. Considerando os escores do grupo controle e subtraindo duas vezes o desvio padrão da média (81 seria o limite inferior de normalidade considerando 2 DP) apenas 3/42 (7,1%) pacientes com HC apresentaram um QI total maior do que 80 (i.e., 81, 84 e 89). Não houve diferença nos escores do QI total observados entre as faixas etárias 7-9 anos (64 ± 10), 10-12 anos (67 ± 12) e 13-15 anos (69 ± 9) (p = 0,3844 no teste de Kruskal-Wallis). No teste de Spearman não houve correlação entre idade do paciente e QI total (p = 0,4641). Discussão Este estudo mostrou que crianças que receberam tratamento cirúrgico para correção da mielomeningo- cele e da hidrocefalia apresentam déficits importantes no desenvolvimento das funções cognitivas e que o distúrbio não progride pelo menos entre 7-9 anos e 13-15 anos de idade. Neste aspecto, Jacob et al. [10], ao realizarem um estudo longitudinal com um grupo de 19 crianças com HC e spina bífida, mostraram que houve um declínio nas habilidades intelectuais entre as três faixas etárias estudadas: 1-2 anos, 4-5 anos e 7-11 anos. Isto sugere que nos primeiros anos de vida pelas demandas próprias desta faixa etária as diferenças não são tão importantes com relação às crianças saudáveis. Todavia, o déficit cognitivo continua progredindo até que aos 7-9 anos de idade deixam de progredir, pelo menos até os 13-15 anos de idade. Vários artigos já abordaram o tema da disfunção cognitiva na hidrocefalia ou na spina bífida [1,5-7,10- 16,18,24,25]. Os resultados são controversos. Princi- palmente quando consideramos as inúmeras causas de hidrocefalia na criança ou os vários graus de spina bifida neonatal. No nosso estudo, procurando dimi- Tabela IV - Distribuição das crianças do grupo controle (n = 42) e do grupo com hidrocefalia e mielomeningo- cele lombar (n = 42) quanto ao quociente de inteligência total. Quociente de inteligência Controle Hidrocefalia N % N % 50 – 70 - - 21 50% 71 – 85 3 7,1 20 45,2% 86 – 100 12 28,5 1 4,7 101 -110 20 47,7 - - >110 7 16,6 - - nuir a interferência de outros fatores sobre a esfera cognitiva, resolvemos incluir apenas pacientes com mielomeningocele lombar e HC. Crianças com hidrocefalia apresentam déficit cognitivo particularmente ligado à atenção, alta distrabilidade e déficit de memória principalmente vinculado ao uso pobre de estratégias, reduzido do- mínio da língua e deficiência no cálculo matemático [11,12]. Curiosamente, Lumenta e Skotarczak [13] relatam que 63% das crianças com hidrocefalia não apresentam déficit cognitivo. Apesar da literatura mostrar que estas crianças apresentam relativa preservação da habilidade verbal, mesmo assim elas têm déficits importantes na apren- dizagem verbal, no discurso expressivo, na fluência da fala e articulação das palavras [14]. Nestes pacientes também encontramos ausência no desenvolvimento de estratégias mnemônica. Iddon et al. [16] comentam que o déficit cognitivo encontrado em crianças com hidrocefalia permanece na vida adulta, trazendo muita dificuldade para o indivíduo quando se emprega, principalmente na rea- lização de tarefas complexas que exigem atenção. Somado à claraassociação de malformações de estruturas neurais vinculadas com a função cognitiva, devemos lembrar da presença de déficits motor e esfincteriano nesses pacientes; trazendo, portanto, um outro aspecto que deve ser valorizado no pleno desenvolvimento cognitivo: uma associação freqüente de baixa-estima na spina bífida [17]. Essa debilidade física pode certamente interferir na educação e sub- seqüentemente na função cognitiva e intelectual [19]. Outro fato que devemos salientar é que QI baixo e anormalidades neurológicas estão associadas com problemas comportamentais [21]. Acredita-se que o dano cerebral ocorra antes da correção do padrão hipertensivo intracraniano pela DVP e que o encéfalo, com o funcionamento ade- quado do shunt, apresentaria um desenvolvimento próximo da normalidade. Neste sentido, lentificação da mielinização cerebral na HC, com alterações ele- trofisiológicas particularmente no córtex pré-frontal tem sido demonstrada [22]. O cérebro ainda em desenvolvimento é particularmente vulnerável, ocor- Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 21 rendo alterações degenerativas como conseqüência da hidrocefalia e hipertensão intracraniana, com adelgaçamento do corpo caloso, dano do trato ópti- co, redução da mielinização com digenesia cortical e atrofia cerebral [23]. Em decorrência destes danos encefálicos do desenvolvimento muito destas crian- ças vão apresentar déficits visuais e auditivos, os quais prejudicariam ainda mais o aprendizado. Como foi discutido, o comprometimento das funções cognitivas nos pacientes com o complexo HC e mielomeningocele é o resultado de interações genéticas e meio-ambientais; assim a expressão fe- notípica é variável: com indivíduos com déficits quase imperceptíveis e outros com grande acometimento cognitivo, obrigando a uma dependência substancial na realização das atividades de vida cotidiana [24,25]. Conclusão Nosso trabalho conclui que comprometimento das funções cognitivas é uma característica freqüen- temente encontrada nas crianças com HC associada à mielomeningocele, justificando a baixa escolaridade observada neste grupo de crianças. Porém, algu- mas dessas crianças apresentam um desempenho cognitivo próximo do padrão normal e os declínios cognitivos deixam de progredir a partir dos 7 anos de idade. Concluímos ainda que não existe diferença intelectual entre os gêneros feminino e masculino. Os maiores déficits cognitivos estão relacionados nas esferas cognitivas de velocidade de processamento de informação na memória. Referências 1. Fletcher JM, Barnes M, Dennis M. Language development in children with spina bifida. Semin Pediatr Neurol 2002;12:2001-8. 2. Northrup H, Volcik KA. Spina bifida and other neural tube defects. Curr Probl Pediatr 2000;30:313-32. 3. Adzick NS, Walsh DS. Myelomeningocele: Prenatal diagnosis, pathophysiology and management. Semin Pediatr Surg 2003;12:168-74. 4. Sobkowiak CA. Effect of hydrocephalus on neuronal migration and maturation. Eur J Pediatr Surg 1992;2 Suppl 1:7-11. 5. Heinsbergen I, Rotteveel J, Roeleveld N, Grotenhuis A. Outcome in shunted hydrocephalic children. Eur J Paediatr Neurol 2002;6:99-107 6. Mataro M, Poca MA, Sahuquillo J, Cuxart A, Iborra J, de la Calzada MD, Junque C. Cognitive changes after cerebrospinal fluid shunting in young adults with spina bifida and assumed arrested hydrocephalus. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2000;68:615-21. 7. Fobe JL, Rizzo AM, Silva IM, da Silva SP, Teixeira CE, De Souza AM, Fernandes A. IQ in hydrocephalus and myelomeningocele. Implications of surgical treatment. Arq Neuropsiquiatr 1999;57:44-50. 8. Rey A. Teste de Cópia e reprodução de figuras geométrica complexas,manual de aplicação e correção. São Paulo: Casa do psicólogo; 1999. 9. Wechsler D. Wisc -III- escala de inteligência Weschsler para crianças. Manual de aplicação e correção. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002. 10. Jacobs R, Nortam E, Anderson V. Cognitive Outcome in children with myelomeningocele and perinatal. Hydrocephalus: A longitudinal perspective. J Dev Physic Dis 2001;13:389-405. 11. Burmeister R, Hannay HJ, Copeland K, Fletcher JM, Boudousquie A, Dennis M. Attention problems and executive functions in children with spina bifida and hydrocephalus. Child Neuropsychol 2005;11:265-83. 12. Dennis M, Fletcher JM, Rogers T, Hetherington R, Francis DJ. Object-based and action-based visual perception in children with spina bifida and hydrocephalus. J Int Neuropsychol Soc 2002;8:95-106. 13. Lumenta CB, Skotarczak U. Long-term follow-up in 233 patients with congenital hydrocephalus. Childs Nerv Syst 1995;11:173-5. 14. Cull C, Wyke MA. Memory function of children with spina bifida and shunted hydrocephalus. Dev Med Child Neurol 1984;26:177-83. 15. Matson MA, Mahone EM, Zabel TA. Ser ial neuropsychological assessment and evidence of shunt malfunction in spina bifida: A longitudinal case study. Child Neuropsychol. 2005;11:315-32. 16. Iddon JL, Morgan DJ, Ahmed R, Loveday C, Sahakian BJ, Pickard JD. Memory and learning in young adults with hydrocephalus and spina bifida: Specific cognitive profiles. Eur J Pediatr Surg 2003;13 Suppl 1:S32-35. 17. Appeton PL, Michom PE, Ellis NC, Eliott CE, Boll V, Jones P. The self – concept of young people with spina bifida: a population-based study. Dev Med Child Neurol 1994;36:198-215. 18. Hommet C, Cottier JP, Billard C, Perrier D, Gillet P, De Toffol B, Sirinelli D, Bertrand P, Autret A. MRI morphometric study and correlation with cognitive functions in young adults shunted for congenital hydrocephalus related to spina bifida. Eur Neurol 2002;47:169-74. 19. Mahone EM, Zabel TA, Levey E, Verda M, Kinsman S. Parent and self-report ratings of executive function in adolescents with myelomeningocele and hydrocephalus. Child Neuropsychol 2002;8:258-70. 20. Hagberg B. The sequelae of spontaneously arrested infantile hydrocephalus. Dev Med Child Neurol 1962;4:583-587. 21. Vachha B, Adams RC. A temperament for learning: The limbic system and myelomeningocele. Cerebrospinal Fluid Res 2004;1:6. 22. Minchom PE, Ellis NC, Appleton PL, Lawson V, Boll V, Jones P, Elliott CE. Impact of functional severity on self concept in young people with spina bifida. Arch Dis Child 1995;73:48-52 23. Del Bigio MR. Neuropathological changes caused by hydrocephalus. Acta Neuropathol (Ber 1) 1993;85:573-85. 24. Dennis M, Landry SH, Barnes M, Fletcher JM. A model of neurocognitive function in spina bifida over the life span. J Int Neuropsychol Soc 2006;12:285-96. 25. Iddon JL, Morgan DJ, Loveday C, Sahakian BJ, Pickard JD. Neuropsychological profile of young adults with spina bifida with or without hydrocephalus. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2004;75:1112-8. 22 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Artigo original Possíveis benefícios psicológicos e fisiológicos do riso em ambiente escolar Possible psychological and physiological benefits of the laugh in the school environment Kátia Tomagnini Passaglio, D.Sc.*, Raul de Barros Neto, M.Sc.*, Liza Fensterseifer, M.Sc.**, Brenda Carolina Rodrigues de Meireles***, Jaíza Pollyanna Dias da Cruz***, Luana Carola dos Santos***, Valquíria Santos Lins*** Resumo O presente estudo visa realizar uma pesquisa para investigar a influência do riso sobre diferentes domínios e habilidades que atendem aos efetivamente propósitos do aprendizado. Testes espe- cíficos foram utilizados a fim de avaliar atenção, percepção, memória, organizações de espaço e espaço-temporal, capacidade de compreensão e estruturação do pensamento, interpretação de textos, raciocínio e desenvolvimento em tarefas matemáticas. Estes testes foram aplicados em uma escola pública para adolescentes (11 a 15 anos), em dois dias e depois, durante 10 dias, foi feita a promoção do riso. Os testes foram reaplicados. Os parâmetros fisiológicos como freqüência cardíaca, pressão arterial, sensibilidade dolorosa e dosagem da IGAsalivar foram feitos, antes e após os alunos assistirem a um filme-comédia. Os dados obtidos foram processados estatisticamente utilizando o coeficiente de correlação de Spearman e o Teste t de Student, antes e depois das oficinas do riso. Os resultados foram positivos evidenciando a melhora nas respostas dos testes. Os parâmetros fisiológicos também mostraram resultados positivos como o aumento da atividade cardíaca, alívio da dor e aumento na IGA salivar. Os resultados apontam para uma ação potencializadora do riso sobre as habilidades testadas, indicando ser uma excelente ferramenta determinante para a criação de um ambiente escolar saudável, que resultaria em melhora do processo ensino-aprendizagem. Palavras-chave: riso, adolescência, aprendizagem, escola. Abstract The aim of this study was to investigate the influence of the laugh on different abilities that take care effectively of the purpose of learning. Specific tests had been used in order to evaluate attention, perception, memory, organizations of space and space-time, capacity of understand- ing and structure of thought, emotional interpretation of texts, reasoning and development in mathematical tasks. These tests had been performed in a public school with adolescents (11-15 years old), in two days and later, during 10 days, the promotion of laugh was made. The tests had been reapplied. Physiological parameters as cardiac frequency, arterial pressure, sensorial threshold of pain and the dosage of the IGA in the saliva were evaluated before and after the students watched a comedy movie. The result data had been processed statistically using the coefficient of correlation of Spearman and Test t-Student, before and after the workshops of laugh. The results were positive showing the improvement in the response of the tests. The physiologi- cal parameters had also showed positive results such as increase of the cardiac activity, relief of pain and increase in the IGA. The results point to a potential action of laugh on the tested abilities, indicating to be an excellent tool for the creation of a healthful school environment, which would result in improvement of the process of learning/teaching. Key-words: laugh, adolescence, learning, school. *Professor Adjunto III do Curso de Psicologia da PUC Minas, **Professora Assistente do Curso de Psicologia da PUC- Minas, ***Acadêmico Pontifí- cia Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade São Gabriel - Psicologia Correspondência: Dra. Kátia Tomagnini Passaglio, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Unidade São Gabriel, Coordenação do Curso de Psicologia, Rua Walter Ianne, 255, São Gabriel 31980-110 Belo Horizonte MG Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 23 Introdução O riso vem sendo estudado desde aproximada- mente 55 a.C., entretanto, muitas são as definições que permeiam o rir, o risível e o humor. Alguns filó- sofos como Platão, Kant, Aristóteles, entre outros estudiosos e cientistas, falam sobre o riso e sua contribuição na história do pensamento, e da impor- tância do rir para a saúde física e mental [1]. Rir, segundo Oliva [2] é uma forma de fazer as emoções se tornarem comunicáveis, dessa forma, o riso apresenta-se como um comportamento emocional que possui a função de comunicação, presente em toda a vida do sujeito. O riso apresenta-se mais do que como uma manifestação de alegria, como muitas vezes é cono- tado, mais do que isso possui um importante papel de promover interações sociais entre os indivíduos no meio em que se encontram. A psicologia considera o riso capaz de contribuir na afetividade nas emoções e até mesmo na inteligência [3]. Acredita que o humor é uma forma de lidar com os problemas diários. Assim, o riso ajuda a estabelecer a saúde mental, pois pessoas com baixo humor pos- suem geralmente mais problemas emocionais. Com uma saúde mental equilibrada, o indivíduo também estabelece uma melhor saúde física e socialização. Se o indivíduo encontra-se mentalmente saudá- vel, logo sua saúde física poderá estar equilibrada. Dessa forma, o riso além de um importante papel psicológico também possui uma grande importância fisiológica. O riso cria uma conexão entre corpo e mente, pois é usado para manter o equilíbrio da vida emocional e física. No ambiente escolar, espaço onde acontece a socialização secundária do sujeito, o riso aparece como uma ponte para a formação de laços sociais e de interações entre as pessoas. Além disso, a contribuição da expressão emocional através do riso, permite ao educando uma boa relação com professo- res e colegas, promovendo um estado psicológico e emocional propício ao aprendizado. Por outro lado, a ausência do riso pode ser pre- judicial, pois o aluno que não interage, ou tem difi- culdade de interação, perde a possibilidade de trocar impressões, através de brincadeiras e considerações, sobre os mais variados assuntos, perdendo assim, uma parcela da oportunidade de aprendizagem. Neste sentido, o riso pode ser excelente para uma melhor aprendizagem. Sendo assim, essa pesquisa busca objetivar os possíveis benefícios fisiológicos e psicológicos do riso, em ambiente escolar, através da análise de habilidades que atendem efetivamente aos propósitos do aprendizado. Material e métodos Neste trabalho foram pesquisados em média 257 alunos adolescentes, 134 meninos e 123 meninas, na faixa etária de 11 a 15 anos, de uma escola pública, com a escolaridade de 6º a 8º séries do ensino fundamental. A metodologia, simplificada, consiste em aplicação de testes que avaliam parâ- metros psicológicos e fisiológicos, antes e depois de oficinas de promoção do riso, que aconteceram ao longo de dez dias. Parâmetros avaliados Os parâmetros avaliados foram a atenção, percepção, memória, organizações de espaço e es- paço-temporal, habilidade de compreensão de texto, habilidades matemáticas, disposição, estados emo- cionais e coordenação motora fina. Os parâmetros fisiológicos foram freqüência cardíaca, pressão arte- rial, sensibilidade dolorosa, medida antropométrica da face e imunoglobulina A salivar. Testes Os testes psicológicos utilizados na pesquisa foram desenvolvidos especificamente para a mesma. Após estudo teórico, os testes foram confeccionados e previamente testados em um experimento piloto que contou com a participação de 32 adolescentes. Para a pesquisa envolvendo o riso foram organiza- das duas baterias de testes aplicados em dois dias consecutivos. A 1º bateria foi formada pelos testes CVSH, memória, cadê e matemática. A 2º bateria foi formada pelos testes disposição, português, tetris, seqüência e labirinto. Os testes consistiam em: CVSH – Como Você se Sente hoje, cujo objetivo foi avaliar o estado emocional do aluno e consistiu em marcar com um X nas alternativas que condizem com seu estado emocional do dia. Tetris, tem como objetivo investigar a organização espacial, através da identificação da figura modelo dentre outras dispostas em posições diferentes no espaço. Cadê, em três níveis de dificuldade considerados fácil, médio e difícil. Objetivava-se verificar a capaci- dade de percepção e atenção espaciais. Foram apre- sentadas aos alunos três cenas diferentes, uma de 24 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 cada vez, com a imagem de diversos objetos. Dentre eles os alunos localizaram objetos (desenhos) especí- ficos em cada cena e marcaram na folha de resposta. Para seu desenvolvimento o aplicador marcou tempo específico de execução da tarefa para cada nível. Seqüência, objetivava-se verificar a capacidade de organização espaço-temporal, percepção e aten- ção. O aplicador mostrou uma seqüência de fichas com círculos pretos, os quais os alunos os reproduzi- ram na folha de resposta de maneira correspondente às seqüências mostradas. Memória, o objetivo foi verificar a capacidade de memória. O aplicador mostrou uma seqüência de 10 figuras e posteriormente,os alunos escreveram o nome dos objetos mostrados na folha de resposta. Tarefas matemáticas, o objetivo foi verificar a capacidade de estruturação, raciocínio e desenvolvi- mento em tarefas matemáticas. Os alunos resolveram três problemas matemáticos de graus de dificuldade crescentes, demonstrando por escrito a montagem do problema e o raciocínio, além do resultado. Tarefas de português, o objetivo consistiu em verificar a capacidade de compreensão e estruturação do pensamento e interpretação de textos. Os alunos leram e responderam as perguntas referentes a três textos com graus de dificuldade crescentes. Disposição, cujo objetivo foi identificar o estado de disposição a diferentes situações escolares. Os alunos responderam sim ou não às afirmativas apresentadas. Labirinto, o objetivo foi avaliar a coordenação motora fina. Foram apresentados aos alunos 4 labi- rintos para cada mão (direita e esquerda), onde eles seguiram com o lápis por dentro dos labirintos na folha de teste, em seqüência indicada e sem poder encostar nas paredes dos mesmos. O tempo para a execução foi de 1 minuto para cada mão. Promoção do riso Para a promoção do riso, realizado no período de 10 dias, foram selecionados materiais como dinâmicas, brincadeiras, jogos, filmes, e materiais impressos como cartilhas e mural contendo piadas, frases e estórias. Estas atividades foram desenvolvi- das em horários de aula previamente acordados com a direção da escola e no período do recreio. Coleta de dados dos parâmetros fisiológicos Os parâmetros fisiológicos foram coletados em momentos diferentes dos demais parâmetros ana- lisados nesta pesquisa. Uma amostra de 20% da população total da pesquisa, em média 48 alunos, assistiu a filmes de comédia e foram submetidos à medida e coleta destes parâmetros no início e no fim do filme. Para as medidas de freqüência cardíaca e pressão arterial máxima e mínima foram utilizados esfigmomanômetros digitais (Powerpack MS-818Plus). Para as medidas de sensibilidade dolorosa e medidas antropométricas da face foram utilizados paquímetros metálicos (Vonder 150 mm). A sensibilidade foi medida apertando o braço direito do sujeito de pesquisa com o paquímetro até que o mesmo sinaliza-se sinal de des- conforto significativo. E as medidas antropométricas da face foram feitas apoiando o paquímetro na região inferior aos lábios e depois na região entre as narinas e o lábio superior, sendo que nas duas medidas as ex- tremidades do paquímetro se apoiavam nos músculos masseter direito e esquerdo. Diversos estudos usam medidas antropométricas com finalidades diferentes [4] retratando o trabalho da musculatura. Para a do- sagem de Imunoglobulina A salivar utilizamos o teste imunoturbidimétrico realizado através de Kit fornecido pela Bioclin, dosado no equipamento Cobas Mira. Análise estatística Os dados obtidos no presente estudo foram organizados em planilha eletrônica e processados estatisticamente, utilizando-se o aplicativo Statistical Package for the Social Sciences – SPSS – versão 11.5. Em relação à estatística inferencial, foram utili- zados o coeficiente de correlação de Spearman, para verificar a correlação entre resultados do teste e do reteste, e o Teste t de Student, para verificar o con- traste entre as médias obtidas nos testes aplicados, antes e depois das oficinas de promoção do riso. O nível de significância considerado foi de p < 0,001 a p < 0,05. Os resultados foram expressos como média ± erro padrão da média (X ± EPM). Resultados Nos 257 alunos foram aplicados e corrigidos 2837 testes e 2794 retestes, sendo 92,44±0,26% considerados válidos e 7,94±0,26% não válidos. Estudo das correlações Os primeiros resultados obtidos visavam a vali- dação dos testes desenvolvidos para esta pesquisa. Desta forma, foi realizado um experimento piloto com a participação de 32 adolescentes, na faixa etária de Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 25 11 a 15 anos. Os testes foram aplicados e após 10 dias, repetiu-se o processo denominado de reteste. Os testes foram analisados estatisticamente através do coeficiente de correlação de Spearman (p) que ava- liou a confiabilidade dos resultados produzidos pelos instrumentos, para a qual se encontrou coeficientes de correlação que indicavam a estabilidade temporal dos resultados (Tabela I). Tabela I - Distribuição das correlações ( p ) en- contradas entre as médias obtidas em cada teste aplicado, comparando-se teste e reteste (n = 212, aproximado). Teste de Correlação de Spearman (p < 0,01) Teste ( p ) Experimento piloto ( p ) Experimento RISO CVSH 0,74 0,56 Matemática 0,67 0,62 Português 0,80 0,56 Labirinto ME 0,41 0,43 Labirinto MD 0,64 0,27 Cadê 0,64 0,47 Memória 0,59 0,24 Seqüência 0,56 0,21 Tetris 0,65 0,44 Disposição 0,50 0,70 Para o resultado da pesquisa envolvendo a promoção do riso, objetivávamos verificar se o riso promoveria modificações nos retestes. Observa- se então, que as correlações encontradas entre teste e reteste foram de moderadas a baixas após a promoção do riso, diferentemente do obtido no experimento piloto. O riso afetou significativamente os retestes em comparação aos testes, principal- mente, no teste da seqüência, memória e labirinto para a mão direita (Tabela I). Apenas, o teste da disposição apresentou resultado contrário, porém, até mesmo a correlação do experimento piloto não foi adequada mostrando déficit no teste. Ao cons- tatarmos uma correlação baixa entre o teste e o reteste, após a oficina do riso, o que aponta para médias diferentes entre eles, precisamos verificar se estas diferenças tenderam para um melhor desempenho dos alunos no reteste. Para isso, utilizou-se o Teste t de Student, e os resultados obtidos constam na Tabela II. Estudo dos parâmetros psicológicos No teste de CVSH (Como você se sente hoje?) o coeficiente de correlação de Spearman (p) mos- trou-se reduzido (ver tabela I) indicando diferença na resposta após a promoção do riso. A média total dos pontos foi de 7,15 ± 0,31 no teste e 8,96 ± 0,37 no reteste, p < 0,001 (Figura 1). Observamos no perfil da resposta um aumento dos sentimentos pesquisados. Os estados emocionais de positivida- de e poder foram aumentados de forma estatisti- camente significativa. Positivo foi de 30,58 ± 3,52 % no teste para 42,38 ± 2,97% no reteste e para Poderoso foi de 12,32 ± 2,80% no teste para 22,31 ± 3,77% no reteste (Figura 2). Acompanhando esta resposta obtivemos indicação de aumentos (não es- tatisticamente diferentes) também nos sentimentos de: carinhoso, seguro, capaz, confiante e perdido. Os menores percentuais obtidos, e constantes, tanto no teste como no reteste foram atribuídos aos sentimentos furioso e deprimido, cada um com aproximadamente 9% (Figura 2). Os itens eufórico, arrependido, insatisfeito, entusiasmado, orgulho- so, ansioso, mal-humorado, pra-baixo, irritado e feliz mantiveram-se constantes. Este último, feliz, obteve maior índice percentual no teste e reteste, aproximadamente 70% (Figura 2). O teste da memória pretendeu avaliar a capa- cidade de memória e atenção dos alunos. Esta se mostrou mais eficiente de forma estatísticamente significativa, p < 0,001, após o riso (p = 0,24, muito baixa). A média do total de acertos obtidos no teste foi de 8,14 ± 0,09 pontos contra 9,16 ± 0,07 pon- tos no reteste, evidenciando a melhora na resposta (Figura 1). Durante o teste da seqüência trabalha-se a organização espaço-temporal, percepção e atenção, habilidades estas que se mostraram aprimoradas comparando teste com reteste aplicado após as oficinas do riso. A média do reteste, 9,29 ± 0,08 pontos foi estatisticamente mais elevado do que a do teste, 8,16 ± 0,10 pontos (p = 0,21, p < 0,05, muito baixa) (Figura 1). O teste do tetris compara as figuras dadas em posições diferentes da figura modelo, exercitando a habilidade espacial dos alunos. Comparamos o resul- tado obtido na pesquisa, r = 0,44, com o resultadoobtido no experimento piloto, p = 0,65, indicando diferença no teste e reteste da pesquisa com o riso. Nesta pesquisa mostramos também um aumento da capacidade de percepção espacial dos alunos pes- quisados alterando as médias dos totais de pontos 20,18 ± 0,31 no teste para 20,80 ± 0,27 no reteste, p < 0,05 (Figura 1). O teste do cadê exige a localização de objetos específicos em uma cena cheia de vários outros 26 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 objetos. Desta forma o aluno deverá exercitar tam- bém sua percepção e atenção espacial de maneira diferente. Nota-se no resultado que os níveis fácil e médio, apesar de apresentarem maior pontuação no reteste do que no teste, sofreram menor modi- ficação do que o nível difícil. Os alunos obtiveram a média total de 28,45±0,22 pontos no reteste contra 25,45 ± 0,23 pontos do teste, p < 0,001 (Figura 1) e um coeficiente de correlação igual a 0,47. Figura 1 - Média dos pontos obtidos nos testes de memória, seqüência, tetris, cadê e CVSH (Como você se sente hoje?) antes e após a promoção do riso em ambiente escolar. * p < 0,001 Teste t de Student.teste e reteste. A coordenação motora fina bastante utilizada nas tarefas escolares e de estudo foi verificada para a mão direita e mão esquerda. Seu tratamento es- tatístico relata que não houve diferença significativa entre as médias totais dos pontos obtidos, embora os testes apresentam correlações baixas de p = 0,27 para a mão direita e p = 0,43 para a mão esquerda (Tabela I). A tarefa de português objetivava verificar a ca- pacidade de compreensão e interpretação de texto e a tarefa de matemática, verificar a capacidade de estruturação, raciocínio e desenvolvimento de tarefas na área. Em relação ao experimento piloto ob- servamos uma redução do coeficiente de correlação de Spearman para a tarefa de português (piloto, p = 0,80 e no riso, p = 0,56) (Tabela I), indicando que houve diferença no teste e reteste do experimento do riso. Desta vez, os dados nos informam que o reteste após o riso indica uma pequena redução de desempenho na tarefa, não havendo diferença estatística. O mesmo fato não ocorreu para a tarefa de matemática (p = 0,67 no experimento piloto e p = 0,62 no experimento do riso). Houve desinteresse na realização destas tarefas por parte dos alunos como pode ser observado pelos dados da presença de raciocínio por escrito, pedido no momento da execução da tarefa de matemática. Durante o teste, o percentual de alunos que explicitou o raciocínio por escrito foi de 44,94 ± 2,83% e que não apre- sentaram o raciocínio foi de 55,06 ± 2,83%. No reteste, obtivemos diferença estatística entre os 37,89±3,24% dos alunos que incluíram o raciocí- nio por escrito e 62,11 ± 3,24% para os que não o fizeram (p < 0,05). Outro dado sobre as tarefas de matemática e português se refere ao número de acertos e erros. Para a matemática, no teste e no reteste, observa-se um maior número de acertos do que erros estatísticamente significativos (teste: 64,13 ± 2,66% certas e 35,87 ± 2,66% erradas; reteste: 60,73 ± 1,68% certas e 39,27 ± 1,68% erradas, p < 0,05). Para o português, verifica-se o inverso da matemática, onde no teste e no reteste há um maior número de respostas erradas ao invés de certas. Apenas no reteste há diferença estatística, 43,12 ± 4,01% de certas contra 56,88 ± 4,01% de erradas, p < 0,05. Um último teste desta bateria de investigação é o da disposição. Este consiste em questões relacionadas à escola e suas atividades com obje- tivo de avaliar o estado de disposição a diferentes situações. Estas questões envolviam interesses escolares, como por exemplo: “Após as férias fico Figura 2 - Resposta do teste CVSH (Como você se sente hoje?) antes e após a promoção do riso em ambiente escolar, expressos em média percentual dos pontos obtidos em cada item de resposta. * p < 0,05 Teste t de Student. teste e reteste. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 27 muito animado para voltar a escola?” ou “Faço os exercícios que os professores repassam com boa vontade e interesse?”. Desta forma as questões foram distribuídas em dois grupos denominados “a favor” e “contra” a disposição para situações escola- res. Observou-se uma constância nos resultados do teste e reteste após a promoção do riso. No teste, 64,29% dos alunos foram “a favor” de situações favoráveis a escola (35,38% “contra”) e no reteste foi de 62,11% (37,17% “contra”). Estudo dos parâmetros fisiológicos Sabe-se que o riso promove modificações fisioló- gicas no organismo. Assim sendo, foram investigados alguns destes parâmetros em 20% da amostra total de alunos pesquisados. Os dados estão mostrados na Tabela III, onde todos os aumentos para freqüência cardíaca, pressão arterial máxima e mínima e medi- das antropométricas da face são estatisticamente significativos. A imunoglobulina A salivar no início do filme foi de 5,30 ± 1,21 mg/dl e passou para 11,94 ± 2,03 mg/dl (p < 0,05) após o filme de comédia (Ta- bela III). Como o esperado, a sensibilidade dolorosa apresentou-se reduzida após a promoção do riso com o filme (de 2,79 ± 0,10 mm para 2,24 ± 010 mm) sugerindo um relaxamento da musculatura após a diversão (Tabela III). Tabela II - Médias e valores de p dos escores totais obtidos no teste e no reteste, em cada teste (n = 212, aproximado). Dados expressos como média ± EPM. Teste t de Student pareado. Testes Médias alcançadas Teste Reteste p CVSH 7,15 ± 0,31 8,96 ± 0,37 < 0,001 Matemáti- ca 6,76 ± 0,25 6,44 ± 0,23 0,126 Português 8,53 ± 0,28 8,25 ± 0,29 0,272 Labirinto ME 12,59 ± 0,34 12,01 ± 0,36 0,116 Labirinto MD 16,87 ± 0,27 17,15 ± 0,23 0,332 Cadê 25,45 ± 0,23 28,45 ± 0,22 < 0,001 Memória 8,14 ± 0,09 9,16 ± 0,07 < 0,001 Seqüên- cia 8,96 ± 0,10 9,29 ± 0,08 0,012 Tetris 20,18 ± 0,31 20,80 ± 0,27 0,040 Dis- posição 16,37 ± 0,12 16,20 ± 0,12 0,640 Tabela III - Medida dos parâmetros fisiológicos, antes e após, assistir um filme de comédia. Dados expressos como média ± EPM. * p < 0,001, Teste t de Student pareado. Parâmetros Promoção do riso Amostra Fisiológicos Antes Após (n) Freqüência cardíaca, b.p.m. 78,74 ± 1,74 81,95 ± 1,64* 58 Pressão arterial máxima, mmHg 11,27 ± 0,19 11,97 ± 0,22* 53 Pressão arterial mínima, mmHg 6,73 ± 0,13 7,20 ± 017* 53 Medida antropo- métrica superior da face, mm 10,34 ± 0,11 10,72 ± 0,11* 45 Medida antropo- métrica inferior da face, mm 9,11 ± 0,12 9,54 ± 0,10* 45 Sensi- bilidade dolorosa, mm 2,79 ± 0,10 2,24 ± 0,10* 34 Imuno- globulina A salivar, mg/dl 5,30 ± 1,21 11,94 ± 2,03* 46 Discussão O riso é um comportamento emocional que pos- sui a função de comunicação promovendo interações sociais saudáveis dos indivíduos no meio em que se encontram. Assim, o riso torna também saudável os ambientes sociais, como escola, promovendo um estado psicológico, emocional e fisiológico propício ao aprendizado. O desenvolvimento de uma atmosfera livre e relaxada gera prazer na aquisição do conhe- cimento [2,5-7]. A promoção do riso realizada na escola considerou a relação existente entre emoção e a afetividade com as atividades escolares diárias trabalhadas. Houve crescente adesão às oficinas do riso, gerando um clima de satisfação e expectativa 28 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 positiva, o que foi determinante para o resultado da pesquisa. Segundo Nascimento e Quinta [8], pessoas alegres e bem dispostas catalisam atenções, tem menor desgaste energético ante situações-problemas e tendem a chegar a melhores soluções, porque agem dentro dos parâmetros adequados de um coeficiente emocional saudável. Alguns dos sinais psicológicos devido à condição de “falta do riso” podem ser: tendência para o autoritarismo; aumento do cigarro, drogas e álcool; isolamento e introspecção; queda da eficiência; irritabilidade; desmotivação; depressão; sensação de incompetênciaetc. Mindless, citado por Jablonski e Range [6], “sugere algumas possibi- lidades terapêuticas para o riso: redutor de estresse, restaurador do equilíbrio mental, evento capaz de diminuir a magnitude da estimulação estressante aos olhos do paciente, facilitador na reestruturação cognitiva de ambientes vistos como desfavoráveis e aumento de auto-estima e da acuracidade per- ceptual.” O riso é uma ferramenta adequada para a promoção da saúde mental. A sensação de um estado emocional favorável ao bom funcionamento das atividades escolares foi expressada pelo teste CVSH ressaltando os senti- mentos positivos listados no teste. Dentre os vários itens expostos o que mais chamou a atenção foi o da felicidade, que recebeu a maior votação antes e após a promoção do riso. No entanto, após o riso, este sentimento foi associado a um significativo aumento dos sentimentos de positividade e poder. Em nossa interpretação, estes resultados indicaram aumento de segurança, capacitação e confiança por parte dos alunos. Funes [3] diz que o riso é um portal para nosso âmbito afetivo e nos ajuda a desenvolver a inteligência emocional. Uma vez que o ambiente agradável e mais sau- dável foi estabelecido e a emoção dos alunos foi mo- dificada, a análise das habilidades especificamente também foi positiva. De acordo com a literatura, é fato que o riso por nós experienciado apresenta um cará- ter significativo para o desenvolvimento de diversas habilidades, incluindo as que atendem efetivamente aos propósitos do aprendizado. Tais habilidades, aten- ção, percepção, memória, organizações de espaço e espaço-temporal, mostraram-se aprimoradas em nossa investigação científica após o riso. Outro aspecto importante a considerar é que este estado emocional e este “estado ambiental” preparados especialmente se correlacionam com as condições físicas dos indivíduos. O riso cria uma conexão entre os campos físico e mental, através das nossas emoções e é usado para manter o equilíbrio de nossa vida emocional, que é o elo entre corpo e mente. Muitos são os estudos sobre o controle neural do riso e do humor, os quais mostram diversidade das áreas neurais envolvidas e também responsáveis pelo comportamento e emoções [9-11]. Os estudos para o humor e o cérebro indicam que lesões no hemisfério não dominante interferem na percepção ao humor e que as áreas frontais são as principais [12,13]. Quando o riso ou alegria foram induzidos eletrofisiologicamente, em pacientes com epilepsia, o córtex pré-frontal [14] e o lobo temporal basal [15] foram ativados. Estudos de imagem em sujeitos nor- mais mostraram a associação do processo do humor com o giro frontal medial e a área de Broca [16]; o córtex pré-frontal ventro-medial, o giro frontal inferior esquerdo, os giros temporal inferior e medial posterior esquerdo, o giro temporal medial posterior direito e o cerebelo [17]; o córtex orbitofrontal e pré-frontal medial bilateralmente, área motora suplementar bilateral, as áreas de associação visual bilateral, o córtex temporal anterior esquerdo, o putamen esquerdo [18]. O riso é inato a nossa estrutura física e psíquica, este é capaz de intervir no funcionamento do nosso organismo, desencadeando uma cadeia de reações fisiológicas. Quando rimos promovemos maior venti- lação pulmonar, captando mais oxigênio, aumentando a freqüência cardíaca e ativando a circulação. Ocorre aumento nos níveis de adrenalina no sangue, nos tornando mais fisicamente excitados e mentalmente mais alertas [3]. Em nosso estudo estes dados fo- ram confirmados pelo aumento da pressão arterial e freqüência cardíaca. Também demonstramos aumento da atividade adicional da musculatura facial, como nos estudos de Bachorowski e Smoski [19] e Ruch e Ekman [20], através das medidas antropométricas da face. Estas medidas são usadas em estudos com finalidades diferentes como por exemplo, o desenvolvimento de técnica de avaliação do tônus facial a partir da relação antropométrica e eletrofisiológica do músculo bucinador [4]. Outro efeito fisiológico do riso é o de aliviar a dor através da produção de endorfinas. As endorfinas são opiáceos endógenos, que se ligam as células neuro-receptoras; possuem potentes propriedades analgésicas e em humanos, também são mediadoras das emoções. Alguns pesquisadores como Annette Goodheart, Norman Cousins e Suzanne Herchenhorn, citados por Funes [3] relataram pesquisas onde o Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 29 alívio da dor foi alcançado pelo riso. A dor foi por nós avaliada através do teste de sensibilidade dolorosa, que se mostrou reduzida após os alunos assistirem a um filme de comédia. Dentre vários outros pesquisadores, Candace Pert aborda a relação entre neuropeptídeos e as mu- danças físicas provocadas por estados emocionais diferentes. As emoções liberam neuropeptídeos que se ligam a receptores das células imunológicas, as quais tem sua atividade metabólica alterada de forma a conduzir à boa ou à má saúde [3]. Hassed [21] também mostrou o papel do riso na redução do hormônio do estresse, promovendo o ânimo, aumento da criatividade, reduzindo a dor, aumentando a imu- nidade e outros processos. Relacionando o riso, o humor e o sistema imune, precisamos mencionar a imunoglobulina salivar A (IGA), que é a nossa primeira linha de defesa contra agentes infecciosos que atacam o trato respiratório. Em 1987, na Universidade Estadual de Nova Iorque [3], descobriu-se que os níveis de IGA da saliva eram mais baixos em dias de humor negativo e mais eleva- dos em dias de humor positivo. Outros pesquisadores do Western New England College e Heb Lefcourt, da Universidade de Waterloo (citados por Funes [3]) também mostraram o aumento da concentração de IGA salivar após assistir a um filme engraçado. Esta resposta de aumento da IGA salivar, após assistir um filme de comédia, também foi por nós constatado. Em resumo, Mariana Funes [3] em seu livro “O poder do riso”, nos relata uma série de estudos que confirmam os benefícios do riso e do bom humor. Rir, por exemplo, melhora a função imunológica, reduz a tensão muscular, aumenta a quantidade de imunoglobulinas, aumenta a produção de endorfinas que ajudam a relaxar e a reduzir a dor, e auxilia na oxigenação do corpo. Em relação às tarefas de português e matemáti- ca, encontramos resistência na realização das mes- mas refletida na falta de interesse, preguiça de ler e raciocinar (fala dos alunos), não cumprimento das instruções dadas pela Equipe e outros. Assim, estas variáveis não permitiram uma análise confiável dos resultados e portanto, não se pode dizer que o riso foi ineficiente para alterar estes parâmetros analisados. No início da tarefa de matemática foi pedido que o raciocínio feito para a resolução dos exercícios fosse explicitado por escrito porque seriam considerados pontos para o raciocínio e para o resultado. Como a instrução não foi atendida, por grande parte dos alu- nos, a equipe optou por mudar a pontuação da tarefa de matemática considerando apenas o resultado final. Nosso objetivo era verificar a capacidade de estrutura- ção, raciocínio e desenvolvimento da tarefa, mais do que apenas o resultado final. A baixa motivação para a leitura dos textos refletiu no aumento de erros em comparação com os acertos na tarefa de português. Alguns alunos tentavam recordar das respostas dadas na primeira aplicação do teste ao invés de reler. Estas tarefas foram incluídas na pesquisa por se tratarem de atividades tipicamente escolares, compreensão de texto e resolução de problemas matemáticos, as quais poderiam fornecer dados que complementariam as habilidades básicas gerais pesquisadas (atenção, percepção, memória e outras). Para o teste de disposição, concluímos que o mesmo não foi adequado ao objeto de investigação pretendido. Os alunos deveriam marcar as opções sim ou não mas, questionaram a falta de uma opção intermediária, o que levoua uma escolha não muito acertada das opções oferecidas. O teste pretendia sinalizar a disposição ou não dos alunos para as atividades escolares e um maior interesse na escola. Conclusão Os resultados apontam para uma ação poten- cializadora do riso sobre as habilidades testadas, indicando ser uma excelente ferramenta determinante para a criação de um ambiente escolar saudável, que resultaria em melhora do processo ensino-aprendiza- gem. “O riso é o melhor remédio” promovendo um gerenciamento mais ajustado de nossas emoções e facilitando nossas atividades. Agradecimentos O projeto recebeu apoio da coordenação do curso de Psicologia e do D.A. Maria de Fátima Lobo Boschi, da PUC Minas, Unidade São Gabriel; do DCE da PUC Minas; da empresa BIOCLIN; da Sra. Márcia E. R. Costa, do Laboratório de Análises da Escola de Veteri- nária da UFMG. Agradecemos a todos pelo importante apoio, e em especial, á direção e coordenação da Escola Municipal onde foi realizada a pesquisa. Referências 1. Alberti V. O riso e o risível na história do pensamento. Rio de janeiro: Fundação Getúlio Vargas;1999. 2. Oliva K. As implicações do riso no processo ensino- aprendizagem. [Monografia]. Belo Horizonte: Brazilian Open University, Pós-graduação Psicopedagogia; 2003. 30 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 3. Funes M. O poder do riso. São Paulo: Ground; 2001. 4. Jardini RSR. Avaliação facial a partir da relação eletromiográfica e antropométrica do músculo bucinador. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2005;10(3):161-67. 5. Cardoso SH. O poder do riso. 30 de junho de 2002. [citado 2005 abr 08]. Disponível em URL:http:// www.cerebromente.org.br/n15/mente/laughter2/ info-ciencia.html. 6. Jablonski B, Rangé B. O humor é só-riso? Algumas considerações sobre os estudos em humor. Arq Bras Psic 1984;36(3):133-40. 7. Otta E. O sorriso e seus significados. Petrópolis RJ: Vozes. Petrópolis; 1994. 8. Nascimento E, Quinta EM. Terapia do riso. São Paulo: Harbra; 1998. 9. Pearce JMS. Some neurological aspects of laughter. Health & Medical Complete 2004;52:169-71. 10. Provine RR. Laughter. American Scientist 1996;84:38- 45. 11. Wild B, Rodden FA, Grodd W, Ruch W. Neural correlates of laughter and humor. Brain 2003;126: 2121-38. 12. Gardner H, Ling PK, Flamm L, Silverman J. Comprehension and appreciation of humorous material following brain damage. Brain 1975;98:399-412. 13. Shammi P, Stuss DT. Humour appreciation: a role of the right frontal lobe. Brian 1999;122:657-66. 14. Fried I, Wilson CL, MacDonald KA, Behnke EJ. Electric current stimulates laughter. Nature 1998;391:650. 15. Arroyo S, Lesser RP, Gordon B, Uematsu S, Hart J, Schwerdt P et al. Mirth, laughter and gelasticseizures. Brain 1993;116:757-80. 16. Ozawa F, Matsuo K, Kato C, Nakai T, Isoda H, Takehara Y et al. The effects of listening comprehension of various genres of literature on response in the linguistic área: na fMRI study. Neuroreport 2000;11:1141-3. 17. Goel V, Dolan RJ. The functional anatomy of humor: segregating cognitive and affective components. Nat Neurosci 2001;4:237-8. 18. Iwase M, Ouchi Y, Okada H, Ykoyama C, Nobezawa S, Yoshikawa E, et al. Neural substrates of human facial expression of pleasant emotion induced by comic films: a PET study. Neuroimage 2002;17:758-68. 19. Bachorowski JA, Smoski MJ, Owen MJ. The acoustic features of human laughter. J Acoust Soc Am 2001;110:1581-97. 20. Ruch W, Ekman P. The expressive pattern of laughter. In: Kaszniak A, editor. Emotion, qualia and consciousness. Tokyo: World Scientific; 2001. p. 426-43. 21. Hassed C. How humour keeps you well. Aust Fam Physician 2001;30(1):25-8. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 31 Artigo original Polissonografia em idosos com síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono Polysomnography in elderly with obstructive sleep apnea hypopnea syndrome Agamenon Monteiro Lima*, Marcelo José da Silva** Resumo Introdução: A prevalência da síndrome da apnéia hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS) aumenta consideravelmente com o avançar da idade e é uma condição médica comum com conseqüências adversas, mas permanece não diagnosticada em muitos indivíduos. Objetivo: Polissonografia foi realizada em 32 idosos para examinar a associação entre os SAHOS e cada variável medida durante a polissonografia. Métodos: Os participantes foram separados em dois grupos, um com SAHOS (n = 23) e outro sem (n = 09). A polissonografia com 21 parâmetros foi conduzida em todos pacientes do estudo. O marcador polissonográfico para SAHOS foi o índice de apnéia–hipopnéia com valor igual ou superior a cinco eventos/hora. Resultados: Participaram 18 homens e 14 mulheres sendo a média de idade 67,73 anos (60-87 anos). Somente quatro variáveis (latência do sono REM, estágio 2 do sono alterado, diminuição da saturação de O 2 e ronco) apresentaram um associação mais consistente com SAHOS. Conclusão: latência do sono REM, estágio 2 do sono alterado, diminuição da saturação de O 2 e ronco estiveram esta- tisticamente associada a SAHOS. Palavras-chave: polissonografia, síndrome da apnéia hipopnéia obstrutiva do sono. Abstract Background: The prevalence of the obstructive sleep apnea hypopnea syndrome (OSAHS) increas- es considerably with advancing age and is a common medical condition with significant adverse consequences, but OSAHS remains undiagnosed in many individuals. Objective: Polysomnography was performed in 32 older adults to examine the relationship between sleep-disordered OSAHS and each measurement performed from polysomnography. Methods: Participants were divided in 2 groups, with (n = 23) and without (n = 09) OSAHS. Polysomnography with 21 measurements was conducted in all patients. Predictor of OSAHS was identified when apnea-hypopnea index was ≥ 05/hour. Results: There were 18 males and 14 females with a mean age of 67.73 years (range 60 to 87 years). Only 4 measurements (REM latency, sleep stage 2 changed, decrease in oxygen saturation and snoring) had consistent association with obstructive sleep apnea syndrome. Conclusion: REM latency, sleep stage 2 changed, decrease in oxygen saturation and snoring were associated with OSAHS. Key-words: polysomnography, obstructive sleep apnea hypopnea syndrome. *Neurologista, especialista em transtornos do sono pela UNIFESP-SP, Professor da disci- plina de neurologia do curso de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros-Uni- montes, Professor da disciplina de neurociências das Facul- dades Pitágoras e FUNORTE, **Neurocirurgião Residente do Instituto Mineiro de Neuro- cirurgia- BIOCOR, Nova Lima MG - Trabalho realizado no Neurocentro – Montes Claros MG Correspondência: Marcelo José da Silva, Rua Costa Sena, 1021/01 Padre Eustáquio 30720-350 Belo Horizonte MG, Tel: (31)3462-1804/9121- 4656, E-mail: marcelo7779@ yahoo.com.br 32 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Introdução A síndrome de apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS) é caracterizada por episódios recor- rentes de obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores durante o sono [1]. O fluxo aéreo é diminuído na hipopnéia ou completamente interrom- pido na apnéia, a despeito do esforço inspiratório. A falta de ventilação alveolar adequada geralmente resulta em dessaturação da oxihemoglobina e, em alguns casos aumento progressivo da pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial. Esses eventos respiratórios são normalmente interrompidos por microdespertares [1]. Segundo a Academia Americana de Medicina do Sono, para o diagnóstico de SAHOS são necessários os seguintes critérios: sonolência diurna excessiva não explicada por outros fatores ou no mínimo dois dos seguintes sintomas, também não explicados por outros fatores – engasgos durante o sono, despertares recor- rentes, sono não reparador, fadiga diurna ou dificuldade de concentração, monitorização polissonográfica duran-te a noite mostrando cinco ou mais eventos respiratórios obstrutivos por hora de sono [1]. Estes eventos podem ser indistintamente apnéias, hipopnéias ou esforço respiratório relacionado ao despertar [1,2]. Queixas associadas à dificuldade em dormir são freqüentes entre os idosos [3]. Nos EUA em um grande estudo envolvendo mais de 9000 idosos observou-se que as cinco principais queixas entre este grupo etário eram: problemas com quedas, despertares freqüentes, despertar muito cedo, necessidade de dormir durante o dia e sensação de cansaço após despertar [3]. Foley et al. neste mesmo estudo [3], observaram que somente 20% não possuíam ou raramente relataram queixas associadas ao sono, pelos menos a metade dos participantes relataram uma queixa, entre 23% a 34% possuíam sintomas de insônia, e 7% a 15% afirmaram cansaço após despertar. Kaplan et al. [4] em um estudo prospectivo com idosos realizado nos EUA, notou-se que a prevalência de insônia foi 23,4% e hipersonia foi 6,8%. Young et al. estimaram que nos Estados Unidos, 4% dos homens e 2% das mulheres adultas têm apnéia do sono sintomática [5-7]. Ancoli-Israel et al. [8] encontraram alta prevalência de síndrome da apnéia obstrutiva do sono (cerca de 24%) em voluntários idosos com idade superior a 65 anos, submetidos a um rastreamento para detecção de apnéia do sono em San Diego, Califórnia. Em um estudo italiano com 1.510 homens, Cirignotta et al. [9] mostraram que a prevalência de síndrome da apnéia obstrutiva do sono foi de 2,7% e na Austrália, em um estudo em 400 adultos, Bearpack et al. [10] mostraram uma prevalência de 10% em homens e 7% em mulheres. No Brasil, Marchi et al. [11] em um estudo re- alizado com 1105 participantes moradores em São José do Rio Preto (SP) relataram que a prevalência de insônia foi 32%. Giglio et al. [12] observaram que cerca de 50% de indivíduos da cidade de São Paulo, possuíam insônia. Rocha et al. [13] encontrou uma prevalência de 35,4% de insônia em Bambui (MG), e Souza et al. [14] encontraram uma prevalência de insônia de 19,1% na cidade de Campo Grande (MS). Martinez et al. [15], utilizando um questionário previamente aplicado a trabalhadores industriais de Israel, avaliaram 1.027 trabalhadores industriais do Rio Grande do Sul, encontrando uma prevalência média estimada de 0,9% de apnéia do sono, sendo 1,2% nos homens e 0,4% nas mulheres. Estudos demonstram uma progressiva redução no tempo total de sono com o envelhecimento em populações urbanas, embora outros estudos não corroborem estes fatos [16-20]. Além dessas altera- ções fisiológicas uma variedade de processos pode interferir no sono e vigília na 3º idade: doenças crô- nicas, efeito de medicações, distúrbios psiquiátricos, mudanças sociais, transtornos primários de sono, hábitos inadequados para dormir, mudanças no ritmo cicardiano [21,22]. Muitos problemas relacionados ao sono podem estar associados a tratamento ina- dequado iniciados pelo paciente, membros da família e por outros cuidadores [22]. As conseqüências dos problemas crônicos do sono podem ser consideráveis. A perda de sono e o uso de sedativos podem leva a quedas e acidentes [23,24]. Nota-se ainda que os distúrbios respirató- rios associados ao sono podem desencadear sérios problemas nos sistemas cardiovasculares, pulmonar e nervoso central [24]. Evidências demonstram forte associação entre a apnéia do sono e hipertensão arterial sistêmica [5, 25-27]. Naqueles pacientes com demência e graves distúrbios de sono freqüentemente levam a necessidade de cuidadores especiais em casa [22]. Por estas e outras razões, os problemas relacionados ao sono deveriam ser adequadamente avaliados e tratados. Apesar de alguns estudos relatarem que as difi- culdades do sono aumentam sensivelmente durante a terceira idade, nota-se que este período é relativamente negligenciado com relação à epidemiologia do sono; ademais, os dados sobre a qualidade do sono em ido- sos, especialmente no Brasil, ainda são escassos. Por isso, o presente estudo objetivou caracterizar os pacientes com transtornos do sono atendidos pelo Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 33 Neurocentro e avaliar os perfis polissonográficos e os fatores determinantes da qualidade do sono destes idosos de Montes Claros (MG). Materiais e métodos Trata-se de um estudo caso controle, realizado no Neurocentro, envolvendo 32 pacientes que foram encaminhados para a realização de polissonografia, durante o período de 2002 a 2006. Os critérios de inclusão foram: paciente com quei- xas relacionadas ao sono, idade igual ou superior a 60 anos; realização de polissonografia. Os critérios de ex- clusão foram: idade inferior a 60 anos, não realização de polissonografia. Consideramos os pacientes com índice de eventos respiratórios superior (IER) a 5/hora como portadores de síndrome de apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS). Os portadores de SAHOS foram classi- ficados em 3 grupos: portadores da forma leve com IER de 5-15/hora, forma moderada com IER de 16-30/hora e forma grave com IER superior a 30/hora. O universo de pacientes foi dividido em dois gru- pos, a saber: 23 pacientes portadores da (SAHOS) e 9 pacientes portadores de outras patologias do sono diferentes da SAHOS considerados grupo controle. No grupo controle encontrou se presente paciente com bruximo, fragmentação do sono, ronco, curta latência do sono REM, insônia crônica, entre outras patolo- gias. O objetivo deste estudo foi verificar como cada variável encontrada na polissonografia está associada à SAHOS, por meio de aplicação do teste do Qui-Qua- drado, como também fazer uma caracterização destes pacientes portadores da SAHOS. Somente as variáveis que possuíam valores de pacientes diferente de zero puderam ser utilizadas no teste Qui-Quadrado. Os pa- râmetros de cada variável utilizada para dicotomizar o universo de pacientes se encontram no Quadro I. Quadro I - Parâmetros de normalidade na Polis- sonografia. Adaptado do 1° Consenso Brasileiro de Insônia de 2000 [21]. Eficiência do sono maior que 85% Latência do sono menor que 30 minutos Latência REM : de 70-120 minutos Porcentagem dos diversos estágios do sono: Estágio 1 :até 5% Estágio 2 : de 50-55% Estágio 3 e 4: maior que 15% Sono REM: 20-25% Microdespertares: até 10/hora Movimentos periódicos de membros: até 5/hora Índice de apnéia e hipopnéia: até 5/hora Os dados de cada paciente foram obtidos a partir dos resultados de polissonografias presentes no sistema virtual presentes no Neurocentro. Cada polissonografia consistiu em: quatro derivações no EEG (F1-A2 E F2-A1); eletrooculograma, este ope- rando como as seguintes características (ROC-A1- e LOC-A2); eletromiografia dos músculos submental e tibial anterior, ECG na derivação DII; a respiração foi monitorizada a partir de termosensor nasal e os movimentos torácicos e abdominais monitori- zados com pletismografia indutiva; a saturação de oxigênio arterial foi obtida por meio de oxímetro de pulso. Os parâmetros investigados em cada paciente foram: • Parâmetros do sono: tempo no leito; tempo total de sono; eficiência do sono; tempo acordado du- rante o sono; número de despertares e número de microdespertares. • Estágios do sono: tempo acordado; estágio I; estágio II; estágio III; estágio IV e estágio REM. • Latências: latência do sono; latência do sono REM; latência sono II e IV. • Alterações respiratórias: tipos de apnéia, e tempos parciais de apnéia de hipopnéia. • Oximetria: SaO 2 basal, média de SaO 2 , menor SaO 2 , número de dessaturações. • Ronco: intensidade e prevalência. • Movimento de membros: número de eventos e índice. • Microdespertares: total de apnéias; total micro- despertares, total mioclonias e número total de eventos. • Despertares: número total de eventos e índice de despertares. O polígrafo utilizado pertence à marca Neurotec. O estudo foi realizado com o consentimento livre e esclarecido detodos pacientes que participaram desta pesquisa. Nenhum dano físico, moral ou de qualquer outra natureza foi lhes acarretado. Os dados foram processados por meio do pro- grama SSPS. Para análise das associações entre as variáveis foram utilizados o teste do qui-quadrado e o teste de Fisher. Nestes casos, para avaliar a asso- ciação entre os dados do paciente e seu transtorno de sono, foram calculados as Odd´s ration (OR) com intervalo de confiança de 95%, através da regressão logística. O nível de significância utilizado foi 0,05%. Quando o teste qui-quadrado e teste de Fisher não se mostraram adequados para avaliar a associação entre os dados dos pacientes foi utilizado o teste T. O teste T foi obtido com a realização do teste F. 34 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Resultados O número de participantes foi 32, sendo 14 mulheres (43,75%) e 18 homens (56,25%). A idade média dos pacientes foi 67,73 anos (60-87), entre os homens a média foi 66,11 anos (60-87) e entre as mulheres 69,35 anos (60-82). Notou-se que no grupo dos pacientes portadores de SAHOS, 30,4% (n = 7) possuíam a forma leve, 43,47% (n = 10) possuíam a forma moderada e 26,08% (n = 6) possuíam a forma grave da doença. Apenas seis variáveis estudadas apresentaram significância estatística: latência do sono REM (Rapid Eye Movement) (P < 0,05%), duração do estágio 2 do sono (P = 0,016%), intensidade do ronco durante o sono (P < 0,05), número de dessaturações superiores a 4% e 10% na oximetria (P < 0,05) e menor dessatu- ração na oximetria durante o sono (P < 0,05). Os pacientes portadores de latência de sono REM com tempo inferior a 70 min ou superior a 120 min apresentaram uma probabilidade 15 vezes maior de apresentarem SAHOS. Curiosamente, os pacientes Tabela I - Variáveis latências do sono, estágios do sono e seus respectivos valores estatísticos. **Variáveis cujos valores no grupo controle ou/e no grupo caso foram iguais a zero. Nestes casos foi utilizado o teste de Fisher. Variável estudada OR χ² IC P Latências Latência do sono REM 15,75 9,90 (2,85-87,01) P < 0,05% Latência do sono 2,22 0,47 (0,23-22,20) P > 0,05% Avaliação eficiência do sono 0,59 0,19 (0,05-06,17) P > 0,05% Estágios do sono Sono REM** ---- ---- ---- P = 0,71% Estágio 1 do sono 3,00 1,082 (0,38-23,66) P > 0,05% Estágio 2 do sono** ---- ---- ---- P = 0,016% Estágio 3 do sono** ---- ---- ---- P = 0,28% Estágio 4 do sono 2,75 0,50 (0,17-44,41) P > 0,05 Avaliação de microdespertares 0,83 0,02 (0,07- 9,72) P > 0,05 Tabela II - Variáveis ronco, oximetria, despertares e movimentos periódicos das pernas e seus respectivos valores estatísticos. *Para o cálculo do teste T foi utilizado o teste F para verificar se a população era homo- cedástica ou heterocedástica. **A significância estatística foi considerada quando o valor T obtido era superior aquele encontrado na tabela A6, rejeitando, ao nível de significância de 5%, a hipótese de que a média entre os grupos caso e controle é igual. Variável estudada Média grupo Média grupo Valor t* Significância Controle Caso Estatística** Ronco Prevalência durante o sono 46,33 65,07 0,67 - Intensidade em DB 4,38 6,55 6,41 + Oximetria Número de dessaturações maiores de 10% 0,66 21,39 5,78 + Número de dessaturações maiores de 4% 75,52 111,47 5,00 + Menor SaO2 90,55 78,60 3,18 + SaO2 basal 96,55 94,60 0,94 - Média SaO2 durante sono 94,22 90,60 1,83 - Número de evento Despertares Índice de despertares 2,23 3,17 0,72 - Número de eventos 14,33 20,65 1,37 - Movimento periódico das pernas Numero total de eventos 194,37 296,95 0,22 - Índice de PLMS 29,71 44,19 1,39 - Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 35 que apresentaram uma duração do estágio 2 do sono diferentes de 50-55% do tempo total de sono apresentaram uma probabilidade maior de serem portadores de SAHOS. Nota-se que a intensidade do ronco no grupo caso apresentou 2DB a mais que o grupo controle, o que equivale em termos gerais a uma intensidade 100 superior ao grupo controle. Observou-se também que os pacientes portadores de SAHOS apresentaram em suas oximetrias 32 vezes mais dessaturações superiores a 10% e 1,5 vezes mais dessaturações superiores a 4%. A baixa eficiência do sono, ou seja, período do sono inferior a 85% do tempo total no leito se mani- festou como um fator protetor para SAHOS, apesar de não apresentar significância estatística. Da mesma forma, o número de despertares superior a 5 eventos /hora se mostrou com fator protetor para SAHOS apesar de não apresentar significância estatística. As variáveis estudadas e seus respectivos valores estatísticos são relatadas nas Tabelas I e II. Discussão O sono tem sido conceituado como um estado fisiológico complexo, que requer uma integração cere- bral completa, durante a qual ocorrem alterações dos processos fisiológicos e comportamentais, aumento do limiar de respostas aos estímulos externos. O sono pode ser classificado em fases que podem ser discernidas segundo o aspecto dos traçados eletro- encefalográficos [28]. Dois fatores controlam a neces- sidade fisiológica de sono: a arquitetura intrínseca e o ritmo circadiano de sono e vigília [28]. Nota-se que a arquitetura intrínseca do sono so- fre as seguintes modificações com o envelhecimento: diminuição da duração dos estágios 3 e 4, diminuição do limiar do despertar devido a ruído, aumento do período de latência para o início do sono (> 30 min em cerca de 32% das mulheres e 15% dos homens), redução tanto da duração total do sono REM, quan- to do período de latência REM, maior número de transições de um estágio para outro e para a vigília, aumento dos problemas respiratórios durante o sono e aumento da atividade mioclônica noturna [28]. Bixler, Vgontzas et al. [29,30] em um estudo de prevalência de SAHOS, realizado com pacientes com idade compreendida entre 20 e 100 anos, notaram que no grupo das mulheres a maior prevalência foi acima dos 65 anos, enquanto que nos homens foi no grupo etário dos 45 aos 64 anos. Estratificando-se a amostra por décadas, estes autores observaram que a presença de um pico entre 60 e 69 anos nas mulheres e entre 50 e 59 anos nos homens. Apesar de nosso estudo não apresentar as mesmas características do estudo de Bixler, Vgontzas et al. observamos que a idade média dos pacientes foi 67,73 anos (60-87), entre os homens a média foi 66,11 anos (60-87) e entre as mulheres 69,35 anos (60-82), sendo este último semelhante aos valores obtidos por estes autores. Bixler, Vgontzas et al. [29,30] relataram que prevalência da apnéia do sono é maior em homens do que em mulheres. Usando-se critérios clínicos e polissonográficos, a relação encontrada foi de 1,2% de mulheres para 3,9% de homens [29]. A maioria das estimativas demonstra que a relação homem/ mulher varia entre 2:1 e 4:1, observamos que em nosso estudo as mulheres ocuparam 34,78% (n = 8) e os homens 65,22% (n = 15) no grupo de pacientes portadores de SAHOS, corroborando com o estudo de Bixler, Vgontzas et al. Neste estudo, ainda notamos que no grupo dos pacientes portadores de SAHOS, 30,4% (n = 7) possuíam a forma leve, 43,47% (n = 10) possuíam a forma moderada e 26,08% (n = 6) possuíam a forma grave da doença. Segundo Powell, Riley et al. [31] o ronco é definido como som de freqüência entre 400-2000 Hz e uma intensidade superior a 60 dB. Este som é produzido pela vibração dos tecidos flexíveis da avia aérea su- perior estreita que segundo a intensidade, em alguns casos pode ser considerado um sinal de obstrução da via aérea superior [31]. Lugaresi et al. [32,33] distin- guem o ronco em contínuo e ronco cíclico. O primeiro corresponde a um ruído inspiratório de amplitude igual em cada ciclo e se trata de um fenômeno freqüente acarretando poucos problemas aos acompanhantes e nenhum perigo para o paciente. O ronco cíclico é um ruído intermitente, de intensidade variável, superior a 85 dB com intervalos que correspondemàs apnéias. Estes autores classificam o ronco em 4 estágios evo- lutivos, a saber: estágio 0 - ronco severo que acarreta problemas aos acompanhantes, estágio 2 - o ronco ocupa grande período do sono e está associado à sonolência diurna, estágio 3 - o ronco está associado a quadro severo de SAHOS. Em nosso estudo, a média de intensidade do ronco no grupo caso apresentou 20 dB a mais que o grupo controle, o que equivale em termos gerais a uma intensidade 100 superior ao grupo controle. Apesar da intensidade do ronco estar asso- ciado estatisticamente a SAHOS, o tempo do mesmo durante o sono não esteve associado. Nota-se que a média de intensidade do ronco no grupo caso foi de 65,5 dB corroborando com o conceito supracitado de Powell, Riley et al. [31]. 36 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 O uso da oximetria na polissonografia se baseia no conceito de que o controle da respiração está relacionado às mudanças impostas pela hipercap- nia/hipoxemia [34-36]. Quimiorreceptores periféricos, como aqueles presentes no bulbo da carótida interna, primeiramente responde a tensão de oxigênio, sendo os quimiorreceptores do tronco encefálico mais sen- síveis ao dióxido de carbono e equilíbrio ácido-básico. Mesmo em pessoas saudáveis, os quimiorreceptores estão menos responsivos durante o sono quando comparados ao estado de vigília, acarretando mo- destas alterações na tensão dos gases sanguíneos durante o sono (aumento parcial de CO 2 em 2-6 mmHg e redução na saturação acima de 2%). Kingshott, Engelman et al. [37] demonstraram que os estudos usando oximetria isoladamente para diagnóstico de SAHOS têm mostrado conclusões divergentes. Em alguns estudos, a oximetria se revelou útil enquanto em outros não. Estes autores acrescentaram ainda que estas discrepâncias pudessem ser explicadas por diferenças nos oxímetro utilizados, nos algoritmos e nos critérios diagnósticos utilizados. Mitler, Gujavarty et al. [38] em seu estudo sugerem que a oximetria poderia ser mais útil em pacientes selecionados, com taxa de IAH (Índice Apnéia Hipopnéia – definido como o número de episódios de apnéia e hipopnéia dividido pelas horas de sono) entre 24 e 47. Nosso estudo demonstrou que os índices de dessaturações superiores a 4 e 10% respectivamente, se mostraram estatisticamente associados a SAHOS, apesar da sa- turação basal e a média de saturação de O 2 durante o sono não o apresentar. Umlauf, Chasens et al. [39] em um estudo rea- lizado com 30 idosos, de ambos sexos, verificaram a associação da noctúria e poliúria na SAHOS com taxa de IAH superiores a 15. Estes autores encontra- ram uma eficiência do sono de 68,5% associada à SAHOS. Este presente estudo revela que a eficiência do sono abaixo da normalidade não esteve associada estatisticamente á SAHOS. Farney, Walker et al. [40] em um estudo não con- trolado realizado em 51 pacientes hospitalizados com SAHOS encontraram uma média de tempo do estágio 1 de 10,3% (valor de referência até 5%), estágio 2 de 21,1% (valor referência entre 50% e 55%), média dos estágios 3+4 foi de 8,5% (ambos valores de refe- rência maiores que 15%), e sono REM foi 9,1% (valor referência entre 20% e 25%). Em nosso trabalho, o único estágio do sono alterado que apresentou valor p estatisticamente significativo foi o estágio 2, valor este semelhante com o valor obtido por estes autores nesta variável. Farney, Walker et al. [40] observaram que a média da latência do sono de 46,9 min (valor refe- rência menor que 30 min) e média da latência do sono REM de 95,9 min (valor referência entre 70 min e 120 min). Em nosso trabalho, observou-se que a latência do sono REM alterada apresentou valor p estatisticamente significativos, mas a latência do sono não o apresentou, portanto discordando dos valores obtidos pelos autores. Deve-se ressaltar que no estudo de Farney, Walker et al. por ser realizado com pacientes hospitalizados, casuística incluindo ausência de grupo controle, os valores obtidos podem apresentar discordância com este presente estudo, que foi realizado com pacientes ambulatoriais e pre- sença de grupo controle. Conclusão Entre as 20 variáveis estudadas observou-se que apenas seis apresentaram-se valores estatis- ticamente significativos no grupo de portadores de SAHOS: latência do sono REM (P < 0,05%), duração do estágio 2 do sono (P = 0,016%), intensidade do ronco durante o sono (P < 0,05), número de dessatu- rações superiores a 4% e 10% na oximetria (P < 0,05) e menor dessaturação na oximetria durante o sono (P < 0,05). Estes dados provavelmente refletem que a intensidade do ronco e a dessaturação de O 2 durante o sono estão diretamente associados à presença da SAHOS. Este estudo propõe a realização de novos es- tudos com uma maior amostra de idosos para melhor definição de qual variável apresenta realmente mais associada à SAHOS e como esta está associada à intensificação do ronco nestes pacientes. Referências 1. Sleep-related breathing disorders in adults: recommendations for syndrome definition and measurement techniques in clinical research. The Report of an American Academy of Sleep Medicine Task Force. Sleep 1999;22(5):667-89. 2. Martins AB, Tufik S, Moura SMGPT. Síndrome da apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono: fisiopatologia. J Bras Pneumol 2007;33(1):93-100. 3. Foley DJ, Monjan AA, Brown SL, Simonsick EM, Wallace RB, Blazer DG. Sleep complaints among elderly persons: an epidemiological study of three communities. Sleep 1995;18(6):425-32. 4. Roberts RE, Shema SJ, A. Kaplan GA. Prospective data on sleep complaints and associated risk factors in an older cohort. Psychosomatic Medicine 1999;61:188-96. 5. Drager LF, Ladeira RT, Brandão-Neto RA, Lorenzi- Filho G, Benseñor IM. síndrome da apnéia obstrutiva do sono e sua relação com a hipertensão arterial Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 37 sistêmica. Evidências atuais. Arq Bras Cardiol 2002;78:531-6. 6. Young T, Palta M, Dempesey J, Skatrud J, Weber S, Badr S. The occurrence of sleep disordered breathing among middle-aged adults. N Eng J Med 1993;328: 1230-5. 7. Young T, Peppard P, Palta M et al. Population-based study of sleep disordered breathing as a risk factor for hypertension. Arch Intern Med 1997;157:1746-52. 8. Ancoli-Israel S, Kripke DF, Klauber MR, Mason WJ, Fell R, Kaplan O. Sleep- disordered breathing in community-dwelling elderly. Sleep 1991;14:486-95. 9. Cirignotta F, d’ Alessandro R, Partinen M et al. Prevalence of every night snoring and obstructive sleeps apneas among 30-69 men in Bologna, Italy. Acta Neurol Scand 1989;79: 366-72. 10. Bearpack H, Elliot L, Cullen S et al. Home monitoring demonstrates high prevalence of sleep disordered breathing in men in the Busselton population. Sleep Res 1991;20A:411. 11. Marchi NSA, Reimão R. Tognola WA, Cordeiro JA. Análise da prevalência da insônia na população adulta de São José do Rio Preto, Brasil. Arq Neuro- Psiquiatr 2004;62(3b). 12. Giglio SBO. Estudo da ocorrência das queixas de insônia, sonolência excessiva diurna e das relativas as parassonias na população adulta da cidade de São Paulo. [Tese]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina; 1988. 13. Rocha FL, Guerra HL, Lima-Costa MFF. Estudo em comunidade da prevalência de insônia e fatores associados resultados do Projeto Bambuí. In Reimão R (ed). Avanços em medicina do sono. São Paulo: Zappelini; 2001:113-126. 14. Souza IC, Magna LA, Reimão R.Insomnia and hypnotic use in Campo Grande general population, Brazil. Arq Neuropsiquiatr 2002;60:702-7. 15. Martinez D, Foppa M, Silva GC, Canals AA, Caramori C, Caleffi L Sintomas respiratórios associados a distúrbios do sono em trabalhadores industriais do Rio Grande do Sul. J Pneumol 1994;20:127-32. 16. Reimão R, Souza JC, Gaudioso CEV, Guerra HD, Alves AD, Oliveira JC, Gnobie NC, Silverio DC. Siestas among Brazilian native Terena adults: a study of daytime napping. Arq Neuropsiquiatr2000;58:233-8. 17. Bliwise DL. Sleep in normal and dementia.Sleep 1993;16:40-51. 18. Hoch CC, Dew MA, Reynolds CF 3rd et al. A longitudinal study of laboratory and diary-based sleep measures in healthy “old old” and “young old” volunteers. Sleep 1994;17:489-96. 19. Hoch CC, Dew MA, Reynolds CF 3rd, Buysse DJ, Nowell PD, Monk TH et al. Longitudinal changes in diary- and laboratory-based sleep measures in healthy “old old” and “young old” subjects: a three-year follow-up. Sleep 1997;20(3):192-202. 20. Park YM, Matsumoto K, Seo YJ, Shinkoda H, Park KP. Sleep in relation to age, sex and chronotype in Japanese workers. Percept Mot Skills 1998; 87:199-215. 21. Tufik S. Sampaio PL. Weckx LLM. Primeiro consenso em ronco e apnéia do sono. São Paulo; 2000. 22. Neubauer DN, Smith PL, Earley CJ. Sleep disorders. In: Barker LR, Burton JR, Zieve PD, eds. Principles of ambulatory medicine. 5th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1999. p.1314-28. 23. Hemmelgarn B, Suissa S, Huang A, Boivin JF, Pinard G. Benzodiazepine use and the risk of motor vehicle crash in the elderly. JAMA 1997;278:27-31. 24. Tinetti M, Speechley M, Ginter S. Risk factors for falls among elderly persons living in the community. N Engl J Med 1988;319:1701-7. 25. Oparil S, Calhoun DA. Managing the patient with hard-to-control hypertension. Am Fam Physician 1998;57:1007-14. 26. Fletcher EC. The relationship between systemic hypertension and obstructive sleep apnea: facts and theory. Am J Med 1995;98:118-28. 27. Hla KM, Young TB, Bidwell T, Palta M, Skatrud JB. Dempsey J. Sleep apnea and hypertension: a population- based study. Ann Intern Med 1994;120:382-8. 28. Geib LTC, Cataldo Neto A, Wainberg R, Nunes ML. Sono e envelhecimento. R Psiquiatr RS 2003;25(3):453-65. 29. Bixler EO, Vgontzas AN, Lin H, Have TT, Rein J, Vela-Bueno A et al. Prevalence of sleep-disordered breathing in women - effects of gender. Am J Respir Crit Care Med 2001;163(3 Pt 1):608-13. 30. Bixler EO, Vgontzas AN, Ten Have TT, Tyson K, Kales A. Effects of age on sleep apnea in men. I. Prevalence and severity. Am J Respir Crit Care Med 1998;157(1):144-8. 31. Powell NB, Riley RW. A surgical protocol for sleep disordered breathing. Oral Maxillo fac Sur Clin North Am 1995;7:345-56. 32. Lugaresi E. Cirignotta F, Montagna P. Snoring: Pathogenic, clinical and therapeutic aspects. En Kryger MH, Roth T, Dement W-C, eds. Principles and practice of sleep medicine. Philadelphia: Saunders; 1989. p.494-500. 33. Lugaresi E, Mondini S, Zucconi M, Montagna P, Cirignotta F. Staging of heavy snorers disease. A proposal. Bull Europ Physiopath Resp 1983;19:590-4. 34. Lugliani R, Whipp BJ, Seard C, Wasserman K. Effect of bilateral carotidbody resection on ventilatory control at rest and during exercise in man. N Engl J Med. 1971;285:1105-11. 35. Gelfand R, Lambertsen CJ. Dynamic respiratory response to abrupt change of inspired CO2 at normal and high PO2. J Appl Physiol 1973;35:903-13. 36. Douglas NJ, White DP, Pickett CK, Weil JV, Zwillich CW. Respiration during sleep in normal man. Thorax 1982;37:840-4. 37. Engleman HM, Kingshott RN, Martin SE, Douglas NJ. Cognitive function in the sleep apnea/hypopnea syndrome (SAHS). Sleep 2000;23 (Suppl 4):S102-8. 38. Mitler MM, Gujavarty KS, Browman CP. Maintenance of wakefulness test: a polysomnographic technique for evaluation treatment efficacy in patients with excessive somnolence. Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1982;53(6):658-61. 39. Umlauf MG,Chasens ER, Greevy RA, Arnold J, Burgio KL, Pillion DJ. Obstructive sleep apnea, nocturia and polyuria in older adults. Sleep 2004;27(1). 40. Farney RJ, Walker JM, Cloward TV, Shilling KC, Boyle KM, Simon RG. Polymnography in hospitalized patients using a wireless wide area network. JCSM 2006;2(1). 38 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Artigo original Influência do feedback visual na força de preensão palmar Influence of visual feedback in the force of grip strength Nilton Damasceno Corrêa*, Demóstenes Moreira, D.Sc.**, Ana Caroline Soares de Fonseca***, Monica de Barros Ribeiro Cilento, M.Sc.**** Resumo A proposta do presente estudo foi de examinar a influência da informação visual no controle da produção de força durante três contrações voluntárias máximas (CVM) de preensão palmar men- surada através do dinamômetro de mão. Foi solicitada às participantes deste estudo, mulheres adultas jovens, uma contração isométrica máxima durante 5 segundos, com a apresentação do feedback visual (FV) – a tela do computador. O objetivo deste estudo foi o de comparar se a preensão palmar possui uma melhor performance quando mensurada de forma simultânea com o retorno visual da força aplicada e examinar esta influência no controle contínuo da força isométrica em mulheres. Quarenta e sete voluntárias (média de idade, 19,71 ± 1,44 anos; 18-25 anos) sem qualquer lesão no membro superior foram avaliadas. A força de preensão palmar da mão direita de cada participante foi aleatoriamente testada em 2 ocasiões diferen- tes: com FV em 3 tentativas de 5 segundos com um minuto de descanso entre elas e sem FV com a mesma metodologia. Os resultados mostram a existência de diferença significativa na performance da força de preensão palmar durante o uso da informação visual (p = 0,001). As conclusões desse estudo sugerem que a participação do FV influência o recrutamento da força de preensão da mão. Palavras-chave: feedback visual, preensão palmar, dinamômetro. Abstract The aim of this study was to assess the influence of the visual information in the control of the production of force during three maximum voluntary contractions (CVM) of grip strength measured through the hand dynamometer. It was requested to the participants of this study, young adult women, a maximum isometric contraction for 5 seconds, with the presentation of the feedback visual (FV) – the screen of the computer. The objective of this study was to evaluate if the grip strength presents a better performance when measured in simultaneous way with the visual return of the applied force and to examine this influence in the continuous control of the isometric force in women. Forty seven volunteers (average of age, 19,71 ± 1,44 years; 18-25 years) without any lesion in the superior member were appraised. The force of grip strength was randomly tested in 2 different occasions: with FV in 3 attempts of 5 seconds with a minute of rest among them and without FV with the same methodology. The results show the existence of significant differ- ence in the performance of the force of grip strength during the use of the visual information (p = 0.001). The conclusions of that study suggest that the participation of the FV influences the recruitment of the force of the hand. Key-words: visual feedback, grip strength, dynamometer. *Fisioterapeuta, Fisioterapeuta do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, Especial- ista em Ortopedia e Traumato- logia pela UnB - Universidade de Brasília, **Fisioterapeuta, Prof. Dr. Orientador do pro- grama de Ciências da Saúde da UnB, ***Fisioterapeuta, Especialista em Ortopedia e Traumatologia pela UnB, ****Fisioterapeuta, Prof. da Faculdade de Fisioterapia da UCP – Universidade Católica de Petrópolis Correspondência: Nilton Damasceno Corrêa, Rua 03 sul Lote 10/505, Av. Ar- aucárias, Ed. Águas Claras 1, 71936-750 Águas Claras DF, Tel: (61)3581-3529/3901- 2954/9607-7229, E-mail: ndamassa@yahoo.com.br ou ndcorrea@hotmail.com Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 39 Introdução O membro superior constitui um sistema poliarti- culado que tem por limites o tórax e a extremidade das falanges das mãos. As articulações intersegmentárias intermediárias permitem que a mão entre em contato com os objetos ou instrumentos a fim de manipulá-los ou utilizá-los. Não se deve ignorar a influência exercida pela visão sobre o comportamento do membrosupe- rior nos movimentos de aproximação e/ou preensão [1-3]. Abernethy et al. [4] explicam que a principal informação sensorial para guiar a seleção e controle de movimento vem da visão e da propriocepção. Regularmente usamos a visão para guiar nossas ações motoras. O sistema nervoso central converte informação visual, inicialmente recebida pelos recep- tores sensoriais da retina, em padrões de ativação muscular para acurar o movimento de nossos mem- bros [5]. Ao analisar as funções motoras do sistema ner- voso, considera-se que os centros motores somente podem funcionar apropriadamente se uma corrente ininterrupta de informação aferente sobre o estado do ambiente for recebida de todas as partes do corpo. Receptores visuais fornecem informação sensitiva a respeito do corpo e do ambiente. O FV decorre de receptores sensitivos eletromagnéticos os quais de- tectam a luz que incide sobre a retina do globo ocular [6]. O processo de integração da informação visual da retina por todo o nervo óptico ao núcleo geniculado lateral e para diferentes regiões do córtex visual já é bem fundamentado [7,8]. As fibras provenientes da retina terminam em áreas visuais cerebrais. Este estímulo excita a terminação que origina um potencial local chamado potencial receptor que, por sua vez, excita os potenciais de ação na fibra nervosa. Assim, o sinal se propaga por um número maior de fibras com o estímulo sensorial [6]. O resultado da interação entre os processos combinados aferentes e eferentes produz movimento coordenado [6]. A transferência de informações visuais em ação pode ser definida como um processo visuomotor [9]. Este processo inclui ativação do cortex pré-frontal, giro pré-motor, córtex somatosensorial, cortex insular, lóbulo parietal inferior, cerebelo intermediário e late- ral. No hemisfério esquerdo há ativação adicional do putâmem e tálamo. No hemisfério direito há ativação adicional do lóbulo parietal superior, pré-cúneus e o núcleo denteado. Um circuito controla o processo vi- suomotor e está localizado no cortex parietal superior e mantém conexão com o córtex pré-motor [10,11]. Outras pesquisas em primatas e seres humanos demonstram que o córtex parietal e suas projeções no córtex pré-motor dorsal e ventral estão envolvidos no processo visuomotor [12-17]. A realização de atividades motoras especia- lizadas é o resultado de um conjunto altamente integrado de comandos motores para ativar ou inibir músculos apropriados na seqüência correta [18]. Canais sensoriais freqüentemente provêem informa- ções redundantes como é o caso do FV que codifica a posição do membro superior [18]. Segundo Slifkin et al. [19] existe uma resposta corretiva motora para cada entrada sensorial e aumentos na entrada sensorial podem acarretar aumentos na freqüência da produção de força. Segundo Blanc e Viel [1], a análise das relações entre a visão e a sensibilidade cinestésica ao longo da maturação do sistema nervoso representa um importante capítulo do estudo isométrico da preensão palmar. É provável que a relação entre somatognosia, sintonização dos sistemas perceptivos, motores visu- ais e manuais seja a condição prévia para toda exe- cução gestual, uma vez estabelecida a idéia motora correspondente à finalidade da ação [1,4,18,19]. É importante anotar que Lee e Quessy [20] sugerem que a atividade neural na rede cortical envolvida no controle das seqüências de movimentos pode ser modificada continuadamente pela experiência. As seqüências de movimentos novos ou familiares são controladas por populações separadas de neurônios ou até por áreas corticais distintas [21-23]. Moreira et al. [24] relatam que a força de pre- ensão palmar não é simplesmente uma medida da força da mão ou mesmo limitada à avaliação do membro superior. Ela tem muitas aplicações clíni- cas diferentes, sendo utilizada, por exemplo, como indicador da força total do corpo e neste sentido é empregada em testes de aptidão física. A mensuração da preensão palmar é um teste simples que dá infor- mação prática de desordens musculares, nervosas e articulares [25]. O teste de funcionalidade da mão é um importante componente da avaliação clínica para documentar o progresso durante a reabilitação, avaliar a inaptidão depois de um trauma [26] e para pacientes neurológicos [27]. A hipótese nula sustenta 1) que a diminuição da força no mecanismo de preensão palmar independe da quantidade de estímulos visuais concedidos e 2) não há associação entre o FV e a preensão palmar. O objetivo deste estudo foi o de comparar o desempenho da preensão palmar da voluntária men- surada simultaneamente em duas situações: com e sem o retorno visual da força aplicada e examinar esta 40 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 influência no controle contínuo da força isométrica em mulheres. Materiais e métodos A aprovação deste estudo foi obtida junto ao comitê de ética da Universidade Católica de Brasília - UCB. As voluntárias foram recrutadas entre as acadê- micas da própria instituição através de convite formal após escolha aleatória ao banco de dados das univer- sitárias da UCB. As mesmas aceitaram participar da pesquisa após assinar um termo de consentimento livre e esclarecido, conforme resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, acerca de pesquisas envolvendo seres humanos. Trata-se de um estudo de caráter transversal comparativo, realizado em dois momentos com a mes- ma amostra. Quarenta e sete voluntárias saudáveis participaram do estudo depois de receberem informa- ções sobre as implicações clínicas e propósitos da investigação. Todas eram sedentárias. Todas as voluntárias incluídas no estudo apre- sentavam um bom estado de saúde, além de estarem livres de qualquer lesão ou restrição de movimento no membro superior, não apresentavam história de doenças inflamatórias das articulações, desordens neurológicas ou doenças da extremidade superior. Todas apresentavam visão normal ou corrigida para o normal. Nenhuma fazia uso de medicamentos de influência da função neuromuscular. A preensão palmar foi mensurada utilizando o mesmo dinamômetro digital em todas as aferições (Biopac com interface MP30 - Biopac Systems USA-, sistema computacional Biopac versão 3.6.5., mode- lo SS25L em conexão ao canal 1) conectado a um computador com FV no próprio monitor (Figura 3). O dinamômetro MP-30 com sensores de força por todo comprimento da superfície gravou os dados diretamen- te no banco de dados do software. Antes do começo do estudo, a calibração do instrumento foi devidamente realizada segundo as recomendações do fabricante. Os resultados foram gravados em Kilograma força [kgf]. A resolução do monitor foi de 800x600 pixels e a freqüência de atualização da tela de 60 Hz. A Figura 3 mostra um esquema do ambiente utilizado no experimento. As mesmas observavam imagens gráficas geradas no monitor do computador utilizadas para fornecer o FV. No grupo sem FV o mo- nitor foi desligado. A tarefa foi a de realizar uma CVM isométrica da preensão palmar a cada tentativa. Como previamente relatado, as voluntárias foram encorajadas a realizar a melhor performance quando testadas e foram aconselhadas a não praticarem ati- vidades físicas estrênuas nas 24 horas precedentes ao teste. Antes do início dos testes foi realizada uma medida prévia para familiarização e adaptação do es- quema do teste pelo examinador às participantes. Protocolo experimental Durante a coleta dos dados, as voluntárias foram orientadas a permanecerem sentadas eretas em uma cadeira regulável de acordo com a altura. Watanabe et al. [25] não encontraram diferenças significativas, de força de preensão palmar, em voluntários que realizaram o teste sentados ou em pé. Contudo a mensuração demonstrou números mínimos quando os sujeitos permaneciam deitados em supino segun- do os autores devido aos efeitos da gravidade e pela tensão mental e física corporal reduzida. Os dadosforam obtidos com o ombro aduzido e neutramente rodado, cotovelos flexionados a 90º, antebraço em posição neutra e o punho entre 0º e 30º de extensão e 0º a 15º de desvio ulnar (Figura 3), mensurados com goniômetro, de acordo com as recomendações da Sociedade Americana de Terapeu- tas da Mão (SATM) [3,4,28-30]. A aferição da força de preensão palmar foi realiza- da na mão direita, visto ser a preferida para atividades diárias como escrever e alimentar-se, mesmo naque- les indivíduos ditos sinistros de acordo com dados da literatura [31,32]. As preferências diárias alteram com considerável plasticidade as propriedades fisiológicas e mecânicas do músculo esquelético [33]. Durante a coleta de dados, procurou-se estabele- cer parâmetros de comparação confiáveis. Para isso, o pareamento entre os grupos de estudo levou em consideração apenas o fator da voluntária ter realiza- do o experimento com ou sem o retorno visual da força aplicada no dinamômetro e visualizada no monitor do computador. Para assegurar a reprodutibilidade, a mensuração da preensão palmar foi executada em 2 sessões separadas com um intervalo de 1 semana. Foram realizadas, com todas as voluntárias, instruções verbais para o fácil aprendizado e compre- ensão da tarefa motora. A prática mental, uma forma de ensaio cognitivo ou sem mobilidade, foi realizada para ajudar ainda mais no aprendizado e na destreza motora [34]. Pesquisas neurofisiológicas sugerem que através do uso da prática mental é possível aumentar a força muscular sem requerer contração muscular significativa de fato [35,36]. Com o objetivo de evitar um ambiente competitivo no local de teste, todas as participantes do estudo Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 41 foram avaliadas com relação à preensão palmar de maneira individual, sem a presença de outras pes- soas, exceto o examinador [37]. Schreuders et al. [38] encontraram diferenças nos testes realizados com examinadores experientes e inexperientes de preensão palmar. As voluntárias foram orientadas a realizar e finalizar o movimento de preensão palmar para cada tentativa após o comando verbal do examinador. Nenhum encorajamento por parte do examinador foi oferecido durante o teste além do FV às integrantes do grupo experimental. Para cada mensuração da preensão palmar, as participantes foram aleatoria- mente ordenadas para iniciar o teste com ou sem FV. As participantes iniciavam o teste, após sorteio, em um dos grupos (por exemplo, com FV). Após uma semana foi realizado o teste, com as mesmas parti- cipantes, no grupo restante (por exemplo, sem FV). O estudo realizado, assim, poderia diminuir os efeitos das diferenças antropométricas. Cada tentativa da força de contração muscular isométrica máxima de preensão palmar durou 5 se- gundos. Foram realizadas três tentativas de medidas da força. Foi, então, registrada a força de preensão máxima de cada tentativa. A mão foi disposta na posição superior do dinamômetro. Entre uma aferi- ção e outra houve um período de 1 (um) minuto de descanso. A razão disto foi a de evitar a fadiga, visto que este fator pode interferir no desempenho motor [24,31,32,37]. Vale lembrar que existem na literatu- ra vários debates sobre o intervalo requerido entre cada teste para manter o máximo valor de preensão palmar diminuindo os efeitos da fadiga durante as mensurações [25,38]. O intervalo total de tempo do experimento foi de 3 (três) minutos e 15 (quinze) segundos. A coleta de dados foi realizada por um único examinador, no horário das 10:00 às 11:00 horas, para evitar os efeitos ambientais adversos [39], durante todo o mês de agosto de 2005 no laboratório de fisiologia da UCB. Todas as tentativas foram baseadas na força de contração voluntária máxima isométrica. Análise estatística Foi utilizado o pacote estatístico SPSS 12.0 (SPSS Inc, Chicago, IL). As características descritivas dos grupos foram apresentadas através das médias e desvio-padrão. As análises das variâncias foram realizadas através de testes t simples pareados para avaliar o efeito da preensão palmar com auxílio do FV e sem. Testes de normalidade foram aplicados nos grupos, sendo que nenhum destes apresentaram pro- blemas de distribuição em testes de significância. As áreas de rejeição pré-estabelecidas foram de 0,05. Resultados Em relação à média da força de preensão palmar máxima e mínima obtida nos grupos estudados, ob- servou-se que houve predomínio da força de maneira significativa no grupo com FV quando comparado ao grupo sem FV. Estes parâmetros podem ser observa- dos na Tabela I e Figura 1. Houve diferença significa- tiva entre os resultados obtidos da preensão palmar com FV (teste t pareado, p < 0,05; Tabela I). Conse- qüentemente, a primeira e segunda hipóteses nulas (a diminuição da força no mecanismo de preensão palmar independe da quantidade de estímulos visuais concedidos e não há associação entre o FV e a preen- são palmar) podem ser rejeitadas. Estes resultados sugerem a utilidade e confiança das mensurações da preensão palmar quando no uso do FV. Tabela I - Média da contração máxima voluntária entre os grupos estudados. Variáveis selecionadas que descrevem as médias de força, como também o índice de confiança das três contrações voluntárias máximas em duas sessões (N = 47, voluntárias saudáveis). Preensão palmar (Kgf) Grupos de estudo P COM FV SEM FV Mão Direita 13,12 ± 2,15 11,44 ± 2,82 0,001* * Valor Estatisticamente significativo (p < 0,05). Figura 1 – Contração voluntária máxima e mínima da força de preensão palmar da mão direita entre os grupos ao longo das medidas. Quando comparadas às contrações voluntárias máximas de preensão pal- mar com FV àquelas sem FV estes dados sugerem padrões irregulares nas contrações com ausência da entrada sensorial. 42 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 A média e desvio padrão da força de preensão palmar mensurados foram calculados em cada grupo para examinar a performance dos sujeitos. O tama- nho da amostra assegurou uma precisão para inferir valores com 95% de confiança, após cálculo amostral. A amostra selecionada apresentava as mesmas 47 voluntárias que realizaram a tarefa com FV e sem FV aleatoriamente. A média de idade foi de 19,71±1,44 anos (variação, 18-25a). No total 44 participantes eram destras, apenas 3 eram sinistras e nenhuma apresen- tava ambidestreza em relação a mão dominante. A Tabela I mostra valores da capacidade voluntá- ria máxima com e sem FV característicos do estudo. Os escores da força de preensão palmar foram sig- nificantemente diferentes (p < 0,05). A média das contrações voluntárias máximas (Tabela I e Figura 1) de todas as participantes com FV foi de 13,12 ± 2,15 Kgf, enquanto que a média realizada pelo grupo sem o FV foi de 11,44 ± 2,82 Kgf (p < 0,005). As médias das somas da força de preen- são palmar através das séries observadas mostraram taxas de 12% de aumento do recrutamento muscular com FV quando comparados com a ausência de FV (p < 0,005). Os resultados observados demonstram que após o aumento da entrada sensorial há em geral um refinamento da performance da força. Com relação à média de força na mão direita, obtida nos grupos ao longo das medidas de preen- são palmar, observou-se uma tendência ao aumento da força em ambos os grupos na segunda tentativa a qual pode estar relacionada ao aprendizado do teste. A preensão palmar na primeira mensuração com FV foi 13,20 ± 2,67 Kgf e foi 11,37 ± 3,23 Kgf (p < 0,005) sem FV. Houve diferença significativa na primeira medida de preensão palmar sugerindo que o FV influenciou a taxa de recrutamento muscular. Na mensuração da segunda tentativa a preensão palmar aumentou significativamente em ambos gru- pos. O grau de aumento médio entre a primeira e a segunda tentativa, com FV = 0,07 kg e sem FV = 0,33 kg, foi menos notável que a queda entre a segunda e a terceira tentativa, com FV = 0,44 kg e semFV = 0,39 kg, nos grupos (Figura 2). A força variou com grande oscilação de 5,08 a 17,13 kg quando o teste foi realizado sem FV e de 9,32 a 17,36 com FV (Figura 1). Na terceira mensuração, 12,88 ± 2,17 kg com FV e 11,26 ± 2,83 kg sem FV, os valores da preensão palmar diminuíram sem considerar a ausência ou presença do retorno visual (p < 0,003) e houve uma diferença significativa entre cada tentativa entre os grupos. A análise estatística deste trabalho indica uma magnitude de efeitos dependente do nível de prática entre a primeira e a segunda tentativas das mesmas voluntárias com e sem FV e fadiga muscular como fator de queda da força entre a segunda e a terceira tentativas. A habilidade motora adquirida durante a preensão palmar máxima pôde ser quantificada pelo aumento da performance. Discussão O presente trabalho avalia até que ponto uma informação sensorial pode alterar a dinâmica motora da contração voluntária máxima. Embora o papel do feedback visual para guiar movimentos ou realizar uma força palmar isométrica seja foco de diversos trabalhos [2,9,40], permanece pouco explorado como os sinais visuais são usados ou como eles são incor- porados com a informação não-visual. Os resultados do experimento apresentam um meio moderno para examinar a influência da informação visual no controle da produção de força contínua. Lee e Quessy [20] sugerem a possibilidade dos diferentes grupos de neurônios de regiões corticais poderem controlar uma seqüência de movimentos familiar devido uma armazenagem de informações da própria seqüência em populações específicas de neurônios. Como resultado desta hipótese os auto- res sugerem que o processo de trabalho memorial durante as tentativas reflete a correção de erros, no caso aumento do recrutamento muscular, durante o aprendizado. Esses resultados vão de encontro ao presente estudo quando se demonstra aumento significativo da CVM entre as primeiras e segundas tentativas com e sem FV. Slifkin et al. [19] relatam que aumentos na freqüência do FV têm um forte impacto no resultado da qualidade do desempenho da produção de força contínua da mão. Nosso estudo mostrou um aumento significativo de 16%, 13% e 14% na força de preensão palmar com FV em cada tentativa realizada. Sober e Sabes [41] relatam a vantagem resultan- te da confiança no FV para o plano dos movimentos vetoriais. Sainburg [42] observou que a direção do movimento para um determinado objetivo depende da localização do FV e não da atual posição do bra- ço. Saunders e Knill [18] levantam questões mais específicas, como quais sinais de controle visuais são usados e como eles são incorporados com a informação não-visual, as quais ainda permanecem virtualmente inexploradas. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 43 Um decréscimo na terceira tentativa em relação à primeira está hipoteticamente relacionado à fadiga muscular (Tabela II e Figura 2). Edwards et al. [43] sugerem que a perfomance muscular pode ser limi- tada pelos mecanismos musculares e neurais que os dirigem. Segundo Todd [44], a ativação voluntária incompleta durante um esforço máximo implica que, no momento da estimulação, uma produção voluntária do córtex motor não foi suficiente para recrutar todos os motoneurônios ou direcionando-os a uma taxa rápida para produzir força máxima. Os resultados do presente estudo indicam uma queda média da CVM de 1% e 2,4% da primeira para a terceira tentativa SF e CF e de 4% e 3% da segunda para a terceira tentativa SF e CF. Gandevia [45] observa em revisão detalhada que a inabilidade de motoneurônios em permanecer em altas taxas iniciais de ação em uma CVM sustentada pode ser explicada por fatores espi- nhais e supraespinhais. Gandevia [45] ainda ressalta que o treinamento aumenta o “drive” neural para os músculos e evidencia que o “drive” é submáximo inicialmente. Tabela II - Força de preensão palmar da mão direita entre os grupos ao longo das medidas. Preensão palmar (Kgf) Grupos de estudo P COM FV SEM FV 1 13,20 ± 2,67 11,37 ± 3,23 0,003* 2 13,27 ± 2,21 11,70 ± 2,87 0,003* 3 12,88 ± 2,17 11,26 ± 2,83 0,002* * Valor Estatisticamente significativo (p < 0,05). Figura 2 - Força de preensão palmar da mão direita entre grupos ao longo das medidas. Figura 3 - Avaliação da preensão palmar e Interface analógica MP-30 – Biopac Systems. Fonte: Laboratório de Fisiologia da UCB, 2005. Fernandes et al. [46] sustentam que a mensura- ção da preensão palmar é um importante componente da reabilitação e avalia as limitações iniciais do pa- ciente. Por intermédio da avaliação da força muscular, o fisioterapeuta tem condições de obter informações sobre diagnóstico e evolução clínica, relacionando a diminuição da força com a sintomatologia [18,46]. O uso do retorno visual preciso e acurado facilita o pa- ciente quanto à percepção e classificação das pistas sentitivas necessárias ao movimento [47]. A flutuação da força varia com a intensidade e tipo de contração muscular, o grupo muscular ao qual executa a tarefa, hora do dia, estado de nutrição, dor, a idade, sexo e nível de estimulação fisiológica [47-49]. Assim, por intermédio da avaliação da força muscular e entrada sensorial pode-se prover informa- ção sobre todo o contexto atual [50]. A preensão palmar é um índice de independência e reflete qualidade de vida. Isto é notado em pacientes tetraplégicos(C5-C6) estudados por Taylor [51] que pos- suíam implantes de Estimulação Elétrica Funcional. Questionou-se, então, se a mensuração da preensão com e sem FV diferenciava em relação à força máxima produzida. Os resultados indicam que quando é mantida uma informação sensorial sobre a força exercida existem diferenças significativas nos dois grupos. A média da força de preensão palmar obtida entre os grupos com FV e sem FV demonstrou que houve diferença estatisticamente significativa das forças obtidas para presença ou ausência do estímulo visual. As voluntárias, quando no grupo sem FV, apresenta- ram diminuição da força de preensão quando foram comparadas dentro do grupo com FV. Considerando-se a média da força de preensão palmar, ao longo das medidas obtidas, verificou-se um aumento progressivo da força em ambos os gru- 44 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 pos com posterior redução na última tentativa nos dois casos. Conclusão O presente estudo examinou a influência do FV na produção de força de preensão palmar isométrica. De acordo com os valores obtidos em nosso estudo, a presença da informação visual rendeu melhores resultados na performance da força. Os achados mos- tram a importância da entrada visual na abordagem fisioterapêutica ao recrutamento muscular o que pode aumentar o fortalecimento muscular em mulheres jo- vens. Diversas abordagens e técnicas fisioterápicas, como a facilitação neuromuscular proprioceptiva, utilizam várias entradas sensoriais para guiar o con- trole ausente ou desordenado até o controle normal. Sugere-se que novos estudos sejam realizados com a finalidade de selecionar alternativas eficazes ao movimento de aproximação e/ou preensão necessá- rios para clarificar as bases neuromusculares desses dois controles motores. Referências 1. Blanc Y, Viel E. Comportement moteur du member supérieur. - Encycl Médico Chirurgical. Kinésithérapie- Rééducation Fonctionnelle. Paris : Elsevier ; 1994. 26-012-D-10. 2. Saunders JA, Knill DC. Humans use continuous visual feedback from the hand to control fast reaching movements. Exp Brain Res 2003;152:341-52. 3. Kuzala EA, Vargo MC. The relationship between elbow position and grip strength. Am J Occup Ther 1992;46(6):509-12. 4. Abernethy B, Kippers V, Mackinnon LT, Neal RJ, Hanrahan S. The Biophysical Foundations of Human Movement. 1ªed. Austrália: Human Kinetics; 1997. p. 263-94. 5. Scott SH. Vision to action: new insights from a flip of the wrist. Nature 2001;4:969-970. 6. Guyton AC, John EH. Tratado deFisiologia Médica. 10ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.477-526. 7. Kandel ER e Wurtz RH. Constructing the visual image. In: Principles of neuroscience. New York: McGraw-Hill; 2000. 8. Van Essen DC e Gallant JL. Neural mechanisms of form and motion processing in the primate visual system. Neuron 1994;13:1-10. 9. Vaillancourt DE, Thulborn KR, Corcos DM. Neural basis for the processes that underlie Visually guided and internally guided force control in humans. J Neurophysiol 2003;90:3330-40. 10. Caminiti R, Ferraina S, Johnson PB. The sources of visual information to the primate frontal lobe: a novel role for the superior parietal lobule. Cereb Cortex 1996;6:319-28. 11. Johnson PB, Ferraina S, Bianchi L, Caminiti R. Cortical networks for visual reaching: physiological and anatomical organization of frontal and parietal lobe arm regions. Cereb Cortex 1996;6:102-19. 12. Burnod Y, Grandguillaume P, Otto I, Ferraina S, Johnson PB, and Caminiti R. Visuomotor transformations underlying arm movements toward visual targets: a neural network model of cerebral cortical operations. J Neurosci 1992;12: 1435-53. 13. Calton JL, Dickinson AR, and Snyder LH. Non-spatial, motor-specific activation in posterior parietal cortex. Nat Neurosci 2002;5:580-8. 14. Desmurget M, Epstein CM, Turner RS, Prablanc C, Alexander GE, and Grafton ST. Role of the posterior parietal cortex in updating reaching movements to a visual target. Nat Neurosci 1999;2:563-7. 15. Hamzei F, Dettmers C, Rijntjes M, Glauche V, Kiebel S, Weber B, Weiller C. Visuomotor control within a distributed parieto-frontal network. Exp Brain Res 2002;146:273-81. 16. Jenkins IH, Jahanshahi M, Jueptner M, Passingham RE, Brooks DJ. Self-initiated versus externally triggered movements. II. The effect of movement predictability on regional cerebral blood flow. Brain 2000;123:1216-28. 17. Tanne-Gariepy J, Rouiller EM, Boussaoud D. Parietal inputs to dorsal versus ventral premotor areas in the macaque monkey: evidence for largely segregated visuomotor pathways. Exp Brain Res 2002;145:91- 103. 18. Smith LK, Weiss EL, Lehmkuhl LD. Cinesiologia Clínica de Brunnstrom. 5ª ed. São Paulo: Manole; 1998. p. 82-145. 19. Slifkin AB, Vaillancourt DE, Newell KM. Intermittency in the control of continuous force production. J Neurophysiol 2000;84(4):1708-18. 20. Lee D, Quessy S. Activity in the supplementary motor area related to learning and performance during a sequential visuomotor task. J Neurophysiol 2003; 89:1039-56. 21. Hikosaka O, Nakaara H, Rand MK, Sakai K, Lu X, Nakamura K Miyachi S, Doya K. Parallel neural networks for leading sequential procedures. Trends Neurosci 1999;22:464-71. 22. Nakamura K, Sakai K, and Hikosaka O. Neuronal activity in medial frontal cortex during learning of sequential procedures. J Neurophysiol 1998;80:2671- 87. 23. Sakai K, Hikosaka O, Miyauchi S, Takino R, Sasaki Y, Pütz B. Transition of brain activation from frontal to parietal areas in visuomotor sequence learning. J Neurosci 1998;18:1827-40. 24. Moreira D, Alvarez RRA, Gogoy JR, Cambraia NA. Abordagem sobre preensão palmar utilizando o dinamômetro JAMAR�: uma revisão de literatura. Rev Bras Cienc Mov 2003;11(2):95-9. 25. Watanabe T, Owashi K, Kanauchi Y, Mura N, Takahara M, Ogino T. The short-term reliability of grip strength measurement and the effects of posture and grip span. J Hand Surg 2005;30A:603-9. 26. Schreuders TA, Roebroeck ME, Goumans J, Nieuwenhuijzen JFv, Stijnen TH, Stam HJ. Measurement error in grip and pinch force measurements in patients with hand injuries. Phys Ther 2003;83(9):806-815. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 45 27. Jaric S, Knight CA, Collins JJ, Marwaha R. Evaluation of a method for bimanual testing coordination of hand grip and load forces under isometric conditions. J Electromyography Kinesiology 2005;15:556-63. 28. Richards LG. Posture Effects on Grip Strength. Arch Phys Med Rehabil 1997;78:1154-56. 29. Westropp NM, Health M, Rankin W, Ahern M, Krishnan J, Hearn TC. Measuring grip strength in normal adults: reference ranges and a comparison of electronic and hydraulic instruments. J Hand Surg 2004;29(3):514- 19. 30. Mathiovetz V, Kashman N, Volland G, Weber K, Dowe M, Rogers S. Grip and pinch strength: normative data for adults. Arch Phys Med Rehabil 1985;66(2):69-74. 31. Moreira D, Godoy JRP, Junior WS. Estudo sobre a realização da preensão palmar com a utilização do dinamômetro: considerações anatômicas e cinesiológicas. Fisioter Bras 2001;2(5):295-300. 32. Moreira, D. Quantificação do grau de melhora da força de preensão palmar em pacientes portadores de hanseníase submetidos a neurólise dos nervos ulnar e mediano: relato de um caso. Arq Ciênc Saúde Unipar 2001;5(2):165-69. 33. Adam A, De Luca CJ, Erim Z. Hand dominance and motor unit firing behavior. J Neurophysiol 1998;80(3):1373-82. 34. O’Sullivan S, Schmitz TJ. Fisioterapia: Avaliação e tratamento. 2ª ed. São Paulo: Manole; 1993. p. 289- 321. 35. Yue G, Cole KJ. Strength increases from the motor program: comparison of training with maximal voluntary and imagined muscle contractions. J Neurophysiol 1992; 67:1114-23. 36. Smith D, Collins D, Holmes P. Impact and mechanism of mental practice effects on strength. Int J Sport Psychol 2003;1:293-306. 37. Moreira D. Avaliação da força de preensão palmar em pacientes portadores de hanseníase atentidos em nível ambulatorial no Distrito Federal [Tese]. Brasília: Univ. de Brasília; 2003. 38. Matiowetz V, Rennells C, Donahoe L. Effect of elbow position on grip and key pinch strength. J Hand Surg 1985;10A:694-7. 39. McGarvey SR, Morrey BF, Askew LJ, An K-N. Reliability of isometric strength testing: temporal factors and strength variation. Clin Orthop 1984;185:301-5. 40. Connolly JD, Goodale MA. The role of visual feedback of hand position in the control of manual prehension. Exp Brain Res 1999;125:281-6. 41. Sober SJ, Sabes PN. Multisensory integration during motor planning. J Neurosci 2003;23(18):6982-92. 42. Sainburg RL. Effects of altering initial position on movement direction and extent. J Neurophysiol 2003;89:401-15. 43. Edwards RH, Toescu V, Gibson H. Historical perspect ive: a f ramework for in terpret ing pathobiological ideas on human muscle fatigue. Adv Exp Med Biol 1995;384:481-94. 44. Todd G, Taylor JL, Gandevia SC. Reproducible measurement of voluntary activation of human elbow flexors with motor cortical stimulation. J Appl Physiol 2004;97:236-42. 45. Gandevia SC. Spinal and supraspinal factors in human muscle fatigue. Physiol Rev 2001;81:1725- 89. 46. Fernandes LFRM, Araújo MS, Matheus JPC, Medalha CC, Shimano AC, Pereira GA. Comparação de dois protocolos de fortalecimento para preensão palmar. Rev Bras Fisioter 2003;7(1):17-23. 47. Incel NA, Ceceli E, Durukan PB, Erdem HR, Yorgancioglu ZR. Grip Strength: Effect of hand dominance. Singapore Med J 2002;43(5):234-7. 48. Feine JS, Bushnell MC, Miron D, Duncan GH. Sex differences in the perception of noxious heat stimuli. Pain 1991;44:255-62. 49. Christou EA, Jakobi JM, Critchlow A, Fleshner M, Enoka RM. The 1- to 2 Hz oscillations in muscle force are exacerbated by stress, especially in older adults. J Appl Physiol 2004;97:225-35. 50. Videler AJ, Beelen A, Aufdemkampe G, Groot IJ, Leemputte MV. Hand strength and fatigue in patients with hereditary motor and sensory neuropathy (Types I and II). Arch Phys Med Rehabil 2002;83:1274-78. 51. Taylor P, Esnouf J, Hobby J. The functional impact of the freehand system on tetraplegic hand function. Clinical results. Spinal Cord 2002;40:560-6. 46 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Revisão Período crítico e plasticidade no sistema nervoso central Critical period and plasticity in the central nervous system Claudio Alberto Serfaty*, Priscilla Oliveira-Silva**, Paula Campello-Costa* Resumo O cérebro é uma estrutura extremamentecomplexa cujo funcionamento depende da correta conexão entre seus neurônios, o que só se completa após o nascimento. Os sistemas sensoriais reproduzem de forma topograficamente organizada as superfícies sensoriais em um processo que depende da eliminação seletiva de conexões inapropriadas geradas em fases iniciais do desenvolvimento. Esta eliminação de sinapses e axônios transitórios depende, inicialmente, de pistas químicas repulsivas que dão forma a um padrão inicial de conexão. Entretanto, a ativi- dade elétrica neural espontânea e em seguida, as influências do meio ambiente em períodos pós-natais, modelam a forma final dos circuitos neurais. O período do desenvolvimento onde o cérebro é mais suscetível ao ambiente chama-se período crítico, uma fase essencial para o desenvolvimento e adaptação dos sistemas sensoriais, motores e cognitivos. Entretanto, ao contrário do conceito que predominava no passado, o período crítico está longe de limitar a capacidade plástica cerebral. Esta revisão aponta os principais modelos de estudo do período crítico em mamíferos e recentes achados experimentais que revelam alguns mecanismos de plasticidade no cérebro em desenvolvimento e no adulto. Palavras-chave: desenvolvimento do SNC, neuroplasticidade. remodelamento axonal, sistema visual. Abstract The brain is an extremely complex structure whose function depends on precise connections between neurons, a process that is only fully completed after birth. Sensory systems reproduce topographically organized patterns of sensory surfaces in a process that is related to the elimina- tion of inappropriate connections which are generated during early development. The selective elimination of transitory axons and synapses is attributed to repulsive interactions that shape a preliminary connection pattern. However, neural spontaneous activity followed by environmental influences in postnatal periods, sculpt the final pattern of neural circuitry. Brain is more sensi- tive to environmental influences during the critical period, a time window that is crucial to the development and adaptation of sensory, motor and cognitive systems. However, regardless of the widespread concept from the past few years, the critical period is far from limiting the overall brain plasticity. This review presents the major models for studying the critical period in mammals and recent experimental findings that disclose some mechanism of plasticity in developing and adult brain. Key-words: brain development, neuroplasticity, axon remodeling, visual system. *Universidade Federal Flu- minense, Departamento de Neurobiologia, Programa de Neuroimunologia, Laboratório de Plasticidade Neural, **Insti- tuto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ Correspondência: Claudio A. Serfaty, Universidade Fe deral Fluminense, Caixa Postal 100180 Niterói RJ 24001-970, Tel: (21)2629 2277, E-mail: claudio.serfaty@gmail.com Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 47 Introdução O Sistema Nervoso Central (SNC) é extraordinaria- mente complexo, contém bilhões de neurônios conecta- dos por sinapses e é responsável pelas mais variadas respostas comportamentais dos seres vivos. Diversos modelos de estudo vêm sendo utilizados a fim de respon- der uma pergunta básica: como os neurônios se conectam durante o desenvolvimento de forma a construir circuitos lógicos de processamento? O trabalho experimental nas últimas décadas gerou informações de como regiões específicas do cérebro se conectam, como os circuitos se desenvolvem e se mantém, como o cérebro aprende com o ambiente e como responde a condições patológicas como lesões, doenças degenerativas ou psiquiátricas. Durante o desenvolvimento, as conexões neurais podem ser modificadas, não só por alterações no microambiente das células, mas, sobretudo pela influência do meio am- biente. Este período, onde o sistema nervoso é suscetível a modificações uso-dependentes, é denominado período crítico do desenvolvimento. Esta etapa é variável entre as diferentes espécies e diferentes aspectos do desenvol- vimento neural. Em humanos corresponde a uma etapa que abrange dos 5 até os 12 primeiros anos de vida ao passo que em roedores, de três a quatro semanas após o nascimento. Períodos críticos são relevantes para diversos níveis de aquisição de habilidades, tais como o desenvol- vimento de acuidade sensorial, desenvolvimento motor e aquisição da linguagem [1,2]. Desta forma a privação da experiência sensorial durante este período pode resultar em danos permanentes à performance neural. Além disso, é necessário entender que o correto desenvolvimento dos circuitos neurais resultará, certamente, em uma melhor habilidade cognitiva, fundamental para o estabelecimento da individualidade e singularidade humana [1]. Não é à toa que a nossa espécie “gasta” tanto tempo modelando o próprio cérebro. Para a compreensão dos mecanismos envolvidos no desenvolvimento do cérebro e os seus períodos críticos, os sistemas sensoriais têm sido há décadas, utilizados em modelos experimentais. Em particular o desenvolvimento de topografia nas conexões retino- tectais (peixes, anfíbios e mamíferos) e o desenvol- vimento de laminação e segregação de axônios nas conexões retino-geniculadas e tálamo-corticais têm fornecido inúmeras informações acerca do desenvol- vimento e plasticidade uso-dependentes do SNC. Desenvolvimento de topografia no sistema visual O desenvolvimento do mapa retino-tectal (Figura 1) é um processo seqüencial onde os aferentes da retina são inicialmente distribuídos de forma difusa nas cama- das visuais do colículo superior [3]. Durante este proces- so, a formação de uma topografia inicial é conseqüência da distribuição diferencial de pistas ambientais tais como o gradiente de Efrinas e receptores Eph presentes na membrana de células-alvo nas camadas visuais do colículo superior e de células ganglionares da retina (e seus axônios de projeção). Da ativação combinada entre efrinas e seus receptores Eph resultam estímulos para o crescimento ou colapso de cones de crescimento em regiões específicas do tecido-alvo [4]. Entretanto, este tipo de interação molecular não é capaz de prover informações precisas acerca do posicionamento de sinapses nos seus alvos de projeção. Figura 1 - Desenvolvimento de Especificidade Topográ- fica no Sistema Retinotectal: (Painel 1) Fotomicrogra- fias de cortes coronais do colículo superior de ratos neonatos após a marcação anterógrada de axônios retinotectais entre o dia pós-natal 0 (P0) e P10 (A – D). Notar a progressiva restrição da inervação retiniana sobre o colículo superior da via retinotectal não-cruzada (ipsolateral). (Painel 2) Esquema ilustrativo do processo de eliminação de axônios transitórios e formação de inervação retinotópica específica no colículo superior durante as primeiras semanas de desenvolvimento pós-natal. Em P0, axônios transitórios inervam de ma- neira pouco específica as camadas visuais do colículo superior. Entre P0 e P10 ocorre a progressiva elimina- ção de axônios transitórios e a progressiva elaboração de árvores axonais em sítios específicos. Este processo resulta a partir da segunda e terceira semanas pós-na- tal em um padrão topograficamente organizado, onde células ganglionares vizinhas na retina se conectam com regiões adjacentes no tecido-alvo. Escala = 100 μm. Adaptado de Serfaty e Linden [3]. No curso do desenvolvimento, o padrão de ativi- dade elétrica espontânea e posteriormente o padrão 48 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 neural evocado pelo ambiente passam a contribuir para o refinamento do padrão topográfico inicialmen- te estabelecido por pistas moleculares [5,6]. Desta forma, surge uma organização topográfica fina, onde células ganglionares vizinhas, com padrão de atividade sincrônico, convergem para a ativação de células pós- sinápticas vizinhas. Nestas células a somação de po- tenciais pós-sinápticosexcitatórios deflagra processos de estabilização sináptica uso-dependente, compatível com o modelo de sinapse de Hebb [7,8]. Além do desenvolvimento de topografia no sis- tema retino-tectal a atividade elétrica dos aferentes determina a segregação dos axônios retinianos em camadas olho-específicas no núcleo geniculado late- ral e o desenvolvimento das colunas de dominância ocular no córtex visual primário [9,10]. Plasticidade no sistema nervoso central após o período crítico Como descrito anteriormente, o cérebro pós-natal é modelado pelo ambiente e se desenvolve de acordo com ele, durante uma janela temporal característica de cada espécie. Entretanto, nos últimos anos algumas questões vêm sendo levantadas acerca da questão do período crítico do desenvolvimento: quais são os mecanismos determinantes desta janela temporal? O período crítico determina o fim da possibilidade de plas- ticidade do SNC? Na verdade experimentos demons- tram que o córtex sensorial é capaz de se reorganizar após a desaferentação induzida por amputações ou lesões periféricas [11]. Esta reorganização constitui a base da chamada “dor do membro fantasma” ob- servada, com freqüência, em indivíduos amputados. Da mesma forma, se observa que o cérebro pode recuperar a funcionalidade através da captura de re- giões adjacentes para o processamento sensorial de partes preservadas da periferia. A plasticidade cortical envolve reorganização de circuitos intracorticais, as chamadas conexões horizontais, de áreas periféricas à lesão [12]. Neste sentido foi demonstrada plastici- dade de áreas motoras e somestésicas no córtex após amputação/desnervação de macacos adultos [13] e reorganização de áreas sensoriais e motoras após implante de mãos em humanos [14]. Da mesma forma, a dominância ocular em roedores pode ser modificada por manobras de oclusão monocular após o período crítico com efeitos cumulativos referentes ao número de episódios de privação visual [15]. Em vias subcorti- cais, foi demonstrado recentemente que a estabilidade a longo prazo dos mapas topográficos retinotectais em roedores adultos depende da experiência sensorial ou da atividade espontânea neonatal (5). Além disso, um estudo de lesão de nervo óptico mostrou a regeneração dos axônios retinotectais em animais adultos [16]. Da mesma forma, nosso grupo mostrou que a capacidade de reorganização do sistema retino-tectal após lesão unilateral de retina se estende pela vida adulta do animal [17] (Figura 2). Em conjunto, estes resultados modificam o conceito clássico de período crítico, antes tido como fase exclusiva de plasticidade, e agora visto como fase de facilitação de plasticidade. Figura 2 - Modelo de Plasticidade Induzida por Lesão de Retina. (Painel 1) A lesão parcial da retina tem- poral de um olho induz uma grande degeneração anterógrada e, por conseguinte a desnervação parcial das camadas visuais do colículo superior contralateral (a). Os axônios intactos, originados da retina não- lesada (via ipsolateral), brotam colaterais que crescem em direção às camadas subpiais do CS (b). (Painel 2) A resposta plástica dos axônios ipsolaterais é máxima na primeira semana pós natal, quando o brotamento destes axônios ocupa de forma homogênea as cama- das visuais do CS (a). Na segunda semana pós-natal, a plasticidade se torna mais restrita, dando origem a um padrão bi-laminar de inervação das camadas visuais do CS (b). Escala = 500 μm (Painel 3) Após a terceira semana pós-natal, a plasticidade de axônios intactos no modelo de lesão de retina se torna mais restrita. Lesões em P21 induzem, três semanas após uma lesão de retina, uma pequena reorganização de axônios ipsolaterais para a região subpial do CS (a). O aumento do tempo de sobrevida pós-lesão para 6 meses resulta em crescimento plástico consistente para regiões subpiais do núcleo (b). Escala = 500 μm. Adaptado de Serfaty et al. [17]. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 49 Bases neuroquímicas da plasticidade Inúmeras evidências vêm mostrando que as conexões neurais se desenvolvem e são mantidas ati- vamente por meio de interações neuroquímicas entre neurônios e seus alvos. Os mecanismos envolvidos estão relacionados à modulação da eficácia sináptica como proposto por Hebb. Qualquer semelhança com os fenômenos de aprendizado e memória não é mera coincidência, já que os últimos anos de pesquisa mostraram que o desenvolvimento das conexões e a aquisição da capacidade de processamento sensorial guardam estreita relação com processos biológicos de aprendizado e memória. Desta forma hoje podemos afirmar que o cérebro se modifica não só pelas nossas lembranças e pelo conhecimento que adquirimos ao longo da vida, mas também (e em primeiro lugar) pela forma como o ambiente “modela” os nossos sentidos. Os mecanismos moleculares que sustentam estes processos envolvem a expressão de moléculas de matriz extracelular, neurotransmissores, expressão e atividade de receptores pós-sinápticos, neurotrofinas e mensageiros retrógrados, dentre outros. A capacidade plástica do sistema visual correla- ciona-se diretamente a expressão do receptor NMDA (N-Metil-D-Aspartato) para o glutamato, cuja atividade reflete fenômenos de modificação uso-dependente da eficácia sináptica tais como a potenciação e depres- são de longa duração (LTP / LTD) [18-20]. A atividade destes receptores está intimamente relacionada à maturação dos sistemas sensoriais e motores, já que receptores NMDA funcionam como sensores de corre- lação de atividade pré/pós sináptica [21]. Durante o desenvolvimento estes receptores modificam sua com- posição de forma que subunidades NR2B, que permi- tem maior tempo de integração pós-sináptica, durante o período crítico são progressivamente substituídas por subunidades NR2A que conferem ao receptor menor tempo de integração de respostas pós-sinápticas, e, portanto, maior especificidade e estabilidade e das sinapses formadas [22]. Este perfil de maturação do sistema NMDA e vias de transdução que convergem ao citoesqueleto, contribui então, tanto para o refi- namento uso-dependente da topografia quanto para a manutenção dos mapas topográficos sensoriais e delimitam períodos críticos no SNC [23]. Neurotransmissores e neurotrofinas interferem na plasticidade das conexões no sistema visual durante o desenvolvimento. A acetilcolina, a noradrenalina e a serotonina, por exemplo, exercem seus efeitos permissivos sobre a plasticidade cortical pela facilita- ção da ativação de receptores NMDA, aumentando a despolarização pós-sináptica e interagindo diretamente com a sinalização intracelular do cálcio. A serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT) é um neurotransmissor/ neuromodulador com extensa distribuição no sistema nervoso central e com capacidade de influenciar a exci- tabilidade celular e sistemas de mensageiros secundá- rios intracelulares [24,25]. Gu e Singer demonstraram o papel de receptores 5-HT1 e 5-HT2 na plasticidade de dominância ocular [26]. Estes autores descreveram que o bloqueio da transmissão serotoninérgica abole a plasticidade cortical. A serotonina também está envolvida no desenvolvimento dos axônios visuais retinotectais: de forma semelhante ao observado no córtex visual, a maturação das conexões subcorticais tem um paralelo com o desenvolvimento das fibras serotonérgicas no colículo superior/teto óptico de mamíferos e aves [27]. O GABA é outro neurotrans- missor que tem sido implicado nos mecanismos de delimitação do período crítico cortical. A expressão/di- ferenciação de células GABAérgicas está relacionada com a liberação local de uma neurotrofina, o Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF). Estudos utilizando animais transgênicos que super-expressam BDNF mostraram que a maturação GABAérgica, é acelerada e o desenvolvimento da acuidade visual é antecipado, resultando em um término precoce do período crítico de dominância ocular [28]. No cérebro a plasticidadeestrutural e o remodela- mento sináptico dependem de uma contínua re-elabo- ração das interações celulares, papel este que cabe a matriz extracelular (MEC). As moléculas da MEC, tais como as metaloproteinases (MMPs), são importantes reguladores que podem tornar o microambiente per- missivo ou não ao crescimento de neuritos [29-31]. Trabalhos recentes evidenciam a participação dessas moléculas no processo de estabilização sináptica, na LTP do hipocampo, de tal forma que a inibição das metaloproteinases abole a formação da fase tardia da LTP (L-LTP), tanto em animais jovens quanto em adultos [32]. A participação de MMPs no processo de formação de LTP é ainda dependente da ativação de receptores NMDA e integrinas. Desta forma, períodos de aquisição e retenção de memória de novas infor- mações requerem a remodelagem da MEC bem como a participação das moléculas de adesão celular. Szklarczyk et al. [33] sugerem que o mRNA da MMP-9 tem localização dendrítica, o que fortalece a idéia de que moléculas de MEC contribuem para o ajuste das conexões neurais. O grupo do Migranka Sur demonstrou que privação monocular induz alterações rápidas nas espículas dendríticas, e que as modifi- cações sinápticas observadas após este processo, 50 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 dependem da participação de moléculas de matriz extracelular na zona binocular. Estas modificações são lâmina-específicas e ainda, esta plasticidade es- trutural conta com a participação do ativador tecidual de plasminogênio (TPA) que converte plasminogênio a plasmina, e esta por sua vez, se encarrega de de- gradar moléculas de MEC tornando o ambiente mais permissivo a modificações sinápticas [34]. Além disso, a laminina (LN), outra importante molécula de MEC, foi identificada em neurônios de rato, coelho, porco, e primatas não-humanos através de técnica imunohistoquímica [35]. Hagg et al. identi- ficaram imunorreatividade para laminina associada a processos neuronais e estruturas sinápticas, sugerin- do que sejam de natureza neuronal [36]. Evidências recentes sugerem um papel para a LN na regulação da LTP, bem como no desenvolvimento e função das si- napses dos neurônios piramidais do hipocampo [37]. A ativação de receptores integrinas por laminina induz reorganização do citoesqueleto, que está envolvido em modificações da morfologia da densidade pós-si- náptica e das espículas dendríticas que acompanham os fenômenos de LTP [38]. Além disso, Gary Linch et al. demonstraram que as integrinas, assim como as MMPs, também participam efetivamente dos pro- cessos de estabilização sináptica e indução da L-LTP [39]. Em conjunto, estes resultados caracterizam a LN como molécula que possui propriedades adesivas e promotoras do crescimento de neuritos, assim como os receptores integrinas, corroborando com a idéia de que a MEC possa desempenhar um papel significativo na função neuronal e na neuroplasticidade. Plasticidade experimental no sistema retino- tectal de roedores Estudos recentes do nosso laboratório apontam para os mecanismos básicos da plasticidade natural, presente durante o período de remodelamento axonal do desenvolvimento e na plasticidade induzida em um modelo de lesão de retina. Nossos resultados corro- boram a literatura mostrando que estas formas de plasticidade não se restringem a um período crítico, revelando um potencial de reorganização contínua das conexões centrais [17]. Papel de mensageiros retrógrados O papel do óxido nítrico, um mensageiro retrógrado implicado em mecanismos de plasticidade sináptica [40-42] foi estudado através do bloqueio farmacológico da atividade da óxido nítrico sintase (NOS) [43]. Estes resultados mostram que o bloqueio sistêmico da ati- vidade da NOS produz alterações no desenvolvimento retino-tectal durante as 2-3 primeiras semanas após o nascimento sugerindo que o NO participe na gênese da especificidade dos circuitos sensoriais (Figura 3, painel 1). Por outro lado, dados recentes apontam que após a terceira semana do desenvolvimento, quando o sistema visual apresenta um padrão de conexão semelhante ao adulto, o bloqueio da síntese de ácido araquidônico e derivados metabólicos da 5-lipooxige- nase (5-LO) induz uma considerável reorganização de axônios visuais no colículo superior em animais adultos além de uma amplificação da plasticidade induzida por lesões de retina [44]. Desta forma os nossos resulta- dos mostram que o bloqueio da sinalização retrógrada em sinapses do sistema visual interfere com processos de estabilização sináptica resultando em axonogênese in vivo durante e após o término do período crítico deste sistema (Figura 3, painel 2). Papel da serotonina na plasticidade retino- tectal Nosso grupo também mostrou um importante papel modulatório da serotonina no desenvolvimento e plasticidade induzida do sistema visual. Através do tratamento farmacológico com um bloqueador de re- captação de serotonina (fluoxetina) mostramos que o acúmulo de serotonina endógena, cujo efeito fisiológico no colículo superior se dá através da ativação de re- ceptores inibitórios pré- e pós-sinápticos 5HT-1B e 5HT- 1A [45,46], induz expansão topográfica dos axônios retinotectais em animais jovens, além de uma grande amplificação da plasticidade induzida por lesões de retina [47] (Figura 3, painel 3). Desta forma a inibição pré e pós-sináptica induzida pela serotonina endógena poderia funcionar como uma espécie de filtro através do qual somente aferentes com alta taxa de correlação temporal de atividade poderiam se estabilizar. Em conjunto, os resultados demonstram que perturbações na comunicação sináptica, através do bloqueio da síntese de mensageiros retrógrados (óxido nítrico e ácido araquidônico), ou pelo aumen- to da sinalização de neurotransmissores inibitórios (serotonina) resultam em perda da estabilidade de conexões retinotectais em animais jovens e adultos com conseqüente aumento de brotamento axonal. Dados preliminares do nosso laboratório indicam ainda que a redução da inibição pré-sináptica que ocorre pela redução da disponibilidade de serotonina resultam em atrasos do desenvolvimento e redução acentuada da plasticidade induzida por lesões. Desta Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 51 forma os dados sugerem que estamos lidando com um modelo que responde às mudanças de eficácia sináptica com modificações no estado de estabiliza- ção e maleabilidade de conexões axonais no sistema nervoso central. Dados recentes relacionam ainda a capacidade de sintonia fina e plasticidade retino- tectal à atividade da calcineurina (fosfatase 2B) e à atividade de metaloproteinases sugerindo que o es- tado resultante de ativação sináptica possa mobilizar elementos de matriz extracelular como organizadores de respostas plásticas neurais. Figura 3 - Papel de mensageiros retrógrados e da serotonina na especificidade retinotectal. (Painel 1) Bloqueio da óxido nítrico sintase altera o padrão de conexão retinotectal. O tratamento sistêmico L-Narg entre P4-P7 (b) ou entre P9-P12 (d) resulta em uma expansão topográfica dos terminais retinotectais ipsolaterais em comparação aos controles tratados com veículo nas mesmas idades (a,c). Escala = 500 μm. Adaptado de Campello-Costa et al. [43]. (Painel 2) Expansão topográfica dos axônios retinotectais ipsolaterais induzida por bloqueio da síntese de ácido araquidônico após tratamento sistêmico por 8 dias (entre P35 e P42). Os animais tratados com mepac- rina (b,d – cortes coronais e parassagitais) apresen- tam uma grande expansão das terminações ipso- laterais nas camadas visuais do CS em relação aos controles, tratados com veículo (a,c – cortes coronais e parassagitais). Escala = 250 μm (Adaptado de Campello-Costa et al, 2006). (Painel 3) Tratamento sistêmico com cloridrato de fluoxetina induz ruptura da topografia retinotectal em animais no final do período crítico (a,b - controle e fluoxetina entreP14- 28, respectivamente) assim como durante o desen- volvimento (c,d - controle e fluoxetina entre P0-10). Escala = 500 μm. Adaptado de Bastos et al. [47]. Figura 4 - (Painel 1). Segundo o modelo proposto, a estabilidade de conexões no sistema visual depende da sincronia pré-pós sináptica de acordo com o mod- elo clássico da Sinapse de Hebb. A atividade pré-siná- ptica e a conseqüente liberação de glutamato ativam receptores pós-sinápticos AMPA e NMDA. O influxo de cálcio resultante ativa a liberação de mensageiros retrógrados. Durante as 2 primeiras semanas pós-na- tal o óxido nítrico é essencial para a estabilização de sinapses retinotectais. Após a terceira semana, este papel é exercido pela liberação de ácido araquidônico e derivados da 5-lipooxigenase. O bloqueio da libera- ção desde mensageiros retrógrados gera desestabi- lização e um brotamento axonal reativo que resulta em alterações na relação topográfica dos terminais retinianos ipsolaterais. O “acoplamento” da atividade pré-pós sináptica também pode ser alterada pelo acúmulo de serotonina endógena obtida pela admin- istração de um bloqueador seletivo de recaptação. Como a serotonina exerce forte influência inibitória pré- e pós-sináptica através de receptores 5 HT1A e 5 HT1B, o bloqueio de recaptação induz um aumento da inibição da transmissão retinotectal. (Painel 2) O bloqueio de mensageiros retrógrados ou aumento da disponibilidade de serotonina não só desestabili- zam e induzem brotamento axonal nas conexões já formadas, mas também são capazes de amplificar a reorganização de axônios intactos após desnervação por axotomia da retina contralateral. 52 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Conclusão Em conjunto os dados indicam que o acoplamen- to Hebbiano da atividade elétrica pré-pós sináptica seja um fator necessário não só para o desenvolvi- mento, mas também para a manutenção de cone- xões sensoriais primárias e sugere fortemente que a redução da eficácia sináptica seja uma condição necessária para a plasticidade e re-conexão de axô- nios centrais in vivo (Figura 4). Os resultados sugerem ainda que o período crítico não determine o fim da capacidade de reorganização dos circuitos centrais. Isto vem motivando os neurocientistas a conhecer os eventos intrínsecos ao nível celular, molecular e comportamental que permeiam o desenvolvimento do cérebro e seus períodos críticos para a abordagem de questões, cada vez mais evidentes, tais como a capacidade plástica observada em cérebros adultos. Além disso, estes achados abrem perspectivas para o tratamento de plasticidade patológica envolvida na gênese de doenças degenerativas e doenças mentais, dentre outros distúrbios do SNC. Agradecimentos Este trabalho foi desenvolvido com auxílio finan- ceiros do CNPq, CAPES, FAPERJ e PRONEX. Referências 1. Berardi N, Pizzorusso T, Maffei L. Critical periods during sensory development. Curr Opin Neurobiol 2000;10(1):138-45. 2. Hensch TK. Critical period plasticity in local cortical circuits. Nat Rev Neurosci 2005;6(11):877-88. 3. Serfaty CA, Linden R. Development of abnormal lamination and binocular segregation in the retinotectal pathways of the rat. Brain Res Dev Brain Res 1994;82(1-2):35-44. 4. Knoll B, Drescher U. Ephrin-As as receptors in topograph ic p ro ject ions. T rends Neurosc i 2002;25(3):145-9. 5. Mrsic-Flogel TD, Hofer SB, Creutzfeldt C, Cloez- Tayarani I, Changeux JP, Bonhoeffer T et al. Altered map of visual space in the superior colliculus of mice lacking early retinal waves. J Neurosci 2005;25(29):6921-8. 6. McLaughlin T, Torborg CL, Feller MB, O’Leary DD. Retinotopic map refinement requires spontaneous retinal waves during a brief critical period of development. Neuron 2003;40(6):1147-60. 7. Cooper SJ. Donald O. Hebb’s synapse and learning rule: a history and commentary. Neurosci Biobehav Rev 2005;28(8):851-74. 8. Schmidt JT. Selective stabilization of retinotectal synapses by an activity-dependent mechanism. Fed Proc 1985;44(12):2767-72. 9. Stellwagen D, Shatz CJ. An instructive role for retinal waves in the development of retinogeniculate connectivity. Neuron 2002;33(3):357-67. 10. Katz LC, Crowley JC. Development of cortical circuits: lessons from ocular dominance columns. Nat Rev Neurosci 2002;3(1):34-42. 11. Buonomano DV, Merzenich MM. Cortical plasticity: from synapses to maps. Annu Rev Neurosci 1998;21:149-86. 12. Kaas JH. Sensory loss and cortical reorganization in mature primates. Prog Brain Res 2002;138:167-76. 13. Kaas JH. The reorganization of somatosensory and motor cortex after peripheral nerve or spinal cord injury in primates. Prog Brain Res 2000;128:173-9. 14. Giraux P, Sirigu A, Schneider F, Dubernard JM. Cortical reorganization in motor cortex after graft of both hands. Nat Neurosci 2001;4(7):691-2. 15. Hofer SB, Mrsic-Flogel TD, Bonhoeffer T, Hubener M. Prior experience enhances plasticity in adult visual cortex. Nat Neurosci 2006;9(1):127-32. 16. Kreutz MR, Weise J, Dieterich DC, Kreutz M, Balczarek P, Bockers TM et al. Rearrangement of the retino- collicular projection after partial optic nerve crush in the adult rat. Eur J Neurosci 2004;19(2):247-57. 17. Serfaty CA, Campello-Costa P, Linden R. Rapid and long-term plasticity in the neonatal and adult retinotectal pathways following a retinal lesion. Brain Res Bull 2005;66(2):128-34. 18. Bliss TV, Collingridge GL. A synaptic model of memory: long-term potentiation in the hippocampus. Nature 1993;361(6407):31-9. 19. Dudai Y. Molecular bases of long-term memories: a question of persistence. Curr Opin Neurobiol 2002;12(2):211-6. 20. Miyamoto E. Molecular mechanism of neuronal plasticity: induction and maintenance of long-term potentiation in the hippocampus. J Pharmacol Sci 2006;100(5):433-42. 21. Lu W, Constantine-Paton M. Eye opening rapidly induces synaptic potentiation and refinement. Neuron 2004;43(2):237-49. 22. Liu XB, Murray KD, Jones EG. Switching of NMDA receptor 2A and 2B subunits at thalamic and cortical synapses during early postnatal development. J Neurosci 2004;24(40):8885-95. 23. Sin WC, Haas K, Ruthazer ES, Cline HT. Dendrite growth increased by visual activity requires NMDA receptor and Rho GTPases. Nature 2002;419(6906):475-80. 24. Adayev T, Ranasinghe B, Banerjee P. Transmembrane signaling in the brain by serotonin, a key regulator of physiology and emotion. Biosci Rep 2005;25(5- 6):363-85. 25. Noda M, Higashida H, Aoki S, Wada K. Multiple signal transduction pathways mediated by 5-HT receptors. Mol Neurobiol 2004;29(1):31-9. 26. Gu Q, Singer W. Involvement of serotonin in developmental plasticity of kitten visual cortex. Eur J Neurosci 1995;7(6):1146-53. 27. Crissman RS, Arce EA, Bennett-Clarke CA, Mooney RD, Rhoades RW. Reduction in the percentage of serotoninergic axons making synapses during the development of the superficial layers of the hamster’s superior colliculus. Brain Res Dev Brain Res 1993;75(1):131-5. Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 53 28. Gianfranceschi L, Siciliano R, Walls J, Morales B, Kirkwood A, Huang ZJ, et al. Visual cortex is rescued from the effects of dark rearing by overexpression of BDNF. Proc Natl Acad Sci U S A 2003;100(21):12486- 91. 29. Hehr CL, Hocking JC, McFarlane S. Matr ix metalloproteinases are required for retinal ganglion cell axon guidance at select decision points. Development 2005;132(15):3371-9. 30. Yong VW. Metalloproteinases: mediators of pathology and regeneration in the CNS. Nat Rev Neurosci 2005;6(12):931-44. 31. Crocker SJ, Pagenstecher A, Campbell IL. The TIMPs tango with MMPs and more in the central nervous system. J Neurosci Res 2004;75(1):1-11. 32. Nagy V, Bozdagi O, Matynia A, Balcerzyk M, Okulski P, Dzwonek J et al. Matrix metalloproteinase-9 is required for hippocampal late-phase long-term potentiation and memory. J Neurosci 2006;26(7):1923-34. 33. Szklarczyk A, Lapinska J, RylskiM, McKay RD, Kaczmarek L. Matrix metalloproteinase-9 undergoes expression and activation during dendritic remodeling in adult hippocampus. J Neurosci 2002;22(3):920-30. 34. Oray S, Majewska A, Sur M. Dendritic spine dynamics are regulated by monocular deprivation and extracellular matrix degradation. Neuron 2004;44(6):1021-30. 35. Tian M, Hagg T, Denisova N, Knusel B, Engvall E, Jucker M. Laminin-alpha2 chain-like antigens in CNS dendritic spines. Brain Res 1997;764(1-2):28-38. 36. Hagg T, Portera-Cailliau C, Jucker M, Engvall E. Laminins of the adult mammalian CNS; laminin- alpha2 (merosin M-) chain immunoreactivity is associated with neuronal processes. Brain Res 1997;764(1-2):17-27. 37. Nakagami Y, Abe K, Nishiyama N, Matsuki N. Laminin degradation by plasmin regulates long-term potentiation. J Neurosci 2000;20(5):2003-10. 38. Chang HP, Lindberg FP, Wang HL, Huang AM, Lee EH. Impaired memory retention and decreased long-term potentiation in integrin-associated protein-deficient mice. Learn Mem 1999;6(5):448-57. 39. Kramar EA, Lin B, Rex CS, Gall CM, Lynch G. Integrin-driven actin polymerization consolidates long-term potentiation. Proc Natl Acad Sci U S A 2006;103(14):5579-84. 40. Takata N, Harada T, Rose JA, Kawato S. Spatiotemporal analysis of NO production upon NMDA and tetanic stimulation of the hippocampus. Hippocampus 2005;15(4):427-40. 41. Zhuo M, Kandel ER, Hawkins RD. Nitric oxide and cGMP can produce either synaptic depression or potentiation depending on the frequency of presynaptic stimulation in the hippocampus. Neuroreport 1994;5(9):1033-6. 42. Zhuo M, Laitinen JT, Li XC, Hawkins RD. On the respective roles of nitric oxide and carbon monoxide in long-term potentiation in the hippocampus. Learn Mem 1999;6(1):63-76. 43. Campello-Costa P, Fosse AM, Jr., Ribeiro JC, Paes- De-Carvalho R, Serfaty CA. Acute blockade of nitric oxide synthesis induces disorganization and amplifies lesion-induced plasticity in the rat retinotectal projection. J Neurobiol 2000;44(4):371-81. 44. Campello-Costa P, Fosse-Junior AM, Oliveira-Silva P, Serfaty CA. Blockade of arachidonic acid pathway induces sprouting in the adult but not in the neonatal uncrossed retinotectal projection. Neuroscience 2006;139(3):979-89. 45. Mooney RD, Crnko-Hoppenjans TA, Ke M, Bennett- Clarke CA, Lane RD, Chiaia NL et al. Augmentation of serotonin in the developing superior colliculus alters the normal development of the uncrossed retinotectal projection. J Comp Neurol 1998;393(1):84-92. 46. Upton AL, Ravary A, Salichon N, Moessner R, Lesch KP, Hen R et al. Lack of 5-HT(1B) receptor and of serotonin transporter have different effects on the segregation of retinal axons in the lateral geniculate nucleus compared to the superior colliculus. Neuroscience 2002;111(3):597-610. 47. Bastos EF, Marcelino JL, Amaral AR, Serfaty CA. Fluoxetine-induced plasticity in the rodent visual system. Brain Res 1999;824(1):28-35. A revista Neurociências é uma publicação com periodicidade bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos científicos das várias áreas relacionadas às Neurociências. Os artigos publicados em Neurociências poderão tam- bém ser publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim como em outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que surjam no futuro. Ao autorizar a publicação de seus artigos na revista, os autores concordam com estas condições. A revista Neurociências assume o “estilo Vancouver” (Uniforme requirements for manuscripts submitted to biomedical journals) preconizado pelo Comitê Internacional de Diretores de Revistas Médicas, com as especificações que são detalhadas a seguir. Ver o texto completo em inglês desses Requisitos Uni- formes no site do International Committee of Medical Journal Edi- tors (ICMJE), www.icmje.org, na versão atualizada de outubro de 2007 (o texto completo dos requisitos está também disponível, em inglês, no site de Atlântica Editora em pdf). Submissões devem ser enviadas por e-mail para o editor (artigos@atlanticaeditora.com.br). A publicação dos artigos é uma decisão dos editores, baseada em avaliação por revisores anônimos (Artigos originais, Revisões, Perspectivas e Estudos de Caso) ou não. Como os leitores da Neurociências têm formação muito variada, recomenda-se que a linguagem de todos os artigos seja acessível ao não-especialista. Para garantir a uniformidade da linguagem dos artigos, as contribuições às várias seções da revista podem sofrer alterações editoriais. Em todos os casos, a publicação da versão final de cada artigo somente acontecerá após consentimento dos autores. 1. Editorial e Seleção dos Editores O Editorial que abre cada número da Neurociências comenta acontecimentos neurocientíficos recentes, política científica, aspectos das neurociências relevantes à sociedade em geral, e o conteúdo da revista. A Seleção dos Editores traz uma coletânea de notas curtas sobre artigos publicados em outras revistas no bimestre que interessem ao público-alvo da revista. Essas duas seções são redigidas exclusivamente pelos Editores. Sugestões de tema, no entanto, são bem- vindas, e ocasionalmente publicaremos notas contribuídas por leitores na Seleção dos Editores. 2. Artigos originais São trabalhos resultantes de pesquisa científica apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais. Todas as con- tribuições a esta seção que suscitarem interesse editorial serão submetidas a revisão por pares anônimos. Formato: O texto dos artigos originais é dividido em Resumo, Introdução, Material e métodos, Resultados, Dis- cussão, Conclusão, Agradecimentos e Referências. Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000 caracteres (espaços incluídos), e não deve ser superior a 12 páginas A4, em espaço simples, fonte Times New Roman tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc. O resumo deve ser enviado em português e em inglês, e cada versão não deve ultrapas- sar 200 palavras. A distribuição do texto nas demais seções é livre, mas recomenda-se que a Discussão não ultrapasse 1.000 palavras. Tabelas: Recomenda-se usar no máximo seis tabelas, no formato Excel ou Word. Figuras: Máximo de 8 figuras, em formato .tif ou .gif, com resolução de 300 dpi. Referências: Máximo de 50 referências. 3. Revisão São trabalhos que expõem criticamente o estado atual do conhecimento em alguma das áreas relacionadas às neurociências. Revisões consistem necessariamente em síntese, análise, e avaliação de artigos originais já publicados em revistas científicas. Todas as contribuições a esta seção que suscitarem interesse editorial serão submetidas a revisão por pares anônimos. Formato: Embora tenham cunho histórico, revisões não expõem necessariamente toda a história do seu tema, exceto quando a própria história da área for o objeto do artigo. O texto deve conter um resumo de até 200 palavras em português e outro em inglês. O restante do texto tem formato livre, mas deve ser subdividido em tópicos, identificados por subtítulos, para facilitar a leitura. Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 25.000 caracteres, incluindo espaços. Figuras e Tabelas: mesmas limitações dos artigos originais. Referências: Máximo de 100 referências. 4. Perspectivas Perspectivas consideram possibilidades futuras nas várias áreas das neurociências, inspiradas em acontecimen- tos e descobertas científicas recentes. Contribuições a esta seção que suscitarem interesse editorial serão submetidas a revisão por pares. Formato: O texto das perspectivas é livre, mas deve iniciar com um resumo de até 100 palavras em português e outro em inglês. O restante do texto pode ou não ser subdi- vidido em tópicos, identificados por subtítulos.Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000 caracteres, incluindo espaços. Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras. Referências: Máximo de 20 referências. 5. Estudo de caso São artigos que apresentam dados descritivos de um ou mais casos clínicos ou terapêuticos com características semelhantes. Contribuições a esta seção que suscitarem interesse editorial serão submetidas a revisão por pares. Formato: O texto dos Estudos de caso deve iniciar com um resumo de até 200 palavras em português e outro em inglês. O restante do texto deve ser subdividido em Introdução, Apresen- tação do caso, Discussão, Conclusões e Literatura citada. Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000 caracteres, incluindo espaços. Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras. Referências: Máximo de 20 referências. 6. Opinião Esta seção publicará artigos curtos, de no máximo uma página, que expressam a opinião pessoal dos autores sobre temas pertinentes às várias Neurociências: avanços recen- tes, política científica, novas idéias científicas e hipóteses, críticas à interpretação de estudos originais e propostas de interpretações alternativas, por exemplo. Por ter cunho pes- soal, não será sujeita a revisão por pares. Formato: O texto de artigos de Opinião tem formato livre, e não traz um resumo destacado. Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, inclu- indo espaços. Figuras e Tabelas: Máximo de uma tabela ou figura. Referências: Máximo de 20 referências. 7. Resenhas Publicaremos resenhas de livros relacionados às Neu- rociências escritas a convite dos editores ou enviadas espon- taneamente pelos leitores. Resenhas terão no máximo uma página, e devem avaliar linguagem, conteúdo e pertinência do livro, e não simplesmente resumi-lo. Resenhas também não serão sujeitas a revisão por pares. Instruções aos autores Formato: O texto das Resenhas tem formato livre, e não traz um resumo destacado. Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, inclu- indo espaços. Figuras e Tabelas: somente uma ilustração da capa do livro será publicada. Referências: Máximo de 5 referências. 8. Cartas Esta seção publicará correspondência recebida, neces- sariamente relacionada aos artigos publicados na Neurociên- cias Brasil ou à linha editorial da revista. Demais contribuições devem ser endereçadas à seção Opinião. Os autores de artigos eventualmente citados em Cartas serão informados e terão direito de resposta, que será publicada simultaneamente. Cartas devem ser breves e, se forem publicadas, poderão ser editadas para atender a limites de espaço. 9. Classificados Neurociências Brasil publica gratuitamente uma seção de pequenos anúncios com o objetivo de facilitar trocas e interação entre pesquisadores. Anúncios aceitos para publi- cação deverão ser breves, sem fins lucrativos, e por exemplo oferecer vagas para estágio, pós-graduação ou pós-doutorado; buscar colaborações; buscar doações de reagentes; oferecer equipamentos etc. Anúncios devem necessariamente trazer o nome completo, endereço, e-mail e telefone para contato do interessado. PREPARAÇÃO DO ORIGINAL 1. Normas gerais 1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em proces- sador de texto (Word), em página A4, formatados da seguinte maneira: fonte Times New Roman tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre- scrito, etc. 1.2 Tabelas devem ser numeradas com algarismos romanos, e Figuras com algarismos arábicos. 1.3 Legendas para Tabelas e Figuras devem constar à parte, isoladas das ilustrações e do corpo do texto. 1.4 As imagens devem estar em preto e branco ou tons de cinza, e com resolução de qualidade gráfica (300 dpi). Fotos e desenhos devem estar digitalizados e nos formatos .tif ou .gif. Imagens coloridas serão aceitas excepcionalmente, quando forem indispensáveis à compreensão dos resultados (histologia, neuroimagem, etc.) Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail para o editor (artigos@atlanticaeditora.com.br). O corpo do e-mail deve ser uma carta do autor correspondente à editora, e deve conter: (1) identificação da seção da revista à qual se destina a contribuição; (2) identificação da área principal das Neurociências onde o trabalho se encaixa; (3) resumo de não mais que duas frases do conteúdo da contribuição (diferente do resumo de um artigo original, por exemplo); (4) uma frase garantindo que o conteúdo é original e não foi publicado em outros meios além de anais de congresso; (5) uma frase em que o autor correspondente assume a responsabilidade pelo conteúdo do artigo e garante que todos os outros autores estão cientes e de acordo com o envio do trabalho; (6) uma frase garantindo, quando aplicável, que todos os procedimentos e experimentos com humanos ou outros animais estão de acordo com as normas vigentes na Instituição e/ou Comitê de Ética responsável; (7) telefones de contato do autor correspondente. 2. Página de apresentação A primeira página do artigo traz as seguintes informa- ções: - Seção da revista à que se destina a contribuição; - Nome do membro do Conselho Editorial cuja área de con- centração melhor corresponde ao tema do trabalho; - Título do trabalho em português e inglês; - Nome completo dos autores; - Local de trabalho dos autores; - Autor correspondente, com o respectivo endereço, telefone e E-mail; - Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para paginação; - Número total de caracteres no texto; - Número de palavras nos resumos e na discussão, quando aplicável; - Número de figuras e tabelas; - Número de referências. 3. Resumo e palavras-chave A segunda página de todas as contribuições, exceto Opiniões e Resenhas, deverá conter resumos do trabalho em por- tuguês e em inglês. O resumo deve identificar, em texto corrido (sem subtítulos), o tema do trabalho, as questões abordadas, a metodologia empregada (quando aplicável), as descobertas ou argumentações principais, e as conclusões do trabalho. Abaixo do resumo, os autores deverão indicar quatro palavras-chave em português e em inglês para indexação do artigo. Recomenda-se empregar termos utilizados na lista dos DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) da Biblioteca Virtual da Saúde, que se encontra em http://decs.bvs.br. 4. Agradecimentos Agradecimentos a colaboradores, agências de fomento e técnicos devem ser inseridos no final do artigo, antes da Literatura Citada, em uma seção à parte. 5. Referências As referências bibliográficas devem seguir o estilo Van- couver. As referências bibliográficas devem ser numeradas com algarismos arábicos, mencionadas no texto pelo número entre parênteses, e relacionadas na literatura citada na ordem em que aparecem no texto, seguindo as seguintes normas: Livros - Sobrenome do autor, letras iniciais de seu nome, ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se diferente do capítulo), ponto, título do livro (em grifo - itálico), ponto, local da edição, dois pontos, editora, ponto e vírgula, ano da impressão, ponto, páginas inicial e final, ponto. Exemplo: 1. Phillips SJ, Hypertension and Stroke. In: Laragh JH, editor. Hypertension: pathophysiology, diagnosis and manage- ment. 2nd ed. New-York: Raven press; 1995. p.465-78. Artigos – Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es), letras iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto. Título do trabalha, ponto. Título da revista ano de publicação seguido de ponto e vírgula, número do volume seguido de dois pontos, páginas inicial e final, ponto. Não utilizar maiúsculas ou itálicos. Os títulos das revistas são abreviados de acordo com o Index Medicus, na publicação List of Journals Indexed in Index Medicus ou com a lista das revistas nacionais, disponível no site da Biblioteca Virtual de Saúde (www.bireme.br).Devem ser citados todos os autores até 6 autores. Quando mais de 6, colocar a abreviação latina et al. Exemplo: Yamamoto M, Sawaya R, Mohanam S. Expression and localization of urokinase-type plasminogen activator receptor in human gliomas. Cancer Res 1994;54:5016-20. Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail para: artigos@atlanticaeditora.com.br Atlantica Editora Jean-Louis Peytavin Rua da Lapa, 180/1103 - Lapa 20021-180 Rio de Janeiro RJ Tel: (21) 2221 4164 56 Neurociências • Volume 4 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2008 Eventos 2008 Março 7 a 9 de março II Reunião Cientifica do DC de Transtornos do movimento Hotel Vacance, Águas de Lindóia SP Informações: www.rnp.fmrp.usp.br/~distmov 14 e 15 de março Jornada de Neurociências da Unicamp Auditório da faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Campinas SP Informações: info@lepedic.com.br Tel: (19) 9114 1529/9113 8086 Abril 12 e 13 de abril Simpósio Internacional de Atualização em Ansiedade Hospital Sírio-libanês, São Paulo SP Informações: bleventos@uol.com.br Tel: (11) 6146 0314/6280 2476 Maio 22 a 24 de maio IV Congresso Brasileiro de Cérebro Comportamental e Emoções Novo Centro de Convenções Bento Gonçalves, Porto Alegre RS Informações: (51) 3028 3878 Junho 12 a 14 de junho Simpósio de 70 anos do IPUB Diretrizes no tratamento de Transtornos Mentais Informações: ipub@ipub.ufrj.br Tel: (21) 2295 3449/3499/9549/5549 Julho 31 de julho a 3 de agosto II Congresso Brasileiro de Psicoterapia da ABRAP VIII Congresso da Federação Latino-Americana de Psico- terapia Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo Agosto 16 a 21 de agosto XXIII Congresso Brasileiro de Neurologia Centro de Convenções, Belém PA www.neuro2008.com.br congresso@eventussystem.com.br Tel: (71) 2104 3477 Setembro 1 a 4 de setembro I NEUROLATAM I Congresso Ibro/Larc de Nuerociências da América La- tina, Caribe e Península Ibérica XXXII Congresso da Sociedade Brasileira de Neurociên- cias e Comportamento XXIII Congreso de la Sociedad Argentina de Neurociencias IV reunião anual de la Sociedad Chilena de Neurociencia IX Congreso de la Sociedad de Neurociencias del Uru- guay Buzios RJ Informações: www.sbnec.org.br 20 a 25 de setembro XIV Congresso Mundial de Psiquiatria Praga, República Tcheca Informações: www.wpa-praga2008.cz Outubro 10 a 15 de outubro XXVI Congresso Brasileiro de Psiquiatria Brasília DF Informações: www.abpbrasil.org.br Novembro 23 a 27 de novembro MBEC Congress 2008, European Biomedical Engineering Congress 4th European Congress of IFMBE Antuérpia, Bélgica Informações: www.mbec2008.be Sumário Volume 4 número 2 - março/abril de 2008 EDITORIAL Me ajuda a olhar!, Luiz Carlos de Lima Silveira ................................................................................... 59 OPINIÕES Muito jogo para ser ciência, muita ciência para ser jogo, Givago da Silva Souza, Jaime Nonato de Oliveira, Luiz Carlos de Lima Silveira ........................................................................ 64 Quimiocinas no sistema nervoso central: além da inflamação, Antonio Lucio Teixeira ....................................................................................................................... 67 Ondas de visão, Bruno Duarte Gomes, Luiz Carlos de Lima Silveira ...................................................... 69 Psicologia e neurociências: limpando terreno, Amauri Gouveia Jr, Iza Batista Taccolini .............................................................................................. 72 ARTIGOS ORIGINAIS Caracterização de respostas comportamentais para o teste de Stroop computadorizado – Testinpacs, Cláudio Córdova, Margô Gomes de Oliveira Karnikowski, José Eduardo Pandossio, Otávio Toledo Nóbrega ............................................. 75 Visão de cores em Cebus apella: Avaliação de discriminação de cores por meio de um monitor CRT padrão e ferramenta de edição de cores do Windows XP, Paulo Roney Kilpp Goulart, Sheila Tetsume Makiama, Abraão Roberto Fonseca, Karoline Luiza Sarges Marques, Olavo de Faria Galvão .................................. 80 Acuidade visual para padrões espaciais periódicos medida pelos potenciais visuais evocados de varredura em crianças com hidrocefalia, Marcelo Fernandes Costa, Filomena Maria Buosi de Haro, Solange Rios Salomão, Dora Fix Ventura .............................................. 87 REVISÕES Neurônios-espelho, Aline Knepper Mendes, Fernando Luiz Cardoso, Cinara Sacomori ............................................................................................ 93 Com gosto de FEO: a procura pelo oscilador circadiano sincronizado pelo alimento, Judney Cley Cavalcante ............................................................................................. 100 RELATO DE CASO Investigação clínica, bioquímica e genética de pacientes do Norte do Brasil com adrenoleucodistrofia ligada ao cromossomo X, Lorena Martins Cunha, Regina Célia Beltrão Duarte, Luiz Carlos Santana da Silva ................................................................. 107 NORMAS DE PUBLICAÇÃO ........................................................................................................ 111 EVENTOS ..................................................................................................................................... 113 58 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 © ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida, arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante. Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil, Nutrição Brasil e MN-Metabólica. I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes. Editoração e arte Cristiana Ribas cristiana@atlanticaeditora.com.br Ilustração da capa Charlotte Pouzadoux Atendimento ao assinante atlantica@atlanticaeditora.com.br Redação e administração Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço: artigos@atlanticaeditora.com.br ou Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 – Rio de Janeiro – RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 Rio de Janeiro Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 – Rio de Janeiro – RJ Tel./Fax: (21) 2221-4164 / 2517-2749 E-mail: atlantica@atlanticaeditora.com.br www.atlanticaeditora.com.br São Paulo Rua Teodoro Sampaio, 2550/cj.15 05406-480 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3816-6192 Recife Rua Dona Rita de Souza, 212 52061-480 – Recife – PE Tel.: (81) 3444-2083 Assinaturas: 6 números ao ano 1 ano – R$ 175,00 Rio de Janeiro: (21) 2221-4164 São Paulo: (11) 3361-5595 Recife: (81) 3444-2083 Revista Multidisciplinar das Ciências do Cérebro Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA Editor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USP Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF Conselho editorial Aniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística) Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia) Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento) Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento) Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia) Eliane Volchan, UFRJ (Cognição) João Santos Pereira, UERJ (Neurologia) Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional) Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística) Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição) Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação) Marco Callegaro, Instituto Catarinense de TerapiaCognitiva (Psicoterapia) Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica) Rafael Linden, UFRJ (Neurogenética) Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia) Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria) Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia) Neurociências é publicado com o apoio de: SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) Presidente: Stevens Kastrup Rehen www.fesbe.org.br/sbnec ISSN 1807-1058 Editor executivo Jean-Louis Peytavin jeanlouis@atlanticaeditora.com.br Publicidade e marketing René Caldeira Delpy Jr. rene@atlanticaeditora.com.br Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 59 Editorial A Ciência Visual, após mais de um século de avanços extraordinários tanto do ponto de vista de ciência básica como num dos seus ramos de ci- ência aplicada de grande relevância social, a Oftalmologia, entra no Século XXI com perspectivas de descobertas ainda mais extraordinárias. Elas têm sido apresentadas em diversos congressos internacionais recentes, como o World Ophthalmology Congress (WOC), realizado em São Paulo, no início de 2006, o 19th Symposium of the International Colour Vision Society (ICVS), realizado em Belém, Pará, em meados de 2007, e nos encontros anuais da Association for Research in Vision and Ophthalmology (ARVO), realizados no primeiro semestre de cada ano, sempre em Fort Lauderdale, Florida. Neste editorial, chamamos a atenção de nossos leitores para dois temas de especial significado apresentados nesses congressos: os avanços sobre a neurobio- logia celular dos retinoblastomas e o uso de terapia gênica para “curar” o daltonismo. Outros notáveis avanços, como o mapeamento da sensibilidade retiniana com eletrorretinografia multifocal, a visualização e classificação in vivo dos cones e bastonetes da retina humana com óptica adaptativa e a possibilidade de próteses retinianas para uso em determinadas doenças degenerativas como a retinose pigmentar, serão tratados em comentários mais extensos nos próximos números do Neurociências. Novos métodos de cura para o retinoblastoma e a reparação de lesões do tecido neural Michael A. Dyer (St. Jude Children’s Research Hospital, Memphis, Tennes- see, E.U.A.), e um grupo de neurocientistas coordenados por ele que inclui o brasileiro Rodrigo Alves Portela Martins, Itsuki Ajioka, Ildar T. Bayazitov, Kelli Boyd, Samantha Cicero, Stacy Donovan, Sharon Frase, Dianna A. Johnson e Stanislav S. Zakharenko, identificaram recentemente que as células hori- zontais retinianas maduras que já emergiram do ciclo celular e se tornaram diferenciadas, são capazes de entrar novamente no ciclo celular, sofrer no- vas divisões e originar retinoblastoma, um tipo de câncer ocular altamente agressivo [1,2]. O retinoblastoma decorre de uma mutação na proteína Rb, acomete principalmente crianças em um ou ambos os olhos e representa 3% do câncer em menores de quinze anos. Sua incidência anual é estimada em cerca de 4/1.000.000 de crianças [3]. Me ajuda a olhar! Luiz Carlos de Lima Silveira, Editor Médico, Doutor em Ciências Biológicas (Biofísica), Diretor Geral do Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Professor Associado de Neurociência, Departamen- to de Fisiologia, Instituto de Ciências Biológicas, Universi- dade Federal do Pará Endereço para correspondên- cia: luiz@ufpa.br 60 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Dyer e colegas, com a sua descoberta, mostraram que um princípio do desenvolvimento e crescimento neural há muito estabelecido precisa ser revisto [1,2]. Há cerca de 100 anos, o médico e anatomista espa- nhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), laureado com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, em 1906, propôs que no sistema nervoso central maduro os neurônios estão num estado completamente di- ferenciados, estendendo seus neuritos e realizando sinapses com outros neurônios conforme construído ao longo do desenvolvimento e amadurecimento do organismo. De acordo com Ramón y Cajal e como é ainda amplamente aceito nos dias atuais, nesse estado quiescente permanente esses neurônios diferenciados são incapazes de entrar novamente no ciclo celular e simultaneamente manter o seu estado diferenciado. Essa incompatibilidade entre diferenciação e proliferação explicaria o fato de que tumores altamente diferenciados são menos agres- sivos do que os relativamente menos diferenciados. Dyer e colegas mostraram pela primeira vez que um tipo de neurônio pós-mitótico diferenciado do sistema nervoso central, a célula horizontal da retina, pode entrar novamente no ciclo celular e multiplicar-se de forma clonal, enquanto simultaneamente mantém as características celulares e moleculares de um neurônio diferenciado, preservando seus neuritos e sinapses [1,2]. As células horizontais em proliferação expandem-se rapidamente para formar retinoblasto- mas constituídos por células neoplásicas que também têm neuritos e sinapses características das células originais e, apesar desse alto grau de diferenciação celular tumoral, formam retinoblastomas dos mais agressivos até hoje vistos [1,2]. Retina de primatas diurnos e noturnos Essas descobertas desafiam a concepção atual da relação entre diferenciação neuronal e proliferação celular no sistema nervoso central e mostram uma nova maneira de visualizar as relações entre a diferen- ciação de células tumorais e a progressão do câncer [1,2]. Além disso, esses avanços científicos podem ter um impacto significativo nos esforços realizados por neurocientistas de muitos grupos distribuídos pelo mundo inteiro e que trabalham na linha de frente do combate às doenças neurológicas, esforços esses que se concentram em repovoar linhagens cerebrais específicas comprometidas em doenças degenerati- vas do sistema nervoso central. A descoberta de Dyer e colegas constitui o primeiro exemplo de expansão de uma população neuronal na ausência de célula progenitora (célula tronco) [1,2]. Além disso, esses resultados também têm impacto nas estratégias de tratamento de tumores do sistema nervoso central que se concentram na indução de diferenciação de células tumorais [1,2]. Michael A. Dyer é um jovem neurocientista ame- ricano que acaba de receber o Cogan Award de 2008 [1]. O Prêmio Cogan foi estabelecido pela ARVO em homenagem ao médico oftalmologista americano David Glendenning Cogan (1908-1993) e é conferido a um pesquisador com quarenta anos de idade ou menos que tenha dado uma contribuição científica importante para a Oftalmologia ou para a Ciência Visual diretamente relacionada a alterações do olho ou do sistema visual do ser humano e cuja carreira aponte promissoramente para o desenvolvimento fu- turo da área. Michael Dyer realiza também pesquisas noutras áreas da Neurobiologia Celular e tem uma colaboração importante com Barbara LeVerne Finlay (Cornell University, Ithaca, New York, E.U.A.), Luiz Carlos de Lima Silveira e Manoel da Silva Filho (Uni- versidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil), José Augusto Pereira Carneiro Muniz (Centro Nacional de Priamatas, Ananindeua, Pará, Brasil) e Rodrigo Alves Portela Martins (formado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e atualmente trabalhando no St. Jude Children’s Research Hospital) sobre os mecanismos celulares que guiam o desenvolvimento da retina de primatas diurnos e noturnos, cujos resultados foram apresentados em Belém, no 19º Simpósio da ICVS [4]. Ao longo dos anos de desenvolvimento dessas pesquisas, Michael Dyer tem visitado Belém e Ana- nindeua muitas vezes e é muito bem quisto pelos neurocientistas brasileiros que lá trabalham. Dr. Michael A. Dyer, neurocientista americano ganhador do Prêmio Cogan de 2008 conferido pela Association for Research in Vision and Ophthalmology (ARVO). Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 61 O St. Jude Children’s Research Hospital é reco- nhecido internacionalmente pelo seu trabalho pioneiro na busca da cura do câncer e deoutras doenças graves que ameaçam as vidas de muitas crianças. O hospital, fundado pelo comediante e ator americano de ascendência libanesa Danny Thomas (Amos Al- phonsus Muzyad Yaqoob) (1912-1991), compartilha suas descobertas com a comunidade científica e médica de todo o mundo. O tratamento que é dispen- sado às crianças no St. Jude é inteiramente gratuito e nada é cobrado das famílias ou dos planos de saúde, sendo o hospital financiado por recursos levantados pela American Lebanese Syrian Associated Charities (ALSAC) e por recursos conferidos por instituições que dão suporte à pesquisa científica (consulte www. stjude.org para maiores informações). Terapia gênica e a “cura” do daltonismo A visão diurna da maior parte dos seres humanos é tricromática, ou seja, as cores que eles distinguem na natureza à sua volta são representadas por quanti- dades em três dimensões: brilho, azul-amarelo e verde- vermelho. A combinação dessas três grandezas produz todas as sensações visuais de cores: vermelhos, ala- ranjados, amarelos, verdes, azuis, violetas e púrpuras nos seus vários graus de saturação e brilho, incluindo as cores completamente dessaturadas que são os vá- rios tons de cinza. A base morfofuncional para a visão tricromática reside em dois aspectos importantes da anatomia e fisiologia do sistema visual. Em primeiro lugar, a visão de cores depende da presença na retina de cones pertencentes a três classes diferentes – S, M e L – contendo fotopigmentos específicos sensíveis a regiões parcialmente diferentes do espectro luminoso. O espectro de absorbância dos fotopigmentos S, M e L sobrepõem-se consideravelmente mas possuem absorbância máxima em locais diferentes do espectro luminoso, 420 nm, 530 nm e 558 nm, respectivamente (valores medidos in vitro) [5]. Em segundo lugar, a visão tricromática necessita do funcionamento de circuitos neuronais presentes na retina, tálamo e córtex cere- bral, os quais comparam a informação sobre absorção de fótons fornecida pelos cones e extraem os valores para as três grandezas mencionadas acima – brilho, azul-amarelo e verde-vermelho [6]. O fotopigmento S é codificado por um par de genes, um em cada cromossoma 7, enquanto os fotopigmentos L e M são codificados por dois genes presentes no cromossoma X [5]. Existem alguns seres humanos que normalmente têm visão de cores dicro- mática, restrita a apenas duas das três dimensões visuais mencionadas, por uma especificação genética diferente da maioria dos indivíduos. Existem duas formas dessa condição dicromata, sendo que a forma mais comum, chamada daltonismo, ocorre quando um dos genes do cromossoma X não está presente, não se expressa ou é muito parecido com o outro gene do mesmo cromossoma. Essa forma é muito comum em homens, que possuem um único cromossoma X, e é rara em mulheres, que possuem dois cromossomas X e, assim, precisam ser homozigotas para essa condi- ção, ou seja, apresentá-la em ambos os cromossomas X. Esses indivíduos possuem visão de cores chamada protan ou deutan, conforme a condição ocorra com o gene L ou M, respectivamente. Sua visão é composta apenas pelas dimensões brilho e azul-amarela e eles enxergam amarelos e azuis nos seus vários graus de saturação, assim como os diversos tons de cinzas. A diferença comportamental entre protans e deutans é sutil e necessita de testes de visão de cores especiais para ser estabelecida [5,7]. Protans e deutans John Dalton (1766-1844), químico, metereologista e físico inglês, mais conhecido pelo seu trabalho pio- neiro no desenvolvimento da teoria atômica moderna, tinha visão dicromata desse tipo, assim como seu ir- mão, e ambos tinham dificuldade em distinguir determi- nadas cores, tarefa fácil para a maior parte das outras pessoas com visão tricromata [7]. Dalton supunha que o humor vítreo dos seus olhos estava tingido por um pigmento azul o qual absorveria comprimentos de onda longos e instruiu seus médicos que o examinassem após a morte; naturalmente, esse exame não revelou qualquer alteração nos humores ou nos tecidos ocu- lares tal como os procedimentos disponíveis na época puderam informar [7]. Embora durante muito tempo tenha se acreditado que Dalton era protan, a análise do DNA preservado de seu tecido ocular guardado até hoje mostrou que ele era, na verdade, deutan, sendo esse forma de visão de cores inteiramente de acordo com os relatos cuidadosos que ele fez sobre as cores que ele e seu irmão confundiam [7]. O químico, metereologista e físico inglês John Dalton e seu irmão tinham visão dicromática, o que levou o cientista a ser um dos primeiros a estudar essa condição sistematicamente, a qual leva o nome de daltonismo em sua homenagem. 62 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Como mencionado acim, o daltonismo não se trata de uma doença e sim de uma outra forma de visão de cores encontrada em seres humanos, mas a possibilidade de procedimentos que permitissem a esses indivíduos verem cores da mesma maneira que a maioria dos seres humanos foi sempre um tema de grandes discussões entre os pesquisadores de Ciên- cia Visual. Até há pouco tempo, esses procedimentos pertenciam ao reino da ficção científica. Entretanto, recentemente, Katherine Mancuso (Medical College of Wisconsin, Milwaukee, Wisconsin, E.U.A.) e seus colegas Thomas B. Connor Jr., William W. Hauswirth, James Kuchenbecker, Q. Li, Matthew C. Mauck, Jere- my Neitz e Maureen Neitz, utilizaram terapia gênica em macacos-de-cheiro, Saimiri sciureus, primatas neotropicais nos quais todos os machos e um terço das fêmeas têm visão dicromata e conferiram-lhes visão tricromata, tendo esses resultados sido apre- sentados no 19º Simpósio da ICVS de 2007, em Belém [8], e na recente reunião deste ano da ARVO [9]. Diversos primatas neotropicais têm populações compostas por indivíduos dicromatas e tricromatas porque nessas espécies o cromossoma X apresenta um único gene que codifica fotopigmento de cones. Dependendo do número de alelos na população, uma certa proporção de fêmeas heterozigotas possui visão tricromata, enquanto as fêmeas homozigotas e os machos têm visão dicromata [10]. Tricromatas e dicromatas Smallwood e colegas, num trabalho anterior, usaram técnicas de engenharia genética para produzir camundongos, animal que normalmente é dicromata como a grande maioria dos mamíferos, cujas reti- nas possuíam cones com três tipos diferentes de fotopigmentos (human red pigment knock-in mouse) e demonstraram que neurônios do sistema visual desses animais possuíam características daqueles de animais com visão tricromata [11]. Encorajados por esses resultados, Mancuso e colegas usaram a terapia gênica em macacos-de-cheiro adultos que tinham apenas cones S e M, e assim dotados de visão dicromata com as dimensões branco-e-preta e azul-amarela, com a intenção de adicionar uma ter- ceira capacidade sensorial à visão desses animais, a dimensão verde-vermelha [8,9,12]. Para isso, eles injetaram no espaço sub-retiniano um vetor viral adeno-associado contendo o gene humano do fotopig- mento L. O objetivo era através da infecção viral obter uma região retiniana, próxima do local da injeção com cones M e L, semelhante à de um animal tricromata, ou seja com uma mistura de três classes de cones, S, M e L. Os resultados foram acompanhados com métodos eletrorretinográficos e comportamentais. Antes do tratamento, os animais discriminavam cores tipicamente como dicromatas, confundindo determi- nadas cores, como previsto para esse tipo de visão. Após o tratamento, a sua visão foi progressivamente adquirindo as características tricromatas. Mancuso e colegas concluíram que apesar do conhecimento até aqui estabelecer que existem períodos críticos para o desenvolvimento de novas capacidades visuais, o que levanta objeções sobre a possibilidade do tratamento de adultos com condições congênitas, o fato da introdução de um terceiro tipo de fotopig- mento através daterapia gênica num animal adulto ser suficiente para transformar um animal com visão dicromata em tricromata, contradiz essa afirmação, tem repercussões importantes sobre a nossa com- preensão de como funcionam os circuitos corticais e a plasticidade do sistema visual de primatas adultos, e nos encoraja a usar terapia gênica para tratar uma grande variedade de problemas visuais humanos que atingem os fotorreceptores [8,9,12]. Dra. Katherine Mancuso, neurocientista americana, apresentando suas descobertas sobre o uso de terapia gênica em primatas daltônicos para conferir-lhes visão tricromática, durante o 19th Symposium of the International Colour Vision Society (ICVS), rea- lizado em Belém, Pará, em 2007. “Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Ko- vadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguir falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar!” [13]. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 63 Essas belas palavras do escritor uruguaio Eduardo Hughes Galeano foram-me há alguns anos presenteadas por Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, emi- nente imunologista brasileiro e Editor Associado do Neurociências. Ao ver os esforços de jovens pesqui- sadores como Michael Dyer e Katherine Mancuso, desvendando as fronteiras do conhecimento e, cada um a seu modo, numa extraordinária batalha para estender a capacidade humana de ver, para fazer com que o futuro distante aconteça em nossos dias, em nome dos editores do Neurociências sinto que preciso compartilhar com nossos leitores essa emoção, essa alegria de encarar um futuro onde as fronteiras do conhecimento alargam-se a perder de vista. Referências 1. Dyer MA. Cogan Award and Lecture. The role of the Rb family in retinal development and retinoblastoma. ARVO Annual Meeting. Invest Ophthalmol Vis Sci 2008;49:E-Abstract 3705. 2. Ajioka I, Martins RA, Bayazitov IT, Donovan S, John- son DA, Frase S, Cicero SA, Boyd K, Zakharenko SS, Dyer MA. Differentiated horizontal interneurons clonally expand to form metastatic retinoblastoma in mice. Cell 2007;131:378-390. 3. American Cancer Society. Cancer reference informa- tion. Detailed guide: retinoblastoma. [citado 2008 Mai 10]. Disponível em: URL:http://www.cancer. org/docroot/CRI/CRI_2_3x.asp?rnav=cridg&dt=37. 4. Finlay BL, Dyer MA, da Silva Filho M, Muniz JAPC, Sil- veira LCL. Developmental programs coordinating size and niche variations in the primate eye and retina. In Silveira LCL, Ventura DF, Lee BB (eds). Abstracts Book of the 19th Symposium of the International Colour Vision Society (ICVS), p 67-68. Belém: Univer- sidade Federal do Pará (UFPA), Núcleo de Medicina Tropical (NMT), EDUFPA. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Psicologia (IP), Núcleo de Neurociências e Comportamento (NeC); 2007. 240 p. 5. Sharpe LT, Stockman A, Jägle H, Nathans J. Opsin genes, cone photopigments, color vision, and color blindness. In Gegenfurtner KR, Sharpe LT (eds) Color vision: from molecular genetics to perception, p 3-51. Cambridge, England: Cambridge University Press; 1999. 492 p. 6. Silveira LCL, Grünert U, Kremers J, Lee BB, Martin PR. Comparative anatomy and physiology of the primate retina. In Kremers J (ed). The primate visual system: a comparative approach, p 127-160. Chichester, Eng- land: John Wiley & Sons; 2005. 367 p. 7. Hunt DM, Dulai KS, Bowmaker JK, Mollon JD. The chemistry of John Dalton’s color blindness. Science 1995;267:984-8. 8. Mancuso K, Connor Jr TB, Mauck MC, Kuchenbecker J, Hauswirth WW, Neitz J, Neitz M. Welcome to the wonderful world of color: gene therapy treatment for colorblindness. In Silveira LCL, Ventura DF, Lee BB (eds). Abstracts Book of the 19th Symposium of the International Colour Vision Society (ICVS), p 41-42. Belém: Universidade Federal do Pará (UFPA), Núcleo de Medicina Tropical (NMT), EDUFPA. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Psico- logia (IP), Núcleo de Neurociências e Comportamento (NeC); 2007. 240 p. 9. Mancuso K, Neitz M, Hauswirth WW, Li Q, Connor Jr TB, Kuchenbecker J, Mauck MC, Neitz J. Colorblind- ness cure: gene therapy confers a new sensation. ARVO Annual Meeting. Invest Ophthalmol Vis Sci 2008;49:E-Abstract 3252. 10. Mollon JD, Bowmaker JK, Jacobs GH. Variations of colour vision in a New World primate can be explained by polymorphism of retinal photopigments. Proc R Soc Lond B 1984;222:373-99. 11. Smallwood PM, Ölveczky B, Williams GL, Jacobs GH, Reese BE, Meister M, Nathans J. Genetically engineered mice with a novel class of cone photore- ceptors: Implications for the evolution of color vision. Proc Natl Acad Sci USA 2003;100:11706-11. 12. Mancuso K, Hendrickson AE, Connor Jr TB, Mauck MC, Kinsella JJ, Hauswirth WW, Neitz J, Neitz M. Re- combinant adeno-associated virus targets passenger gene expression to cones in primate retina. J Opt Soc Am A 2007;24:1411-6. 13. Galeano E. O livro dos abraços. Porto Alegre: L&PM; 2005. 64 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Opinião Muito jogo para ser ciência, muita ciência para ser jogo Givago da Silva Souza*, Jaime Nonato de Oliveira**, Luiz Carlos de Lima Silveira*** *Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Fisiologia, **Unimed, Belém PA, ***Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropical e Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Fisiologia Endereço para correspondên- cia: Givago da Silva Souza, Instituto de Ciências Biológi- cas, Departamento de Fisiolo- gia, Campus Universitário do Guamá 66075-900 Belém PA Quem é apaixonado pelo jogo de xadrez e por ciência deve concordar com Montaigne [1] ao dizer que xadrez é muito jogo para ser ciência, mas que também é muita ciência para ser um jogo. Essa dicotomia realmente parece ser válida, visto que o conhecimento em xadrez, assim como o conhecimento científico, exige muita dedicação, estudo, horas de treino e um pouco de sorte. Alguns desafios de xadrez passam por gerações sem serem respondidos, até que um indivíduo insere mais um movimento na resposta e após mais um tempo outro consegue completar a solução do problema. Peão do rei branco em E4. O jogo de xadrez é um dos mais antigos jogos da humanidade e, dentre as várias explicações para sua origem, uma nos remete à Índia, com o objetivo de presentear-se o rei Iadava [2,3]. No Brasil, o jogo chegou com Dom João VI em 1808 [4]. O jogo simula uma batalha entre dois exércitos, no qual há seis tipos de peças (peões, bispos, cavalos, torres, rainhas e reis) com valores variados. O jogo se desenvolve com o objetivo de atacar o rei inimigo até que ele não tenha mais possibilidades de defesa ou fuga. Para praticar o jogo é necessário que o enxadrista conheça as regras do jogo, desenvolva uma estratégia que deve ser continuamente reestruturada, além de ponderar os riscos e benefícios remotos e futuros de suas próprias jogadas e do adversário. A psicologia desde o século XIX e ao longo do século XX têm buscado compreender a cognição por trás do jogo de xadrez [5,6]. Esse conhecimento pode trazer importantes informações para a compreensão de mecanismos envolvidos com a percepção, a memória, o aprendizado e o raciocínio. Peão do rei preto em E5. Bispo do rei branco em C4. O jogo de xadrez tem sido o modelo em estudos sobre especialização em uma atividade, tendo atualmente como principal base conceitual a teoria do chunking [7]. O jogo de xadrez é um modelo específico para a cognição humana devido não poder ser aplicado em outros primatas. Enxadristas mestres e grandes mestres quando apre- sentados a um arranjo de peças notabuleiro simulando um jogo, durante poucos segundos são capazes de reproduzi-lo com grande eficácia em relação a jogadores amadores; no entanto, quando o arranjo das peças no tabuleiro é aleatório, a vantagem dos especialistas é mínima ou nula [7]. Foi proposto que durante o aprendizado, o enxadrista guarda padrões de arranjos de peças comuns em partidas (chunks) utilizando memória de longa duração. Quanto mais padrões o enxadrista for capaz de guardar, maior será sua habilidade de reproduzir um padrão. Peão da rainha preta em D6. Rainha branca em F3. Os estudos neuropsicológicos vêm buscando fazer inferências sobre as bases neurais da cognição do jogo de xadrez. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 65 Crangberg e Albert sugeriram que a habilidade de jogar xadrez fosse uma especialização do hemis- fério cerebral direito devido a uma alta freqüência de grandes mestres canhotos [8]. Nos últimos vinte anos, as técnicas de imageamento cerebral funcional contribuíram para a aquisição do conheci- mento sobre as áreas encefálicas envolvidas pelo raciocínio do enxadrista durnate o jogo de xadrez. Nichelli et al. [9] usaram tomografia por emissão de pósitrons para investigar quais áreas encefálicas estavam ativadas para tarefas de discriminação espacial, tarefas para interpretar as regras do jogo de xadrez e tarefas para avaliar a possibilidade de cheque-mate nas jogadas subseqüentes. Os resultados relacionados à interpretação da regra apresentaram maior ativação do hipocampo e lobo temporal esquerdo em relação à condição da tarefa de discriminação espacial. O hipocampo é uma área reconhecidamente envolvida com a memória [10] e o lobo temporal tem sido relacionado à identificação de objetos e formação inicial da memória [11]. Já a condição de avaliação do cheque-mate sobressaiu- se em relação à condição de interpretação da regra com maior ativação dos lobos occipital, parietal e regiões pré-frontais. O lobo occipital é ativado pelo processamento do estímulo visual mas, nesse caso, pode também ter outro papel não esclarecido visto que todas as outras atividades também necessitam processar a imagem para sua realização [12]. O lobo parietal é ativado quando sujeitos alternam a aten- ção entre lugares diferentes [13] e as regiões pré- frontais são ditas responsáveis por processamentos cognitivos complexos como o reconhecimento de si e o raciocínio lógico e matemático especializado [14,15]. Onofrj et al. [16] estudaram com tomografia por emissão de pósitrons como mestres e grandes mestres enxadristas resolvem problemas complexos do jogo de xadrez. Eles observaram que em todos havia maior ativação dos lobos pré-frontal e temporal nos hemisférios não dominantes manuais. Cavalo da Rainha preta em C6. Rainha branca em F7. Atherton et al. utilizaram ressonância magnética funcional para comparar como jogadores amadores e experientes resolvem problemas do jogo de xadrez [17,18]. Durante a execução desse tipo de tarefa, ocorre ativação do hipocampo e do lobo temporal dos jogadores ama- dores mas, nos jogadores experientes, além da ativação dessas áreas, ocorre também a ativação de regiões do lobo frontal sugerindo que nesses indivíduos ocorrem formas mais complexas de pro- cessamento cognitivo [17,18]. Amidizic et al. comple- mentaram esses resultados através da utilização de magnetoencefalografia para investigar a atividade que ocorre dentro da chamada banda gama (20-40 Hz) em grandes mestres enxadristas e enxadristas amadores durante uma partida de jogo de xadrez contra um computador [19]. A atividade da banda gama vem sendo correlacionada ao processamento de informação visual, percepção e aprendizado [20]. Foi observado que nos grandes mestres a atividade de banda gama concentra-se no neocórtex frontal e parietal, enquanto nos jogadores amadores a maior atividade gama focaliza-se no lobo temporal e no hipocampo. Isto sugere que ao contrário dos grandes mestres que, de acordo com a teoria do chunking, já possuem um plano pré-programado em estágios superiores do processamento cortical, os jogadores amadores codificam e analisam cada nova informação em níveis corticais e subcorticais. Cheque-Mate. Referências 1. D’agostini OG. Xadrez básico. Rio de janeiro: Ediouro; 2002. 614 p. 2. Enciclopédia Barsa. Xadrez. [citado 2008 Apr 2]. Dis- ponível em URL: http//www.barsa.com. 3. Tahan M. Homem que calculava. Ed. RCB, 1990, 120 pp. 4. Vasconcellos FA. Apontamentos para uma história do xadrez & 125 partidas brilhantes. São Paulo: Da Anta Casa; 1991. 350 p. 5. Binet A. Psychologie des grands calculateurs et joueurs d’échecs. Paris: Hachette; 1894. 6. Groot AD. Thought and choice in chess. Basic Books; 1965. 7. Chase WG, Simon HA. Perception in chess. Cognit Psychol 1973;4:55–81. 8. Cranberg LD, Albert ML. The chess mind. In: Kober L, Fein D, eds. the exceptional brain: neuropsychology of talent and special abilities. The Guilford Press; 1988. p. 156-90. 9. Nichelli P, Grafman J, Pietrini P, Alway D, Carton J, Miletich R. Brain activity in chess playing. Nature 1994;369:191. 10. Bird CM, Burgess N. The hippocampus and memory: insights from spatial processing. Nat Rev Neurosci 2008;9:182-94. 11. Squire LR, Wixted JT, Clark RE. Recognition memory and the medial temporal lobe: a new perspective. Nat Rev Neurosci 2007;8:872-83. 12. Callaway EM. Local circuits in primary visual cor- tex of the macaque monkey. Annu Rev Neurosci 1998;21:47-74. 13. Nebel K, Wiese H, Stude P, de Greiff A, Diener HC, Keidel M. On the neural basis of focused and divided attention. Brain Res 2005;25:760-76. 14. Keenan JP, Wheeler MA, Gallup GG Jr, Pascual-Leone A. Self-recognition and the right prefrontal cortex. Trends Cogn Sci 2000;4:338-44. 66 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 15. Houdé O, Tzourio-Mazoyer N. Neural foundations of logical and mathematical cognition. Nat Rev Neurosci 2003;4:507-14. 16. Onofrj M, Curatola L, Valentini G, Antonelli M, Thomas A, Fulgente T. Non-dominant dorsal-prefrontal activa- tion during chess problem solution evidenced by single photon emission computerized tomography (SPECT). Neurosci Lett 1995; 198:169-72. 17. Atherton M, Zhuang X, Bart W, Hu X, He S. A func- tional magnetic resonance imaging study of chess expertise. Cognitive Neuroscience Society Meeting. San Francisco;2000. 18. Atherton M, Zhuang J, Bart W, Hu X, He S. Func- tional MRI study of high-level cognition. I. The game of chess. Brain Res Cogn Brain Res 2003;16:26-31. 19. Amidzic O, Riehle HJ, Fehr T, Wienbruch C, Elbert T. Pattern of focal �-bursts in chess players. Nature 2001;412:603. 20. Singer W. Synchronization of cortical activity and its putative role in information processing and learning. Annu Rev Physiol 1993;55:349-74. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 67 Opinião Quimiocinas no sistema nervoso central: além da inflamação Antonio Lucio Teixeira Laboratório de Imunofarma- cologia, Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Fe- deral de Minas Gerais (UFMG) e Grupo de Neurologia, De- partamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG Endereço para correspondên- cia: Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medi- cina, Av. Professor Alfredo Balena, 190 Santa Efigênia 30130-100 Belo Horizonte MG, Tel/Fax: (31) 3409-2651, E-mail: altexr@gmail.com As quimiocinas são polipeptídios de 8 a 12 kDa que constituem uma grande família de citocinas, estas definidas como moléculas envolvidas na resposta imune. O termo quimiocina deriva da contração dos termos “chemoat- tractant cytokine”. Assim, as quimiocinas estão tradicionalmente relacionadas aos processos de migração e recrutamento celular a favor de um gradiente químico, notadamente dos leucócitos circulantes em processos inflamatórios [1,2]. São classificadas em quatro subfamílias conforme o número e a local- ização dos resíduos de cisteína N-terminais.As duas principais subfamílias são as das quimiocinas CC, que possuem dois resíduos de cisteína adja- centes, e as CXC, em que os resíduos de cisteína são separados por um outro aminoácido. A família CC atua sobre vários tipos celulares, incluindo monócitos e linfócitos; enquanto as quimiocinas CXC agem principalmente sobre neutrófilos. Uma série de estudos sugeriu o envolvimento dessa classe de molécu- las na fisiopatologia de doenças inflamatórias dos sistemas nervoso central (SNC) e periférico [2]. Por exemplo, nosso grupo estudou o líquor de pacientes com esclerose múltipla, doença desmielinizante do SNC, confirmando que os surtos inflamatórios da doença relacionavam-se ao aumento da quimiocina CXCL10/IP-10, responsável pelo recrutamento de linfócitos Th1 envolvidos em sua patogênese [3-5]. Alguns autores propuseram inclusive que as qui- miocinas poderiam ser utilizadas como marcadores biológicos do estado (remissão ou atividade) da esclerose múltipla [6]. Na linha de investigação do potencial das quimiocinas como marcadores de doenças inflamatórias do SNC, determinamos que, ao contrário do que acontece na mielopatia associada ao HTLV-1 (HAM/TSP), não ocorre elevação das quimiocinas relacionadas ao recrutamento de células de perfil Th1 na mielite esquistossomótica, mas das associadas ao perfil Th2, geralmente presente em resposta a infecções parasitárias [7,8]. Mais recentemente, estudamos os níveis de quimiocinas no soro de pacientes esquizofrênicos cronicamente institucionalizados, que exibiram níveis elevados de CCL11/eotaxina [9]. Esta quimiocina está envolvida com atração de células relacionadas à resposta imune do tipo Th2. Este padrão de resposta imune vem sendo relacionado à esquizofrenia, mas os mecanismos responsáveis por essa associação permanecem indefinidos [9]. Considerando a crescente literatura sobre a regulação de funções cerebrais por diferentes citocinas [10], pode-se especular sobre uma eventual participação das qui- miocinas na gênese dos sintomas cognitivos e comportamentais. Interessantemente, as quimiocinas vêm sendo propostas como uma nova classe de neuromoduladores, ou seja, moléculas capazes de modularem a atividade elétrica de neurônios por diferentes mecanismos, como aumento 68 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 da liberação de neurotransmissores por via cálcio-de- pendente e ativação de canais de membrana [11,12]. Nesse sentido, demonstrou-se que as quimiocinas participam do estabelecimento e da manutenção de síndromes dolorosas crônicas [11]. Concluindo, as quimiocinas, além de estarem classicamente envolvidas em processos inflamatórios sistêmicos e do SNC, parecem exercer atividades neuromoduladoras, o que abre interessantes per- spectivas de investigação. Referências 1. Charo IF, Ransohoff RM. The many roles of chemo- kines and chemokines receptors in inflammation. N Engl J Med 2006;354:610-21. 2. Sousa-Pereira SR, Silva LC, Lambertucci JR, Teixeira AL. O papel das quimiocinas na neuroinflamação. Rev Bras Neurol 2005;41:23-9. 3. Moreira MA, Sousa AL, Lana-Peixoto MA, Teixeira MM, Teixeira AL. Chemokines in the cerebrospinal fluid of patients with active and stable relapsing-remitting mul- tiple sclerosis. Braz J Med Biol Res 2006;39:441-5. 4. Moreira MA, Tilbery CP, Monteiro LP, Teixeira MM, Teixeira AL. Effect of the treatment with methyl- prednisolone on the cerebrospinal fluid and serum levels of CCL2 and CXCL10 chemokines in patients with active multiple sclerosis. Acta Neurol Scand 2006;114:109-13. 5. Szczuciski A, Losy J. Chemokines and chemokine re- ceptors in multiple sclerosis. Potential targets for new therapies. Acta Neurol Scand 2007;115:137-46. 6. Bielekova B, Martin R. Development of biomarkers in multiple sclerosis. Brain 2004;127:1463-78. 7. Sousa-Pereira SR, Teixeira AL, Silva LC, Souza AL, An- tunes CM, Teixeira MM, Lambertucci JR. Serum and cerebral spinal fluid levels of chemokines and Th2 cy- tokines in Schistosoma mansoni myeloradiculopathy. Parasite Immunology 2006;28:473-8. 8. Guerreiro JB, Santos SB, Morgan DJ, Porto AF, Muniz AL, Ho JL, Teixeira AL, Teixeira MM, Carvalho EM. Levels of serum chemokines discriminate clinical myelopathy associated with human T lymphotropic virus type 1 (HTLV-1)/tropical spastic paraparesis (HAM/TSP) disease from HTLV-1 carrier state. Clin Exp Immunol 2006;145:296 - 301. 9. Teixeira AL, Reis HJ, Nicolato R, Brito-Melo GE, Correa H, Teixeira MM, Romano-Silva MA. Increased serum levels of CCL11/eotaxin in schizophrenia. Prog Neuro- Psychopharmacol Biol Psychiatry 2008;32:710-4. 10. Kronfol Z, Remick DG. Cytokines and the brain: implications for clinical psychiatry. Am J Psychiatry 2000;157:683-694. 11. White FA, Jung H, Miller RJ. Chemokines and the pathophysiology of neuropathic pain. Proc Natl Acad Sci U S A 2007;104:20151-8. 12. Rostène W, Kitabgi P, Parsadaniantz SM. Chemo- kines: a new class of neuromodulator? Nat Rev Neu- rosci 2007;8:895-903. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 69 Opinião Ondas de visão Bruno Duarte Gomes*, Luiz Carlos de Lima Silveira** *Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Biológi- cas, Campus Universitário do Guamá, 66075-900 Belém PA, **Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Fisiologia e Núcleo de Medicina Tropical, Av. Generalíssimo Deodoro 92, 66055-240 Belém PA O conhecimento oriundo da pesquisa em Neurociência tem gerado aplica- ções de inquestionável importância em vários aspectos da atividade humana, em especial no cuidado à saúde, com técnicas cada vez mais sensíveis e específicas para diagnósticos e prognósticos utilizados em pacientes sofrendo de doenças do sistema nervoso. Além do que, dentro das ciências naturais, a Neurociência surge também como uma necessidade do ser humano em responder perguntas como: como e por que pensamos, lembramos de fatos antigos ou recentes, sentimos, desejamos? O que é a consciência e como ela se desenvolve no encéfalo? Tanto para as futuras aplicações, quanto para uma resposta, se não completa, mas ao menos aproximada a essas perguntas, o entendimento de como exatamente funciona o córtex cerebral é provavelmente o passo mais importante. Existem várias frentes de trabalho na busca pela compreensão de como funciona o encéfalo, alguns dedicando-se a temas como os mecanismos subjacentes à percepção, às emoções, à motivação, ao controle motor, ao aprendizado, à memória, abordando esses temas com o desenvolvimento de novas técnicas e novos equipamentos para registrar o funcionamento dos neurônios, assim como a formulação de novas teorias a serem testadas experimentalmente sobre o funcionamento neural. O estudo dos sistemas sensoriais é uma parte importante dessa busca, com destaque para o sistema visual, dada a importância desse sentido para o dia-a-dia do ser humano. Como é bem sabido, a importância desse sistema sensorial para nós, prima- tas, reflete-se na impressionante extensão de área cortical dedicada direta e indiretamente à visão [1-5]. Tanto para a visão quanto para outros sentidos, a constatação da existência de mapas corticais de representação topográfica da função sensorial, teve conseqüências fundamentais no entendimento da função cortical. No caso do sistema visual esses mapas foram delimitados na área visual primária (V1) e nas demais áreas visuais do córtex cerebral no trabalho exaustivo realizado em muitos laboratórios por vários pesquisadores [1-5], entre eles os detentores do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1981, David H. Hubel e Torsten N. Wiesel [1], os quais também mostraram que diferentes propriedades funcionais da visão podem ser mapeadas topo- graficamente como bem demonstram a estrutura das colunas corticais de processamento de forma e movimento de estímulos simples [1]. Os trabalhos de Hubel e Wiesel deixaram de modo muito claro que o padrão espaçotem- poral de ativação de conjuntosespecíficos de neurônios corticais constitui o código que representa os estímulos sensoriais. Os padrões espaçotemporais de ativação cortical em áreas sensoriais têm sido explorados recentemente por uma variedade de trabalhos usando a técnica de marcação com corantes sensíveis à voltagem (VSD, voltage-sensi- 70 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 tive dye) [6-10]. A VSD é uma técnica de imageamento óptico que permite visualizar em alta resolução temporal e espacial, os padrões de ativação do cór- tex cerebral in vivo através do registro de ondas de excitação ou ondas de propagação cortical. Na VSD a área cortical a ser analisada é exposta e marcada com o corante sensível à voltagem. As moléculas do marcador ligam-se à superfície externa das membra- nas celulares e atuam como transdutores eletro-óp- ticos ou seja transdutores de variações elétricas em sinais ópticos através das alterações na absorção ou emissão fluorescente que ocorrem na escala de microsegundos. Essas alterações são monitoradas por detectores ópticos quando a superfície cortical marcada é iluminada com luz de comprimento de onda correspondente ao pico de excitação espectral do corante usado. A partir daí é construída uma se- qüência de imagens das variações da fluorescência do córtex cerebral que correspondem às variações de voltagem, utilizando-se uma câmara de altíssima resolução temporal [10-11]. Xu et al. publicaram os resultados de seus trabalhos com VSD mostrando o padrão de variação espaçotemporal de ondas de propagação cortical em V1 e V2 de ratos anestesiados [10]. Neste estudo, já influente entre os pesquisadores da área, as ondas são produzidas mediante estimulação com redes quadradas acromáticas em movimento (drifting grat- ings). As ondas de propagação cortical mostradas por Xu et al. indicam uma variação espaço-temporal estereotipadas que inicia com a produção de uma onda primária, com latência de aproximadamente 100 ms (99,8 ± 18,2 ms), em uma pequena área de representação retinotópica monocular de V1, e que se espalha depois por toda a área primária, propa- gando-se em direção à V2 onde, na borda entre V1 e V2 sofre uma redução de velocidade e uma forte compressão. Após a compressão, uma onda é então produzida em V2 e se propaga até V1. Essa segunda onda foi chamada pelos autores de onda refletida. Pode-se descrever o que foi observado por esses pesquisadores numa região do córtex cerebral que continha uma parte de V1 e V2 separadas por uma fronteira sinuosa porém contínua. O início da onda de despolarização primária em V1 é vista como um clarão que inicia 100 ms após o início do movimento do estímulo visual periódico espaçotemporal, a drift- ing grating. Esse clarão propaga-se em alta velocid- ade tal qual uma onda de choque em direção a V2, sofrendo na fronteira entre V1 e V2 uma redução de velocidade e um estreitamento. Logo após, uma onda se inicia já em V2 de modo quase contínuo à região do estreitamento que se encontra em V2 e se propaga com forte intensidade e velocidade em direção à V1, causando uma despolarização em toda a área V1/V2 analisada. Xu et al. observaram o mesmo padrão de propagação das ondas corticais em vários animais e, em cada animal, com várias varreduras. Tanto a onda primária quanto a refletida puderam ser claramente discernidas usando quatro detectores ópticos de um total de 464 usados. O estudo de Xu et al. mostrou ainda que de modo similar ao que ocorre com as ondas do potencial cortical provocado visual registrado com eletródios eletroencefalográficos posicionados no couro ca- beludo [12-13], a probabilidade de produzir a onda primária e portanto todo o padrão de propagação observado, diminuía com a redução de tamanho e contraste da rede apresentada. Finalmente, o estudo destaca ainda a imensa diferença entre os padrões de propagação provocados por estimulação e aqueles espontâneos. Em comparações repetidas usando os mesmos animais, as ondas espontâneas demonstra- ram ser mais rápidas do que as ondas provocadas. Além disso, iniciam-se em pontos variados e possuem padrão de propagação em várias direções. Nenhuma compressão foi observada com as ondas de propa- gação cortical espontâneas. Um outro achado bastante interessante foi o fato de que resultados similares aos encontrados com propagação cortical espontânea foram obtidos mediante a estimulação com as redes quando Xu et al. injetaram na superfície cortical estudada pequenas doses de bicuculina, um antagonista de receptores GABA A , um dos principais grupos de receptores ligan- tes do ácido gama aminobutírico (GABA), o aminoácido que constitui o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central. Sob influência da bicuculina, ocorreu a produção da onda primária mas, no entanto, não houve compressão ou reflexão. Esse resultado sugere um papel crítico para a inibição devida à libera- ção de GABA no comportamento espaçotemporal da resposta visual e mostra de modo elegante o balanço dinâmico entre excitação e inibição das redes neurais corticais em atividade por estimulação visual tal como ocorre na borda V1/V2 do sistema visual. As “ondas de visão” de Xu et al. mostram de forma sólida que pelo menos quando se considera grandes populações de neurônios, o padrão espa- çotemporal de ativação de áreas corticais contém o código no qual está representada a informação sensorial no córtex cerebral visual. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 71 Referências 1. Hubel DH, Wiesel TN. Receptive fields, binocular interaction and functional architecture in the cat’s visual cortex. J Physiol (London) 1962;160:106-54. 2. Gross CG, Bender DB, Rocha Miranda CEG. Visual receptive fields of neurons in inferotemporal cortex of the monkey. Science (New York) 1969;166:1303-6. 3. Gross CG, Rocha Miranda CE, Bender DB. Visual properties of neurons in the inferotemporal cortex of the macaque. J Neurophysiol 1972;35:96-111. 4. Van Essen DC, Maunsell JHR. Hierarchical organiza- tion and functional streams in the visual cortex. TINS 1983;6:370-5. 5. Gattass R, Nascimento Silva S, Soares JGM, Lima B, Amorim AKJ, Diogo ACM, Farias MF, Moura MM, Botelho EP, Mariani OS, Azzi JCB, Fiorani Jr M. Corti- cal visual areas in monkeys: location, topography, connections, columns, plasticity and cortical dynam- ics. Philo Trans Royal Soc 2005;360:709-31. 6. Delaney KR, Gelperin A, Fee MS, Flores JA, Gervais R, Tank, DW, Kleinfeld D. Waves and stimulus-modu- lated dynamics in an oscillating olfactory network. Proc Natl Acad Sci USA 1994; 91:669-73. 7. Freeman WJ, Barrie JM. Analysis of spatial patterns of phase in neocortical gamma EEGs in rabbit. J Neu- rophysiol 2000; 84:1266-78. 8. Arieli A, Shoham D, Hildesheim R, Grinvald A. Co- herent spatiotemporal patterns of ongoing activity revealed by real-time optical imaging coupled with single-unit recording in the cat visual cortex. J Neuro- physiol 1995;73:2072-93. 9. Roland PE, Hanazawa A, Undeman C, Eriksson D, Tompa T, Nakamura H, Valentiniene S, Ahmed B. Cortical feedback depolarization waves: A mechanism of top-down influence on early visual areas. Proc Natl Acad Sci 2006;103:12586–91. 10. Xu W, Huang X, Takagaki K, Wu JY. Compression and reflection of visually evoked cortical waves. Neuron 2007;55:119-29. 11. Grinvald A, Hildesheim R. VSDI: a new era in function- al imaging of cortical dynamics. Nature Rev Neurosci 2004;5:874-85. 12. Gomes BD, Souza GS, Rodrigues AR, Saito CA, Silveira LCS, Silva Filho M. Normal and dichromatic color discrimination measured with transient VEP. Vis Neurosci 2006;23:617-27. 13. Souza GS, Gomes BD, Saito CA, da Silva Filho M, Silveira LCL. spatial luminance contrast sensitivity measured with transient vep: comparison with psy- chophysics and evidence of multiple mechanisms. Inv Ophthalmol Vis Sci 2007;48:3396-404. 72 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Opinião Psicologia e neurociências:limpando terreno Amauri Gouveia Jr*, Iza Batista Taccolini** *Professor do ICB/UFPA, Belém PA, **Iza Batista Tacco- lini, Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Neurociên- cia e Biologia Celular, UFPA Endereço para correspondên- cia: Amauri Gouveia Jr., ICB/ UFPA, Campus Universitário do Guamá, Rua Renato Correia, 1, 66075-110 Belém PA, Tel: (91) 3233-8226/9632-1808, E-mail: agjunior@ufpa.br O objetivo do presente trabalho é apresentar o local da psicologia nas neurociências e, por outro lado, as relações entre as neurociências e as psicologias. De forma geral, psicólogos referem-se às neurociências a partir de seu universo de significação, ora como uma linha em psicologia, algo biológica (confira, por exemplo, Starling [1]), ora como outra área de conhecimento, ora como algo identificado com a neuropsicologia de Hebb ou Luria [2,3]. Todas estas assertivas são, ao menos em parte, erradas. Na verdade, psicólogos não são culpados. A confusão começou bem antes, com a proposta de Descartes [4] de separação entre a res cogitans e a res extensa, identificando a primeira com a mente que ganhou um quê de imaterial, para espanto dos estudiosos de filosofia grega como Rorty ou Matson [5,6]. Descartes identificou as sensações e cognições com a primeira, indo contra toda uma tradição grega que identificava estas com o corpo, conforme apontado pelos autores citados. Descartes [4] afirmava que a res extensa poderia ser estudada por seu método, redutivo e próximo do método científico atual, mas a res cogitans, somente pela introspecção. Era o inicio da confusão. Esta separação entre mente e corpo, gerou dois programas diversos de pesquisa: por um lado, a biologia (na época, filosofia natural) e medicina (nascente, à época), que se dispunham a estudar a neurofisiologia, a neu- rofarmacologia, a neuroanatomia (mais esta que as demais, diga-se, por limitações técnicas), a neurologia; e por outro, a filosofia e a psicologia. Para simplificar, chamemos o primeiro programa de “biológico” e o segundo, de “mental”, embora estejamos conscientes dos problemas e limitações destes termos. O programa de pesquisa “biológico” tinha seu andamento intimamente dependente de progressos técnicos; assim, seu caminhar foi lento, dado que até meados do século 20 somente animais mortos eram alvo de técnicas anatômicas e quase toda a fisiologia era feita com animais anestesiados - de forma que o comportamento e a observação deste em suas variações fisiológicas em atividade eram poucas ou inexistentes. Por outro lado, a afirmação cartesiana mobilizou filósofos do outro lado do Canal da Mancha, na Inglaterra, e gerou o empirismo de Mill, Locker e Hume, que criaram um vocabulário (memória, consciência, atenção, etc) que até hoje é fonte de inesgotáveis confusões na psicologia e na filosofia da mente. Tal confusão advém do fato que essas categorias do mental corresponde em termos biológicos à reunião de funções neurais diversas: por exemplo, percepção não é uma função neural singular, mas o conjunto de funções (ver, ouvir, interpretar, sentir, etc) ligadas a muitos sistemas diferentes. Tal Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 73 fato gera uma confusão semântica que separa mais ainda os dois programas. Hume levou a introspecção como técnica ao seu limite, de tal forma que passa a considerar que o acesso a subjetividade do outro (seus pensam- entos, sentimentos, etc) é impossível, bem como o conhecimento objetivo do mundo, dado que este só existe como representação pessoal, inacessível aos outros. Kant inicia o prefácio de seu livro A critica da razão pura afirmando que Hume o “despertou” de seu sonho metafísico, e resgata a concretude da experiência e do mundo, mas ressalta que o acesso a subjetividade continuava interdito, dado que não poderia ser descrito por vários observadores [7]. Desta forma, Kant [7] afirma que a psicologia como ciência era impossível. Apesar disto, grupos de físicos tentaram estudar as categorias empiricistas, gerando a Psicologia da Gestalt1. Por outro lado, cien- tistas como Thordike tentaram criar alternativas para o estudo do comportamento de forma independente da fisiologia, seja com objetivos descritivos (como Wat- son, Hull ou Skinner [8]), seja com objetivos clínicos (através de médicos como Freud ou Binswanger). Tais modelos reforçaram a divisão entre os programas de pesquisa da mente e do seu cérebro, afastando-os mais ainda. Cada vez mais a psicologia era uma ciência da mente (em alguns casos, como no behaviorismo, da aprendizagem), e cada vez mais a biologia do sistema nervoso era uma ciência sem mente. Mesmo alterna- tivas pretensamente calcadas no darwinismo, como o behaviorismo de Skinner, afirmavam um dualismo de propriedades [2] entre o organismo e o comporta- mento, que inibia as colaborações mútuas. Em paralelo a este movimento, a nascente neu- rologia do século XIX se divide entre seguidores de doutrinas equipotenciais, em que o que conta para o comportamento e função do cérebro é a quantidade de massa encefálica, e localizacionistas, em busca de mapas de localização de funções neurais [9]. No fim da década de 50 do século 20, uma serie de fatos ocorreu: 1) a emergência de técnicas de neuroimagem, que permitiram o estudo do cérebro em funciona- mento2; 2) A publicação em curto espaço de anos dos livros de Luria [3] e Hebb [2], indicando o fenômeno da plasticidade neural [10]; 3) A emergência de uma visão “computacional” da mente, abrindo as portas para modelos matemáti- cos de função mental [11]; 4) O surgimento das técnicas de biologia molecular, permitindo a exploração das alterações molecula- res dos organismos (talvez o principal fato)3; 5) O surgimento das primeiras drogas psiquiátricas contemporâneas, com o uso extensivo dos neu- rolépticos, dos antidepressivos triciclícos e dos ansiolíticos benzodiazepínicos e o tratamento farmacológico das patologias psiquiátricas. Tais fatos geraram conseqüências imediatas, unificando as áreas da neurobiologia em um único núcleo; dessa forma, a neurofarmacologia, a neuro- anatomia e a neurofisiologia passaram a compartilhar técnicas e deixaram de ser, respectivamente, uma disciplina da estrutura, da ação de agentes externos e da função, para unificarem a linguagem e cruzarem objetivos em um todo coerente [12], com linguagens convergentes, que passaram a estudar o cérebro em termos de alterações micro e ultra-estruturais, dando uma base biológica para plasticidade proposta e sub- sidiando a ação da neurologia e psiquiatria em termos de base biológica dos transtornos que superaram as dicotomias estrutura-função e orgânico-funcional. O comportamento passa a poder ser explicado em uma base material, identificada com o sistema ner- voso central, o qual é plástico, ou seja, é modelável em sua estrutura e função por agentes externos e endógenos, entre eles drogas. Os comportamentos passam a ser explicados em termos computacionais, integrando as disciplinas do comportamento em um todo coerente. Tal fato levou à superação das visões equipoten- ciais e localizacionistas para outra, em que o cérebro é formado por módulos funcionais, que se organizam em sistemas sob pressão de eventos ambientais e desenvolvimentais que sustentam a emergência de comportamentos. Este movimento são as neurociências, que não se constituíram em uma área da psicologia, da 1 A psicologia da Gestalt, ao contrario do que afirmam os livros de história da psicologia, continua viva e forte na psicofísica praticada no mundo. 2 Para se ter uma idéia de como a evolução das técnicas de imagem é recente: o raio-X é de 1895; a pneumografia é de 1919; o ul- trassom craniano é de 1956; A tomografia de raio X é de 1972; a Tomografia de emissão de positrons (PET) de 1974, e a tomografia funcional, de 1994. (confira mais datas em http://staff.washington.edu/chudler/hist.html). 3 Para uma historia da biologia molecular, confira [13].74 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 fisiologia, ou de qualquer outra das ciências que as sustentam, mas em um campo de interesse comum, das relações entre cérebro e comportamento (ou mente). Tal entendimento surge no fim da década de 60 [12]. O campo que se vislumbra tem um núcleo duro, composto das disciplinas do programa de biologia, unificadas por técnicas e objetos comuns. Ao redor deste gravitam as ciências do comportamento, mais próximas da psicologia e da etologia, e as ciências da informação, bem como suas interfaces. Este campo (as neurociências) se subdivide em grandes áreas de interesse: Neurociência molecular e celular, Desenvolvimento do sistema nervoso, Sistemas sensoriais, Sistemas motores, Sistemas regulatórios, Neurociência comportamental e cognitiva e Neurofilosofia [12,14]. Podemos agora determinar quais as relações entre neurociências e psicologia. 1) As neurociências não são uma linha em psicologia – embora algumas linhas relacionadas com as ciências cognitivas tenham uma afinidade intensa com estas (confira por exemplo [15]) – os fatos que apóiam essa afirmação são os seguintes: a) os neurocientistas não compartilham a fé em me- canismos comuns e pressupostos outros que não a materialidade das funções neurais, e mesmo esta não é um dogma inabalável entre eles [16]; b) os neurocientistas não compartilham, em sua maioria, um programa de pesquisa em comportamento com vistas a subsidiar ou gerar tecnologias, como as grandes linhas da psicologia; 2) As neurociências não são uma alternativa à psicologia, mas se apropriam de conhecimentos e téc- nicas destas para pesquisa, quando de interesse; 3) As neurociências não pretendem acabar com a psicologia, mas tem um desenvolvimento à parte destas, embora por vezes, convirjam em assuntos e objetivos. Um comentário se deve às relações entre as neu- rociências e a clínica psicológica: embora de maneira geral o desenvolvimento de pesquisa na área privilegie as pesquisas básicas, o que chega à mídia é princi- palmente clínica; a clínica neuropsicólogica tem se beneficiado de técnicas de imagem e a clínica médica tem se beneficiado muitíssimo dos desenvolvimentos de novos compostos farmacológicos e conhecimentos sobre o funcionamento neural. Dado o exposto, esperamos que mais estudio- sos do comportamento surjam nas neurociências, e auxiliem no conhecimento das relações entre mental (comportamental) e biológico e consolidem a unifica- ção dos programas de pesquisa. Referências 1. Starling RR. A interface comportamento/neurofisiolo- gia numa perspectiva behaviorista radical: o relógio causa as horas? In: Kerbauy RR, ed. Sobre compor- tamento e cognição. Santo André: ESITEC; 2000. vol. 5. p. 3-15. 2. Hebb DO. The organization of behavior: A neuropsy- chological theory. New York: John Wiley & Sons; 1949. 3. Luria AR Higher cortical functions in man. New York: Basic Books; 1966. 4. Descartes R. O discurso do método. Porto Alegre: L&PM; 2005. 5. Rorty R. A filosofia e o espelho da natureza. São Paulo: Relume Dumará; 1994. 6. Matson W. Why is the mind-body problem ancient? 1966. In: Rorty R. A filosofia e o espelho da natureza. São Paulo: Relume Dumará; 1994 7. Kant E. A crítica da razão pura. Versão eletrônica. Merege JM trad [citado 2004 Apr 05]. Disponível em URL: http://www.dca.fee.unicamp.br/~gudwin/ftp/ ia005/critica_da_razao_pura.pdf. 8. Mills JA. Control: a history of behavioral psychology. New York: New York University Press; 2000. 9. Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM. Essentials of neural science and behavior. Stanford: Apletton & Lange; 1995. 10. Kristensen CH, Almeida RMMA, Gomes WB. Historical development and methodological foundations of cog- nitive neuropsychology. Psicol Reflex Crit 2001;14 :259-74. 11. Gardner H. A nova ciência da mente. São Paulo: EDUSP; 1995. 12. Zigmond MJ, Bloom FE, Landis SC, Robert JL, Squire LR. Fundamental neurosciences. New York: Academic Press; 1999. 13. Hausmann R. História da biologia molecular. Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética; 1997. 14. Churchland P. Neurophilosophy: toward a unified sci- ence of the mind-brain. Cambridge, Mass: MIT Press; 1989. 15. Gazzaniga MS, ed. The new cognitive neurosciences. Cambridge, Mass: MIT Press; 1999. 16. Penrose R. A mente nova do rei: computadores, mentes e as leis da física. Rio de Janeiro: Campus; 1993. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 75 Artigo original Caracterização de respostas comportamentais para o teste de Stroop computadorizado - Testinpacs Characterization of behavioral responses to the computerized Stroop test - Testinpacs Cláudio Córdova*, Margô Gomes de Oliveira Karnikowski**, José Eduardo Pandossio, Otávio Toledo Nóbrega** Resumo Introdução: O teste de Stroop é um instrumento útil para a investigação de aspectos executivos do controle atencional. Mecanismos atencionais são exigidos para inibir o processamento au- tomático da identidade da palavra enquanto prioriza processos menos automáticos como a cor da palavra. No Brasil, não há relato de versão computadorizada do testes de Stroop. Objetivo: Investigar a confiabilidade do teste de Stroop computadorizado – Testinpacs como instrumento para a avaliação cognitiva. Métodos: 40 participantes foram submetidos a 4 sessões de prática para a avaliação da fidedignidade do teste (r) e dos efeitos da prática. Resultados: Os coefici- entes r foram classificados como satisfatórios [0,70 – 0,79]. As estatísticas d revelaram que a magnitude dos efeitos da prática variou de 0,23 a 1,54 desvios padrões. Modelos de regressão curvilíneos explicaram melhor a distribuição dos dados em relação ao linear simples. Conclusão: Sugere-se que a presente versão computadorizada do teste de Stroop - Testinpacs é um eficiente instrumento para avaliar atenção seletiva associada ao estresse psicológico agudo. Palavras-chave: teste de Stroop computadorizado, estresse psicológico agudo, efeitos da prática, atenção seletiva. Abstract Background: The Stroop task is a particularly useful tool for the investigation of executive aspects of attentional control. Attentional mechanisms are required to suppress the automatic processing of the word’s identity while prioritizing the less automatic processing of the word’s ink color. There are no descriptions of a computerized version of the Stroop tests in Brazil. Objective: To assess the reliability of the computerized Stroop test – Testinpacs as an instrument for cognitive evalua- tion. Methods: 40 subjects were submitted to 4 practice sections to evaluate the reliability of the test (r) as well as the practice effects. Results: The r coefficients rendered satisfactory results [0,70 – 0,79]. Cohen statistics (d) revealed that the magnitude of the practice effects ranged from 0,23 to 1,54 standard deviations. Curve-form regression models rendered more adequate data distribution when compared to simple linear models. Conclusion: The results suggest that the present computerized version of the Stroop test is an useful instrument to evaluate selective attention associated to acute psychological stress. Key-words: computerized Stroop test, acute psychological stress, practice effects, selective attention. *Professor Adjunto nos cursos de Psicologia e Medicina da UCB, Laboratório de Processos Básicos em Psicologia (LPBP), Universidade Católica de Bra- sília – UCB-DF, **Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia, Laboratório de Imunogerontologia, Uni- versidade Católica de Brasília – UCB-DF, Brasil, ***Doutor em Ciências pela USP – Ri- beirão Preto Recebido 22 de maio de 2007; aceito 15 de fevereiro de 2008. Endereço para correspondência: Dr. Cláudio Córdova, SHIS QI 17 conj. 03 casa 19, Lago Sul 71645-030 Brasília DF, Tel: (61) 9265 5854, E-mail; claudioucb@ yahoo.com.br 76 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Introdução O teste de interferênciapalavra-cor de Stroop [1] é um instrumento neuropsicológico largamente utili- zado para a avaliação do sistema de atenção anterior que regula a capacidade inibitória de respostas auto- máticas [2]. Do mesmo modo, tem se mostrado como modelo útil para a evocação de respostas fisiológicas associadas aos reflexos de defesa em humanos [3], tais como, elevação dos batimentos cardíacos e pres- são arterial sistólica; aumento nas concentrações de catecolaminas; alterações quantitativas e funcionais em parâmetros imunitários [3,4-6]. Brevemente, consiste em um conjunto de estí- mulos com letras impressas em uma só cor e que formam o nome de outra cor, por exemplo, a palavra azul impressa em cor verde. Quando o participante é solicitado a responder a cor da palavra e ignorar sua identidade (interferência palavra-cor), o processamen- to automático da identidade da palavra é inibido em função de processos menos automatizados, como a cor da tinta da palavra. Neste contexto de respostas conflituosas, a proporção de respostas erradas e, principalmente medidas do tempo de resposta desta- cam-se como importantes variáveis para a avaliação dos efeitos da interferência contextual [7]. No âmbito das investigações neuropsicológicas, existem diversas versões para o teste de Stroop. Entre as principais variantes, destacam-se os testes computadorizados [2]. De fato, a introdução de testes computadorizados em pesquisas e práticas clínicas tem proporcionado diversas vantagens. Por exemplo, para a análise temporal de eventos relacionados ao processamento da atenção visual é fundamental o registro das medidas com precisão de milissegundos [8,9]. No Brasil, não há descrição de testes computa- dorizados, em língua portuguesa, para a investigação do paradigma de Stroop. Portanto, o objetivo deste trabalho foi investigar se o teste computadorizado palavra-cor de Stroop – TESTINPACS satisfaz alguns dos requisitos acima mencionados. O teste de Stroop tradicional, baseado na leitura de listas de palavras, foi utilizado como controle. Medidas de estabilidade temporal, bem como, as magnitudes dos efeitos da prática foram estimadas para os dois testes. Métodos Este trabalho teve por objetivo investigar a fi- dedignidade teste/reteste e a magnitude do efeito da prática/aprendizagem (aprendizagem motora, familiarização com os testes, entre outras) sobre as medidas do tempo de resposta (TR). Em abordagens que requerem a administração repetida do mesmo instrumento cognitivo, a exemplo das avaliações neuropsicológicas, à interpretação dos resultados pode ser obscurecida pelos indesejáveis efeitos da prática [7]. Participantes Foram incluídos nesta investigação 72 alunos do curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). Os seguintes aspectos foram utilizados como critério de exclusão: a) relato de cardiopatias ou problemas respiratórios b) problemas visuais sem correção c) utilização de drogas que pudessem comprometer as funções cognitivas d) relato de prá- tica anterior com o teste de Stroop. Deste total, 32 voluntários foram excluídos por algum dos critérios citados. Portanto, a amostra foi constituída por 34 mulheres e 6 homens (22,44 ± 4,14 anos). Todos forneceram o consentimento escrito que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local (UCB). Procedimentos Os participantes foram aleatoriamente divididos para o grupo computadorizado (PC) ou Controle (C). Após as instruções, todos foram submetidos a quatro sessões de práticas com intervalos de 10 minutos entre sessões. Os experimentos foram realizados no período de 14h às 17h. Segue uma breve descrição dos testes: 1. Teste de Stroop Computadorizado. Um monitor colorido de 17 polegadas foi posicionado a cerca de 80 cm do campo visual. No Stroop 1, retângulos nas cores verde, azul, preto e vermelho (2,0 cm x 2,5 cm) foram apresentados, individualmente, no centro do monitor. Nos cantos inferiores do moni- tor, respostas em correspondência ou não à cor do retângulo foram exibidas até que o participante respondesse a tentativa pressionando as teclas ← ou →, de um teclado padrão. Na segunda etapa, Stroop 2, tanto os estímulos quanto às respostas foram exibidos na condição de palavras, sempre em cor branca. Computava-se como acerto quando o estímulo e a resposta coincidiam. Por último, Stroop 3, o nome de uma das quatro cores era exibido em cor incompatível. O participante foi instruído a pressionar a tecla correspondente à cor da palavra e inibir a resposta para a identidade da Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 77 palavra. Em todas as etapas os estímulos foram apresentados de forma automática e aleatória (12 tentativas/etapa). O TR para cada tentativa foi medido em milissegundos. 2. Teste Controle. Listas de palavras foram impres- sas em folhas de papel A-4 e organizadas aleato- riamente em uma coluna central. No Stroop 1, as palavras, verde, vermelho, amarelo e azul foram impressas em cor preta. No Stroop 3, as cores foram incompatíveis com as palavras impressas. O TR e número de erros foram medidos durante as 12 tentativas/etapa. O tempo para a realização de cada etapa do teste foi medido em centésimos de segundos por um cronômetro. Os participantes foram instruídos a responder, verbalmente, o mais rápido possível, às tentativas. Análises dos dados A análise foi dividida em quatro etapas: 1) Medi- das de fidedignidade teste/reteste para TR foram esti- madas entre sessões de práticas utilizando o teste de correlação de Pearson; 2) Avaliação do desempenho sobre o TR por análises de variância com medidas repetidas (ANOVA); 3) Modelos de regressão foram utilizados com o objetivo de explicar o comportamen- to dos dados quando ANOVAs revelaram diferenças significativas (efeito da prática); 4) A magnitude do efeito da prática foi estimada como o percentual da diferença entre as médias de consecutivas práticas. Estes resultados foram comparados com as estatísti- cas d de Cohen [10]. Quando apropriado, contrastes planejados foram realizados com o propósito de com- parar os escores d para os intervalos: d 1- 2 versus d 2 –3 e d 2 –3 versus d 3 –4. Resultados Os coeficientes de fidedignidade (r) para o C situ- aram-se no intervalo de 0,47 a 0,86, sendo a maioria ≥ 0,53 (Tabela I). Para o PC verificou-se o intervalo de 0,68 a 0,89, com a maioria dos coeficientes ≥ 0,7. Os coeficientes para o C foram classificados como insuficientes (≤ 0,9), enquanto para o PC como sa- tisfatórios [0,70 – 0,79] [7]. Tabela I - Coeficientes de fidedignidade (r) para me- didas do tempo de resposta entre pares de sessões de prática. Tipo de teste Prática 1 – 2 N = 40 Prática 2 – 3 N = 40 Prática 3 – 4 N = 40 PC Stroop 1 Stroop 3 0,70** 0,82** 0,78** 0,68** 0,72** 0,89** C Stroop 1 Stroop 3 0,47* 0,53* 0,86** 0, 57* 0,76** 0,67** PC – Teste Computadorizado; C – Teste Controle; *p < 0,05; **p < 0,01 (testes bicaudais). Tabela II - Resultados sobre as medidas do tempo de resposta e erros cometidos para as sessões de prática. Testes Prática1 M (DP) Prática2 M (DP) Prática3 M (DP) Prática4 M (DP) F Diferença entre médias (P4 –P1) Dif. (%) d PC S1 (TR) S3 (TR) S1 (E) S3 (E) 1707,64 (277,06) 2256,42 (386,34) 0,10 (0,31) 2,10 (1,94) 1507,59 (204,24) 2047,31 (330,72) 0,10 (0,22) 1,35 (1,42) 1416,28 (157,23) 1939,07 (261,17) 0,10 (0,31) 0,80 (1,44) 1380,20 (147,44) 1932,33 (238,03) 0,15 (0,49) 0,90 (0,91) 21,31* 13,67* - - - 327,44 - 324,09 - - - 19,17 - 14,36 - - 1,54 0,68 - - C S1 (TR) S3 (TR) S1 (E) S3 (E) 5671,50 (1011,56) 13229,00 (3855,45) - 1,00 (1,45) 5467,00 (821,16) 10913,50 (2573,76) - 0,40 (0,75) 5396,00 (959,50) 10323,00 (3053,56) - 0,50 (0,61) 5433,00 (1056,71) 9970,50 (2023,00) - 0,15 (0,37) 0,97 NS 6,93* - - - 238,50 - 3258,50 - - - 4,2 - 24,6 - - 0,23 1,11 - - Os dados foram apresentados como a média (M) e o desvio padrão (DP); O tempo de resposta parao teste controle foi transformado para milissegundos; (P4 –P1) – Diferença entre as médias da quarta e a primeira sessão de prática; Dif. (%) – Diferença percentual entre as médias da quarta e a primeira sessão de prática; d – Quociente entre a diferença das médias da quarta e primeira sessão de prática pela média dos desvios padrões; * p < 0,01; NS – Não significativo; S1 (TR) – Tempo de resposta para Stroop 1; S2 (TR) – Tempo de resposta para Stroop 3; S1 (E) – Erros para Stroop 1; S3 (E) – Erros para o Stroop 3. PC – Teste Computadorizado; C – Teste Controle. 78 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Com base Tabela II, verificou-se que os dois testes apresentaram as maiores médias sobre o TR durante as primeiras sessões de práticas. Como esperado, a maior parte dos erros cometidos para o PC aconteceu durante as primeiras sessões do Stroop 3. Os resultados das ANOVAs com medidas repetidas sobre o TR revelaram diferenças significativas entre as práticas, a exceção do Stroop 1 para o C. Ainda nesta Tabela, as estatísticas d revelaram que os efeitos da prática foram responsáveis por uma variação de 0,23 a 1,54 desvios padrões. Surpreendentemente, o maior escore d foi evidenciado na etapa Stroop 1 para o PC. Entretanto, acreditamos que este resultado seja, em parte, decorrente da menor dispersão dos dados, estimada pelo desvio padrão, quando com- parado ao C. Portanto, mascarando o resultado da estatística d. Por outro lado, os modelos de regressão evidenciaram que a função inversa, em relação à loga- rítmica e linear, foi o modelo matemático-estatístico que melhor descreveu o efeito da prática para os dois testes (Tabela III). A Tabela IV apresenta a diferença entre as médias e as estatísticas d para os três pares de intervalos de prática. Em conjunto, os resultados re- velaram índices de maior magnitude sobre o intervalo de prática 1 – 2. Análises de variância com medidas repetidas evidenciaram diferenças significativas para o PC na etapa do Stroop 3 [F(2,38) = 3,89; p < 0,05]. Testes de comparações planejadas revelaram que a Tabela III - Equações que descrevem o comportamento dos dados para o tempo de resposta. Etapas Linear simples r2 Logarítmica r2 Inversa r2 Stroop 1(C) - - - - - - Stroop 3 (C) y = 13700,50 – 1036,60x 0,83 y = 12997,70 – 2377,10ln(x) 0,95 y = 8838,81 + 4358,77x-1 0,99 Stroop 1(PC) y = 1771,33 – 107,33x 0,89 y = 1695,01 – 241,65ln (x) 0,98 y = 1276,20 + 435,46 x-1 0,99 Stroop 3 (PC) y = 2313,91 – 108,05x 0,85 y = 2239,51 – 246,35ln (x) 0,96 y = 1810,50 + 447,90 x-1 0,99 PC – Teste Computadorizado; C – Teste Controle. Tabela IV - Diferença absoluta/percentual das médias e estatísticas d para o tempo de resposta. Prática 1-2 Prática 2-3 Prática 3-4 Diferença entre médias Dif. (%) d Diferença entre médias Dif. (%) d Diferença entre médias Dif. (%) d PC Stroop 1 Stroop 3 -200,05 (199,59) -209,10 (222,93) - 11,71 - 9,27 0,83 0,58 -91,31(127,03) -108,24 (244,68) - 6,01 - 5,29 0,50 0,36 -36,08 (195,58) -6,74 (116,25) - 2,55 - 0,35 0,23 0,03 C Stroop 1 Stroop 3 -204,50 (955,00) -2315,50 (3302,37) - 3,60 - 17,50 0,22 0,72 - 71,00 (481,98) -590,50 (3639,95) - 1,30 - 5,41 0,08 0,21 37,50 (700,35) -352,50 (2270,71) + 0,69 - 3,41 0,04 0,14 Os dados foram apresentados como a média (M) e o desvio padrão (DP); O tempo de resposta para o teste controle foi transformado para milissegundos; Dif. (%) – Diferença percentual entre as médias de adjacentes intervalos de práticas; d - Quociente entre a diferença das médias das sessões de prática pela média dos desvios padrões; PC – Teste Computa- dorizado; C – Teste Controle. média da estatística d sobre o intervalo de prática 1 - 2 foi significativamente superior em relação ao intervalo 3 – 4 (p < 0,01). Discussão Os resultados das medidas comportamentais sugerem que o teste de Stroop computadorizado - TES- TINPACS é um instrumento confiável para a avaliação da atenção seletiva associada ao estresse psicológico agudo. Por exemplo, quando os participantes sofre- ram os efeitos da interferência palavra-cor (situação de conflito) em relação à etapa de identificação da cor do retângulo, as medidas sobre o tempo de resposta e erros cometidos elevaram substancialmente. Estes resultados foram consistentes com outros trabalhos que utilizaram versões de Stroop baseada em leitura de lista de palavras [11] ou em teste computadori- zado [4]. Embora os coeficientes de estabilidade temporal representem uma boa estimativa para a avaliação da fidedignidade do instrumento, fontes de confundimen- to podem ter viesado os nossos resultados, uma vez que para as sucessivas reavaliações experimentais utilizamos o mesmo instrumento. Os coeficientes de estabilidade são sensíveis aos efeitos da prática e não revelam diretamente a magnitude destes efeitos [7]. Portanto, é provável que os valores dos coeficien- tes verificados em nossa investigação tenham sido Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 79 o sucesso da aprendizagem. O programa Testinpacs encontra-se disponível sem nenhum ônus para labo- ratórios ou instituições que o desejarem. Referências 1. Stroop JR. Studies of interference in serial verbal reactions. J Exp Psychol 1935;18:643-62. 2. Salgado-Pineda P, Vendrell P, Bargalló N, Falcon C, Junque C. Resonancia magnética funcional en la evaluación de la actividad del cingulado anterior mediante el paradigma de Stroop. Rev Neurol 2002;34(7):607-11. 3. Hoshikawa Y, Yamamoto Y. Effects of Stroop color- word conflict test on the autonomic nervous system responses. Am J Physiol 1997;272:1113-21. 4. Renaud P, Blondin JP. The stress of Stroop performance: physiological and emotional responses to color-word interference, task pacing, and pacing speed. Int J Psychophysiol 1997;27(2):87-97. 5. Herbert TB, Cohen S, Marsland AL, Bachen EA, Rabin BS, Muldoon MF, et al. Cardiovascular reactivity and the course of immune response to an acute psychological stressor. Psychosom Med 1994;56 (4):337-44. 6. Stein PK, Boutcher SH. Heart-rate and blood-pressure responses to speech alone compared with cognitive challenges in the Stroop task. Percept Mot Skills 1993;77(2):555-63. 7. Strauss E, Sherman EMS, Spren O. A Compedium of Neuropsychological Tests – Administration, Norms, and Commentary. 3 ed. New York: Oxford Press; 2006. p. 3-43. 8. Córdova C, Bravin AA, Oliveira RJ, Barros JF. The reaction time in socio-cultural adult retardates and its relationship with differences in motor development. Neurobiologia 2003;66(1-4):53-9. 9. Duchesne M, Mattos P. Normatização de um teste computadorizado de atenção visual. Arq Neuropsiquiatr 1997;55(1):62-9. 10. Cohen J. A Power Primer. Psychol Bull 1992;112(1):155- 9. 11. Adleman NE, Menon V, Blasey CM, White CD, Warsofsky IS, Goler GH, et al. A developmental fMRI study of the Stroop color-word task.. Neuroimage 2002;16:61-75. 12. Connor A, Franzen M, Sharp B. Effects of practice and differential instructions on Stroop performance. J Clin Exp Neuropsychol 1988;100:1-4. subestimados, uma vez que os modelos de regres- são curvilíneos explicaram melhor a distribuição dos dados em relação ao linear simples. Este resultado é relevante uma vez que chama a atenção para dois aspectos: primeiro, a administração de formas alter- nativas ou pseudo-aleatórias de apresentação dos estímulos não é uma técnica de controle experimental satisfatória para o controle efetivo dos efeitos da prática; segundo, uma conduta mais cautelosa e, conseqüentemente mais apropriada para a interpre- tação dos dados em população de indivíduos neuro- logicamente normais é a exclusão das três primeiras sessões de prática, assumindo cada sessão com 12 tentativas/etapa. Connor et al. também evidenciaram curvas assintóticas de aprendizagem após três retes- tes com o Stroop [12]. Outra estratégia metodológica sugerida é a inclusão do grupo controle cuja quan- tificação dos efeitos da práticapode contribuir para análises e interpretações mais precisas. Entre as limitações do trabalho, pode-se destacar que a análise dos dados limitou-se a comparação dentro dos grupos, uma vez que diferenças sobre a precisão na escala original das medidas para o tempo de resposta (segundos versus milissegundos) e o tipo de resposta (verbal versus motora binária) poderiam ter mascarado potenciais diferenças entre os grupos. Conclusão Em síntese, nossos resultados sugerem que o teste de Stroop computadorizado – Testinpacs é um instrumento útil para investigações que apresentam por objetivo avaliar o processamento de atenção se- letiva associada ao estresse psicológico agudo. Dada sua praticidade, o teste tem aplicação potencial no campo da educação, sobretudo no desenvolvimento infantil, tendo em vista que o teste de Stroop mede o controle intencional ou voluntário do comportamento. Do ponto de vista educacional, a atenção e o con- trole voluntário do comportamento são passos para 80 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Artigo original Visão de cores em Cebus apella: avaliação de discriminação de cores por meio de um monitor CRT padrão e ferramenta de edição de cores do Windows XP Color vision in Cebus apella: assessment of color-discrimina- tion using capabilities of regular CRT monitor and color formatting tool of Windows XP Paulo Roney Kilpp Goulart, Sheila Tetsume Makiama, Abraão Roberto Fonseca, Karoline Luiza Sarges Marques, Olavo de Faria Galvão Resumo A visão de cores dos primatas platirrinos caracteriza-se por polimorfismo ligado ao sexo: al- gumas fêmeas são tricromatas e os machos e demais fêmeas são dicromatas. Este trabalho buscou avaliar a discriminação de cores de dois macacos-prego, um macho e uma fêmea. Os animais foram submetidos a 8 sessões sucessivas de treino de discriminações simples, cada uma com um par de matizes, seguidas de uma sessão de simulação de teste, que apresentou três pares novos. Em todas as sessões, cada tentativa apresentava 16 quadrados na tela do computador, sendo um deles de cor diferente (S+) dos demais (S-). Na primeira rodada de treino e teste, as discriminações podiam ser realizadas com base em dicas de intensidade. Na segunda rodada, os 16 estímulos foram definidos com valores diversos de luminância e saturação, de modo que o matiz era a única propriedade que poderia guiar consistentemente a dicriminação. Os sujeitos falharam em discriminar entre os pares “amarelo”-“vermelho, “amarelo”-“verde” e “verde”-“vermelho”, o que era esperado para os fenótipos dicromatas característicos da es- pécie. Embora preliminares, os dados sugerem a viabilidade da presente abordagem. Estudos adicionais, com equipamento de alta precisão e comparação com dados genéticos, permitirão a verificação desses dados. Palavras-chave: discriminação simples, visão de cor, primatas do Novo Mundo, Cebus apella. Abstract Platyrrhine primates show polymorphic color vision: some females are trichromats, while all males and the remnant females are dichromats. This study aimed to assess the color discrimi- nation of two capuchin monkeys, a male and a female. Subjects were exposed to eight simple discrimination sessions, each with a different pair of hues. Trials displayed 16 stimuli on a touchscreen, one of which was programmed with a different color (S+). Following exposure to the eight training pairs animals were exposed to one session simulating the test condition by introducing three novel pairs. In this first exposure to the training/test sequence the discrimina- tions could be made based on properties other than hue. In a second training/test sequence the 16 stimuli varied both in luminance and saturation, in such a way that discriminations could be made only on the basis of hue. Subjects failed at the “yellow”-“red”, “yellow”-“green”, and “red”-“green” discriminations, an outcome that is coherent with theoretical predictions. Although refinements are mandatory, the present results encourage further efforts in developing low cost Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará Recebido 15 de fevereiro de 2008; aceito 15 de março de 2008. Endereço para correspondência: Paulo Roney Kilpp Goulart, Av. Conselheiro Furtado, 1776/206 Nazaré 66040-100 Belém PA, Tel: (91) 8190-1575, E-mail: goulartprk@gmail.com Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 81 Introdução A visão de cores da maioria das espécies es- tudadas de primatas do Novo Mundo (platirrinos) é caracterizada por um polimorfismo ligado ao sexo. Nessas espécies1, o gene responsável pelo fotopig- mento sensível a comprimentos de onda curtos (foto- pigmento S, do inglês short) ocorre em um único alelo em um cromossomo autossômico, enquanto o gene responsável pelos fotopigmentos sensíveis na faixa de comprimentos de onda médios e longos (M/L) apre- senta-se no cromossomo X, com diferentes versões alélicas possíveis em uma mesma espécie [1-4]. Cada alelo responde pela expressão de um fotopigmento com sensibilidade espectral ligeiramente diferente, variando ao longo dos comprimentos de onda médios e longos, o que possibilita a expressão de uma variedade de fenótipos distintos de visão de cor. Décadas de correlação entre dados comportamen- tais e dados anatômicos, eletrofisiológicos e genéticos, principalmente com macacos-de-cheiro (Saimiri sp.) [5-8], possibilitaram a inferência do fenótipo de visão de cores de um animal baseado apenas na presença ou ausência de pré-requisitos orgânicos. No caso particular dos macacos-prego (Cebus apella), análises de amostras de DNA de animais machos confirmaram a presença de um único lócus no cromossomo X responsável por fotopigmentos M/L [9]. Além disso, estimativas dos picos de sensibilidade espectral dos pigmentos M/L, obtidas por meio de eletrorretinograma (ERG) fotométrico de flicker demonstraram a presença de três pigmentos, com picos de sensibilidade próxi- mos de 535 nm, 548 nm e 562 nm [3]. As diferentes combinações entre os cones sensíveis a comprimentos de onda curtos (S) e os três tipos possí- veis de cones sensíveis à faixa médio-longa do espectro podem resultar em seis fenótipos de visão de cores distintos nesses animais. As fêmeas heterozigotas, que possuem alelos diferentes em cada um de seus dois cromossomos X, expressam fenótipos tricromatas, pois, além dos cones S apresentam duas populações distintas de cones sensíveis a ondas médias e longas. As fêmeas homozigotas e todos os machos apresentam um de três fenótipos dicromatas, expressando, além dos cones S apenas uma das duas classes de cones M/L. A despeito do amplo suporte biológico, evidências comportamentais de dicromacia em macacos-prego machos são escassas e controversas, principalmente devido a problemas metodológicos. Além dos primeiros experimentos conduzidos por Grether [10,11], que identificaram diferenças na visão de cores daqueles animais em relação à visão de cores humana, há poucos relatos de estudos comportamentais com macacos-prego. Alguns desses estudos [12,13] obti- veram desempenhos característicos de visão de cores tricromática com machos expostos a tarefas de dis- criminação com cartões de Munsell. Posteriormente, demonstrou-se que humanos dicromatas também eram capazes de efetuar as discriminações supostamente impossíveis para dicromatas [14] e investigações sub- seqüentes acusaram diferenças relacionadas ao sexo na discriminação de cores de macacos-prego [15]. De acordo com Jacobs [14], dado o conhecimen- to atual acerca da interações entre os genes respon- sáveis por fotopigmentos, os próprios fotopigmentos e os aspectos comportamentais da visão de cores de diversas espécies de macacos do Novo Mundo, é improvável que estudos comportamentais realizados com o controle adequado das variáveis relevantes cheguem a resultados diferentes. O presente trabalho buscou desenvolver uma tecnologia comportamentalpara a investigação da discriminação de cores em macacos-prego que fosse de fácil implementação e que não dependesse do conhecimento prévio do genótipo dos animais testa- dos. O estudo foi concebido como parte de nossos esforços iniciais de investigação da discriminação de cores com macacos-prego e utiliza computador, monitor CRT regular de tela sensível ao toque e sof- tware para definir os estímulos de menos precisão que os desenvolvidos especificamente para estudos psicofísicos, enquanto não tínhamos disponível esse tipo de equipamento e software de alta precisão para os estudos comportamentais da discriminação de cores com esses animais. A validação dos dados provenientes dessa abordagem será obtida em futuro próximo, pela comparação com dados obtidos com o equipamento de alta precisão. Dependendo do grau de concordância das duas tecnologias, a metodologia deste estudo poderá se colocar como uma opção, strategies for the assessment of color discrimination with monkeys. Future results obtained with this technology are to be validated against genetic data and behavioral data produced with high precision equipment. Key-words: simple discrimination, color vision, New World primates, Cebus apella. 1 As únicas exceções conhecidas sendo o macaco guariba, Alouatta sp., e o macaco da noite, Aotus sp. 82 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 talvez menos precisa, mas certamente mais flexível por sua portabilidade e baixo custo, para medidas da visão de cores de macacos. Material e métodos Sujeitos Participaram do experimento dois macacos-prego, um macho (Raul) e uma fêmea (Preta), ambos adul- tos. Os dois sujeitos tiveram experiência prévia em experimentos de discriminações simples simultâneas e de escolha de acordo com o modelo com atraso zero, ambos usando de duas a quatro escolhas. As sessões eram realizadas entre 9h e 14h, antes do acesso a comida, às 15h. Os protocolos de pesquisa e de manejo geral dos animais foram reconhecidos pelo IBAMA e pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Animais da Universidade Federal do Pará (documento CEPAE-UFPA PS001/2005). Estímulos Os estímulos foram gerados por meio da ferra- menta de edição de cores do aplicativo “Paint” do Windows XP (Microsoft), manipulando-se as proprieda- des “matiz”, “saturação” e “luminância”2. No decorrer deste trabalho, os estímulos serão nomeados a partir das categorias de cor características de humanos tri- cromatas (“vermelho”, “azul”, etc.). Cada categoria é caracterizada pela propriedade “matiz” do aplicativo: “vermelho” (matiz 0), “amarelo” (42), “verde” (85) e “azul” (170). Os estímulos “cinza” também tinham “matiz” 170, mas sua “saturação” foi definida como 0 (todos os demais estímulos tinham “saturação” 255). O termo “cor” será aqui utilizado para se referir a conjuntos de estímulos definidos com o mesmo matiz, ainda que variem em outras propriedades. Durante o treino inicial e na primeira exposição dos sujeitos ao formato de teste (simulação de teste), todos os estímulos foram definidos com “luminância” 120. Na condição de teste propriamente dito, cada cor podia ser apresentada com um de 15 valores de “luminância” variando em espaços iguais entre 15 e 240. A Tabela I apresenta as definições dos estímulos com base nas propriedades do Paint e sua caracteri- zação em termos do diagrama CIE 1931. Seguindo a notação da Tabela I, os membros individuais de cada conjunto serão identificados por letras representando o conjunto (“VM” para “vermelho”, “AM” para “amare- lo”, “VD” para “verde”, “AZ” para “azul” e “CZ” para “cinza”) e por números (de 1 a 15) representando sua posição relativa no contínuo “luminância”. A Tabela I mostra que a manipulação da proprie- dade “luminância” implicou de fato na variação da luminância (representada por Y, a partir de medidas feitas com um colorímetro CS-100A em condições idênticas às das sessões experimentais), embora de forma não linear. Além disso, como pode ser visto na Figura 1, embora a manipulação da propriedade “luminância” tivesse pouco efeito nos “cinzas”, ela influenciou a pureza colorimétrica dos demais estí- mulos, com o aumento na “luminância” se traduzindo em diminuição da pureza colorimétrica. Assim, na condição de teste, cada “cor” consistia em um con- junto de 15 estímulos com o mesmo comprimento de onda dominante e variando tanto em luminância como em pureza colorimétrica. Por exemplo o conjunto dos “vermelhos” era composto por “VM#01”, “VM#02”, “VM#03” e assim sucessivamente, até “VM#15”, cada um apresentando o mesmo matiz dominante, mas diferentes valores de luminância e saturação (ver Tabela I para uma caracterização mais detalhada dos estímulos em termos do diagrama CIE 1931). Figura 1 - Representação do diagrama de cores CIE 1931 mostrando a distribuição dos estímulos utiliza- dos no teste de discriminação de cores. As letras VD, AM e VM identificam os 15 matizes pertencentes a cada um dos conjuntos “Verde”, “Amarelo” e “Vermel- ho”, respectivamente. Os “cinzas” estão agrupados na região de convergência no centro do diagrama. 2 Ao longo do presente trabalho “matiz”, “saturação” e “luminância” (apresentados entre aspas) referir-se-ão às propriedade assim denominadas no aplicativo Paint. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 83 Tabela I - Propriedades dos estímulos utilizados no estudo. As letras indicam os conjuntos de cor agrupados pelo matiz dominante. Os números indicam a posição relativa dos estímulos no contínuo brilho/saturação. “Mat”, “Sat” e “Lum” indicam os valores das propriedades “Matiz”, “Saturação” e “Luminância” no aplica- tivo Paint. Os valores “x”, “y” e Y são as coordenadas de cromaticidade no diagrama CIE 1931, de acordo com medidas feitas com um colorímetro CS-100A em condições idênticas às das sessões experimentais. Os estímulos identificados com o número 07 têm a mesma caracterizão dos estímulos utilizados no treino sem ruído e na simulação de teste. # VM AM VD AZ CZ # VM AM VD AZ CZ # VM AM VD AZ CZ 01 Mat 0 42 85 170 170 06 Mat 0 42 85 170 170 11 Mat 0 42 85 170 170 Sat 255 255 255 255 0 Sat 255 255 255 255 0 Sat 255 255 255 255 0 Lum 30 30 30 30 30 Lum 105 105 105 105 105 Lum 180 180 180 180 180 x 0,45 0,33 0,25 0,18 0,27 x 0,54 0,33 0,24 0,15 0,25 x 0,38 0,31 0,24 0,18 0,25 y 0,40 0,53 0,51 0,15 0,38 y 0,40 0,56 0,63 0,08 0,36 y 0,38 0,50 0,53 0,17 0,35 Y 2,72 8,26 6,49 1,78 3,83 Y 14,00 60,40 47,60 7,47 19,30 Y 34,20 86,60 72,50 26,90 49,10 02 Lum 45 45 45 45 45 07 Lum 120 120 120 120 120 12 Lum 195 195 195 195 195 x 0,51 0,33 0,25 0,16 0,26 x 0,54 0,34 0,24 0,14 0,25 x 0,33 0,30 0,24 0,19 0,25 y 0,40 0,55 0,61 0,12 0,37 y 0,40 0,56 0,63 0,08 0,35 y 0,37 0,47 0,48 0,21 0,35 Y 5,87 14,40 11,40 2,46 5,96 Y 17,70 74,00 60,90 9,37 24,20 Y 42,40 87,40 75,30 36,00 57,10 03 Lum 60 60 60 60 60 08 Lum 135 135 135 135 135 13 Lum 210 210 210 210 210 x 0,50 0,33 0,24 0,15 0,26 x 0,53 0,33 0,24 0,15 0,25 x 0,30 0,28 0,24 0,21 0,25 y 0,40 0,55 0,62 0,10 0,37 y 0,40 0,56 0,63 0,09 0,35 y 0,36 0,44 0,44 0,25 0,35 Y 5,90 21,80 17,90 3,36 8,50 Y 20,50 85,20 68,00 11,30 29,60 Y 52,50 88,40 78,80 47,40 65,40 04 Lum 75 75 75 75 75 09 Lum 150 150 150 150 150 14 Lum 225 225 225 225 225 x 0,52 0,33 0,24 0,15 0,26 x 0,48 0,33 0,24 0,16 0,25 x 0,23 0,27 0,24 0,22 0,25 y 0,41 0,56 0,62 0,09 0,36 y 0,40 0,55 0,60 0,11 0,35 y 0,35 0,40 0,40 0,28 0,34 Y 8,15 33,20 26,20 4,48 11,60 Y 23,50 85,40 68,90 14,70 35,50 Y 64,20 90,10 82,70 60,70 74,00 05 Lum 90 90 90 90 90 10 Lum 165 165 165 165 165 15 Lum 240 240 240 240 240 x 0,53 0,33 0,24 0,15 0,25 x 0,42 0,32 0,24 0,17 0,25 x 0,26 0,26 0,25 0,23 0,25 y 0,41 0,56 0,63 0,09 0,36 y 0,39 0,53 0,57 0,14 0,35 y 0,35 0,37 0,37 0,31 0,34 Y 10,80 45,60 36,00 5,84 15,20 Y 28,00 86,00 70,40 19,80 42,10 Y 78,20 91,50 87,80 76,20 83,50 Aparato Foi utilizada uma câmara experimental (60cm x 60cm x 60cm), com paredes e teto feitos de acrílico, piso e painel frontal dealumínio. No painel frontal, a 10cm do teto da câmaram havia três recipientes para pelotas alinhados lado a lado. Uma abertura central (31cm x 25cm), com barras de metal paralelas, verticalmente instaladas com espaçamento de 5cm, permitia acesso a um monitor com tela sensível ao toque. O monitor encontrava-se sobre uma plataforma deslizante, que era ajustada e travada à distância aproximada do comprimento do braço de cada animal. Os estímulos eram apresentados no monitor em uma matriz de 16 quadrados (4 x 4) em um fundo preto. Um software denominada “VaiCom” foi utilizada para a preparação e execução das sessões, bem como para o registro de dados. Procedimento Pré-treino. No início do experimento, a resposta de toque foi re-treinada. Um quadrado branco foi apresentado em um fundo branco e tocá-lo duas vezes seguidas era seguido da disponibilização de uma pelota de ração de 190mg e de um intervalo entre tentativas (IET) de 6s. A posição do quadrado branco variou entre as 16 posições da matriz 4 x 4 durante 20 tentativas. Treino de discriminação sem ruído de luminância. Depois do pré-treino, deu-se início a um procedimento de discriminação simples com 16 escolhas. As ses- sões tinham 24 ou 36 tentativas e eram realizadas cinco dias por semana em uma sala climatizada escura. As tentativas iniciavam com a apresentação de 16 quadrados coloridos (12,52cm2) em um fundo preto. Um dos 16 quadrados era definido com uma cor (S+), enquanto os outros 15 eram definidos com uma segunda cor (S-). Em cada sessão, as duas cores tinham suas funções alternadas: por exemplo, em uma sessão apresentando a discriminação “azul”- “amarelo”, metade das tentativas apresentava um único quadrado “azul” (S+) entre 15 “amarelos” e a outra metade apresentava um quadrado “amarelo” (S+) entre 15 “azuis”. Os dois tipos de tentativa eram alternados randomicamente. Dois toques seguidos no S+ encerravam a tenta- tiva com a disponibilização de uma pelota de 190mg 84 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 conjunto que fosse definido como S+ participaria de uma linha de confusão dicromata contendo um dos membros do outro conjunto definido como S- (Figura 2), uma situação em que dois estímulos teriam a mesma aparência. Uma vez que o controle de estí- mulos estabelecido no treino se baseava na seleção do matiz diferente, a deterioração do desempenho seria indicativa de que o par em questão seria um par de confusão. Figura2 - Representação do diagrama CIE 1931 mostrando os estímulos utilizados no teste e sua inter- ação com linhas de confusão dicromatas. As linhas de confusão utilizadas no exemplo foram inspiradas nas linhas previstas para a protanopia humana. Tais linhas servem como uma possível aproximação das linhas de confusão de um animal dicromata que apresentasse fotopigmento M/L com sensibilidade espectral semel- hante ao do à do cone M humano. e o início de um IET de 6s. Tocar em quaisquer dos outros 15 quadrados encerrava a tentativa e dava iní- cio ao IET apenas. Toques no fundo preto não tinham conseqüências programadas. As sessões eram en- cerradas ao fim de todas as tentativas programadas, após 20 minutos de duração total ou após 5 minutos sem que uma resposta fosse efetuada. Nas sessões de treino, os sujeitos foram expos- tos às seguintes discriminações: “azul”-“amarelo”, “azul”-“vermelho”, “cinza”-“amarelo”, “verde”-“azul”, “verde”-“cinza”, “azul”-“cinza” e “vermelho”-“cinza”. Nessa primeira etapa, os estímulos eram apresen- tados com a mesma “luminância” nominal, sem a adoção de qualquer estratégia para mascarar as diferenças de eficácia luminosa, de forma que as discriminações poderiam ser feitas facilmente com base nas diferenças de intensidade entre os estímu- los. Cada participante foi exposto pelo menos uma vez a todas as oito discriminações antes de serem expostos à condição de simulação de teste. Simulação do teste. Após serem expostos a uma seqüência de treino, os animais foram submetidos a uma sessão de simulação de teste, na qual foram introduzidos três pares que não haviam participado do treino: “amarelo”-“vermelho”, “verde”-“amarelo” e “verde”-“vermelho”. Nessa primeira exposição à condição de teste, os pares de teste também foram apresentados com a mesma “luminância” nominal e sem a adoção de estratégias de mascaramento das diferenças de intensidade. Esse arranjo tinha como objetivo verificar se haveria deterioração do desem- penho com a introdução de pares novos. Treino de discriminação com ruído de luminância. Tendo passado pela simulação de teste, os animais foram expostos ao mesmo procedimento geral de treino, com a diferença de que cada matiz agora po- deria apresentar quaisquer de 15 diferentes valores de luminância (e saturação). Assim, numa tentativa da discriminação “azul”-“amarelo”, por exemplo, um dos 15 membros de um conjunto de cor era arbitra- riamente definido como S+ (por exemplo, “AM#03”) enquanto todos os 15 membros do conjunto “azul” funcionavam como S-. Esse arranjo foi planejado no intuito de garantir que a única propriedade consistente o suficiente para servir de base para a discriminação fosse o matiz. Tendo passado pela seqüência de oito discriminações treinadas, os sujeitos foram submeti- dos ao teste propriamente dito. Teste. Na sessão de teste, foram introduzidos os pares de teste “amarelo”-“vermelho”, “verde”-“ama- relo” e “verde”-“vermelho”. Dada a distribuição dos matizes no diagrama CIE, qualquer membro de um Resultados e Discussão A Tabela II apresenta os resultados das sessões de simulação de teste e de teste propriamente dito. Serão comentados apenas os pares que levaram a problemas de discriminação para cada animal, con- siderados indicadores potenciais das limitações de visão de cores do animal em questão. Raul não foi capaz de discriminar os pares “amarelo”-“vermelho” e “vermelho”-“verde” no teste, embora o tenha feito na simulação de teste. Esse animal também não foi capaz de efetuar consistentemente a discriminação “amarelo”-“verde” tanto na simulação de teste com no teste em si. Preta efetuou consistentemente as discriminações “amarelo”-“vermelho” e “vermelho”- “verde”, mas falhou na discrimnação “amarelo”-“ver- de” (também em ambas as condições). Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 85 Na simulação de teste, é de se esperar que a seleção correta dos S+ tenha sido feita pelo menos em parte com base em diferenças de intensidade. Ainda assim, o par “amarelo-verde” se mostrou de difícil discriminação para os três sujeitos já nessa condição. Uma possível explicação para isso (embora o presente experimento não tenha investigado tal possibilidade) é que os estímulos que compunham aquele par (“AM#07” e “VD#07”) sensibilizavam de forma similar seus sistemas visuais (i.e., apresenta- vam eficácia luminosa semelhante). Tabela II - Desempenho global nas sessões de simulação de teste e de teste. Em negrito são apresentados pares introduzidos apenas nas sessões de simulação e de teste. Em cada sessão, ambos os estímulos de um par de discriminação (S1 e S2) funcionaram com S+. Sujeito RAUL PRETA Condição Simulação Teste Simulação Teste S1 – S2 S1+ S2+ S1+ S2+ S1+ S2+ S1+ S2+ “AZ” – “AM” 1/1 3/3 1/1 3/3 1/2 2/2 1/1 3/3 “AZ” – “VM” 2/2 2/2 2/2 2/2 2/2 2/2 2/2 1/2 “AM” – “CZ” 2/2 2/2 2/2 2/2 2/2 1/2 2/2 2/2 “AZ” – “CZ” 2/2 2/2 2/2 2/2 2/2 1/2 2/2 2/2 “AZ” – “VD” 2/2 2/2 2/2 2/2 2/2 2/2 2/2 1/2 “VD” – “CZ” 3/3 2/2 2/2 2/2 1/1 3/3 2/2 2/2 “VM” – “CZ” 2/2 2/2 2/2 2/2 3/3 1/1 2/2 1/2 “AM” – “VM” 1/1 2/2 0/2 0/2 2/2 2/2 1/2 2/2 “AM” – “VD” 1/5 0/2 0/3 0/3 1/5 0/1 1/4 0/3 “VM” – “VD” 2/3 0/2 0/4 0/2 3/3 3/3 2/2 5/5 Como explicado anteriormente, no teste propria- mente dito, com 15 S- diferentes, cada S+ provavel- mente compartilhava uma linha de confusão com um dos S-. Visto que os animais haviam aprendido a selecionar consistentemente o estímulo que fosse mais conspicuamente diferente, a redundância no controle de estímuloscorresponderia a uma dete- rioração do desempenho. A Tabela III mostra com maior detalhamento os erros cometidos por cada animal nas sessões de simulação de teste e de teste propriamente dito. É possível perceber que, na maioria dos erros, o animal selecionou os estímulos mais brilhantes ou mais saturados, sugerindo uma transferência de controle para diferenças no contínuo saturação/luminância na ausência do matiz como propriedade controladora confiável. Tabela III - Estímulo programado como correto e estímulo selecionado incorretamente nas tentativas em que houve erro nas de teste. Em negrito, são apresentados os estímulos incorretamente seleciona- dos mais de uma vez. As letras indicam os conjuntos de cor agrupados pelo matiz dominante. Os números indicam a posição relativa dos estímulos no contínuo brilho/saturação. RAUL PRETA Tentativa S+ S- sele- cionado S+ S- sele- cionado 3 VM (6) VD (14) - - 5 VM (6) VD (14) - - 6 - - - - 7 VD (4) AM (14) VD (4) AM (14) 9 AM (11) VM (13) - - 12 VD (7) VM (13) - - 14 VD (4) AM (14) VD (4) AM (13) 15 - - AZ (10) VD (14) 16 AM (12) VD (13) - - 17 - - - - 18 - - VM (5) AZ (1) 19 VD (3) AM (14) - - 20 - - - - 22 AM (5) VD (14) - - 24 VM (3) AM (14) VM (3) AM (10) 28 VM (2) VD (14) - - 29 - - CZ (6) VM (15) 31 - - - - 32 VM (6) VD (3) - - 33 - - - - 34 AM (6) VM (2) AM (6) VM (12) 37 AM (4) VD (1) AM (4) VD (14) 40 VM (11) AM (13) - - 41 - - - - 42 VD (12) AM (15) - - 43 - - - - 45 AM (13) VD (14) - - 46 - - AM (13) VD (14) Erros/Total: 17/45 Erros/Total: 9/46 Embora os pares contendo estímulos “cinza” tenham sido planejados como pares de treino, foram observados alguns erros nesses pares. Isso prova- velmente se deve ao fato, não percebido inicialmente pelos experimentadores, de que os “cinzas” também participam em algumas possíveis linhas de confusão, a saber aquelas que passam pela região “branca” ou neutra do diagrama. 86 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Conclusão O modelo biológico prevê dificuldade na dis- criminação entre alguns “verdes”, “vermelhos” e “amarelos” para as formas de dicromacia esperadas entre macacos do Novo Mundo. Que matizes serão confundidos por um determinado animal dependerá do seu arranjo de fotopigmentos. O presente estudo buscou criar uma situação de teste na qual animais de diferentes fenótipos pudessem ser testados sem a necessidade de conhecimento prévio de seu genó- tipo. Embora de forma preliminar, os resultados são coerentes com o modelo biológico e sugerem que a metodologia e tecnologia adotadas podem ser úteis para uma avaliação mais acessível da discriminação de cores de macacos-prego. Entretanto, ainda se fazem necessários uma me- lhor caracterização dos estímulos e um número maior de pares de teste para se determinar com precisão a faixa de confusão bem como o tipo específico de dicromacia apresentado pelos animais. A validação dessa abordagem deverá ser buscada, futuramente, na comparação com dados obtidos paralelamente por meio de equipamentos de alta precisão. Validação adicional poderá ser obtida pela realização de expe- rimentos utilizando animais cujos genótipos sejam previamente conhecidos, o que permitiria verificar a consistência entre os dados genotípicos e compor- tamentais. Agradecimentos Essa pesquisa recebeu apoio do CNPq por meio de Bolsa de Produtividade para Olavo Galvão e bolsa de doutorado para Paulo Goulart e da CAPES por meio de bolsa de mestrado para Sheila Makiama e Karoline Marques e bolsa de iniciação científica para Abraão Fonseca. Agradecemos a Anderson R. Rodrigues do Departamento de Fisiologia da UFPA pelo auxílio com as medidas colorimétricas. Agradecemos também a Klena Sarges pela assistência veterinária e a Adilson Pastana pelo excelente tratamento dispensado aos sujeitos. Referências 1. Jacobs GH. Primate photopigments and primate color vision. Proc Nat Acad Sci USA 1996;93:577-81. 2. Jacobs GH. A perspective on color vision in platyrrhine monkeys. Vis Res 1998;38:3307-13. 3. Jacobs GH, Deegan II JF. Cone pigment variations in four genera of new world monkeys. Vis Res 2004;43:227-36. 4. Jacobs GH, Neitz J. Color vision in squirrel monkeys: Sex-related differences suggest the mode of inheritance. Vis Res 1985;25:141-3. 5. Harada ML, Schneider H, Schneider MPC, Sampaio I, Czesluniak J, Goodman M. DNA evidence on the phylogenetic systematics of New World monkeys: Support for the sister-grouping of Cebus and Saimiri from two unlinked nuclear genes. Mol Phyl Evol 1995;4:331-49. 6. Jacobs GH. Within-species variations in visual capacity among squirrel monkey (Sairmiri sciureus): Color vision. Vis Res 1984;24:1267-77. 7. Jacobs GH, Neitz J. Inheritance of color vision in a New World monkey (Saimiri sciureus). Proc Nat Acad Sci USA 1987;84:2545-9. 8. Mollon JD, Bowmaker JK, Jacobs GH. Variations of colour vision in a New World primate can be explained by polymorphism of retinal photopigments. Proc R Soc B 1984;222:373-99. 9. Shyue SK, Boissinot S, Schneider H, Sampaio I, Schneider MPC, Abee CR et al. Molecular genetics of spectral tuning in New World monkey color vision. J Mol Evol 1998;46:697-702. 10. Grether WF. Red-vision deficiency in Cebus monkeys. Psych Bull 1937;34:792-3. 11. Grether WF. Color vision and color blindness in monkeys. Comp Psych Monog 1939;29:1-38. 12. Gunter R, Feigenson L, Blakeslee P. Color vision in the Cebus monkey. J Comp Phys Psych 1965;60:107- 13. 13. Pessoa VF, Tavares MC, Aguiar L, Gomes UR, Tomaz C. Color vision discrimination in the capuchin monkey Cebus apella: evidence for trichromaticity. Beh Brain Res 1997;89:285-8. 14. Jacobs GH. Prospects for trichromatic color vision in male Cebus monkeys. Beh Brain Res 1999;101:109- 12. 15. Gomes UR, Pessoa DMA, Tomaz C, Pessoa VF. Color vision perception in the capuchin monkey (Cebus apella): a re-evaluation of procedures using Munsell papers. Beh Brain Res 2002;129:153-7. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 87 Artigo original Acuidade visual para padrões espaciais periódicos medida pelos potenciais visuais evocados de varredura em crianças com hidrocefalia Grating acuity for periodic spatial patterns measured by sweep visual evoked potential in children with hydrocephalus Marcelo Fernandes Costa*, Filomena Maria Buosi de Haro*, Solange Rios Salomão**, Dora Fix Ventura* Resumo Objetivos: Avaliar a testabilidade do método do potencial visual evocado de varredura e medir a acuidade visual de resolução de grades em crianças com hidrocefalia. Material e Métodos: Vinte e duas crianças hidrocefálicas, com avaliação neurológica e oftalmológica, com fundo de olho normal. Para as medidas foi utilizado um sistema computadorizado de apresentação de estímulos e análise da acuidade visual, expressa em logMAR (NuDiva - Digital Infant Visual As- sessment). Os estímulos foram grades de onda quadrada de 10 diferentes freqüências espaciais crescentes apresentadas como padrões reversos a 6 Hz, sendo cada freqüência apresentada durante 1s. Resultados: A testabilidade foi de 95,45% (21/22). Detectou-se perda visual em 42,86% (9/21) dos hidrocéfalos (p = 0,003), 75% (3/4) com anticonvulsivantes, 60% (3/5) das derivações ventrículo-peritoneal, 55,5% (5/9) no déficit neurológico moderado/grave e em 62,5% (5/8) das dilatações ventriculares moderadas/intensas (p>0,05). Conclusão: Não foi encontrada nesta população correlação entre gravidade neurológica, dilatação ventricular e redução da visão; o exame é possível em crianças com hidrocefalia e em uso de anticonvulsivante. Palavras-chave: hidrocefalia, acuidade visual, potencial visual evocado de varredura. Abstract Purpose: To determine the application of Sweep VEP and visual acuity in children with hydro- cephalus. Material and Methods: Twenty-two children with hydrocephalus, and normal fundus and neurological and ophthalmological screening. A computer system NuDiva DigitalInfant Assess- ment was used and the visual acuity was expressed in logMAR. Ten different spatial frequencies of grade square waves were used and each frequency was presented during one sec. Results: Sweep VEP was applied in 95.45% (21/22). Visual impairment was detected in 42.86% (9/21) (p = 0,003); 75% (3/4) with use of antiepileptical drugs; 60% (3/5) with ventriculoperitoneal shunt; 55.5% (5/9) in severe abnormal neurological findings and in 62.5% (5/8) of moder- ate/severe ventricular enlargement. Conclusion: In this population we did not detect statistical significance with abnormal neurological findings; ventricular enlargement and visual impairment; this method permits to know the visual acuity in hydrocephalic children with or without use of antiepileptical drugs. Key-words: hydrocephalus, visual acuity, Sweep VEP. *Setor de Psicofísica e Eletrofisiologia Visual do Departamento de Psicologia Experimental – Instituto de Psicologia USP, **Setor de Eletrofisiologia Visual do Depar- tamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP-EPM Recebido 15 de fevereiro de 2008; aceito 15 de março de 2008. Endereço para correspondência: Marcelo Fernandes Costa, Instituto de Psicologia, Depto. Psicologia Experimental, Av. Professor Mello Moraes, 1721 Cidade Universitária 05508-900 São Paulo SP, Tel: (11) 3091-1915, E-mail: costamf@usp.br 88 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Introdução Com os avanços nos cuidados perinatal e neo- natal nas últimas décadas, há um aumento signifi- cativo na sobrevida de recém-nascidos prematuros e naqueles portadores de malformações. Apesar da redução de seqüelas em vários grupos, muitos desses recém-nascidos são expostos a situações decorren- tes da própria condição ou secundários às medidas terapêuticas necessárias que podem levar a lesão no sistema nervoso central (SNC) e comprometimento do seu desenvolvimento. A hidrocefalia representa um grupo de diferentes condições onde há redução da circulação e absorção do líquido céfalo-raquidiano (LCR) ou mais raramente, aumento na sua produção. Está presente um acúmulo anormal do LCR e é geralmente acompanhado por aumento na pressão intracraniana. No recém-nascido, esta condição está freqüen- temente associada a malformações do SNC, como meningomielocele, quadros de infecções congênitas ou adquiridas que acometem o SNC, hemorragia in- tra-ventricular que pode ocorrer no prematuro, entre outras causas. Crianças portadoras de hidrocefalia, indepen- dente da sua causa, apresentam maior incidência de alterações visuais. A redução visual cortical está relacionada a edema e atrofia do nervo óptico, além da redução do próprio córtex visual, associada tanto com o aumento ventricular como com a pressão intra- craniana. O estrabismo, nistagmo e outros movimen- tos anormais dos olhos, além de alteração na função pupilar, também são freqüentemente encontrados [1,2]. Estas crianças apresentam freqüentemente al- teração motora ocular e difícil colaboração na situação de exame, o que dificulta uma avaliação da acuidade visual (AV) de forma comportamental. Os potenciais visuais evocados (PVEs) fornecem estimativa precisa da AV processada na área visual primária (V1) e têm sido utilizados com sucesso como método para testagem da acuidade visual em lactentes e pacientes não verbais, uma vez que requerem pouca colaboração do paciente e não de- pendem de respostas motoras [3,4]. Com o objetivo de redução do tempo para testagem clínica, exigindo um período de atenção mais curta do paciente, foi desenvolvido o método de PVE de varredura (Sweep- VEP) que consiste na apresentação de uma série de grades de onda quadrada ou senoidal com diferentes freqüências espaciais durante um curto período de tempo, podendo-se por ex. apresentar 10 freqüências espaciais em 10 segundos [5]. O presente trabalho teve por objetivo testar a aplicabilidade deste método e medir a AV de crianças com hidrocefalia, procurando também correlacionar as medidas de AV com o grau de comprometimento neurológico. Material e métodos A população estudada foi constituída por crianças portadoras de hidrocefalia, com ou sem derivação ventrículo-peritonial, encaminhadas ao setor de Psi- cofísica e Eletrofisiologia Visual do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, no período compreendido entre junho de 1998 a outubro de 2001. Os critérios de inclusão para o estudo foram: avaliação neurológi- ca prévia quantificando o grau de hidrocefalia e com- prometimento neurológico e avaliação oftalmológica com realização de pelo menos fundoscopia indireta, excluindo-se assim malformações e patologias ocula- res, inclusive retinopatia da prematuridade, indepen- dente da não necessidade de tratamento. As crianças que apresentaram antecedentes de meningite e uso de anticonvulsivantes foram analisadas separadamen- te do restante do grupo. Para as crianças prematuras utilizou-se a idade corrigida para a data provável de nascimento. Todas as crianças submetidas ao estudo tiveram consentimento prévio por parte dos pais ou responsáveis. Para a avaliação da AV foi utilizado o sistema dos potenciais visuais evocados de varredura (NuDiva – Digital Infant Visual Assessment) [5]. Os estímulos apresentados foram grades de ondas quadradas verticais moduladas a uma freqüência de 6 Hz e apre- sentadas em um monitor de vídeo de alta resolução (Dotronix modelo EM2400-D788). A luminância média de 161,6 cd/m2 foi mantida constante durante todo o exame. A distância entre a criança e a tela foi de 50 cm para as crianças com idade inferior ou igual a 12 meses e 80 cm para as crianças restantes. As respostas foram captadas a partir de eletrodos de ele- troencefalograma (Grass Gold Disc Electrodes-E6GH) posicionados sobre o couro cabeludo seguindo os padrões sugeridos pela Sociedade Internacional para Eletrofisiologia da Visão [6]. Para a amplificação dos potenciais visuais foi utilizado o aparelho Neurodata Aquisition System Model 12C-4-23 da Grass Instru- ment Co, utilizando-se um ganho de 10.000 vezes, com filtros de freqüência em 1 e 100 Hz, e corte a – 3 db. Três a 12 repetições da varredura foram obtidas e a média de seus valores estimada por uma discreta análise de Fourrier aplicada aos dados do PVE para Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 89 medir amplitude e fase do segundo harmônico. A AV foi estimada por um algoritmo automático, através de uma regressão linear e extrapolação para amplitude zero da porção descendente desta reta, relacionando- se a amplitude do potencial do segundo harmônico à freqüência espacial linear. Para esta estimativa da acuidade visual foi utilizada uma relação sinal-ruído no pico da amplitude de 3:1. O resultado final da AV foi calculado em logMAR e transformados em equiva- lentes de Snellen, utilizando-se o canal que apresen- tou o melhor limiar. A diferença interocular máxima (DIO) de 0,13 logMAR foi considerada normal sendo valores superiores utilizados para caracterização de ambliopia [7]. Para a interpretação dos resultados, foram utilizadas tabelas próprias do serviço constru- ídas a partir de recém-nascidos a termo e lactentes normais e que apresenta valores comparáveis ao da literatura [5] (Tabela I). Tabela I - Valores médios e mínimos de logMAR e correspondente para Snellen referentes a idade cor- rigida em meses. Idade corrigida (meses) Mínimo logMAR Mínimo Snellen Média logMAR Média Snellen 0 1,18 20/300 0,93 20/170 1 1,10 20/250 0,88 20/150 2 0,93 20/170 0,70 20/100 3 0,88 20/150 0,60 20/80 4 0,81 20/130 0,54 20/70 5 0,78 20/120 0,48 20/60 6-8 0,65 20/90 0,30 20/40 9-11 0,60 20/80 0,30 20/40 12-17 0,48 20/60 0,18 20/30 18-23 0,35 20/45 0,10 20/25 24-29 0,24 20/35 0,10 20/25 30... 0,18 20/30 0,00 20/20 A análise dos resultados foi feita utilizando-se o programa Jandel SigmaStat Statistical software versão 2.0, 1992-1995,Jandel Corporation. Para a análise dos dados utilizou-se o teste exato de Fischer (considerando-se significante p < 0,05) e correlação de Spearman para os cruzamentos entre DNPM e grau de dilatação ventricular com redução da acuidade visual. Resultados Do grupo total de crianças portadoras de hidro- cefalia referendadas para o setor de Psicofísica e Eletrofisiologia Visual do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universi- dade de São Paulo, 22 preencheram os critérios de inclusão. Apenas em uma criança o teste não foi rea- lizado por não ter sido possível a captação de sinais corticais, (testabilidade de 95,45%). As 21 crianças restantes foram divididas em dois grupos de acordo com a idade gestacional ao nascimento. No grupo 1 foram incluídas as crianças prematuras (n = 11) e no grupo 2 foram incluídas as crianças nascidas a termo (n = 10). As características gerais dos dois grupos encontram-se descritas na Tabela II. Tabela II - Características gerais das crianças avali- adas. Características gerais Grupo 1 (prematuro) n (%) Grupo 2 (termo) n (%) Sexo masculino 4 (36,36) 6 (60) feminino 7 (63,63) 4 (40) Peso nascimento* 1106,5 + 341,3 g 3209,3 + 410,56 g variação 790-2000 g 2450-3665 g Idade gestacional* 29,75 + 1,97 sem 39,53 + 0,84 sem variação 25,57-33 sem 38-40 sem Variação Apgar 5o min 7-9 9-10 Cor negra 3 2 branca 8 8 Parto normal 1 6 cesáreo 10 4 * média + desvio padrão As etiologias relacionadas à hidrocefalia nos dois grupos, assim como o grau de dilatação ventricular e as alterações do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) estão listadas na Tabela III. Tabela III - Etiologia da hidrocefalia; grau de dilatação ventricular e comprometimento neu- rológico. Prematuros (%) Termos (%) Meningomielocele lombar 2 4 Hidrocefalia congênita 0 4 Hemorragia intracraniana grau II 4 0 grau III 4 1 grau IV 1 0 Pós meningite 0 1 Dilatação ventricular leve 4 3 moderada 6 5 intensa 1 2 Alteração DNPM não 1 2 leve 3 2 moderada 2 0 grave 5 6 Com relação aos achados oftalmológicos asso- ciados encontrou-se estrabismo em 54,5% (6/11) no grupo 1 e em 30% (3/10) no grupo 2 correspondendo 90 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 a uma freqüência de estrabismo de 43% (9/21) entre os dois grupos analisados e ambliopia em 33,3% (3/9). Foi detectado um caso de nistagmo vertical no grupo 2. Considerando-se o grupo de 21 crianças tes- tadas pelo PVE encontrou-se detecção de baixa AV em 42,86% (9/21) (p = 0,003). Do grupo inicial de prematuros, foram excluidas as crianças usuárias de anticonvulsivantes e as com antecedentes de meningite. Das oito crianças restantes, 25% (2/8) apresentaram valores de AV abaixo do mínimo es- perado. No grupo de recém-nascidos a termo, sem a associação de meningite e anticonvulsivante, 57% (4/7) apresentaram baixa AV. Em 40% (2/5) das crianças que desenvolveram quadro associado de meningite foi detectado baixa AV. No grupo de crian- ças usuárias de medicação anticonvulsivante (4), apenas 25% (1/4) apresentou AV dentro dos limites de normalidade, independente do tipo de fármaco utilizado e/ou associações. (Tabela IV) Dez crianças foram submetidas à derivação ventrículo-peritoneal. Excluíndo-se o uso de anti- convulsivantes e ocorrência de meningite (5), a AV mostrou-se reduzida em 60% (3/5). Com relação à intensidade da dilatação ventricular, analisado in- dependente da idade gestacional, observou-se que 62,5% (5/8) crianças apresentaram AV reduzida no grupo com dilatação moderada/intensa enquanto que apenas 16,6% (1/7) no grupo com dilatação leve, não havendo uma correlação negativa significativa entre gravidade da dilatação e redução na AV (p = 0,119). Na análise da AV frente à gravidade do quadro neu- rológico, encontrou-se que no grupo de crianças sem déficit neurológico/déficit a AV foi reduzida em 33,3% (2/6) enquanto que no grupo das crianças com déficit moderado/grave a AV foi reduzida em 55,5% (5/9), não encontrando-se também correlação negativa significativa entre gravidade do déficit neurológico e redução na AV (p = 0,608). O comportamento da AV em todas as crianças analisadas, comparadas com os valores médios e mínimos relacionados para cada idade está demons- trado na Figura 1. Discussão Os resultados acima demonstrados mostram a possibilidade da utilização deste método para avalia- ção da acuidade visual nas crianças portadoras de hidrocefalia. Sobretudo nas formas mais graves, onde há normalmente pouca cooperação e interferência na resposta motora, que dificultam a realização de tes- Tabela IV - Descrição das características mais relevantes da população do estudo. n IG (sem) Etiologia DVP AC AV logMAR Classificação DIO Classificação Outros achados 1 33 MML S N 0,53 Reduzida 0,04 Normal ----- 2 30 HIC IV S S (PB) 0,75 Reduzida 0,45 Ambliopia Estrabismo 3 28,7 HIC II N N 0,37 Normal 0 Normal ------ 4 31 HIC III S N 0,61 Reduzida 0,12 Normal Estrabismo 5 31 HIC III S S (PB) 0,61 Normal 0,19 Ambliopia Estrabismo 6 30 MML S N 0,29 Normal 0,16 Ambliopia Estrabismo 7 30 HIC III N N 0,83 Normal --- ----- ----- 8 27,6 HIC II N N 0,12 Normal --- ----- ------ 9 29,4 HIC II N N 0,4 Reduzida 0,02 Normal Estrabismo 10 31 HIC III N S (PB) 0,47 Normal 0,11 Normal Estrabismo 11 25.6 HIC II N N 0,65 Normal 0,05 Normal ------ 12 38 MML S N 0,42 Normal 0,03 Normal ----- 13 38 HIC II N N 0,54 Normal 0,02 Normal ----- 14 40 MMTL S N 0,78 Normal 0,1 Normal Estrabismo 15 39,3 MML S N 0,54 Normal 0,09 Normal ----- 16 40 Hidro cong S N 0,36 Reduzida 0,05 Normal Estrabismo 17 40 Hidro cong N N 0,49 Reduzida 0,02 Normal Nistagmo hori- zontal 18 40 Hidro cong N N 0,87 Reduzida 0,07 Normal ----- 18 40 MML N N 0,66 Reduzida --- ----- ----- 20 40 Hidro cong N N 0,47 Normal 0,01 Normal ----- 21 40 Pós mening S S (CMZ) 0,91 Reduzida --- ----- Estrabismo IG:idade gestacional ao nascimento; DVP: derivação ventrículo-peritoneal; AC: anticonvulsivante; PB: fenobarbital; CMZ: carbamazepina; AV: acuidade visual; DIO: diferença inter-ocular; MML: mielomeningocele lombar; MMTL: mielomeningo- cele tóraco-lombar; HIC II: hemorragia intracraniana grau II; HIC III: hemorragia intracraniana grau III; HIC IV: hemorragia intracraniana grau IV; hidro cong: hidrocefalia congênita; pós menig: hidrocefalia pós meningite. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 91 interferência da própria válvula na captação dos sinais e portanto dificuldade na realização e interpretação dos resultados. Ao contrário do que pensamos inicial- mente, nossos resultados mostram que é possível sua realização, principalmente o PVE de varredura, por exigir menor tempo de exame destas crianças. Com relação à associação entre intensidade da dilatação ventricular e comprometimento neurológico com redução da AV, nossos achados foram concor- dantes com os dados de vários autores, que demons- traram que apesar do risco aumentado de redução da AV não foi encontrado significância estatística entre as variáveis [9,16,17]. Conclusão Através dos resultados encontrados concluímos que 1) é possível a realização de PVE de varredura para medida da AV em pacientes portadores de hidro- cefalia mesmo na presença de derivação ventrículo- peritoneal; 2) é possível a realização do exame em pacientes utilizando medicação anticonvulsivantes. Uma maior casuística seria necessária para melhor definir os fatores relacionados à baixa AV observada; 3) as crianças portadoras de hidrocefalia apresentam maior porcentagem de redução da AV, independente da necessidade de derivação ventrículo-peritoneal; 4) não foi possível demonstrar correlação da redução da AV com gravidade do comprometimento neurológico e extensão da dilatação ventricular e 5) os resultados encontrados reforçam a necessidade de acompanha- mento oftalmológico para este grupo de crianças. Agradecimentos Profa Dra Terezinha Dias de Andrade; Profa Dra Daisy Pires Noronha e todas as pessoas envolvidas no curso pelo ensinamento ecarinho que estiveram presentes durante todo o período. Referências 1. Drigo P, Bortolin C, Pinelo L, Carollo C. Neurological and ophthalmological findings in spins bifida. Ital J Pediatr 1998;24:1105-8. 2. Chou SY, Drige KB. Neuro-ophthalmic complications of raised intracranial pressure, hydrocephalus, and shunt malfunction. Neurosurg Clin N Am 1999;10:587. 3. Sokol S. Measurements of infants’ visual acuity from pattern reversal evoked potentials. Vision Res 1978;18:133-47. 4. Zemon V, Hartmann EE, Gordon J, Prunte-Glowaski A. An electrophysiological technique for assessment tes comportamentais, o PVE pode ser aplicado pois apresenta respostas que dependem basicamente do sistema visual. Neste grupo estudado sua testabilidade foi de 95,45% (21/22), não sendo aplicado em apenas uma criança, devido a não captação de sinais corticais. A ocorrência de estrabismo e nistagmo neste grupo foi semelhante à descrição de outros autores, tendo sido detectado ambliopia (diferença inter ocular > 0,13 logMAR em 4 crianças,todas do grupo 1) [1,2]. Quando foi avaliado o grupo total das crianças com hidrocefalia, independente da idade gestacio- nal, detectou-se perda visual em 42,86% (9/21) (p = 0,003), porcentagem esta semelhante a descrita por outros autores [8,9]. No grupo de recém-nascidos prematuros, excluindo-se a ocorrência de meningite e uso de medicação anticonvulsivante, a deficiência visual foi detectada em 25% (2/8) ao contrário do grupo de recém-nascidos a termo que demonstrou baixa AV em 57% (4/7). Estes dados são contrários ao descritos para a população geral de crianças nascidas prematuramente ou a termo e também no grupo de crianças portadoras de paralisia cerebral, onde a prematuridade parece ser um fator de risco relacionado à menor AV, mesmo excluindo-se os portadores de retinopatia da prematuridade [10,13]. Uma explicação possível para este achado poderia ser a diferença da etiologia da hidrocefalia nos dois grupos. A maior parte dos casos no grupo de pre- maturos foi secundária à hemorragia intracraniana ocorrida após o nascimento, enquanto que no grupo a termo a etiologia predominante foi meningomielocele e hidrocefalia congênita, com dilatação ventricular já presente intra-útero. Com relação ao uso de anticonvulsivantes, ape- sar da amostra ser pequena, foi possível a realização do exame em todas as crianças, sendo detectada a deficiência visual em 75% (3/4) do grupo. Apesar dos sinais do PVE sofrerem interferência da ativida- de elétrica anormal do EEG e déficit de atenção nas crianças submetidas à técnicas com maior tempo de execução, não houve dificuldade na realização do PVE pelo método do Sweep VEP. Esta técnica fornece uma rápida medida da AV e concomitante com uma análise discreta de Fourier que fornece uma melhor relação sinal/ruído [14]. A grande porcentagem de deficiên- cia visual observada neste grupo pode representar a gravidade da lesão neurológica, porém não é possível excluir alguma interferência do próprio fármaco pela lentificação da condução elétrica cerebral ou sua ação sobre a retina [15]. A presença da derivação ventrículo-peritoneal também foi analisada, pois uma preocupação seria a 92 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 of the development of spatial vision. Optom Vis Sci 1997;74:708-16. 5. Norcia AM, Tyler CW. Spatial frequency Sweep VEP: visual acuity during the first year of life. Vision Res 1985;25:1399-408. 6. Harding GFA, Odom JV, Spillers W, Spekreuse H. Standard for visual evoked potentials 1995. Vision Res 1996;36:3567-72. 7. Harmer RD, Norcia AM, Tyler CW, Hsu-Winges C. The development of monocular and binocular VEP acuity. Vision Res 1989;29:397-408. 8. Taylor MJ, Boor R, Keenan NK, Rutka JT, Drake JM. Brainstem auditory and visual evoked potentials in infants with myelomeningocele. Brain Dev 1996;18:99-104. 9. Oud KTM, Steggerda SJ, Nanninga-Van den Neste VMH, Gooskens RHJM, van Nieuwenhuizen O. Visual acuity in children with hydrocephalus. Clin Neurol Neurosur 1997;99:73-5. 10. Morante A, Dubowitz LM, Levene M, Dubowitz V. The development of visual function in normal and neurologically abnormal preterm and fullterm infants. Develop Med Child neurol 1982;24:771-84. 11. Jongmans M, Mercuri E, Henderson S, de Vries L, Sonksen P, Dubowitz L. Visual function of prematurely born children with and without perceptual-motor dificulties. Early Hum Dev 1996;45:73-82. 12. Salomão SR, Berezovsky A, Cinoto RW, de Haro FMB, Ventura DSF, Birch EE. Longitudinal visual acuity development in healthy preterm infants [abstract]. IOVS 2000; 41:no 3879 – B977. [presented at ARVO; 2000 May; Fort-Lauderdale (USA)]. 13. Costa MF, Ventura DSF, Salomão SR, Berezovsky A, de Haro FMB, Tabuse MKU. Grating acuity measured by Sweep VEP in children with spastic cerebral palsy [abstract]. IOVS 2001; 42: no 4536 – B238. [presented at ARVO; 2001 May; Fort-Lauderdale (USA)]. 14. Bane MC, Birch EE. VEP acuity, FPL acuity and visual behavior of visually impaired children. J Pediatr Ophthalmol Strabismus 1992;29:202-9. 15. Goto Y, Brizell M, Herrington V, Celesial G. The effects of antiepileptical drugs on the visual system: a study of flash ERG and VEP. Electroencephalol Clin Neurophysiol 1995;97:S239-40. 16. Eken P, de Vries LS, van der Graaf Y, Meiners LC, van Nieuwenhuizen O. Haemorragic-ischaemic lesions of the neonatal brain: correlation between cerebral visual impairment, neurodevelopmental outcome and MRI in infancy. Med Child Neurol 1995;37:41-55. 17. O’Keefe M, Kafil-Hussain N, Flitcroft I, Lanigan B. Ocular significance of intraventricular haemorrhage in premature infants. Br J Ophthalmol 2001;85:357-9. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 93 Revisão Neurônios-espelho Mirror neurons Aline Knepper Mendes*, Fernando Luiz Cardoso**, Cinara Sacomori* Resumo “A descoberta dos neurônios-espelho representa para os estudos da mente o que o DNA representou para a biologia”. Essa frase dita pelo neurocientista indiano V. S. Ramachandram demonstra a importância do conhecimento acerca dos neurônios-espelho para a compreensão de diversos fenômenos da mente. Esse estudo, exploratório-bibliográfico, se propôs a apresentar os conceitos sobre os neurônios-espelhos em humanos e macacos baseando-se em estudos que demonstrassem claramente a importância dessa classe de neurônios. Os textos apresentados nos mostram a importância da observação-ação e da compreensão-ação no desenvolvimento das relações humanas, desenvolvimento motor e aprendizagem motora. Além disso, permitem fazermos uma ponte com os conhecimentos da reabilitação podendo, por exemplo, aplicar esses conceitos com a recuperação de pacientes neurológicos. Palavras-chave: neurônios-espelho, sistema espelho, neurociência. Abstract “The discovery of the mirror neurons represents for the studies of the mind what the DNA represented for biology”. This phrase pronounced by the Indian neuroscientist V. S. Ramach- andram demonstrates the importance of the knowledge concerning the mirror neurons for the comprehension of diverse phenomena of the mind. This study is exploratory and bibliographical and aimed to present the concepts about the mirror neurons in human beings and monkeys, being based on studies that demonstrated clearly the importance of this category of neurons. The texts presented showed us the importance of the action-observation and the importance of the action-comprehension towards human relations development, motor development and motor learning. Moreover, these texts allowed us to make a bridge towards the knowledge concern- ing the rehabilitation, being able, for example, to apply these concepts in the direction of the recovery of neurological patients. Key-words: mirror neuron, mirror system, neuroscience. *Mestrado em Ciências do Movimento Humano, CEFID/ UDESC, Florianópolis SC, **Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestradoem Ciências do Movi- mento Humano, CEFID/UDESC Recebido 25 de setembro de 2007; aceito 15 de fevereiro de 2008. Endereço para correspondência: Aline Knepper Mendes, Rua José Gonzaga de Lima, 340/104 Kobrasol 88102-250 São José SC, E-mail: alinekm@gmail. com, Tel: (48) 8416-2636, Fax: (48) 3259-1341 94 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Introdução “Em um dia quente de verão, 15 anos atrás in Parma – Itália, um macaco em um laboratório espe- cial, aguardava o retorno do almoço de alguns pesqui- sadores. Eletrodos foram implantados no cérebro do macaco em regiões responsáveis pelo planejamento e realização de seus movimentos. Cada vez que o ma- caco pegava e movia um objeto algumas células das regiões monitoradas do cérebro eram estimuladas e um alarme disparava. Foi então que um estudante adentrou o laboratório onde estava o macaco, com um sorvete na mão. O macaco olhou fixamente para ele. Então o surpreendente aconteceu: quando o estudan- te levava o sorvete à sua boca, o alarme disparava, mesmo que o macaco não movesse, mas apenas observasse o estudante simplesmente agarrando e movendo o sorvete em direção à boca.” [1]. O grupo de cientistas coordenado por Giacomo Rizzolatti descobriu que o cérebro do macaco contém uma classe de neurônios, chamada por eles de “Neu- rônios-espelho” (NE), os quais são acionados tanto quando o animal vê ou ouve uma ação, como quando o animal realiza a própria ação. Segundo Rizzolatti e Arbib [2] estas células nervosas espelham o ambiente no cérebro do observador, isso significa que ensaia- mos ou imitamos mentalmente toda ação. Esses achados surpreenderam uma classe enorme de cientistas em 1996. Alguns anos depois uma nova revolução ocorreu entre os estudantes do cérebro: seres humanos têm NE que são muito mais “espertos”, flexíveis e evoluídos. Fato esse que segundo os cientistas refletem a evolução às sofisti- cadas habilidades sociais humanas [1]. Os autores que pesquisam na área falam muito do conceito de imitação (observarmos ações execu- tadas por outros e sermos capazes de fazê-la pos- teriormente). Para os pesquisadores a imitação tem um papel fundamental no desenvolvimento humano, na aprendizagem motora, na comunicação e nas ha- bilidades sociais. Entretanto, sua base neural, assim como seus mecanismos funcionais, são mal compre- endidos. As maiores informações a esse respeito vem de pacientes com lesões cerebrais. Através deles sugere-se que as regiões frontais e parietais podem ser pontos-chave para a imitação humana. O que se sabe também, é que a imitação não é um fenômeno unitário, podendo diversos comportamentos imitativos ocorrer de diferentes formas. A habilidade de copiar ações elementares deve ser baseada em mecanismos neurais simples. Supor- tando esse conceito vem a habilidade de imitar gestos faciais e manuais presente no infante com apenas dias ou até horas de nascimento. A base dessa imitação pode envolver um mecanismo de ressonância, onde é traçada uma descrição bastante específica que será representada internamente pelos responsáveis mo- tores da mesma ação [3]. Essa teoria da imitação é fundamentada no conhecimento sobre os NE que serão apresentados a seguir com um pouco de cada estudo realizado tanto em macacos quanto em humanos. Metodologia Esse estudo classifica-se como bibliográfico-ex- ploratório. O referencial bibliográfico deste estudo foi levantado a partir de buscadores on-line acessando artigos disponíveis gratuitamente, e também através do portal de periódicos Capes acessando artigos disponíveis integralmente. Os termos utilizados para as buscas foram: “neurônios espelho”, “Mirror Neu- ron”, “Mirror neuron system”, “rizzolatti” e “neurona espejo”. Após o levantamento bibliográfico foram realizadas leituras críticas que posteriormente foram organizadas conforme apresentadas a seguir. Resultados e discussão A apresentação dos resultados será realizada a partir de frases com objetivo de enunciar o conteúdo subseqüente. Algumas delas serão em forma de questionamentos sendo em seguida apresentadas as possíveis respostas. Apresentando os neurônios-espelho dos macacos A região rostral do córtex ventral pré-motor do macaco é a área chamada F5, de acordo com a no- menclatura proposta por Matelli, Luppino, e Rizzolatti em 1985 [4]. Os NE foram primeiramente descritos em macacos na área F5, sendo que posteriormente foi comprovada a existência desses neurônios também na região do lobo parietal inferior [5]. Segundo Metta et al. [6], os NE são neurônios visuomotores da área F5 (área pré-motora rostroven- tral) que são ativados quando o macaco pratica uma ação específica ou quando observa alguém pratican- do essa atividade. Segundo os mesmos autores, recentemente houve uma descoberta interessante: os estímulos visuais mais eficientes em fazer uma descarga elétrica dos NE são as ações em que a mão ou a boca do experimentador interagem com objetos. A mera apresentação de objetos ou comida não é Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 95 efetiva para evocar a descarga dos NE. Da mesma forma, atividades realizadas com ferramentas mesmo quando conceptualmente idênticas às realizadas com as mãos (agarrar com alicates), não ativam os NE ou os ativam de forma muito fraca. Os pesquisadores perceberam que as ações que com maior freqüência ativam os NE são: agarrar, manipular e prender. Além disso, muitos desses neurônios respondem de forma seletiva para apenas um tipo de ação (agarrar, ou manipular, ou prender). Buccino, Binkofski e Riggioa [4] também destacaram algumas peculiaridades dos NE, apresentadas acima e confirmadas por Metta et al. [6]. São elas: 1) durante a observação de uma ação, só há ativação dos neurônios quando um efetor biológico interage com um objeto (exemplo, uma mão pegando uma banana). A ativação não ocorre se for utilizado um instrumento com a mesma característica funcional (exemplo, uma pinça pegando uma banana); 2) Os NE também não são ativados quando a ação observada for simplesmente imitada, isto é, exe- cutada sem a presença do objeto; 3) Os NE não são ativados durante uma mera apre- sentação de objetos. A descoberta dos Neurônios-Espelhos em humanos A primeira demonstração de um sistema espelho dentro dos seres humanos foi fornecida através de uma experiência que funcionou da seguinte forma: se a observação de uma ação ativa o córtex pré-mo- tor humano como acontece com os macacos, então uma estimulação magnética transcranial deve captar, durante a observação de uma ação, um realce de potenciais motores evocados dos músculos ativados quando a ação observada é executada. Os resultados do experimento confirmaram a hipótese: durante a observação de várias ações, um aumento do potencial motor evocado ocorreu nos músculos que os sujeitos normalmente usam para executá-las [2-7]. O cérebro humano tem ainda múltiplos siste- mas de NE especialistas em realizar e entender não apenas as ações dos outros, mas suas intenções, o significado social de seus comportamentos e de suas emoções [1]. Segundo Rizzolatti [8] nossa sobrevivên- cia depende do entendimento de ações, intenções e emoções de outras pessoas. Ele acredita que os NE permitem que nós entremos na mente de outras pessoas não com o raciocínio conceitual, mas com a simulação direta. Metta et al. [6] defendem que ao observar ações de outros indivíduos, nossa compreensão pode ser moldada nos termos do que nós já sabemos sobre essas ações. Resumidamente, se vemos alguém bebendo um líquido escuro em uma xícara de café, então podemos hipotetizar que uma ação particular que eu já conheço em termos motores é usada para obter aquele efeito particular de beber. Baseado nisso compreendemos que os seres humanos reconhecem as ações feitas por outros seres humanos, pois durante a observação de deter- minada ação é ativado um circuito neural pré-motor similar ao de quando se está executando a própriaação. Por isso, acredita-se que esse sistema ação- reconhecimento foi a base para o desenvolvimento da linguagem [2]. Área F5 e área de Broca: similaridades entre humanos e macacos Rizzolatti e Craighero [7] revelam que estudos com imagem funcional mostraram a ativação cerebral de uma área homóloga à F5 dos macacos: a área de Broca. Diversas são as razões para que realmente a área de Broca seja um homólogo da área F5 dos macacos [2]: 1) A área F5 e de Broca são partes da área inferior 6 e sua posição dentro córtex frontal agranular é similar; 2) Cito-arquitetônicamente há fortes semelhanças entre a parte caudal da área de Broca (área 44 de Brodmann) e F5; 3) A área F5 está associada nos macacos a movi- mentos da mão. Atualmente se descobriu que as propriedades motoras da área de Broca não se relacionam exclusivamente ao discurso. Dados tomográficos indicaram que a área de Broca pode também ser ativada durante a execução de movimentos da mão ou do braço, ao imaginar um movimento de pegar, e também, durante ati- vidades que envolvem rotações não-mentais do braço no espaço. Isso foi percebido em pacientes em recuperação de infartos sub-corticais quando solicitados a usarem o braço paralisado. 4) Experimentos com o PET scan mostraram que as áreas ativadas durante a observação de um sujeito pegando um objeto foram: • Sulco temporal superior (STS); • Lobo parietal inferior; • Giro frontal inferior (área 45); sendo que todos os achados estavam presentes no hemisfério 96 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 esquerdo do participante. Isso corrobora para a aceitação da área de Broca como homóloga à F5 [2]. Iacoboni et al. [9] acreditam que a localização de NE no sulco temporal superior, lobo parietal inferior e na Pars Opercularis podem servir como uma rede neural para a compreensão da ação. Um outro estudo realizado por Ferrari et al. [10] descreveu respostas dos neurônios F5 que codificam as ações motoras da boca: a maioria dos NE da boca torna-se ativa durante execuções de ações relaciona- das à funções ingestivas (mascar, sugar ou quebrar o alimento), mas os estímulos visuais mais eficazes em ativar os neurônios da área F5 foram relacionados a gestos comunicativos da boca. Esses achados cola- boram para a teoria de que a área F5 é um homólogo da área de Broca nos humanos, já que ela também está envolvida em funções comunicativas. Aziz-Zadeh et al. [11], não concordou com os achados de NE somente no hemisfério esquerdo, como apresentado no texto acima. Segundo os auto- res, as pesquisas não foram realizadas controlando a lateralidade dos participantes, assim realizaram um novo estudo e perceberam que aconteceram ativações bilaterais do Pars Opercularis (com sinais de presença de sistema espelho, já que as ativa- ções ocorreram durante a ação da tarefa e durante sua observação), independente do campo visual da apresentação e da lateralidade da mão resposta ou da mão observada. Assim, os dados de seu estudo mostraram que o sistema espelho fronto-parietal hu- mano é distribuído bilateralmente em suas atividades. Segundos os autores, os aspectos de lateralização esquerda da linguagem podem estar relacionados à outros fatores, pois recentemente encontrou-se uma ativação pré-motora ventral esquerda mais forte aos sons de ações. Os autores ainda aventam uma hipótese: uma possibilidade é que a progressão para a lateralização esquerda das funções da linguagem possa ter sido facilitada por um componente auditivo esquerdo-lateralizado de um sistema multimodal de NE. A imitação como ferramenta de desenvolvimento humano Como falado na introdução desse trabalho, a imitação tem um importantíssimo papel no desen- volvimento humano, na aprendizagem motora, na comunicação e nas habilidades sociais. Segundo Boto [12], durante uma entrevista sobre empatia, Giacomo Rizzolatti fez uma colocação importante: “Enfrentamos um grande problema no Ocidente. A base da cultura é não imite, seja original. Isso é um erro. Primeiro temos que imitar e depois podemos ser originais”. Sem esse processo de imitação as bases do relacionamento humano não podem ser realizadas. Um exemplo desse problema está no autismo. Se- gundo Giacomo Rizzolatti, os transtornos básicos do autismo se dão no sistema motor. Esses pacientes têm problemas para organizar seu próprio sistema motor e como conseqüência não desenvolvem o sis- tema de NE. Devido a isso, não entendem as outras pessoas por que não podem relacionar seus movimen- tos com os que vêem nos demais. Como resultado disso, um gesto simples torna-se uma ameaça para um autista [12]. Pela falta da capacidade de imitar, seus relacionamentos humanos são extremamente problemáticos. Entretanto, a base neural da imitação, assim como seus mecanismos funcionais, são mal com- preendidos. As áreas corticais responsáveis pela imitação devem ser dotadas de propriedades motoras e, mais importante, devem ser mais ativas quando a ação a ser executada for eliciada pela observação dessa ação. Para avaliar se tal mecanismo existia, os pesquisadores Iacoboni et al. [3] utilizaram a Ressonância Magnética Funcional. Para melhor com- preender os mecanismos das imitações, os autores propuseram 3 condições de observação e obser- vação-execução aos participantes do estudo. Nas condições de observação-execução, comportamentos imitativos e não-imitativos de simples movimentos de dedos foram comparados, onde nos imitativos os participantes precisavam executar os movimentos que eram observados. Já nas não-imitativas, a partir de um sinal, eles executavam determinada ação. Os au- tores propuseram que na área frontal inferior há uma descrição da ação observada em termos de objetivos motores (exemplo, levantar o dedo), mas sem definir os detalhes precisos do movimento. Em contraparti- da, a área parietal, codificaria os aspectos precisos e sinestésicos do movimento (por exemplo, quando o dedo deve ser levantado). Os autores salientaram ainda que a ativação foi lateralizada na maior parte no hemisfério cerebral direito, e que lesões no lobo parietal inferior direito são tipicamente associadas à desordens no esquema corporal. Esses estudos demonstram que se pode propor diversas formas de utilização da imitação como técnica para tratamento de pacientes, treinamento de atletas, aperfeiçoamen- to de modo geral, e etc. Através de um biofeedback as pessoas tomam consciência de que as atividades Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 97 mas apenas ouvindo e com isso evocando idéias motoras. A descoberta dos NE audiovisuais pode ser um passo para a evolução da linguagem, por duas razões: primeiramente, estes neurônios têm a capacidade de representar ações; em segundo, têm acesso à conteúdos auditivos característicos da linguagem humana [14]. Em outro estudo apresentado por Gazzola et al. [15], a mesma evidência foi buscada. Os pesquisa- dores também acreditavam que os NE pudessem ser ativados por estímulos sonoros. Quando os sujeitos do estudo foram expostos à sons característicos da boca (biscoito sendo mordido, beijo, bebendo o final do refrigerante com canudinho) e também das mãos (rasgar uma folha de papel, fechar um zíper), as áreas ativadas se sobrepuseram às áreas ativadas quando essas ações eram realizadas pelos próprios participantes. Isso demonstrou que os NE também são ativados com estímulos sonoros. Existe sistema espelho ao pronunciarmos frases literais? Essa situação ativará os neurônios espelhos responsáveis pelas ações referidas? Em um recente trabalho de Aziz-Zadeh et al. [16] os pesquisadores utilizaram uma técnica de imagem cerebral para investigar como frases literais descrevendo ações executadas pela boca, mão ou pé, influenciariam os neurônios corticais que são ativados pela visualização de ações executadas pela boca, mão ou pé. Os autores encontraram algo interessante: eles verificaram que quando os parti- cipantes liam frasesdo tipo “morder o pêssego” ou “morder a banana” eram ativadas as mesmas áreas de quando eles observavam a imagem de alguém “mordendo um pêssego” ou “mordendo uma bana- na”, ou seja, há uma ligação entre os sentidos da visão e da audição. Achados similares também foram encontrados quando as tarefas eram realizadas com as mãos ou pés. O estímulo tátil como desencadeante de atividade nervosa: neurônios espelhos e o toque Keysers et al. [17] testaram a existência de NE ao estímulo do toque. Segundo os autores a ques- tão motivadora do estudo aconteceu numa exibição cinematográfica onde uma aranha subia no braço de alguém e os espectadores tinham a sensação embora não sejam realizadas ainda, já são percebidas por seu cérebro. Se os neurônios espelho são responsáveis pelo reconhecimento da ação, então eles também podem ser ativados quando a seqüência inteira da ação não for vista? Essa questão foi estudada por Umiltà et al. [13]. Na experiência, duas circunstâncias foram apresen- tadas: primeiramente o macaco poderia ver toda a seqüência de movimento da ação da mão (condição de visão); num segundo momento a parte final da ação foi escondida da visão do macaco por meio de uma tela (condição de circunstância escondida). Nessa segunda circunstância foi mostrado ao animal que um objeto (um pedaço de comida) foi colocado atrás da proteção o que o impediu de ver a parte final da observação da ação. Os resultados desse experi- mento mostraram que a ativação dos NE ocorreu não somente quando a ação inteira é visualizada, mas também quando sua parte final é escondida. Como controle os autores realizaram um experimento com uma imitação de ação nas mesmas circunstâncias (por exemplo, ao invés de uma mão pegar um objeto era apresentado uma mímica de mão pegando um objeto imaginário). Nesse caso não houve ativação quando a ação inteira foi mostrada nem quando a parte final dela foi escondida. Isso por que como apresentado anteriormente os NE só são ativados quando há um objeto real e uma ação acontecendo simultaneamente. Os neurônios-espelho podem ser ativados por sons típicos apenas? Isso pode acontecer sem a visualização da ação? Kohler et al. [14] mostraram que ações também podem ser reconhecidas quando são apresentados sons típicos daquelas ações. Segundo os autores grande parte das ações objeto-relacionadas pode ser reconhecida somente por seu som. Eles encontraram que os NE foram ativados quando um macaco execu- tava, observava ou ouvia as ações propostas. Esses neurônios foram classificados como audiovisuais. Esta descoberta também contribui para a teoria da área F5 ser um homólogo da área de Broca. Isso tam- bém pode ser uma etapa da aquisição da linguagem gestual nos macacos. Os NE audiovisuais poderiam ser usados para planejar/executar ações (como nas condições motoras) e para reconhecer as ações de outras pessoas (como nas condições sensoriais), 98 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 de que a aranha subia neles próprios. Os autores encontraram uma ativação do córtex somatossenso- rial secundário quando os participantes do estudo foram tocados e também quando observaram outras pessoas sendo tocadas da mesma forma. Segundo os pesquisadores, os mecanismos neurais por trás da nossa própria sensação de toque podem ser uma janela para a compreensão desse mecanismo. As emoções e a representação das mesmas pelo Sistema Espelho Na vida social, mais importante do que imitar as ações é a capacidade de decifrar as emoções. Para compreendermos as emoções os mecanismos são diferentes daqueles apresentados até aqui, nas ações sem envolvimento emocional. Uma hipótese para compreensão das emoções de outra pessoa consiste na elaboração cognitiva dos aspectos sensoriais das emoções do observado (nesse caso compreende-se a emoção expressa, mas não a sen- te). A outra consiste em traçar aspectos sensoriais diretos do comportamento emocional do observado nas estruturas motoras que o determinam no obser- vador. Na primeira hipótese um padrão facial ou do corpo é reconhecido, indicando medo, ou felicidade ou aflição. Não há participação emocional do obser- vador, ele apenas reconhece as emoções do outro pelo reconhecimento da expressão corporal ou facial. Na segunda hipótese o reconhecimento se dá através da experiência do sentimento do observado (por que o sentimento é provocado no observador), ou seja, a emoção da outra pessoa penetra a vida emocional do observador, despertando nele sentimentos que o levam à experiências similares. Para comprovar essa segunda teoria, que reme- te aos conceitos dos NE, Rizzolatti e Craighero [18] realizaram um experimento com apenas um senti- mento – a aversão. Os pesquisadores escolheram a aversão como sentimento pesquisado, pois segundo eles, essa é uma emoção básica cuja expressão tem um significado importante para a sobrevivência. Aversões a um alimento indicam, por exemplo, que ao cheirá-lo ou pior ao prová-lo podem ter complica- ções perigosas. Pelo seu forte valor comunicativo, a aversão foi perfeita para testar a hipótese apre- sentada anteriormente. Segundo os autores quando os sujeitos são expostos a odores aversivos, há ativação intensa de duas áreas: amigdala e insula, além disso eles afirmam que a insula não é uma área exclusivamente sensorial, pois em macacos e seres humanos, ao ser estimulada eletricamente, produziu movimentos do corpo. Esses movimentos, entretanto, são acompanhados de respostas auto- nômicas e víscero-motoras. Um estudo com imagens do cérebro mostrou que nos seres humanos a insula anterior recebe uma ordem grande de informação visual (além do estímulo olfatório e gustativo). A hipótese de que nós percebemos as emoções dos outros ativando em nós a mesma emoção foi também apresentada por Carr et al. [19]. Conclusão Conhecer os NE permite que formulemos diver- sas hipóteses sobre sua utilização em diferentes áreas científicas, como na área da saúde com recu- peração de pacientes, em treinamentos de atletas etc. Evidentemente pensar em utilizar esses novos conceitos na saúde é apenas uma hipótese e também uma tentativa de modificar nossos conceitos a cerca do que se tem feito até o momento. Certamente os conceitos dos NE não se restringem somente a isso. Eles nos permitem uma possibilidade de reflexão acerca da maneira como cada um observa o mundo e as outras pessoas. Com eles poderemos compreen- der muitas peculiaridades e emoções que até então ficavam em segundo plano por falta de conhecimento de como atingi-las. Espera-se que com essa breve apresentação, surjam pesquisas no Brasil abordando essa teoria que é tão encantadora. Referências 1. Blakeslee S. Cells That Read Minds. New York Times; 2006. 2. Rizzolatti G, Arbib MA. Language within our grasp. Trends Neurosci 1998;21:188-94. 3. Iacoboni M, Woods RP, Brass M, Bekkering H, Mazziotta JC, Rizzolatti G. Cortical Mechanisms of Human Imitation. Science 1999;286:2526-8. 4. Buccino G, Binkofski F, Riggioa L. The mirror neuron system and action recognition. Brain Lang 2003:1-7. 5. Rizzolatti G, Fogassi L, Gallese V. Neurophysiological mechanisms underlying the understanding and imitation of action. Nat Rev Neurosci 2001;2:661- 70. 6. Metta G, Sandini G, Natale L, Craighero L, Fadiga L. Understanding mirror neurons: A bio-robotic approach. Interaction Studies 2006;7(2);197–231. 7. Rizzolatti G, Craighero L. The Mirror Neuron System. Annu Rev Neurosci 2004;27:169–92. 8. Rizzolatti G. The mirror neuron system and its function in humans. Anat Embryol 2005;210:419-21. 9. Iacoboni M, Molnar-Szakacs I, Gallese V, Buccino G, Mazziotta JC, Rizzolatti G. Grasping the intentions of others with one’s own mirror neuron system. PLoS Biol 2005;3:1–7. Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 99 10. Ferrari PF, Galeese V, Rizzolatti G, Fogassi L. Mirror neurons responding to the observation of ingestive and communicative mouth actions inthe monkey ventral premotor cortex. Eur J Neurosci 2003;17:1703-14. 11. Aziz-Zadeh L, Koski L, Zaidel E, Mazziotta J, Iacoboni M. Lateralization of the Human Mirror Neuron System. J Neurosci 2006b;26(11):2964 –70. 12. Boto A. Las neuronas espejo te ponen en el lugar del otro. Jornal El Pais. Madrid – 2005. [citado 2007 Jun 28]. Disponível em URL: http://www.elpais. com/articulo/futuro/neuronas/espejo/ponen/lugar/ elpfutpor/20051019elpepifut_6/Tes. 13. Umiltà MA, Kohler E, Gallese V, Fogassi L, Fadiga L, Keysers C et al. I Know What You Are Doing: A Neurophysiological Study. Neuron 2001;31:155-65. 14. Kohler E, Keysers C, Umiltà MA, Fogassi L, Gallese V, Rizzolatti G. Hearing Sounds, Understanding Actions: Action Representation in Mirror Neurons. Science 2002;297: 846-8. 15. Gazzola V, Aziz-Zadeh L, Keysers C. Empathy and the somatotopic auditory mirror system in humans. Curr Biol 2006;16(18):1824-9. 16. Aziz-Zadeh L, Wilson SM, Rizzolatti G, Iacoboni M. Congruent Embodied Representations for Visually Presented Actions and Linguistic Phrases Describing Actions. Curr Biol 2006a;16: 1818-23. 17. Keysers C, Wicker B, Gazzola V, Anton JL, Fogassi L, Gallese V. A Touching sight: SII/PV activation during the observation and experience of touch. Neuron 2004; 42:335-46. 18. Rizzolatti G, Craighero L. Mirror neuron: a neurological approach to empathy. Neurobiology of Human Values. Heidelberg: Springer; 2005. p.107-23. 19. Carr L, Iacoboni M, Dubeau MC, Mazziotta J, Lenzi GL. Neural mechanisms of empathy in humans: A relay from neural systems for imitation to limbic areas. Proc Natl Acad Sci USA 2003;100(9):5497-502. 100 Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 Revisão Com gosto de FEO: a procura pelo oscilador circadiano sincronizado pelo alimento Tasting like a FEO: searching for the food-entrainable oscillator Judney Cley Cavalcante Resumo A habilidade dos animais de se organizarem temporalmente em antecipação aos ritmos ambien- tais é um mecanismo chave para sua sobrevivência. A disponibilidade rítmica de alimento é um forte sincronizador e mesmo roedores com o núcleo supraquiasmático (marcapasso circadiano sincronizado pela luz, LEO) lesado apresentam aumento de atividade (FAA), da temperatura e de hormônios em antecipação ao alimento. Apesar das bases neurais da sincronização pelo alimento ser diferente das bases neurais da sincronização pela luz, pouco se sabe sobre elas e faltam fundamentos anatômicos e moleculares para caracterizar o oscilador sincronizado pelo alimento (FEO). Lesões têm descartado a existência periférica do FEO e diversas técnicas, como a expressão da proteína Fos, as lesões neuronais, a expressão e o nocaute dos genes relógio, têm sido aplicadas na tentativa de identificar o FEO na parte central do sistema nervoso. Apesar de todos os esforços, muitas frustrações e contradições têm sido geradas, o que nos leva a idéia de que o FEO não está localizado em uma estrutura única, mas em um sistema. Palavras-chave: sincronização ao alimento, oscilador circadiano, atividade antecipatória, sistema nervoso. Abstract The ability of the animals to organize themselves temporally in anticipation to the environmental rhythms is a key mechanism to survival. The rhythmical food availability is a strong synchronizing clue and even rodents with a lesion in the suprachiasmatic nucleus (light-entrainable pacemaker, LEO) show a food anticipatory activity (FAA) followed by anticipatory rising in temperature and hormones. Though the neural bases of the food-entrainment are different from the neural bases of the light-entrainment, the former has lack of anatomical and molecular information to charac- terize the food-entrainable oscillator (FEO). Lesions have withdraw a peripheral FEO but several methods as Fos protein expression, neuronal lesions, clock genes expression and knock out, have been used to identify the FEO inside the brain. Too many frustrations and contradictions have been generated making us to believe that the FEO is not located in a single structure, but that it is a system. Key words: food-entrainment, circadian oscillator, anticipatory activity, nervous system. Systems Neuroscience Group, Department of Neurology, Beth Israel Deaconess Medical Cen- ter, Harvard Medical School Recebido 14 de fevereiro de 2008; aceito 15 de março de 2008. Endereço para correspondência: 77 Avenue Louis Pasteur, Harvard Institutes of Medicine, #819, Boston MA – USA, ZIP 02115. Tel: +1 (857) 540 3287, Fax: (617) 667 0810, E-mail: jcavalca@ bidmc.harvard.edu Neurociências • Volume 4 • Nº 2 • março-abril de 2008 101 Introdução A habilidade dos animais de organizarem seus com- portamentos e fisiologia temporalmente em antecipação aos ritmos ambientais é um mecanismo chave para sua sobrevivência. Embora o ciclo claro/escuro seja a pista ambiental mais previsível, os animais são capazes de sincronizar e se antecipar a ciclos de disponibilidade de alimento. Já na década de 1950, Nyholm observou que uma espécie de morcegos era ativa apenas a noite durante o período do ano em que a temperatura estava suficientemente alta para haver insetos voadores para se alimentar à noite e os pássaros predadores estavam ativos durante o dia. No entanto, durante o período do ano em que estava frio demais para que os insetos sa- íssem à noite e os predadores migravam, os morcegos graduamente mudavam seus hábitos até se tornarem predominantemente diurnos [1,2]. Da mesma forma, ratos de laboratório, que são tipicamente noturnos, podem ter sua atividade diur- na aumentada quando têm o alimento restringido a poucas horas durante a fase de claro [3]. Essa atividade diurna é marcantemente antecipa- tória, não se limitando ao período de disponibilidade de alimento [4,5]. Essa antecipação ao alimento (FAA, do inglês food-anticipatory activity) começa de 1 a 3 horas antes do alimento ser disponibilizado e é acompanhada por aumento da vigília, da temperatura corporal e da secreção de alguns hormônios [2,6]. Se o animal é privado de alimento no final de um período de restrição alimentar (condição constante), ele con- tinua a mostrar antecipação por até 5 dias, entrando em livre-curso (Figura 1) [7-9]. Os ritmos sincronizados pelo alimento apresentam mudança de fase transitó- ria e limite de sincronização ao comprimento do ciclo (entre 23 e 31 horas) [10], caracterizando-se como um ritmo circadiano verdadeiro. Embora tenham propriedades semelhantes aos ritmos circadianos sincronizados pela luz, os ritmos sincronizados pelo alimento não compartilham as mesmas bases neurais. O marcapasso sincronizado pela luz (LEO, do inglês light-entrainable oscillator) é o núcleo supraquiasmático (SCN), que fica no hipo- tálamo anterior. O SCN, que vem sendo considerado o marcapasso central, recebe informação direta da retina e a transmite para um grupo seletivo de áreas do encéfalo. No entanto, as projeções do SCN são restritas e não explicam todas as alterações fisio- lógicas e comportamentais em resposta ao ciclo claro/escuro, portanto, algumas áreas que recebem projeções do SCN parecem ter funções de modulação e amplificação de tais projeções [11,12]. Figura 1 - Duplos actograma mostrando a atividade geral (esquerda) e gráfico da temperatura corporal de um rato (direita). Animal alimentado ad libitum sob escuro contante (fundo cinza) ou ciclo claro/escuro (fundo branco/cinza) e em restrição alimentar (barra vertical). Note a antecipacipação ao alimento (setas). Mesmo após privação de alimento o rato continua sincronizado (linha cinza). Modificado de [9]. O SCN é necessário para a expressão de ritmos circadianos endógenos e sincronização à luz, e sua lesão causa perda destes ritmos [13]. No entanto, a sincronização ao alimento continua a existir, o que sugere a existência de um oscilador sincronizado pelo alimento (FEO, do inglês food-entrainable oscillator) [14,15]. Onde está o FEO? Já que a pista