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iê i ú 0 0 www.atlanticaeditora.com.br e d i t o r a a atlântic 1JANEIRO • FEVEREIRO de 2005Volume 2 • Número 1 Revista multidisciplinar das ciências do cérebro ci ên ci as ne ur o Doenças mitocondriais A mente ao vivo e em cores Hematomas cranioencefálicos e neuroimagem Karine Martins da Trindade et al. Rodrigo Bressan Juliano Bergamaschine Mata Diz et al. Análise biocomportamental Inato e adquirido no psiquismo humano Maria Teresa Araújo Silva Susan Meire Mondoni ISSN 1807-1058 iê i ú 0 0 www.atlanticaeditora.com.br e d i t o r a a atlântic 2MARÇO • ABRIL de 2005Volume 2 • Número 2 Revista multidisciplinar das ciências do cérebro ci ên ci as ne ur o Células-tronco em acidentes vasculares cerebrais Neuroimagem: novos métodos de diagnóstico Gabriel R de Freitas Charles André Rosália Mendez-Otero Jorge Marcondes de Souza Eliane S. Azevedo Suzana Herculano-Houzel Controle do peso corporal no hipotálamo de búfalos Metapsicologia: revisando a teoria do recalque André Walsh-Monteiro et al. Carlos Eduardo de Sousa Lyra ISSN 1807-1058 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 2 - N ú m e ro 3 - M a io / Ju n h o d e 2 0 0 5 3 ISSN 1807-1058 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 2 - N ú m e ro 4 - Ju lh o / A g o s to d e 2 0 0 5 4 ISSN 1807-1058 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 2 - N ú m e r o 5 - S e te m b ro / O u tu b ro d e 2 0 0 5 www.atlanticaeditora.com.br 5SETEMBRO • OUTUBRO de 2005Volume 2 • Número 5 Revista multidisciplinar das ciências do cérebro ci ên ci as ne ur o Neuroética Roberto Lent Benilton Bezerra Jr. Eliane Azevedo Jorge Marcondes Márcio Versiani Direito e neurociência Genética do suicídio Neurociência do esporte Atahualpa Fernandez Ana Luiza G. Cunha . Emílio Takase et al ISSN 1807-1058 N e u ro c iê n c ia s - V o lu m e 2 - N ú m e r o 6 - N o v e m b ro / D e z e m b ro d e 2 0 0 5 www.atlanticaeditora.com.br 6NOVEMBRO • DEZEMBRO de 2005Volume 2 • Número 6 Revista multidisciplinar das ciências do cérebro ci ên ci as ne ur o Ensino de neurociências Etanol e neurogênese Luiz Menna-Barreto Fernando Abdulkader Luiz Eduardo Ribeiro do Valle Mario Fiorani Jr. Ronald Ranvaud Suzana Herculano-Houzel Tales Alexandre Aversi-Ferreira .et al Botox na paralisia cerebral Meduloblastoma Neuropsina Nícolas Aprígio Koenigkam Soares . Patricia Imperatriz Porto Rondinelli . Helena C. Castro et al et al et al. ISSN 1807-1058 ÍndiceÍndiceÍndiceÍndiceÍndice VVVVVolume 2 número 1 - janeiro/fevereiro de 2005olume 2 número 1 - janeiro/fevereiro de 2005olume 2 número 1 - janeiro/fevereiro de 2005olume 2 número 1 - janeiro/fevereiro de 2005olume 2 número 1 - janeiro/fevereiro de 2005 EDITORIAL Importância da ISBRA para o desenvolvimento das Neurociências no Brasil, Roberto Paes de Carvalho, Fernando Garcia de Mello, Cecília Hedin Pereira e Eliane Volchan ...................... 3 SELEÇÃO DOS EDITORES ............................................................................................................. 7 OPINIÃO Características inatas e adquiridas do psiquismo humano: uma análise do filme “Nell”, Susan Meire Mondoni ......................................................................................................................... 15 ENTREVISTA Rodrigo Bressan: a mente ao vivo e em cores ...................................................................................... 18 LIVROS “Questões sobre memória” e “A arte de esquecer”, de Iván Izquierdo A arte de escrever: o esquecimento e a memória de Iván Izquierdo, Daniel Martins de Barros ................. 22 REVISÕES Manifestações radiológicas dos hematomas cranioencefálicos nos exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética nuclear, Juliano Bergamaschine Mata Diz, Aline Braga de Souza, Nícolas Aprígio Koenigkam Soares, Bárbara Mendes da Costa, Israel Kleina Lima, Mauro César Tavares de Souza ................................................................................ 25 Características genéticas das doenças mitocondriais, Karine Martins da Trindade, André de Almeida Araújo, Camila Pindo de Nadai, Pablo Romero da E. Pinheiro, Henrique Douglas Melo Coutinho ......................................................................................................... 33 Análise biocomportamental, Maria Teresa Araújo Silva .......................................................................... 43 CURSOS .......................................................................................................................................... 48 INSTRUÇÕES AOS AUTORES ...................................................................................................... 50 AGENDA .......................................................................................................................................... 52 2 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 © ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida, arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a pessoas ou proprieda- des ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante. Atlântica Editora edita as revistas Diabetes Clínica, Fisioterapia Brasil, Enfermagem Brasil, Nutrição Brasil e Ação & Movimento. I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes. Editor executivo Jean-Louis Peytavin jeanlouis@atlanticaeditora.com.br Publicidade e marketing René Caldeira Delpy Jr. rene@atlanticaeditora.com.br Editoração e arte Cristiana Ribas cristiana@atlanticaeditora.com.br Administração Bárbara de Assis Jorge barbara@atlanticaeditora.com.br Atendimento ao assinante Ingrid Haig ingrid@atlanticaeditora.com.br Katty de Oliveira katty@atlanticaeditora.com.br Redação e administração Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço Suzana Herculano-Houzel Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 – Rio de Janeiro – RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 suzana@atlanticaeditora.com.br Rio de Janeiro Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 – Rio de Janeiro – RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 / 2517-2749 e-mail: atlantica@atlanticaeditora.com.br www.atlanticaeditora.com.br São Paulo Praça Ramos Azevedo, 206/1910 01037-010 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3362-2097 Assinaturas 6 números ao ano + 1 CD-ROM Brasil – 1 ano – R$ 150,00 América Latina – 1 ano – US$ 160,00 Europa – 1 ano – 150,00 Rio de Janeiro: (21) 2221-4164 Representante de Assinatura: A.Shalon Tel.: (11) 3361-5595 Revista Multidisciplinar das Ciências do Cérebro Editora: Suzana Herculano-Houzel, UFRJ Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USP Presidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF Conselho editorial: Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia) Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento) Dânia Hamassaki-Britto, USP (Morfologia) Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia) Eliane Volchan, UFRJ (Cognição) João Santos Pereira, UERJ (Neurologia) Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional) Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística) Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição) Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPA (Fisiologia) Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação) Marco Antônio Prado, UFMG (Neuroquímica) Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia) Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria) Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia) Neurociências é publicado com o apoio de: SBNeC (SociedadeBrasileira de Neurociências e Comportamento) Presidente: Luiz Carlos de Lima Silveira www.fesbe.org.br/sbnec ISSN 1807-1058 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 3 Editorial alvez um dos eventos mais importantes do ano de 2004 para as Neurociên- cias no Brasil tenha sido a realização da II Escola de Neurociências da IBRO (International Brain Research Organization) no Brasil (ISBRA) nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói no período de 27 de setembro a 14 de outubro. A escola foi organizada de modo a propiciar a alunos brasileiros e de outros países da América Latina um treinamento teórico e prático nas fronteiras do conhecimento em três áreas fundamentais das Neurociências: Neuroquímica, Desenvolvimento e Plasticidade, e Bases fisiológicas da Cognição. O professor Roberto Paes de Carvalho da Universidade Federal Fluminense (UFF) foi o coordenador geral e os professores Fernando Garcia de Mello, Cecília Hedin-Pereira e Eliane Volchan da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) coordenaram as áreas supracitadas, respectivamente. Como os simpósios da Escola foram abertos ao público, também se pôde dar à comunidade científica a oportunidade de participar de simpósios internacionais com convidados renomados em um momento em que as chamadas Ciências do Cérebro estão em foco com descobertas revolucionárias nas áreas de memória e comportamento humanos e na origem combinada, genética e ambiental, das doenças psiquiátricas e neurológicas em geral. Seguindo o exemplo da Primeira ISBRA realizada em Ribeirão Preto (SP) em 2002, o evento foi um grande sucesso, tendo atraído muitos estudantes para a escola propriamente dita e alunos de graduação e pós-graduação, além de pesquisadores, para os simpósios. Houve mais de 120 inscritos para assis- tir aos simpósios da II ISBRA. A IBRO, organização internacional à qual se filiam as diferentes sociedades de Neurociências de vários países, inclusive a Sociedade Brasileira de Neurociên- cias e Comportamento (SBNeC), tem apoiado há alguns anos a organização de escolas de Neurociências em diferentes países da Ásia, África e América Latina, com o objetivo geral de fomentar a pesquisa e o interesse nas Ciências do Cérebro. Ficou então a cargo da SBNeC a organização da escola no Brasil a cada dois anos. A primeira foi realizada em 2002 no campus da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto com grande sucesso, como frisado anteriormente. A decisão Importância da ISBRA para o desenvolvimento das Neurociências no Brasil Roberto Paes de Carvalho, Fernando Garcia de Mello, Cecília Hedin Pereira e Eliane Volchan ROBERTO PAES DE CARVALHO, Presidente do Conselho Editorial da Neurociências e Coordenador geral da ISBRA FERNANDO GARCIA DE MELLO, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho – UFRJ e Coordenador da ISBRA (Neuroquímica) CECÍLIA HEDIN PEREIRA, membro do Conselho Editorial da Neurociências e Coordenadora da ISBRA (Desenvolvimento e Plasticidade) ELIANE VOLCHAN, membro do Conselho Editorial da Neurociências e Coordenadora da ISBRA (Bases fisiológicas da Cognição) T 4 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 de realizar a II ISBRA no Estado do Rio de Janeiro foi em função de propiciar aos alunos o contacto com áreas diferentes dentro das Neurociências que têm grande desenvolvimento na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade Federal Fluminense (UFF). A II ISBRA apresentou um formato dife- rente com a divisão de alunos em três áreas de concentração. A escola teve início com a sessão de abertura e conferências de Rafael Linden da UFRJ e Edward Ziff da New York University. No primeiro dia houve os simpósios apoiados pela International Society for Neurochemistry, que subsidiou a vinda de pesqui- sadores da área de Neuroquímica e ofereceu bolsas para alguns dos alunos selecionados. Estes simpósios versaram sobre Vias e Mecanismos de Trans- dução de Sinais (coordenado por Ana Lúcia M. Ventura da UFF) e Fatores Neurotróficos (coordenado por Elizabeth G. de Araujo da UFF), com a participação dos eminentes pesquisadores americanos Jeffrey Benovic (Thomas Jefferson University) e Ronald Oppenheim (Wake Forest University), além do pesquisador argentino Luis Politi (Institute of Biochemical Investigations of Bahia Blanca, Argentina) e dos brasileiros Marília Guimarães (University of California at San Francisco, USA), Marco Prado (Universidade Federal de Minas Gerais), Ricardo Reis (UFRJ) e Flávia Alcântara Gomes (UFRJ). No segundo dia foram realizados os simpósios de Neurobiologia do Desenvolvimento versando sobre Prolife- ração, Migração e Plasticidade (coordenado por Leny Cavalcante da UFRJ) e Fatores Influenciadores do Crescimento Axonal e Dendrítico (coordenado por Roberto Lent da UFRJ) com a participação dos pesquisadores americanos Stephen Noctor (University of Califórnia at San Francisco, USA) e Reha Erzurumlu (Louisiana State University, USA) além da pesquisadora francesa Patrícia Gaspar (Hospital Salpetrière, França) e dos brasileiros Rosalia Mendez-Otero (UFRJ), Daniela Uziel (UFRJ) e Cláudio Serfaty (UFF). Seguiram-se duas semanas de atividades práticas nos laboratórios da UFRJ e da UFF, sendo especialmente envolvidos os Institutos de Biofísica Carlos Chagas Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 5 Filho e de Ciências Biomédicas da UFRJ e os Institutos de Biologia e Biomédico da UFF. Dez alunos foram selecionados por área e desenvolveram atividades práticas relacionadas a cada área. Estes alunos foram selecionados em função de seus currículos e interesses específicos e, além de alunos brasileiros, foram selecionados alunos provenientes do México, República Dominicana, Argentina e Colômbia. Entre os alunos brasileiros foi dada preferência a alunos provenientes de outros estados que não o do Rio de Janeiro, tendo sido selecionados alunos do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo e Pará. As semanas de atividades práticas contaram também com a participação dos convidados internacionais, que tiveram contato direto com os alunos e puderam também ministrar outras palestras além das normalmente proferidas nos simpósios da ISBRA. Como exemplo podem ser citadas as conferências realizadas por Edward Ziff, Jeffrey Benovic e Luis Politi na UFF, além de palestras extras proferidas por Roberto Malinow, Reha Erzurumlu, Stephen Noctor e Patrícia Gaspar na UFRJ. Na parte final da II ISBRA foram realizados os simpósios integrativos sobre Plasticidade Neuronal (coordenado por Cecília Hedin- Pereira da UFRJ), Processos Integrativos no Sistema Visual (coordenado por Dora Ventura da USP), Atenção (coordenado por Luiz Gawryszewski da UFF) e Circuitos Neurais da Emoção (coordenado por Letícia de Oliveira da UFF) com a participação do pesquisador americano Roberto Malinow (Cold Spring Harbor, USA), dos chilenos Bernardo Morales (Universidad de Santiago) e Pedro Maldonado (Universidad de Chile), do argentino Jorge Armony (McGill University, Canada) e do italiano Carlo Umiltà (Universitàt di Padova), além dos brasileiros Mario Fiorani (UFRJ), Ricardo Gatass (UFRJ), Luiz Carlos Silveira (Universidade Federal do Pará), Sergio Neuenschwander (Max-Planck Institute, Alemanha), Gilberto Xavier (USP), Marcus Vinicius Baldo (USP), Marcus Brandão (USP) e Newton Canteras (USP). A palestra final de Miguel Nicolelis (Duke University, USA) fechou o evento com “chave de ouro”. 6 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 Em conclusão, acreditamos que eventos deste tipo contribuem de maneira altamente significativa para o desenvolvimento científico brasileiro, não só por dar oportunidade aos alunos de entrar em contacto direto com especialistas de renome internacional e com as técnicas mais modernas das respectivas áreas, como também beneficiam toda a comunidade científica local através de um ambiente de discussão científica que acompanha a “frente de onda”da produção de conhecimentos em Neurociências no mundo. Cabe sem dúvida nenhuma dar os parabéns à IBRO e agradecer o apoio da Capes, CNPq, Faperj, Finep, da Academia Brasileira de Ciências e da International Society for Neurochemistry por essa iniciativa que certamente trará frutos ao desenvolvimento das Neurociências nos países em desenvolvimento. Participantes da II ISBRA Alunos: Adriana Sereniki (Brasil); Agatha Asano Trindade (Brasil); Alberto Camacho Morales (Mexico); Anderson Raiol Rodrigues (Brasil); Andrea Baldocchi Pizzo (Brasil); Ângela Reksidler Braga (Brasil); Carolina Beltrame Del Debbio (Brasil); Cecília Midori Ikegami (Brasil); Eduardo Ekman Schenberg (Brasil); Fabrício Alano Pamplona (Brasil); Fernando Rubén Manzini (Argentina); Filipe Meneguelli Bonone (Brasil); Flavia Garcia (Brasil); Juliana de Castilhos (Brasil); Julio César Morales Medina (México); Leonardo Coutinho Faria (Brasil); Luciana Nogaroli Cavalcante de Bittencourt Navarrete (Brasil); Luciano Stürmer de Fraga (Brasil); Luiz Henrique Mourão do Canto Pereira (Brasil); Maira de Castro Lima (Brasil); Maria Rosana Ramirez (Argentina); Orfa Yineth Galvis-Alonso (Colombia); Rodrigo Pavão (Brasil); Rui Daniel Schröder Prediger (Brasil); Sabrina Guimarães Silva (Brasil); Santiago Nahuel Villegas (Argentina); Simone Ribeiro Bittencourt Neves (Brasil); Violeta Medan (Argentina);Yamaha Sosa Machado (República Dominicana) Corpo Docente Internacional: Bernardo Morales (University of Santiago, Chile); Carlo Umiltà (University of Padova, Italy); Edward Ziff (New York University, USA); Jeffrey Benovic (Thomas Jefferson University, USA); Jorge Armony (McGill University, Canadá); Luis Politi (Institute of Biochemical Investigations, Argentina); Marília Guimarães (University of California San Francisco, USA); Miguel Nicolelis (Duke University, USA); Patricia Gaspar (Salpetriere Hospital, France); Pedro Maldonado (University of Chile, Chile); Reha Erzurumlu (Louisinia State University, USA); Roberto Malinow (Cold Spring Harbor Laboartory, USA); Ronald Oppenheim (Wake Forest University, USA); Sergio Neuenschwander (Max Planck Institute, Alemanha); Stephen Noctor (Columbia University, USA) Universidade Federal Fluminense: Ana Lúcia Marques Ventura; Cláudio Alberto Serfaty; Elizabeth Giestal de Araújo; Karin da Costa Calaza; Letícia de Oliveira Luiz Gawryszewski; Mirtes Garcia Pereira; Paula Campello-Costa Lopes; Roberto Paes de Carvalho; Ronald Marques dos Santos; Walter Machado-Pinheiro Universidade Federal do Rio de Janeiro: Cecília Hedin-Pereira; Daniela Uriel; Eliane Volchan; Fernando Garcia de Mello; Flávia Alcântara Gomes; Jean C Houzel; João Guedes da Franca; Leny Cavalcante; Maira Froes; Marcelo Santiago; Maria Christina Fialho de Mello; Mario Fiorani Jr; Patrícia Franca Gardino; Renata Anomal; Ricardo de Melo Reis; Ricardo Gatass; Roberto Lent; Rafael Linden; Rosalia Mendez-Otero; Silvana Alodi Universidade de São Paulo: Dora Fix Ventura; Marcos Lira Brandão; Marcus Vinicius Baldo; Newton Sabino Canteras Luiz Carlos de Lima Silveira (Universidade Federal do Para); Marco Antonio Prado (Universidade Federal de Minas Gerais); Griselda Garrido (Hospital Barra D’Or); Ivanei E. Bramati (Hospital Barra D’Or) Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 7 Distúrbios do humor Depressão adquirida A depressão tem um componente hereditário importante, mas a ocorrência de episódios depressivos pode ser disparada por um fator ambiental cada vez mais presente nos dias de hoje: o estresse, que perturba a expressão do receptor glicocorticóide, correlacionada com a desregulação do eixo hipotálamo- pituitária-adrenal (HPA). Para determinar se uma deficiência adquirida em receptor glicocorticóide (GR) no prosencéfalo é um fator etiológico na patogênese da depressão, Maureen Boyle, Louis Muglia e colaboradores, da Universidade Washington, em Saint Louis, criaram camundongos transgênicos nos quais a expressão do gene GR podia ser suprimida no adulto, em momento à escolha do pesquisador. Sem a expressão do receptor, os animais passaram a exibir hiperatividade do eixo HPA, problemas na regulação negativa do eixo, e comportamento depressivo. Tanto as alterações comportamentais quanto as fisiológicas foram normalizadas por tratamento com o antidepressivo imipramina. Curiosamente, enquanto os resultados confirmam o envolvimento do receptor glicocorticóide na gênese da depressão, eles também indicam que o tratamento medicamen- toso bem-sucedido pode ser independente do receptor. Referência Boyle MP, Brewer JA, Funatsu M, Wozniak DF, Tsien JZ, Izumi Y, Muglia LJ. Acquired deficit of forebrain glucocorticoid receptor produces depression-like changes in adrenal axis regulation and behavior. Proc Natl Acad Sci USA 2005;102:473-478. Depressão A triste dor de cabeça Estudo publicado em setembro de 2004 pelo grupo de neurologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto vem confirmar o que o senso comum há muito suspeitava – tristeza e dor de cabeça parecem mesmo ser parentes. Os pesquisadores aplicaram a escala de Beck (BDI – Beck Depression Inventory) em 80 pacientes, quarenta deles com enxaqueca episódica e quarenta com enxaqueca transformada, e compararam os resultados com um grupo controle. A enxaqueca é usualmente episódica, com crises de dor separadas no tempo. Diversos fatores, contudo, como uso crônico de analgésicos, estresse e hipertensão, podem torná-la crônica e diária, quando passa a ser chamada enxaqueca transformada. A escala de Beck foi aplicada por uma psicóloga nos enxaquecosos e nos controles. Essa escala, embora não se preste a fazer o diagnóstico de Seleção dos editores Suzana Herculano-Houzel Daniel Martins de Barros 8 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 depressão, é um instrumento já altamente validado para a qualificação e quantificação de sintomas depressivos. Os resultados corroboram outros es- tudos internacionais: os pacientes com enxaqueca apresentam significati- vamente mais sintomas depressivos, e sintomas mais graves, do que pessoas sem cefaléia. A literatura não traz consenso sobre se essa co-morbidade ocorre por mecanismos fisiopatológicos em comum ou se simplesmente uma doença é fator de risco para outra. Mas a presença de sintomas depressivos mais graves em pacientes com enxaqueca transformada, em comparação com os pacientes com enxaqueca episódica, sugere aos pesquisadores ao menos duas hipóteses: ou a depressão é fator de risco para a transformação da enxaqueca ou é fator perpetuador de sua forma transformada. Essas possibilidades necessitam de confirmação. Esse assunto promete ainda trazer dor de cabeça para os pesquisadores. Referência Galego JCB, Cipullo JP, Cordeiro JA et al. Depressão e migrânea. Arq Neuro-Psiquiatr 2004;62(3b):774-7. [citado 2004 Dec 15]. Disponível em URL: <http:// www.scielo.br. Emoções Olhe nos olhos! S.M. sofreu uma lesão praticamente exclusiva das amígdalas, bilateral- mente, e como resultado não sente medo, nem identifica esta emoção nos outros. Certo? Em termos. A paciente, investigada pela equipe do neurologista António Damásio em 1994, voltou a ser examinada, e os cientistas descobriram que ela é, sim, capaz de identificar o medo no rosto alheio – desde que seja instruída explicitamente a olhar o outro nos olhos. A lesão da amígdala parece atrapalhar o uso de informação visual que faz com que se olhe nos olhos do interlocutor. Por que o efeito é limitado à identificação do medo? Porque a característica distintiva desta, e não das outras emoções básicas – alegria, surpresa, desgos- to, raiva, tristeza -, é expressa principalmente nos olhos, arregalados. No novo estudo, publicado na revista Nature em janeiro de 2005, Ralph Adolphs e seus colaboradores descobriram que S.M. é incapaz de olhar espontaneamente para os olhos de pessoas fotografadas: ao contrário de pessoas normais, cujo olhar vaga pelo rosto mas sempre retorna aos olhos, o olhar de S.M se fixa no nariz, ou erra pela porção inferior do rosto do outro.Nessas condições, sua chance de identificar a emoção expressa na face do outro é mínima. Se instruída no entanto a olhar nos olhos do rosto retratado, ela consegue fazê-lo – e então reconhece a expressão do medo normalmente, como as outras pessoas, com quase 100% de acerto. A descoberta coloca em questão o papel da amígdala na identificação das emoções. Apoiados na descoberta recente de que a direção do olhar influi a sensibilidade da amígdala a expressões faciais de raiva e medo (Adams et al. 2003), os autores sugerem que sua importância estaria em permitir o uso da informação visual para dirigir o olhar para características determinantes da expressão facial das emoções. O novo estudo com a paciente S.M. ainda traz novas possibilidades para duas questões antigas: a importância social de olhar nos olhos do interlocutor; e a relação entre os déficits emocionais dos autistas e sua dificuldade em olhar espontaneamente os outros nos olhos. Suzana Herculano-Houzel Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 9 Referências Adolphs R, Gosselin F, Buchanan TW, Tranel D, Schyns P, Damasio AR. A mechanism for impaired fear recognition after amygdala damage. Nature 2005;433:68-72. Adolphs R, Tranel D, Damasio H, Damasio A. Impaired recognition of emotion in facial expressions following bilateral damage to the human amygdala. Nature 1994;372:669-72. Adams RB, Gordon HL, Baird AA, Ambady N, Kleck RE. Effects of gaze on amygdala sensitivity to anger and fear faces. Science 2003;300:1536. Neurotransmissão Levantou poeira: o que há de novo no sistema colinérgico Uma das características mais marcantes do processo científico é a evolução do conhecimento em função de novas descobertas. A possibilidade de mudança em alguns conceitos básicos da neurotransmissão no sistema colinérgico (res- ponsável pelo controle de movimento voluntário, de funções autonômicas, bem como de vários processos cognitivos como atenção e memória) era consi- derada pouco provável para os especialistas da área. Afinal, esse é o sistema neuroquímico que vem sendo estudado por mais tempo e no qual os principais conceitos de neurotransmissão foram estabelecidos. Entretanto, duas obser- vações experimentais recentes prometem desafiar a visão que neurobiologistas têm da neurotransmissão colinérgica e fornecem combustível para novos experimentos que podem ajudar a compreender melhor a fisiologia de neurônios colinérgicos. Durante anos aceitamos o modelo que a acetilcolina liberada por termi- nações sinápticas na fenda sináptica, pela exocitose de vesículas sinápticas, seria rapidamente degradada pela enzima acetilcolinesterase. A colina, o precu- rsor usado para a síntese de acetilcolina, gerada nesse processo catabólico seria reutilizada por terminações nervosas para fornecer o substrato para síntese de acetilcolina. Esse quadro acaba de ficar bem mais complexo. Sabe-se que a colina (uma amina que não atravessa membranas biológicas facilmente) é reutilizada devido à atividade de um transportador de alta finidade presente exclusivamente em neurônios colinérgicos. Os cientistas sabiam que esse transportador poderia ser bastante dinâmico e contribuir para o controle da síntese de acetilcolina. Ao mesmo tempo, esperava-se que esse transportador estivesse presente na membrana plasmática de neurônios colinérgicos, para efetivamente controlar a disponibilidade de colina para a síntese do neuro- transmissor. Surpreendentemente, trabalhos publicados recentemente (Ribeiro et al., 2003; Ferguson et al., 2003), e confirmados por um terceiro grupo (Nakata et al., 2004), demonstraram que o transportador de colina encontra-se presente na membrana das vesículas sinápticas, as organelas responsáveis pela arma- zenagem e liberação da acetilcolina. Esses trabalhos mostram em conjunto que o transportador de colina de alta afinidade é rapidamente retirado da membrana plasmática por um processo endocítico mediado por clatrina, e que a fusão de vesículas sinápticas aumenta a disponibilidade desse transportador na membrana plasmática, onde o transportador poderia exercer sua atividade de reciclar colina. Assim, o transporte de colina responsável pela síntese de acetilcolina depende, em parte, da atividade prévia do neurônio, e da fusão de vesículas sinápticas na membrana plasmática, o que sugere uma maneira bastante elegante para regular a síntese desse neurotransmissor em resposta a demanda. Como no sistema nervoso central neurônios colinérgicos modulam Marco Antônio Prado 10 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 vários aspectos cognitivos, é possível que esse transportador tenha um papel importante nas doenças em que o sistema colinérgico encontra-se alterado, como na doença de Alzheimer. Um segundo conjunto de dados experimentais altera a maneira como entendemos o término da ação da acetilcolina na sinapse. O dogma é que diferente dos outros neurotransmissores, como a dopamina e o glutamato, a acetilcolina não é removida da fenda sináptica por sistema de transporte. O término da ação desse neurotransmissor ocorreria pela sua hidrólise, devido à presença da enzima acetilcolinesterase nas sinapses. Essa enzima é fundamen- tal para a função colinérgica, sua inibição por algumas substâncias pode levar até a morte (organofosforados são utilizados como inseticidas e inibem essa enzima), embora fármacos que alterem a acetilcolinesterase tenham também utilidade clínica (algumas drogas que diminuem os sintomas no mal de Alzheimer atuam inibindo essa enzima). Trabalho recente publicado por Steven L. McIntire e colegas na Nature levanta a possibilidade que, pelo menos no nematódio C. elegans (modelo muito utilizado como para o estudo de transmissão sináptica), um novo trans- portador presente em células musculares poderia participar também na captação de acetilcolina proveniente da fenda sináptica. Esses autores fizeram uma varredura genética e identificaram vários genes que alteram a locomoção nesse verme de maneira bastante específica. Vários desses genes codificam proteínas que participam do complexo distrofina- glicoproteína, que tem papel importante em distrofias musculares de origem genética. O mutante snf-6 em C. elegans apresenta características fenotípicas idênticas aos mutantes que afetam proteínas do complexo distrofina-glico- proteína. McIntire et al. identificaram esse gene, o qual é parecido com outros genes de transportadores, o que pôde ser estabelecido por análise de homologia (esse é um tipo de análise utilizando bioinformática que permite aos cientistas catalogar genes semelhantes e inferir sobre sua função). A proteína SNF-6 foi capaz realmente de transportar colina e acetilcolina, mas não outros neuro- transmissores quando estudada em células em cultura. Utilizando a facilidade proporcionada pelo modelo experimental, os autores conseguiram demonstrar que SNF-6 interage com o complexo distrofina-glicoproteína, o que parece ser importante para manter SNF-6 na membrana muscular do verme C. elegans. Além disso, os autores demonstraram que a perda de SNF-6 no músculo au- menta a resposta sináptica para a acetilcolina durante estimulação prolongada, sugerindo que o excesso de estímulo pela acetilcolina na ausência de SNF-6 poderia levar a degeneração muscular. Esse trabalho abre novas perspectivas para a compreensão dos mecanimos moleculares envolvidos com a distrofia muscular e demonstra claramente que ainda temos muito a aprender sobre a neurobiologia de neurônios e seus alvos. Juntas, essas novas observações devem permitir que possamos no futuro manipular mais efetivamente o sistema colinérgico durante processos patológicos. Referências Ribeiro FM, Alves-Silva J, Volknandt W, Martins-Silva C, Mahmud H, Wilhelm A, Gomez MV, Rylett RJ, Ferguson SS, Prado VF, Prado MA. The hemicholinium-3 sensitive high affinity choline transporter is internalized by clathrin-mediated endocytosis and is present in endosomes and synaptic vesicles. J Neurochem 2003;87:136-46. Ferguson SM, Savchenko V, ApparsundaramS, Zwick M, Wright J, Heilman CJ, Yi H, Levey AI, Blakely RD. Vesicular localization and activity-dependent trafficking of presynaptic choline transporters. J Neurosci 2003;23:9697-709. Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 11 Nakata K, Okuda T, Misawa H. Ultrastructural localization of high-affinity choline transporter in the rat neuromuscular junction: enrichment on synaptic vesicles. Synapse 2004;53:53-6. Kim H, Rogers MJ, Richmond JE, McIntire SL. SNF-6 is an acetylcholine transporter interacting with the dystrophin complex in Caenorhabditis elegans Nature 2004;430:891-6 Envelhecimento Vida mais longa com anticonvulsivantes A busca de “fontes de juventude” e dos fatores que contribuem normal- mente para a longevidade e seu inimigo natural, o envelhecimento, tem atrativos óbvios para a espécie humana. No entanto, estudar drogas e genes que promovem a longevidade em seres longevos como nós seria inviável. Por isso, o nematódeo Caenorhabditis elegans, com seus curtos 17 dias de vida, se tornou um dos modelos mais estudados. Cerca de quatro anos atrás, a doutoranda Kimberley Evason, no laboratório de Kerry Kornfeld, começou a expor grupos de 50 nematódeos a medicamentos de 19 classes, de diuréticos a esteróides, todos já aprovados para uso clínico em humanos. A maioria tinha efeitos tóxicos – até que ela testou o anticon- vulsivante ethosuximida (Zarontin). Uma dose moderada encompridou a vida dos animais em 17%, para 20 dias. Dois outros anticonvulsivantes também estenderam a vida dos nematódeos em até 47% – o equivalente a 110 anos de vida para nós, simplesmente com um remedinho diário. Moléculas parecidas, mas sem ação anticonvulsivante, não surtiram efeito. Essas drogas agem sobre o sistema neuromuscular de nematódeos a humanos, e supõe-se que elas controlam crises epilépticas por agirem sobre canais de cálcio neuronais. Ainda é incerto como elas agem para estender a vida dos nematódeos, embora elas pareçam estimular seu sistema neuro- muscular, tornando os animais hiperativos, e afetar a postura de ovos, que acontece mais cedo. O aumento da longevidade também não parece ser media- do por uma interferência das drogas sobre os genes da cadeia de ação da insulina, que sabidamente regulam o tempo de vida. O grupo planeja testar a ação dos anticonvulsivantes sobre a longevidade de seres mais complexos, como moscas e camundongos. A expectativa é que as drogas aumentem a longevidade por agir diretamente sobre o sistema nervoso, que pode vir a se mostrar um controlador central do envelhecimento. Só falta mostrarem daqui a pouco que o envelhecimento é psicológico... Referência Evason K, Huang C, Yamben I, Covey DF, Kornfeld K Anticonvulsant medications extend worm life-span. Science 2005;307:258-262. Integração sensorial Sincronia áudio-visual ajuda na compreensão da fala Sabe aquelas pessoas extremamente míopes que colocam os óculos para ouvir melhor? Enxergar bem de fato auxilia a compreensão da fala – e o efeito pode acontecer em estágios iniciais do processamento auditivo celebral, segundo um estudo publicado em janeiro de 2005. Combinando psicofísica e eletroencefalografia, Virginie van Wassenhove, Ken Grant e David Poeppel de- Suzana Herculano-Houzel Suzana Herculano-Houzel 12 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 monstraram que a visão dos movimentos articulatórios da fala acelera o processamento cortical de sinais auditivos já nos primeiros 100 milisegundos, reduzindo a latência da resposta. O efeito depende de quanto a informação visual serve como preditor da informação auditiva. Com miopia e sem óculos, portanto, nada feito... Referência Wassenhove V, Grant KW, Poeppel D. Visual speech speeds up the neural processing of auditory speech. Proc Natl Acad Sci USA 2005; 10.1073/pnas.0408949102 Sinalização química Uma proteína-chave para o controle da rede Um dos problemas mais importantes da Neuroquímica é saber como os neurônios conseguem integrar a informação proveniente da estimulação de receptores de neurotransmissores e a ativação concomitante de diversas vias de sinalização química. Muitos estudos recentes mostram a ativação simultânea de vias como a da proteína cinase A (PKA), estimulada pelo segundo mensageiro AMP cíclico, e da proteína cinase C, estimulada por diacilglicerol e cálcio. Além disso, múltiplas vias de sinalização podem ser ativadas pelo íon cálcio. A entrada desse íon na célula pode acontecer de diversas maneiras como por exemplo através da abertura de canais situados na membrana plasmática ou do retículo endoplasmático. Receptores ionotrópicos como o do tipo NMDA para o neurotransmissor glutamato, além de enzimas e transportadores de membrana, apresentam papel importante na regulação das concentrações intracelulares de cálcio. Proteínas ligadoras de cálcio são igualmente importantes na manutenção das concentrações de cálcio livre citoplasmático, e diversos tipos estão presentes em diferentes populações de neurônios. Uma proteína ligadora de cálcio, a calmodulina, está presente nas células em geral inclusive em neurônios. A ligação de cálcio à calmodulina e a formação do complexo cálcio-calmodulina modula a atividade de muitas enzimas, dentre as quais a óxido nítrico sintase e as cinases dependentes de calmodulina. Um trabalho recente do grupo de Paul Greengard (Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina de 2000) da Universidade Rockfeller nos Estados Unidos descreveu a participação de uma pequena proteína reguladora de calmodulina recentemente descoberta e presente em grande quantidade em regiões ricas em neurônios dopaminérgicos como os núcleos da base do cérebro (Rakhilin et al., 2004). Esta proteína, denominada RCS (regulator of calmodulin signaling), faz parte de uma rede de interações moleculares descritas de maneira muito elegante pelo grupo. Quando fosforilada pela PKA, esta proteína aumenta sua ligação com a calmodulina e diminui a ligação desta com outras enzimas, incluindo a fosfatase 2B, também chamada de calcineurina. A diminuição da ativação desta fosfatase leva à supressão de correntes de cálcio mediadas por canais de cálcio dependentes de voltagem do tipo L em neurônios do corpo estriado. Ao contrário, a deleção do gen para a RCS leva a um aumento destas correntes. Assim, os autores propõem que a RCS seja uma proteína “chave” para a integração das informações provenientes da ativação de dife- rentes vias de sinalização química. Por exemplo, receptores acoplados a proteínas G como os receptores D1 de dopamina, que levam à ativação da adenilil ciclase, aumento dos níveis de AMP cíclico e estimulação da PKA, regulam através da RCS o funcionamento de receptores como os D2 de dopa- Roberto Paes de Carvalho Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 13 mina ou muscarínicos M1 de acetilcolina, acoplados à produção de IP3, liberação de cálcio, ativação de calmodulina e de enzimas dependentes de calmodulina. A proteína RCS funcionaria então como um modulador importante da atividade de diferentes receptores que podem estar sendo ativados concomitantemente em determinado neurônio, levando assim a uma resposta final que pode ser a modulação de canais de cálcio (como no caso da PP2B) ou outras enzimas dependentes de calmodulina como a cinase dependente de cálcio-calmodulina do tipo II, importante em fenômenos relacionados à plasticidade neural e memória, ou a óxido nítrico sintase, responsável pela síntese de óxido nítrico, uma importante molécula sinalizadora no sistema nervoso central. Referências Rakhilin SV, Olson PA, Nishi A, Starkova NN, Fienberg AA, Nairn AC, Surmeier DJ, Greengard P. A network of control mediated by regulator of calcium/calmodulin- dependent signaling. Science 2004;306:698-701. Regeneração Sem Nogo também não vai A não-regeneração axonal no sistema nervoso central adulto pode ser atribuída ao menos em parte a proteínas inibitórias associadas à mielina. Três tais proteínas já identificadas, Nogo, glicoproteína associada à mielina, e a glicoproteínamielínica oligodendrocítica, são reconhecidas pelo receptor Nogo neuronal, que forma um complexo com o receptor neurotrófico p75. Portanto, a deleção do receptor Nogo deveria perturbar a sinalização de três proteínas inibidoras da regeneração, e assim facilitar este processo após lesões do sistema nervoso central. Mas não facilita. Um estudo do grupo de Marc Tessier-Lavigne publicado online em janeiro mostra que a regeneração do trato corticoespinhal após hemissecção dorsal da medula espinhal não é facilitada em camundongos deficientes em receptor Nogo. Ensaios in vitro comprovaram que a extensão neurítica por neurônios deficientes em receptor Nogo é inibida normalmente por mielina central. O grupo conclui, portanto, que o receptor Nogo não é essen- cial para a inibição da regeneração axonal por mielina. Referência Zheng B, Atwal J, Ho C, Case L, He X, Garcia KC, Steward O, Tessier-Lavigne M. Genetic deletion of the Nogo receptor does not reduce neurite inhibition in vitro or promote corticospinal tract regeneration in vivo. Proc Natl Acad Sci USA 2005;10.1073/pnas.0409026102 Atenção Sem mover os olhos O redirecionamento do foco atencional costuma ser acompanhado de mo- vimentos rápidos dos olhos (sacadas), e ambos envolvem uma rede neuronal que inclui os colículos superiores no mesencéfalo. No artigo inaugural que marca sua eleição para a Academia Nacional de Ciências norte-americana, William Newsome aplica a técnica que já lhe rendeu dezenas de artigos, além de reconhecimento profissional: a microestimulação elétrica do cérebro. Com Suzana Herculano-Houzel Suzana Herculano-Houzel 14 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 dois colegas da Universidade Stanford, Newsome mostra que a microesti- mulação do colículo superior do macaco instruído a manter o olhar fixo é su- ficiente para redirecionar o foco atencional sem que os olhos se mexam – e sem que o animal “queira” voluntariamente prestar atenção em outro lugar. O colículo superior, portanto, participa tanto do controle de sacadas quanto do reposicionamento oculto da atenção espacial. Referência Müller JR, Philiastides MG, Newsome WT. Microstimulation of the superior colliculus focuses attention without moving the eyes. Proc Natl Acad Sci USA 2004; 10.1073/ pnas.0408311101 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 15 Opinião SUSAN MEIRE MONDONI é médica psiquiatra da infância e adolescência formada pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Correspondência: susanmondoni@ig.com.br Nell (EUA, 1994, dirigido por Michael Apted, baseado em peça ficcional de Mark Handley) conta a história de uma mulher de 30 anos, que viveu afastada do convívio humano. Exceto por uma mãe afásica e uma irmã gêmea que morreu ainda criança, Nell não conheceu outras pessoas até sua idade adulta. Desenvolveu uma linguagem precária, quase ininteligível deixando a impressão inicial de que falava uma espécie de dialeto próprio. As hipóteses de autismo e retardo foram aventadas pela equipe médica interessada em estudar seu caso. Nell apresentava ainda movimentos repetitivos, estereotipados e, frente ao espelho brincava com sua imagem, chamando-a de “Mii”, o que fazia a equipe suspeitar de alterações na consciência do “Eu”. A aproximação e o convívio com Nell puderam mostrar que ela era capaz de comunicar-se, de perceber o outro como entidade fora dela e de criar vínculos afetivos. Apresentava pensamento abstrato ao falar por exemplo da morte além de extrema habilidade perceptiva ao apontar, perante um juiz e toda sua platéia que, embora os homens da cidade tivessem coisas bastante sofisticadas e interessantes, eles não olhavam nos olhos uns dos outros o que, para ela pareceu bastante importante. Que alterações psíquicas podemos esperar em casos como o de Nell ? Como se dá o desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças que sobreviveram sem o contato humano ? No início de seu desenvolvimento, a criança é incapaz de se diferenciar do mundo, do seio [1]. Este é, segundo Spitz, o estágio do não-objeto. Suas primeiras percepções dizem respeito a coisas dela própria, captadas pelos sistemas intero e proprioceptivo. As sensações de fome, frio, etc são sentidas como intenso desprazer. O apaziguamento deste através da mãe vai dando, juntamente com o desenvolvimento neuro-psico-motor do bebê, lugar a que um importante vínculo afetivo se forme, capaz de transformar estas sensações em experiências realmente significativas. Assim, o contato afetivo com a mãe é de fundamental importância para todas as aquisições do bebê, em qualquer âmbito que pensemos; é – nos praticamente impossível separar as características puramente biológicas do comportamento humano daquelas criadas e/ou moldadas pelo componente ambiental. O interesse pelo estudo dos casos de crianças que cresceram em total isolamento social passa também por esta questão. Os relatos de dois destes casos encontrados no final do século XVIII / início do XIX trazem informações interessantes [2]. O primeiro deles diz respeito a Victor, um garoto que foi encontrado numa floresta próxima a Aveyron, na região central da França. Características inatas e adquiridas do psiquismo humano: uma análise do filme “Nell” Susan Meire Mondoni 16 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 Aparentava a idade de 12 anos, tinha baixo peso e baixa estatura, não falava, não respondia questões ou qualquer outro tipo de estímulo sonoro a ele dirigido. Sua aparência mental era a de um retardo. Itard, um médico da época interessado em saber se Victor poderia ser educado, se este aparente retardo seria constitucional ou por influência ambiental passou-lhe a dar lições em sua própria casa. Segundo seus relatos de mais de 5 anos de ensinamentos, embora Victor apresentasse grande incremento de sua comunicação gestual, foi incapaz de desenvolver linguagem. Não demonstrou amor ou algum vínculo afetivo mais impor- tante por ninguém; tinha uma preferência pelo seu cuidador que foi entendida muito mais como interesse, necessidade do que como afeto, gratidão. Raramente brincava. Foi incapaz de assimilar o significado de alguns valores sociais básicos como a amizade ou mesmo demonstrar constrangimento diante de deter- minadas situações. Enfim, seu aspecto compor- tamental era o de um autista, mas ainda não era possível dizer se isto era ou não constitucional. O outro caso relatado diz respeito ao garoto Kaspar Hauser, encontrado aos 17 anos. Kaspar viveu até esta idade trancafiado num quarto, sem convívio com outras pessoas; conseguia falar apenas alguns fragmentos de conversa. Passou a receber educação: aprendeu a jogar xadrez e princípios sobre jardinagem; compre- endeu que plantas são seres vivos e que animais são diferentes de pessoas. Desenvolveu afeto por várias pessoas. Aprendeu também a cavalgar demonstrando inclusive certo talento. Um ano após sua misteriosa aparição passou a questionar e a demonstrar indigna- ção e tristeza por ter sido encarcerado por tanto tempo. Incrementou sua linguagem que, entretanto, ainda era estranha, simples e literal. Nunca foi capaz de ter senso de humor. Embora aparentemente o caso de Kaspar mostre-se de uma evolução mais “benigna” do que o de Victor, percebemos haverem funções psíquicas impossíveis de serem desenvolvidas. Que funções psíquicas seriam irreversivelmente danificadas por um prejuízo causado com uma privação de contato social nos primeiros anos de vida? No início dos anos 90 foram realizados diversos estudos com crianças romenas institucionalizadas de até 42 meses de idade que posteriormente foram adotadas por famílias inglesas. As condições destas instituições variavam de ruim a “aterrorizantes”. As crianças permaneciam todo o tempo em “berços” improvisados com lona; eram lavadas com manguei- radas de água fria e praticamente não havia nenhuma espécie de brinquedos no local. Não lhes era dada quase que nenhuma atenção por parte dos escassos cuidadorese a alimentação era oferecida através de mamadeiras com grandes bicos, geralmente deixados automaticamente em posição desfavorável. Todas tinham um grau de desnutrição severa, com medidas bastante alteradas de peso, altura e circunferência cefálica. No momento da entrada para a adoção, mais da metade das crianças se encontravam abaixo do 3º percentil para peso. Três quintos delas encontravam- se em funcionamento ao nível de profundo retardo. Para a avaliação, estas crianças foram divididas em 2 grupos: aquelas que foram adotadas até os seis meses de idade e aquelas que foram adotadas depois disso. Estes dois grupos foram comparados com um outro grupo de crianças adotadas, de origem inglesa. A grande maioria das crianças romenas havia entrado na instituição no período neonatal (média de idade à entrada = 0,34 meses). Somente 9% delas haviam recebido algum tipo de setting familiar. Todos os grupos foram avaliados à entrada e posteriormente aos 4 e 6 anos de idade. A recuperação das variáveis físicas foi bastante satisfatória para todos os grupos. Entretanto, com relação à mensuração do desenvolvimento cognitivo e emocional, melhor recu- peração foi verificada entre as crianças inglesas ado- tadas antes dos 6 meses de idade; aquelas que foram adotadas após os 6 meses demonstraram níveis bas- tante próximos aos apresentados pelas crianças rome- nas. Este estudo demonstrou, entre outras coisas, que os níveis de recuperação das crianças estavam muito mais intimamente correlacionados com a idade de entrada para a adoção (quanto mais jovens, maior a recuperação), do que com a origem ou situações vivenciadas previamente [3]. Num outro momento esta mesma equipe tenta avaliar separadamente variáveis específicas de certos domínios de funcionamento: problemas de relacionamento, desatenção/ hiperatividade, dificuldades emocionais (nos últimos 12 meses, chora ao chegar na escola ou se recusa a entrar; desiste fácil; frequentemente se parece preocupado, infeliz, assustado, estressado; medo por novas coisas/situações; queixas frequentes de dor), características autísticas, prejuízo cognitivo, dificuldades com os pares e problemas de conduta. Interessantemente as crianças romenas (quaisquer dos grupos) não foram diferentes das inglesas quando avaliadas aos 6 anos de idade quanto às variáveis problemas emocionais, dificuldade com os pares e desvios de conduta. De outro modo, apareceram como problemas fortemente associados à situação de privação a dificuldade de relacionamentos sociais, caracterizada principalmente por inadequação da abordagem ao outro e dificuldade em entender regras sociais ou respostas “esperadas”, Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 17 desatenção/hiperatividade e características autísticas, estas duas últimas discutidas pelos autores como curiosamente as variáveis mais sabidamente influenciadas por fatores genéticos. Além disso, foi verificado que as características autísticas desta população, diferentemente das de um autista clássico, apresentaram melhora entre os 4 e os 6 anos de idade [4]. Os pesquisadores deste grupo concordam, após estudo minucioso destas crianças, que eventos negativos e prolongados nesta fase da vida estão as- sociados com amplo espectro de transtornos psiquiá- tricos, mas não há específicos padrões psicopa- tológicos. O grau de resiliência observado foi surpreen- dente, mas especula-se, através de uma hipotética tendência linear, que as mudanças nos padrões de funcionamento em direção à normalidade poderiam diminuir progressivamente, quanto mais velha fosse a criança, ao final de sua profunda privação. Corroborando de certa forma com esta linha de pensamentos/especulações e aparte algumas extra- polações teóricas, experimentos com ratos demons- traram que, ao serem submetidos a determinado isola- mento social, estes ratos respondem com um maior retraimento e menor tendência à exploração do am- biente como um todo [5]. Em 1984 realizou-se o primeiro congresso sobre a criança abandonada (Zaragoza–Espanha). Neste foram discutidos aspectos ligados às consequências da vivência em orfanatos. Postulava-se haver uma dete- rioração progressiva do intelecto a partir dos seis meses de idade, bem como efeitos graves nas condutas infantis, que se manifestavam principalmente sob a forma de agressividade, infantilismo, inibição social e condutas autodestrutivas. Os fenômenos depressivos eram vistos como consequência da institucionalização e da carência afetiva. Trabalhos realizados nesta época demonstraram fortes correlações entre institucionali- zação e personalidade psicopática, psicose esquizo- frênica, bem como diversas outras neuroses [6]. Realmente estas são questões bastante comple- xas e delicadas, pois se baseiam substancialmente na observação humana; dependem assim de quem olha, o que e como olha e por quê ou para quê... Fato é que a criança que cresce sem os olhos de uma mãe “saudável” terá alterações profundas, algumas irreversíveis, em seu psiquismo e na capacidade de estabelecer relacionamentos intra e interpessoais. Como descreve Lene Lier [7], a interação mãe-bebê proporcionará a este último, ferramentas que o viabilizarão adentrar no mundo das relações sociais. Este é seu primeiro treino e a mãe deve ser capaz de suportar isso. De outro modo, se a mãe não suporta (mãe psicótica, por exemplo) ou se não há mãe o bebê se fecha; não há nele o interesse em procurar os olhos do outro, em buscar a mãe. Geralmente estas crianças não gostam do contato físico e se interessam muito mais pela exploração de objetos inanimados; não “esperam” que a mãe (se é que eles as têm!) adivinhe e realize seus desejos. Suas atividades ganham uma qualidade “avital” e estereotipada. Nell retrata um caso de melhor prognóstico, pois, embora não tenha podido desenvolver quando criança habilidades específicas para um relacionamento social mais adequado, teve o olhar da mãe neste início da vida, o que lhe propiciou a estruturação de funções bastante primitivas, porém fundamentais, tanto para sua estrutura bio-psíquica como para proporcionar-lhe a opção de trocar a proteção hospitalar pela exploração do imprevisível mundo, numa vida em liberdade. Referências 1. Spitz R. O Estágio não-objetal. Em: A Constituição do Objeto Libidinal.p.27- 40. 2. Frith Uta. Lessons from the wild boy. In: Autism – Explainning the Enigma. British Library Cataloguing in Publication Data. 2nd ed. 1989. p.16-35. 3. Rutter M. and English and Romanian Adoptees (ERA) Study Team. Developmental Catch-up and Deficit, Following Adoption after Severe Global Early Privation. J Child Psychol Psychiat 1998;39(4):465-76. 4. Rutter ML, Kreppner JM, O’Connor TG. Specificity and Heterogeneity in Children’s Responses to Profound Institutional Privation. British Journal of Psychiatry 2001;179:97-103. 5. Ahmed SH, Stinus L, Le Moal M, Cador M. Social deprivation enhances the vulnerability of male Wistar rats to stressor and amphetamine induced behavioral sensitization. Psychopharmacology 1995;117:116-24. 6. Actas Del I Congresso Sobre El Niño Abandonado: El Abandono Y La Privacion Afectiva En El Niño – Catedra de Psiquiatria, Universidad de Zaragoza; 7 a 9 de noviembre de 1984. 7. Lier L. Mother-Infant Relationship in the First Year of Life. Acta Paediatrica Scandinavica 1988;77:31-42. 18 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 Entrevista Rodrigo Bressan: a mente ao vivo e em cores por Daniel Martins de Barros O LiNC, Laboratório Interdisciplinar de Neuroimagem e Cognição da Unifesp, trouxe para o Brasil em 2004 uma técnica de neuroimagem até então ausente no país que permite ver, literalmente, o cérebro trabalhando. O funcionamento da mente é registrado de uma maneira bastante elegante, pois mostra os próprios neurotransmissores em ação. Coordenado pelo médico psiquiatra Rodrigo Bressan, que tem seu PhD realizado na Inglaterra sobre os marcadores moleculares na esquizofrenia, o laboratório é marcado tanto pelo pioneirismo como pelas amplas frentes de pesquisaque vem abrindo com essa técnica. Em meio a pôsteres de trabalhos apresentados, papers publicados e um sem número de referências bibliográficas sobre a mesa, Bressan recebeu a Neurociências para explicar, com indisfarçável entusiasmo, como funciona a Neuroimagem Molecular. Neurociências – O que é a neuroimagem molecular? Rodrigo Bressan – A Neuroimagem Molecular é realizada através de técnicas de Espectroscopia por Ressonância Magnética ou técnicas de medicina nuclear para investigar as moléculas do cérebro, principalmente receptores, transpor- tadores e enzimas. Nós somos pioneiros nas técnicas de neuroimagem de receptores através dos marcadores da medicina nuclear. Neurociências – Como funciona o processo? Bressan – Da seguinte maneira: você tem um ligante, ou traçador, com afinidade por determinda estrutura que se está querendo avaliar – um neuroreceptor, por exemplo – e esse ligante é então marcado com um isótopo radioativo. No nosso caso, estamos avaliando o transportador de dopamina (DA), que cha- mamos de DAT, de dopamine transporter. Nós usamos uma substância com afinidade pelo DAT, chamada TRODAT-1, que nada mais é do que uma espécie de cocaína modificada, marcada com Tecnécio 99, um isótopo radioativo. Então são injetadas na circulação sangüínea doses muito pequenas desse ligante radioativo, doses que não têm efeito farmacológico, e faz-se um scan com SPECT (single photon emission computerized tomography). DANIEL MARTINS DE BARROS é médico psiquiatra formado pela Universidade de São Paulo (USP), e é colaborador desde 2002 no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, como membro do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica. Correspondência: dan_barros@yahoo.com.br Rodrigo Bressan Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 19 Neurociências – E o que as imagens registram? Bressan – Após a injeção endovenosa o marcador cruza a barreira hemato- encefálica e se espalha pelo cérebro inteiro. Mas ele se concentra onde há o receptor, o transportador, ou o que se estiver querendo avaliar, enfim. As imagem planares são reconstruídas tomograficamente, ou seja em três dimensões. Esse registro pode se dar por PET (positron emission tomography) ou SPECT. A diferença entre eles é o isótopo radioativo que é utilizado – Tecnécio 99, Iodo 123, são exemplos usados em SPECT, enquanto Flúor 18 ou Carbono 11, em PET. A diferença é que os marcadores no SPECT só emitem um fóton, enquanto no PET emitem dois, um para cada lado, o que dá maior resolução espacial. Mas com o avanço do SPECT houve uma grande melhora na resolução, e é infinitamente mais barato, pois nós podemos comprar o traçador e marcar nós mesmos. Neurociências – Isso não deixa de ser uma técnica de neuroimagem funcional, não? Bressan – Se nós dividirmos a neuroimagem em estrutural e funcional, essa técnica está dentro da funcional, pois não investiga estruturas, mas funções. Mas dentro da neuroimagem funcional há as que avaliam fluxo sangüíneo, como ressonância magnética funcional, PET e SPECT. Nestas, utilizando diferentes traçadores, avalia-se fluxo sangüíneo, consumo de glicose, água etc. A novidade do nosso trabalho é marcar as moléculas cerebrais com traçadores para PET e SPECT, isso é que não existe no Brasil. Nós estamos começando, é pioneiro no país. Neurociências – Ser pioneiro numa técnica tão complexa demanda bastante trabalho, vocês estão conseguindo fazer tudo sozinhos? Bressan – Esta pergunta é bastante pertinente, pois todo o trabalho de pesquisa em neuroimagem necessita de uma equipe multiprofissional altamente qualificada, que inclui médicos nucleares, radioquímicos, físicos, técnicos em radiologia, além de psiquiatras e neurologistas. Como não temos todos os recursos aqui na UNIFESP nós estabelecemos colaborações que são funda- mentais para este trabalho. O doutor Ming Chi Shih, médico nuclear pela USP, está desenvolvendo a sua tese de doutorado no campo de neuroimagem molecular sob minha orientação. Através dele, estabelecemos acordos de colaboração com o Institute of Nuclear Energy Reseach (INER) de Taiwan que nos fornece o radiotraçador para avaliar transportadores de dopamina (TRODAT- 1). Estabelecemos uma colaboração com o Instituto Israelita de Ensino e Pes- quisa ligado ao Hospital Israelita Albert Einstein, que tem um aparelho com colimadores apropriados para realizar os exames de SPECT. Além disto, estabelecemos colaborações com o Departamento de Neurologia da UNIFESP para recrutar pacientes com doença de Parkinson. Neuropsicólogos do LiNC também colaboram obtendo avaliações detalhadas dos aspectos cognitivos dos pacientes. Enfim, a pesquisa em neuroimagem molecular necessita da participação de diversos profissionais com conhecimentos muito específicos e só acontece através de trabalho de colaboração. Neurociências – Porque vocês começaram com o transportador dopaminérgico em doença de Parkinson? Bressan – Na doença de Parkinson nós sabemos que a via dopaminérgica nigroestriatal do mesencéfalo está lesada. O que degenera são os neurônios da substância negra, e por conseqüência degeneram os axônios que chegam 20 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 ao corpo estriado. O transportador dopaminérgico está no neurônio dopaminérgico na parte pré-sináptica localizada no corpo estriado.. Agora, se degenera na parte pós-sináptica não há mais axônio nem corpo celular – morrendo o neurônio não há mais transportador de DA. Isso faz dele um marcador, e com ele dá para diferenciar o cérebro de uma pessoa normal do cérebro de um paciente com Parkinson. Além disto, dá para estadiar a evolução da doença, pois ao longo do tempo os pacientes vão perdendo cada vez mais neurônios dopami- nérgicos e piorando o quadro. Em psiquiatria ainda não temos essa especificidade no diagnóstico, mas no Parkinson estes exames já são utilizados na clínica por isso começar com essa doença. Neurociências – Então, para Parkinson, esse pode ser considerado um exame diagnóstico? Bressan – Com certeza. Esse nosso trabalho valida o diagnóstico de Parkinson. O mais interessante é que ao longo da vida todo mundo perde transportador de DA. A diferença é que no paciente com Parkinson há uma inflexão nessa curva de perda. Mas como existe uma reserva funcional de 50% é necessário perder metade deles até ter sintomas. Suponhamos que alguém perdeu 40% até os 50 anos: apesar de assintomático podemos prever que há uma chance muito grande de ele desenvolver a doença. Isso abre a possibilidade para intervir precocemente, em prevenção e eliminação de fatores de risco, já que há várias linhas de pesquisa em andamento com medicações neuroprotetoras, por exemplo, embora ainda que não comprovadas até agora. Enfim, pode-se diagnosticar, estadiar e acompanhar a evolução da doença. Neurociências – E isso não pode ser expandido para as doenças psiquiátricas? Bressan – Claro. O Tecnécio é fácil de manipular, o que permite várias frentes de pesquisa. O LiNC, nosso Laboratório Interdisciplinar de Neuroimagem e Cognição, vai começar o estudo em transtornos psiquiátricos – trasntorno de estresse pós- traumático, usuário crônicos de maconha, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e esquizofrenia investigando o déficit de DAT. Agora nós estamos marcando um novo ligante, o IBZM, com Iodo 123, que é para receptor D2 de DA. Utilizando o IBZM e o TRODAT iremos avaliar tanto a região pré- como a pós-sináptica; vendo os receptores D2 e o transportador de DA estaremos vendo dois aspectos fundamentais da via dopaminérgica. Por exemplo, naesquizofrenia já está claro, através desse método, que quando ocorrem os sintomas positivos (delírios e alucinações) há aumento de DA na fenda sináptica. Isso não basta, contudo, para fazer o diagnóstico clínico. Mas há uma boa perspectiva, pois é um método que permite ver com clareza alguns aspectos do que está acontecendo no cérebro. Neurociências – Ainda não há em psiquiatria alguma doença que, como no caso do Parkinson,se possa fazer o diagnóstico? Bressan – Ainda não, mas no caso do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) estamos quase. Nesse transtorno está demonstrado que os pacientes têm mais transportadores de DA do que pessoas normais. Esse neurotransmissor está associado a um conceito chamado saliência: a relevância ou importância do estimulo. A liberação DA permite que se enfoque um determinado estimulo, a despeito das dezenas de estímulos irrelevantes que nos cercam. Os pacientes com TDAH apresentam dificuldade em focar, pois após a liberação de DA os transportadores tiram-na muito rápido da fenda sináptica, e eles não Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 21 conseguem focar. É por isso que o tratamento é feito com bloqueadores de DAT. A anfetamina bloqueia o transportador e fica mais DA na fenda. E tudo isso está demonstrado através da imagem molecular. Ou seja, no fundo a aplicação é ilimitada. Neurociências – Chegaremos a ponto de ter exames diagnósticos em psiquiatria? Bressan – Essa é uma pergunta inevitável. Na verdade o objetivo final da pesquisa é saber o que está acontecendo dentro do cérebro. Se o que estiver acontecendo for muito diferente da normalidade, poder-se-á fazer diagnósticos. O que pode acontecer também é o seguinte: mesmo se não acharmos “a causa”, podemos encontrar coisas diferentes do normal acontecendo. “A causa” da esquizofrenia pode não ser uma alteração em receptores de glutamato tipo NMDA; mas pode ser que, por um problema não sei onde, aconteça essa alteração. Se ela for diferente do que em pessoas não esquizofrênicas, isso permite fazer o diagnóstico diferencial. Neurociências – Poderão ser abertas implicações terapêuticas? Bressan – Pode ser, mas pode ser que não. Mas simplesmente encontrar um marcador já é um grande avanço. Hoje em dia, por exemplo, o diagnóstico definitivo de Parkinson só é feito no exame anatomopatológico. Com essa validação diagnóstica por neuroimagem molecular nós passamos a fazê-lo in vivo, e, além disso, quantificamos os receptores, podemos estadiar e acom- panhar sua perda. É como se estivéssemos fazendo o anatomopatológico com o paciente vivo. De toda forma, quanto mais informações tivermos a respeito da fisiopatologia das doenças, maiores serão as chances de se achar intervenções terapêuticas. Neurociências – Aqui no LiNC vocês estão estudando uma mesma molécula em diversas doenças. Pode ser feito o inverso? Bressan – Nós estamos agora trazendo diferentes traçadores, mas para começar usamos esse TRODAT-1. Começamos devagar, com um marcador bem estudado no mundo, mas já estamos programando expansão. Como estamos montando o laboratório, partimos de um traçador e vamos estudar várias doenças, mas podemos também estudar uma doença com vários traçadores. Enviamos um projeto temático para a FAPESP, pois queremos ter um centro de imagem neuromolecular, grande, abrindo linhas de pesquisa de alto nível. As pesquisas podem ser feitas também em animais. Podemos desenvolver traçadores em animais, em macacos, por exemplo, o que é bem diferente de trabalhar com ratos. Isso começa a melhorar o nível de pesquisa; o LiNC tem dado certo, está crescendo, e as perspectivas são enormes. 22 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 Livros A arte de escrever: o esquecimento e a memória de Ivan Izquierdo O ano de 2004 viu surgir em Hollywood uma excelente ilustração do que Freud chamou de repressão: no filme O brilho eterno de uma mente sem lembranças o protagonista, interpretado pelo ator Jim Carrey, tenta preservar suas lembranças da namorada, que estão sendo apagadas por um procedimento médico. Num determinado momento, Carrey tenta fugir com a lembrança para dentro de uma memória muito escondida, muito profunda, quase inacessível, para que ela não seja apagada, e a leva para o dia em que foi flagrado pela sua mãe enquanto se masturbava em seu quarto. A vergonha foi tanta que ele quase se esquecera daquilo, só se lembrando então, num momento de desespero. Não por acaso, o filme se inspira num dos aforismos de Nietzsche: “Abençoados os que esquecem, porque estes aproveitam até mesmo seus erros”. Se somamos essa estréia cinematográfica à grande quantidade de livros de auto-ajuda que se dispõem a nos capacitar para aumentar o poder e a longevidade da memória, chegamos à conclusão que sim, esse assunto está na moda. Mas para o neurocientista Iván Izquierdo, essa moda chega com pelo menos vinte anos de atraso. Médico argentino naturalizado brasileiro, há mais de duas décadas esse pesquisador se dedica a desvendar os mecanismos que permitem aos seres vivos guardar e evocar informações. Para ele, essa onda não é novidade. Com mais de trezentos trabalhos científicos publicados, Izquierdo é, além de pesquisador, um prosador, tanto que tem se dedicado ultimamente a escrever ensaios e contos. Mas ele não restringe sua verve literária à sua obra de ficção, e usa sua erudição também quando o assunto é divulgação científica – sobretudo se o campo for o que ele mais domina, a fisiologia da memória. Seu estilo leve sem ser superficial pode ser conferido em pelo menos dois de seus livros mais recentes sobre o tema, Questões sobre memória (Editora Unisinos, 2004, 128 páginas) e A arte de esquecer (Vieira & Lent, 2004, 114 páginas). Concordando com seu colega James McGaugh, que considera que o mais espantoso sobre a memória é o esquecimento, Izquierdo tece um painel do que se sabe sobre o funcionamento básico da memória no livro A arte de esquecer. O esquecimento, aqui, é o mote central, mas o livro se expande em capítulos que, didaticamente, explicam como se classificam as memórias; como elas se formam; onde, no cérebro, elas se situam; e, finalmente, como e por que elas deixam de existir. O esquecimento, para ele, é uma verdadeira arte. Algumas vezes involuntária; mas ainda assim, arte. Sua abordagem transdisciplinar permeia toda a obra. Num momento de particular inspiração, o livro parte dos mecanismos do esquecimento investigados por Pavlov, e posteriormente teorizados por Freud, e os coteja com o atual estado do conhecimento bioquímico e neurofisiológico, fazendo uma comparação crítica entre os primeiros achados pavlovianos, os postulados psicanalíticos e os resultados da moderna neurociência. A rica formação e a ausência de preconceitos do autor permitem-lhe tecer essa colcha de retalhos Questões sobre memória – Iván Izquierdo, Editora Unisinos, 2004 A arte de esquecer – Iván Izquierdo, Vieira & Lent, 2004 por Daniel Martins de Barros Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 23 sem ser reducionista nem dogmático, buscando o caminho do meio sempre que as evidências permitem. Esse trânsito entre diferentes discursos só é possível graças à grande articulação de Izquierdo, que recorre desde a cientistas pioneiros como Ramón y Cajal, até artistas como Chaplin ou Borges para amarrar suas considerações. Os exemplos são muitas vezes repetidos, citados em diferentes momentos, retomados a título de explicação, e isso, ao que parece, não por falta de criatividade, mas justamente como recurso mnemônico, um truque que não poderia passar despercebido a um especialista em memória, para não nos deixar esquecer o que, no livro, é mais importante. Esse mesmo recurso da redundância estratégica é utilizado, com ainda mais intensidade, em seu outro livro, Questões sobre memória. Nele são reu- nidas trinta perguntas fundamentais sobre o tema, que o autor vem ouvindo à exaustão nesses anos todos de entrevistas e palestras, traçando um panorama mais amplo sobre a memória. Se no primeiro livro ele fazia um apanhado geral sobre a memória por meio da abordagem mais profunda apenas do esque- cimento, em Questões sobre memória ele vai no caminho inverso, e o quadro geral é pintado por pequenos aprofundamentos em tópicos específicos, que, ao serem lidos no conjunto, dão uma idéia abrangente sobre o estado da arte em neurofisiologia da memória. O livro parte das questões primordiais, como o que é a memória,onde ela se localiza, quais são seus tipos, e avança em direção aos mecanismos de recordação, diferenças bioquímicas e estruturais entre memória de longa e curta duração, chegando a entrar na seara das doenças da memória e seus possíveis tratamentos. Embora sejam capítulos curtos, com explicações sucintas, o autor não cede à tentação de simplificar a abordagem, aprofundando-a tanto quanto possível sem tampouco pender para o jargão acadêmico. Apesar de manter o tom equilibrado durante todo o livro, há trechos que não serão assimilados facilmente pelo público leigo, como quando explica que “O núcleo caudado e o outro que está a seu lado, chamado putamen, são denominados, em seu conjunto, corpo estriado, ou striatum. Estão inervados em boa parte por axônios dopaminégicos procedentes de uma região relativamente distante, chamada substância negra ou substantia nigra. Essa conexão regula o controle fino dos movimentos e o tônus muscular; e sua falha produz a síndrome característica da doença de Parkinson.” Embora didático, o trecho ilustra que o autor não faz concessões quando se propõe a explicar os fenômenos, e procura sempre, sem embargo da clareza, tratá-los com o rigor necessário. Adstritos à memória, no entanto, ambos livros padecem de um porém: o viés inserido por essa abordagem “mnemocêntrica”. Em uma simplificação algo exagerada, Izquierdo escreve que a esquizofrenia é uma doença da memória, causada por mal-formações nos córtex pré-frontais. Assim, os delírios e alucinações seriam explicados pela falha da memória de trabalho em diferenciar os estímulos e filtrá-los de acordo com a necessidade, imergindo o paciente esquizofrênico num mundo caótico, sem distinção entre realidade e fantasia. Embora bem arquitetada, essa explicação está longe de ser unânime entre os pesquisadores sobre o tema, sendo apenas uma dentre as diversas hipóteses para a causa dessa doença, ressalva esta que falta no livro. A mesma ressalva fica faltando quando o tema da medicação para a doença de Alzheimer é abordado. Sumariamente o autor desbanca a estratégia de tratamento com anticolinesterásicos, sem mencionar que este é, até hoje, o único com alguma evidência científica de resposta. Se o familiar de um paciente 24 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 submetido a essa terapia medicamentosa lê o livro, inadvertidamente pode ficar angustiado com a possibilidade de estar sendo enganado pelos médicos. Contudo, apontar esses vieses, compreensíveis em se tratando de pesquisa básica centrada num tema, não retira o brilho do conjunto da obra. São livros de grande importância, não só por trazerem ciência a um tema tratado muitas vezes de forma superficial, mas também por aumentar o volume de autores que, a exemplo do que vem acontecendo mundo a fora, conseguem ser divulgadores científicos com elegância e conteúdo. Esse casamento entre informação e prazer na leitura, aproximando as ciências das artes, constitui o cerne do que, há muitos anos, o neurologista russo Alexander Luria definiu como a coisa mais bela que conhecia: a “ciência romântica”. Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 25 Revisão Manifestações radiológicas dos hematomas cranioencefálicos nos exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética nuclear Radiological findings of brainskull hematomas in computerized tomography and nuclear magnetic resonance exams Juliano Bergamaschine Mata Diz, Aline Braga de Souza, Nícolas Aprígio Koenigkam Soares, Bárbara Mendes da Costa, Israel Kleina Lima, Mauro César Tavares de Souza Resumo A imagenologia vem, nas últimas décadas, assumindo posição fundamental na Fisioterapia. O interesse em ampliar os conhecimentos neste campo se tornou uma grande necessidade para os fisioterapeutas face não só às exigências de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, como também no que tange às necessidades de reciclagem de um conteúdo aprendido na graduação. Assim, este trabalho se fundamenta em uma revisão sistemática da literatura, tendo como escopo principal demonstrar como se apresentam, radiologi- camente, as diversas formas de hematomas cranioencefálicos (subgaleal, epidural, intra- parenquitematoso e subdural), especificamente observados nos exames de Tomografia Computadorizada de crânio (TC) e Ressonância Magnética Nuclear (RMN), revisando alguns conceitos fundamentais em imagenologia de crânio. Palavras-chave: Hematoma crânioencefálico, traumatismo crânioencefálico, ressonância magnética nuclear, tomografia computadorizada. Abstract Imaging studies have, in the last decades, taken a fundamental position in Physical Therapy. The interest in extending the knowledge in this field has become a great necessity to physiotherapists, not only when it concerns a competitive network, but also as it concerns the necessity of recycling knowledge acquired in college. The present work is based on a systematic review of the literature, with the main goal of demonstrating distinct radiological presentations of brain hematomas (subgaleal, epidural, intraparenchymatous and subdural), observed specifically in computerized tomography (CT) and Nuclear Magnetic Resonance (NMR) exams of the skull. Keywords: brainskull hematoma, brainskull stroke, computerized tomography, nuclear magnetic resonance. JULIANO B. M. DIZ, ALINE B. DE SOUZA, NÍCOLAS A. K. SOARES E BÁRBARA M. DA COSTA são fisioterapeutas especialistas em Fisioterapia Neurofuncional pela Universidade Castelo Branco, Volta Redonda – RJ. ISRAEL K. LIMA é fisioterapeuta, graduado pelo Centro Univer- sitário de Barra Mansa, Barra Mansa-RJ. MAURO CÉSAR T. DE SOUZA é médico, professor de Anatomia e Radiologia do Curso de Fisioterapia do Centro Univer- sitário de Barra Mansa, Staff do Serviço de Cirurgia do Hospital São João Batista de Volta Redonda, Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal Fluminense, e doutorando em Cirurgia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Correspondência: julianodiz@yahoo.com.br 26 Neurociências • Volume 2 • Nº 1 • janeiro-fevereiro de 2005 Introdução Os hematomas cranioencefálicos vêm, nas últimas décadas, apresentando uma alta incidência na população mundial. Acometem pessoas de todas as idades, predominando em adultos jovens do sexo masculino [1,2]. Podem acometer qualquer parte do encéfalo, pro- duzindo sintomas característicos de acordo com a área afetada [3]. As etiologias são baseadas em eventos primários ou secundários, sobressaindo, na maioria das vezes, as lesões de origens traumáticas [2,3], com taxas ele- vadas de morbidade e mortalidade em muitos países, incluindo o Brasil [1,2,4]. A TC é o principal método para avaliar os pacientes com suspeita de hemorragia na região cranioencefálica, sobretudo em estágio agudo. Ela é capaz de demons- trar rapidamente, e com precisão, fraturas do crânio, hemorragias nos espaços meníngeos e lesões que requerem tratamento cirúrgico imediato [2,5-12]. Os princípios físicos da TC são basicamente os mesmos da radiografia simples. Seu estudo baseia-se na densidade de elétrons, que determina o contraste das imagens. Estruturas mais densas, como osso e proteína, possuem maior coeficiente de atenuação da imagem, que se apresentará mais branca (hiperdensidade). Por outro lado, estruturas pouco densas, como a gordura e a água, mostram-se escurecidas (hipodensidade) [5,6]. A TC permite cortes de imagens somente no plano axial. Pode ser utilizada empregando-se contraste à base de iodo, que torna os órgãos contrastados mais brancos e brilhantes, ou sem contraste [6,7]. Na RMN, os cortes de estudo acontecem nos planos axial, coronal e sagital. A definição das imagens depende da intensidade do sinal presente nos diferentes tecidos quando expostos em seqüências distintas de imagens chamadas T1 e T2. Um tecido que se mostra mais branco é dito hiperintenso (hipersinal), enquanto um mais escuro é denominado hipointenso (hiposinal) [8,12]. Substâncias como gordura e proteína aparecem em branco em T1 e escuro
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