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AULA 1 – CONTEXTUALIZANDO O SURGIMENTO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA 1.1 A CRISE DE LEGITIMIDADE COMO INDUTORA DO SURGIMENTO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA Para muitos autores é possível interpretar o surgimento da polícia comunitária como uma das implicações perante cenários de crises, especialmente aquelas que se referem à LEGITIMIDADE do sistema policial Saiba mais David Bayley e Jerome Skolnick (2002) se inserem no conjunto desses autores. Eles analisaram diferentes experiências de polícia comunitária no mundo e observaram que diferentes casos traziam, em comum, críticas e questionamentos ao sistema policial vigente. Por exemplo, na Inglaterra, ocorreram tumultos no final dos anos 1970 motivados por crítica à atuação discriminatória e violenta da polícia. O mesmo ocorreu em Detroit e em Los Angeles também nos anos 1970. Em Cingapura foram os conflitos multiétnicos que levantaram questionamentos sobre o modelo policial. No Brasil, o caso da Favela Naval, em Diadema/SP, representou um momento em que o modelo policial brasileiro foi fortemente criticado. Os autores concluíram que o surgimento da polícia comunitária é comumente marcado por um contexto de críticas ao sistema policial, onde são reivindicadas reformas institucionais que aproximem a polícia e a sociedade. Além disso, esse contexto foi marcado pelo aumento das taxas de criminalidade, pelo aumento da sensação de insegurança e por uma grande exposição nos meios de comunicação de episódios que demonstravam a insatisfação popular com ações policiais e os enfrentamentos mais frequentes. Num contexto de crise, a capacidade do sistema policial de encontrar aceitação é colocada em xeque, por meio de críticas referentes. Algumas de suas práticas; Formas de organização; Mecanismos de relacionamento interno e externo, entre outras. Saiba mais Estudos e pesquisas que buscam avaliar os serviços prestados e a confiança nas organizações policiais apresentam informações que auxiliam na identificação de críticas e na construção de estratégias para superálas. No site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública você encontrará estatísticas, estudos e pesquisas que o ajudarão a ampliar seus conhecimentos. 1.2 CRÍTICA AO MODELO TRADICIONAL Conforme você estudou, um dos questionamentos relacionados à legitimidade do sistema policial refere-se a algumas de suas práticas advindas do modelo tradicional ou profissional de policiamento, caracterizado pela organização burocrático-legal voltada para a aplicação da lei. Em diferentes países, a consolidação das OSPs como agências de aplicação da lei ocorreu segundo uma perspectiva de profissionalização do trabalho policial. Notadamente, essa profissionalização era entendida como uma forma de isolamento da organização perante interferências políticas, em que a lei passou a ser encarada como principal fonte de legitimidade para suas ações, inclusive limitando as relações com o público externo, tornando-o distante. Ou seja, as organizações esforçavam-se em evitar interferências políticas utilizando a máxima de que a lei representava a razão de suas atividades. Com isso, as relações com o público externo eram limitadas, distantes. De acordo com Kelling e Moore (1988), o papel da comunidade era receber, passivamente, os serviços de controle do crime exercido pelos policiais profissionais. A expectativa criada sobre a capacidade da polícia em controlar o crime, é uma das principais críticas ao modelo tradicional. A ideia pode ser resumida da seguinte forma: A atividade da polícia é aplicar a lei, portanto, atuar com crimes. Todavia, sendo o crime um fenômeno motivado por várias condicionantes sociais, políticas e econômicas, a polícia representa apenas mais um ator nesse processo. Logo, é equivocado atribuir somente à polícia a responsabilidade sobre crimes No modelo tradicional, os resultados do trabalho das OSPs são medidos pelo: Número de prisões; Aumento ou diminuição de taxas criminais; Número de apreensões, número de mandados judiciais cumpridos; Tempo resposta nos atendimentos emergenciais; por meio de patrulhamento móvel, dentre outros. Não há algo que englobe tais esforços e lhes confira sentido como um todo, propiciando CONDIÇÕES DE GOVERNANÇA COMUM. Em outras palavras, no modelo tradicional, os esforços das OSPs são direcionados para a aplicação da lei e o combate ao crime como funções principais, ao passo que a polícia comunitária pressupõe uma expansão do mandato policial para contemplar, ainda, redução do medo do crime e manutenção da ordem local. 1.3 O CONTEXTO DE CRISE COMO OPORTUNIDADES PARA MUDANÇAS É importante que você compreenda também, que é no contexto de crise que surgem oportunidades de reformas nas OSPs, pois a melhoria dos serviços demanda novos processos e estruturas. No caso do surgimento da polícia comunitária, as mudanças estão relacionadas à maior participação da sociedade na formulação e na avaliação da agenda da segurança pública. As reformas propostas comumente se dirigem a: Promover uma maior responsabilização e transparência das organizações e dos profissionais de segurança pública, ou seja, a prestação de contas e o acesso a informações passam a ser comuns e rotineiros. Por exemplo, é o caso da disponibilização de dados estatísticos ou divulgação de detalhes sobre operações. Possibilitar o desenvolvimento de mecanismos de controle interno e externo, como corregedorias, Ministério Público, Ouvidorias; Estimular a profissionalização dos profissionais de segurança pública, por meio de processos de formação continuada, contemplando temáticas sempre contemporâneas e relacionadas a diferentes contextos da realidade policial. Por exemplo: como atuar diante de crimes no ambiente virtual? Ou ainda, como atuar diante de violações de direitos de comunidades específicas, como indígenas? Certamente, são questões que exigem preparação específica. fomentar a especialização dos profissionais de segurança pública, em particular por meio de processos de seleção e recrutamento rigorosos e públicos. Mas... O que é polícia comunitária? Nas aulas a seguir, você estudará os conceitos de polícia comunitária a partir de duas perspectivas: a “filosófica ou normativa” e a “institucionalista”. Esses conceitos o auxiliarão na compreensão do tema e nas implicações para as atividades das OSPs AULA 2 – DEFININDO CONCEITOS: A PERSPECTIVA FILOSÓFICA OU NORMATIVA A dimensão moral ou filosófica oferece uma espécie de lente a partir da qual se passa a enxergar a realidade do trabalho policial, em que a própria OSP se percebe de uma forma diferente. Por conseguinte, as diferentes modalidades de trabalho policial devem continuar a ser realizadas, não se confundindo com o policiamento comunitário. Segundo a perspectiva filosófica ou normativa, a polícia comunitária pode ser interpretada como sendo: uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia como a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos como crimes, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida geral daquela área. (TROJANOWICZ e BUCQUEROUX, 1994, p. 4). Essa definição talvez seja a mais conhecida no Brasil e foi formulada por Robert Trojanowicz e Bonnie Bucqueroux, em 1999. Tendo sido um dos primeiros trabalhos sobre o tema traduzidos para o português, o livro coloca em evidência as duas dimensões da polícia comunitária: Dimensão moral ou filosófica Dimensão instrumental Diz respeito aos valores e princípios e às normas relevantes à polícia comunitária. Representam a sua base de sustentação valorativa, as quais se referem ao dever ser. Diz respeito às questõespráticas de organização e de execução da polícia comunitária. Dimensão moral ou filosófica Trojanowicz e Bucqueroux (1994) defendem que a implantação da polícia comunitária exige uma mudança na percepção dos Profissionais de Segurança Pública e, consequentemente, da organização, acerca do que é o seu trabalho, como ele deve ser realizado e para quem se dirigem seus serviços. Essa dimensão moral ou filosófica confere ênfase na melhoria da qualidade de vida das pessoas, por meio da orientação das atividades das OSPs para as necessidades da comunidade. Ao estabelecer como premissa a mútua interação entre OSP e comunidade, a polícia comunitária afirma a vocação do trabalho policial em servir a comunidade, na medida em que os problemas interferem na qualidade de vida da região, inclusive por meio de estratégias de controle criminal, entre outros. Com isso, é central que a organização como um todo, compartilhe desse valor, dessa maneira de encarar o seu lugar e a sua organização. Pode-se dizer que: se a polícia comunitária representa uma forma de perceber o trabalho policial de uma maneira geral e como ele se insere na sociedade, toda a organização deve compartilhar dessa perspectiva, antes mesmo de pensar como devem ser desenvolvidas suas atividades. A polícia comunitária pressupõe valores que devem ser comuns à organização como um todo, não devendo ser restrita a determinados setores ou atividades da organização. Assim, é possível afirmar que não faz sentido falar em polícia comunitária se não for em relação a toda a organização, pois enquanto filosofia ela deve ser uma referência para todos os seus integrantes. Em outras palavras... TODA OSP DEVE SER ORIENTADA PELA FILOSOFIA DE POLÍCIA COMUNITÁRIA. Mas, e o trabalho policial, como fica? Você estudará a seguir, pois ele está inserido na dimensão instrumental. Dimensão instrumental: o policiamento comunitário O trabalho policial deve ser desenvolvido de acordo com a filosofia ou com os valores da polícia comunitária. A forma de desenvolver o trabalho, ou seja, o policiamento comunitário deve ser adaptado às exigências do público que é atendido, de forma que o profissional de segurança pública preste um serviço completo, o que exige a ampliação do mandato policial. Para tanto, o profissional de segurança pública comunitário deve ser especializado nas atividades que desempenha, pois as atividades de polícia comunitária exigem saberes ou conhecimentos específicos. Exemplo Uma atividade básica do policiamento comunitário são as visitas comunitárias, em que o profissional de segurança pública deve procurar às pessoas da comunidade que atende para conhecer a realidade local e seus problemas, e após isso, registrá-los. Ora, o profissional de segurança pública deve saber como se dirigir ao seu interlocutor para criar vínculos, e não ter esse contato apenas como objetivo a obtenção de informações criminais. Imagine-se nessa situação... Como agir?, O que e como falar?, Quando realizar a visita? Essas perguntas representam aspectos do trabalho do profissional de segurança pública comunitário que exigem formação e treinamento, igualmente como qualquer outra atividade na organização. O policiamento comunitário representa uma das possibilidades de tradução, em termos práticos, da filosofia de polícia comunitária. 2.2 POLÍCIA COMUNITÁRIA E POLICIAMENTO COMUNITÁRIO A partir do conceito de Trojanowicz e Bucqueroux (1994) é possível afirmar que toda a OSP é orientada pela filosofia de polícia comunitária (a partir da lente da polícia comunitária) desde unidades com atividades muito específicas, como controle de distúrbios civis e o policiamento ambiental, até aquelas dedicadas ao policiamento rotineiro, como as unidades de radiopatrulhamento ou do policiamento a pé. Todavia, nem todas executam atividades de policiamento comunitário, as quais são dedicadas a setores especializados da organização. O imperativo que a filosofia de polícia comunitária pressupõe é a promoção de novos valores que orientem a atividade policial, de forma que: Sejam adaptáveis às necessidades de melhoria da qualidade de vida da região, inclusive por meio de estratégias de controle criminal, mas não somente por isso. Estabeleçam mecanismos de participação social; Priorizem os problemas identificados pela comunidade; Estruturem a OSP para o atendimento desses problemas, por meio do policiamento comunitário; Sejam submetidos aos controles sociais e institucionais; Sejam adaptáveis às necessidades de melhoria da qualidade de vida da região, inclusive por meio de estratégias de controle criminal, mas não somente por isso. Tenha em mente que polícia comunitária diz respeito a valores, a como deve ser orientada toda a organização e o policiamento comunitário executa, de forma especializada, atividades como: as visitas residenciais, visitas comerciais, visitas pós-crime, encaminhamentos para outros órgãos, conforme a necessidade, dentre outras. AULA 3 – DEFININDO CONCEITOS: A PERSPECTIVA INSTITUCIONALISTA Nas ciências sociais, o institucionalismo é marcado por estabelecer explicações, tendo como principal unidade de análise as instituições, formais e informais, na ação dos indivíduos. É justamente esta análise, no âmbito das OSPs, que você estudará a seguir. 3.1 MECANISMOS PARA A COPRODUÇÃO DA SEGURANÇA A polícia comunitária também pode ser vista como forma de repensar a relação entre a polícia e a sociedade, extrapolando a noção de mera prestação de serviço. Nesse sentido, a polícia comunitária seria uma interação num mesmo nível entre polícia e sociedade, em que o público é visto como coprodutor da segurança e da ordem juntamente com a polícia (SKOLNICK e BAYLEY, 2002, p. 18). Para tanto, alguns mecanismos organizacionais são especialmente relevantes. São eles: A orientação das OSPs com base na comunidade; A responsabilização das comunidades; A responsabilização das OSPs em relação a áreas e a problemas específicos; e A reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais. Estude a seguir sobre cada um desses mecanismos. A orientação das atividades das OSPs com base na comunidade Os problemas que envolvem uma comunidade devem ser compreendidos a partir da própria comunidade, permitindo analisar suas causas e implicações, assim como as possibilidades de intervenção. Portanto, é importante consultar a população sobre os problemas e as prioridades daquela região, buscando antecipar estratégias para sua resolução. A comunidade não recebe passivamente os serviços: ela contribui para produzi-los. Para tanto, as OSPs precisam se adaptar, como instituição e não apenas alguns setores, para integrar a comunidade nos seus processos e rotinas. A responsabilização das comunidades Nesse ponto, a questão central é permitir que aqueles que participam da priorização dos problemas a serem tratados pelas organizações de segurança pública sintam-se responsáveis pelos resultados obtidos. E isso se dá pelo encorajamento à participação no processo deliberativo, propiciando uma espécie de responsabilidade coletiva em relação a sua própria proteção e segurança. Em outras palavras, trata-se de mobilizar a comunidade para a autoproteção e para a resolução de problemas locais, por meio do compartilhamento de poder. As OSPs são instituições que exercem controle social, principalmente, por meio da possibilidade de utilizarem a força em favor da lei na resolução de conflitos internos (BITTNER, 2002). Assim, a definição das prioridades das OSPs, a influência nas suas estruturas e em suas formas de atuação, ao serem compartilhadas com as comunidades locais, na medida em que a população participa da formação da agenda das OSPs, representam formas de compartilhamento de poder na sociedade As formas de propiciar essa mobilização serão estudadas adiante, como os ConselhosComunitários de Segurança e as Associações de Bairro. A responsabilização das OSPs em relação a áreas e a problemas específicos Relacionada com o item anterior, esse mecanismo reforça a necessidade de referenciação territorial da polícia comunitária Comumente, são utilizados, como mecanismos de referências nas comunidades, os equipamentos que propiciam o estabelecimento de formas de orientação quanto a serviços (no caso, serviços de segurança pública) e quanto a pessoas (novamente, no caso, os profissionais de segurança pública). A referenciação territorial pode ser estimulada por meio de equipamentos fixos (como postos comunitários de segurança - figura 1) ou móveis (como bases comunitárias móveis de segurança – figuras 2 a 4). Com a divisão da área de atuação de cada equipe de profissionais de segurança pública, a comunidade local passa a conhecê-los e a ser conhecida, assim como suas demandas e problemas locais. Para tanto, dois pontos são essenciais: a descentralização do comando: diz respeito à flexibilização da tomada de decisão por setores intermediários da OSP, tendo em vista a condições de oportunidade e conveniência na resolução de problemas. Por exemplo, a decisão de acompanhar pessoas numa travessia de trânsito intenso ou o encaminhamento de uma pessoa ao serviço de assistência social da região, em virtude de perda de vínculos com familiares, são decisões que exigem, comumente, flexibilidade para a resolução local de questões pontuais; e uma maior autonomia para os profissionais de segurança pública comunitários: está relacionada ao ponto anterior e diz respeito ao estímulo à tomada de decisão diante de problemas locais e pontuais, tendo em vista o conhecimento particular obtido com o maior envolvimento comunitário. Com o tempo, a própria comunidade passa a esperar respostas ágeis específicas em relação aos problemas locais. Essas mudanças organizacionais permitem que o policiamento se torne adaptável às demandas surgidas nas comunidades locais, reforçando os vínculos construídos com as pessoas e o território. A reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais Estabelecer prioridade em serviços não-emergenciais (como o 190) está diretamente associados a estimular atividades proativas face a atividades reativas. A lógica que faz parte dessa ideia é a seguinte: sabendo que crimes e desordens são comuns e frequentes nas sociedades, o policiamento comunitário prioriza a atuação nas suas causas e não nas suas consequências. Para tanto, conhecer as características locais, como dados socioeconômicos e demográficos, assim como a oferta de serviços públicos e a existência de grupos ou coletivos mobilizados na região, é tão importante quanto conhecer os registros e as dinâmicas criminais locais. Por exemplo: no caso de atuação com dependentes químicos em situações de cenas de uso de crack, é especialmente importante para os profissionais de segurança pública conhecerem as redes de atenção e cuidado envolvidas com o atendimento a essas pessoas na região. Mais do que isso, é crucial compreender como essas redes funcionam e quais são as suas lógicas de prestação de serviços, como forma de não tornar a situação ainda mais dramática. Compreender como essas redes funcionam e quais são as suas lógicas de prestação de serviços também é um dos objetivos do Programa Crack, é possível vencer do Governo federal. Na oportunidade visite o site do programa. Em outras palavras, é o caso de estimular o desenvolvimento de formas distintas de abordagem do crime, da desordem e do medo do crime, que contemplem conhecimentos de outras áreas que não apenas do sistema de justiça criminal, em especial das OSP. 3.2 CARACTERÍSTICAS DA PERSPECTIVA INSTITUCIONALISTA As características destacadas pela perspectiva institucionalista são as seguintes: Orientação das atividades das OSP com base na comunidade Responsabilização das comunidades Responsabilização das OSP em relação a áreas e problemas específicos Reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais Saiba mais No final de 2014, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, constituiu uma comissão com objetivo de apresentar sugestões para a melhoria do policiamento dos Estados Unidos, desenvolvendo relações de confiança entre a polícia e a sociedade por meio do policiamento comunitário. Dentre as atividades da comissão, estava a avaliação de experiências com resultados positivos e a proposição de mecanismos de replicação em outras organizações no país. Foram realizadas diferentes recomendações para o governo no sentido de aperfeiçoar o policiamento, em particular por meio do “suporte à cultura e à prática do policiamento que reflitam os valores de proteção e promoção da dignidade de todos, especialmente os mais vulneráveis” (PRESIDENT’S TASK FORCE ON 21ST CENTURY POLICING, 2015: 3). 3.3 O MODELO TRADICIONAL X O MODELO DE POLÍCIA COMUNITÁRIA Após a compreensão das definições de polícia comunitária, sob a perspectiva filosófica ou normativa e a perspectiva institucionalista, você analisará, a seguir, orientado por questões relacionadas as atividades das OSP, o quadro comparativo com as características entre o modelo tradicional e a polícia comunitária. Observe que, em termos práticos, as diferentes modalidades de policiamento não são excludentes. Pelo contrário, o policiamento comunitário tende a complementá-las com suas atividades. É importante destacar que existem outros modelos de policiamento, como o Policiamento Orientado para Resolução de Problemas, Policiamento Orientado por Evidências e o Policiamento de Tolerância Zero, contudo o debate central entre os modelos destacados parece ser o mais adequado para os objetivos do curso. Fonte: Adaptado de M. Sparrow (1988). Implementing Community Policing. Perspectives on Policing. p. 8-9. Washington, DC: National Institute of Justice and Harvard University. Questão Modelo Tradicional Polícia Comunitária Qual o papel central da polícia? POLÍCIATRADICIONAL É uma agência governamental responsável, principalmente, pela aplicação da lei. POLÍCIA COMUNIOTÁRIA A polícia é o público e o público é a polícia os profissionais de segurança pública são aqueles pagos para conferir atenção às necessidades dos cidadãos. Como se dá a relação entre a polícia e outras agências públicas? As prioridades entre os órgãos são conflitantes, ou seja, cada um atua de forma isolada. A polícia é uma agência dentre várias responsáveis por melhorar a qualidade de vida. Qual o foco da polícia? Foco na resolução de crimes. Perspectiva mais ampla de resolução de problemas. Como a eficiência da polícia é medida? Por prisões e apreensões. Pela ausência de crimes, desordens e medo do crime. Por exemplo, a realização de pesquisas de vitimização, avaliações da qualidade dos serviços prestados e da confiança nas OSP são mecanismos de gestão utilizados pelo modelo de polícia comunitária Quais são as principais prioridades? Crimes econômicos (p. ex. roubos a bancos) e aqueles que envolvem violência Aqueles problemas que mais incomodam a comunidade Com o que as polícias lidam especificamente? Incidentes ou ocorrências. Demandas e problemas da comunidade. O que determina a efetividade da polícia? Tempo resposta. Cooperação do público e confiança na polícia. O que representa o profissionalismo para a polícia? Respostas rápidas e efetivas para crimes graves. Estar próximo da comunidade e resolver seus problemas. Qual o papel dos comandos centrais? A função do comando é prover os regulamentos e as determinações que devem ser cumpridas pelos policiais. A função do comandocentral é estabelecer e fomentar os valores organizacionais. Ou seja, atua em nível estratégico. propiciando condições de trabalho, como a descentralização e a autonomia. Como a polícia encara a condenação criminal? Como um objetivo. Como uma ferramenta dentre tantas outras. Como ocorre a prestação de contas? Somente ao superior e quanto questionado. À comunidade, de acordo com as necessidades locais, e aos superiores. Como se dá a organização do policiamento? De acordo com o número de ocorrências, privilegiando os picos ou hot spots. De acordo com as necessidades de segurança da comunidade, ou seja, em casos de sintomas de desordem e incivilidades, medo do crime e crimes. Saiba mais As pesquisas de vitimização buscam detalhar aspectos da ocorrência de crimes e de violências, mas também oferecem subsídios sobre percepção de segurança e medo do crime, sobre a avaliação dos serviços prestados pela segurança pública e a confiança nas organizações. Foram realizados diferentes levantamentos em níveis locais, Estados e Municípios, os quais apresentam limitações de comparação dos dados entre si. A partir de 2011, contudo, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública, conduziu a realização da 1ª Pesquisa Nacional de Vitimização, numa parceria com o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – CRISP/UFMG e o Instituto Datafolha. O relatório final foi lançado em 2013. AULA 4 – MITOS SOBRE A POLÍCIA COMUNITÁRIA Como foi dito na apresentação, o uso correto do conceito de polícia comunitária exige precisão e coerência, a fim de que não seja esvaziado e perca efetividade. Ao longo desse módulo, você estudou que a polícia comunitária é uma filosofia compreensiva que afeta a todos os integrantes de uma OSP. Sua implantação exige que sejam alterados valores e práticas, tanto estratégicos, operacionais e táticos. Nessa aula você será apresentado àquilo que não constitui a polícia comunitária, ou seja, serão apresentados os mitos mais comuns sobre o tema. 4.1 POLÍCIA COMUNITÁRIA NÃO É ESPECÍFICA De outra forma, essa crítica afirma que a polícia comunitária é generalista e que não pode ser aplicada a problemas precisos. Pelo contrário, representa uma nova forma de perceber o papel da polícia na sociedade. A polícia comunitária requer o desenvolvimento de técnicas específicas para a aplicação de novas atividades de policiamento comunitário, mas não é uma técnica em si. Por exemplo, essa visão é acompanhada da ideia de que não é necessário treinamento para atuar com a comunidade, pois isso “qualquer um faz”. Tratase de um engano, que não compreende a tarefa que se impõe ao profissional de segurança pública: encarar sua atividade de uma forma completamente nova, o que exige esforço e dedicação 4.2 POLÍCIA COMUNITÁRIA É O MESMO QUE RELAÇÕES PÚBLICAS As áreas de relações públicas das OSP são confundidas com o trabalho de policiamento comunitário, o que é um erro frequente e negativo para ambos os lados. O objetivo desses setores é “vender” uma imagem da OSP, por vezes baseada na ideia de que as pessoas não compreendem o trabalho da organização e as dificuldades da aplicação da lei. Nessa perspectiva, o policiamento comunitário contribuiria para educar as pessoas sobre o trabalho policial. Mas essa noção apresenta um equívoco desde sua origem: a relação entre a organização e a comunidade não pode ser vista de cima para baixo, desnivelada, ou tendo a pretensão de ensinar as pessoas sobre “como” encararem o trabalho policial. Pelo contrário, o policiamento comunitário tem o potencial de melhorar a imagem das organizações justamente por se basear em novas formas de perceber como deve ser o trabalho policial e como se relacionar com a comunidade, em um mesmo nível de interação. A relação é confiança e de compartilhamento de poder, não de ensinamento ou de promoção de uma imagem 4.3 POLÍCIA COMUNITÁRIA É SUAVE COM O CRIME Esse talvez seja o mito que cause maior dano aos profissionais de segurança pública que executam o policiamento comunitário. A questão central é o estabelecimento das prioridades do trabalho policial: para a polícia comunitária, se uma pessoa liga para a polícia, é porque aquela questão é importante para ela e, assim, se torna importante para a polícia. Mas quem define a relevância é a comunidade, não a polícia. A noção de que o verdadeiro trabalho policial é fazer prisões e apreensões deixa escapar a imensa maioria dos casos que são apresentados para as OSP todos os dias. Isso não quer dizer que sejam menos importantes que os demais casos: eles são tão relevantes quanto os demais casos, porém são menos frequentes. Além disso, para Kappeler e Gaines (2011), a polícia comunitária exige que o profissional de segurança pública considere estratégias e táticas, que incluem as prisões e apreensões, sendo essas não limitadas; porém, isso não quer dizer que a polícia seja branda com o crime. Pelo contrário, significa que ele atua de uma forma analítica e resolutiva, possibilitando outras maneiras de lidar com os fatores que geram problemas para a comunidade, tais como desordens, crimes e medo do crime. 4.4 POLÍCIA COMUNITÁRIA NÃO É ESPECIALIZADA A crítica expressa a resistência de estruturas tradicionais face a mudanças, argumentando que não existiria especificidade no policiamento comunitário. Novamente, o argumento do verdadeiro trabalho de polícia é trazido à tona, sob a perspectiva de que os grandes feitos ou ocorrências são apenas as prisões e as apreensões. O padrão do guerreiro está presente nas OSP brasileiras e tende a ratificar a ideia de que a polícia se dedica exclusivamente ao crime. A polícia comunitária, ao pressupor o reestabelecimento do mandato policial, exige conhecimentos específicos para compreender os problemas locais. Por exemplo: sabendo da incidência dramática de situações envolvendo drogas no país. Quantos profissionais de segurança pública possuem formação sobre dependência química? E sobre as relações neurológicas sobre o comportamento do dependente? E quanto às possibilidades de tratamento indicadas para diferentes quadros de dependência? Quais os comportamentos mais frequentes dos dependentes e suas relações com crimes ou desordens? Tais questões procuram indicar que o trabalho policial não se limita às técnicas de uso da força e conhecimento de legislação, mas deve contemplar saberes específicos que contribuem para a compreensão dos problemas da comunidade 4.5 POLÍCIA COMUNITÁRIA É TRABALHO SOCIAL O mito sobre o trabalho social ou o assistencialismo argumenta sobre o mandato policial limitado ao crime, destacando que a polícia tem de lidar com problemas mais sérios durante a maior parte do tempo. Além disso, afirmam que, mesmo tendo o foco de toda a polícia para o crime, as taxas resistem em ceder: pesquisas indicam que a maior parte dos atendimentos das polícias não diz respeito a crimes, mas a chamados de outra natureza. Segundo Famega (2005), 75% do tempo dos policiais que foram analisados não estava relacionado ao atendimento de crimes. Certamente, os casos que se apresentam aos profissionais de segurança pública envolvem diferentes condicionantes de vulnerabilidades. A atuação diante desses problemas permite que o profissional de segurança pública seja tanto o agente da lei quanto o agente da paz, na medida em que pode mobilizar recursos e responsabilidades, que vão desde uma conversa amigável ao uso da força letal. Dificilmente, outro trabalho permite essa diversidade de escolhas. 4.6 POLÍCIA COMUNITÁRIA EXPÕE O PROFISSIONAL A RISCOS DESNECESSÁRIOS A questão colocada se dirige à liberdade conferida ao profissional de segurança pública para se adaptar às necessidades da comunidade, o que poderia levá-lo a não seguir protocolos de segurança. Como você estudou anteriormente, o policiamento comunitário exige treinamento parao desenvolvimento de habilidades e de conhecimentos específicos, inclusive sobre como realizar o seu trabalho de forma segura para todos os envolvidos, não apenas para ele. 4.7 POLÍCIA COMUNITÁRIA SERVE PARA OBTER INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS Na verdade, a polícia comunitária pressupõe que sejam criadas relações de confiança entre a polícia e a comunidade. Para tanto, a relação deve ser construída de forma colaborativa de acordo com as necessidades da comunidade, e não aos interesses da polícia. RESUMO O contexto de surgimento da polícia comunitária foi marcado por críticas ao sistema policial, em que reformas institucionais que aproximassem a polícia e a sociedade eram reivindicadas; O modelo tradicional ou profissional de policiamento é caracterizado pela organização burocrático-legal voltada para a aplicação da lei. Segundo essa lógica, o papel da comunidade era receber, passivamente, os serviços de controle do crime exercido pelos policiais. (KELLING e MOORE, 1988); Segundo a perspectiva filosófica ou normativa, a polícia comunitária pode ser interpretada como sendo: “uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia como a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos como crimes, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida geral daquela área” (TROJANOWICZ e BUCQUEROUX, 1994, p. 4). A implantação da polícia comunitária exige uma mudança na percepção dos profissionais de segurança pública e, consequentemente, da organização, acerca do que é o seu trabalho, como ele deve ser realizado e para quem se dirigem seus serviços. O trabalho da OSP deve ser desenvolvido de acordo com a filosofia ou com os valores da polícia comunitária. A forma de desenvolver o trabalho, ou seja, o policiamento comunitário, deve ser adaptado às exigências do público que é atendido, de forma que o profissional de segurança pública preste um serviço completo, o que exige a ampliação do mandato policial. A diferença fundamental entre polícia comunitária e policiamento comunitário é: a primeira diz respeito a valores, a como deve ser orientada toda a organização; o segundo executa, de forma especializada, atividades de policiamento comunitário, como as visitas residenciais, visitas comerciais, visitas pós-crime, realiza encaminhamentos para outros órgãos, conforme a necessidade, dentre outras. A polícia comunitária pode ser vista, também, como forma de repensar a relação entre a polícia e a sociedade, ultrapassando a noção de mera prestação de serviço. Nesse sentido, a polícia comunitária seria uma interação num mesmo nível entre polícia e sociedade, em que o público é visto como co-produtor da segurança e da ordem juntamente com a polícia (SKONICK e BAYLEY, 2002, p. 18). São mecanismos para a coprodução da segurança: orientação das atividades das OSP com base na comunidade; responsabilização das comunidades; responsabilização das OSP em relação a áreas e problemas específicos e reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais São mitos equivocados sobre a polícia comunitária: a polícia comunitária: não é específica; é o mesmo que relações públicas; é suave com o crime; não é especializada; é o mesmo que trabalho social; expõe os profissionais de segurança pública a riscos desnecessários; é para obter informações privilegiadas. AULA 1 – COMO DEFINIR COMUNIDADE? 1.1. O CONCEITO DE COMUNIDADE Para a polícia comunitária, é essencial que o conceito de comunidade esteja claro. Nesse sentido, cabe lembrar que conceitos são representações da realidade que proporcionam pontes com outros conceitos, significados e a própria história. Os conceitos mudam de acordo com o contexto social em que são utilizados, criados e desenvolvidos. E é o que tem ocorrido com o conceito de comunidade. A noção clássica de comunidade envolve o compartilhamento de interesses por pessoas em contextos de interdependência, normalmente associados a um território ou localidade. Nesse sentido, existe uma dependência comum entre as pessoas naquele contexto, as quais são influenciadas pelo espaço compartilhado e também por relações de parentesco (TONNIES, 1957). Para Robert Park et al (1984), a comunidade seria um grupo de pessoas vivendo em uma área geográfica específica e condicionada pelos processos subculturais de competição, cooperação, assimilação e conflito. Em outras palavras, o conceito sugere que as pessoas trazem consigo marcas identificáveis de pertencimento à comunidade ao viver naquele local e ao criar e participar de instituições sociais que permitam interações (KAPPELER E GAINES, 2011). A vida em comunidade influencia como as pessoas pensam, se sentem, acreditam e agem. Esses valores comuns ajudam a constituir a dimensão moral da vida em comunidade, em que não apenas os valores, como as crenças, os hábitos e as práticas são compartilhados pelos participantes da comunidade e repassados a novos membros ao longo do tempo. Por vezes, o conceito de comunidade tem sido associado à noção de vizinhança. Notadamente, após processos de urbanização e crescente concentração de pessoas em centros urbanos, a ideia de vizinhança tende a privilegiar a dimensão espacial da comunidade, ou seja, seus limites geográficos. Existem, por outro lado, críticas que argumentam no sentido da inclusão da dimensão moral da vida em comunidade. Em suma, pode-se destacar as seguintes características que estão presentes no conceito de comunidade: Existência de áreas geográficas e/ou espaços de interações, ou seja, o espaço em que as pessoas de uma comunidade se relacionam. Por exemplo: bairro, rua, vila, praça ou mesmo a internet. Existência de relações econômicas, políticas e sociais regulares. Essas relações contribuem para a reiteração dos seus valores comuns. Por exemplo: quando a comunidade se reúne para realizar uma quermesse no bairro, para plantar árvores ou ainda solicitar melhorias para a região. Existência de uma entidade legal ou unidade de governança comum. Por exemplo: governos, associações, conselhos. Compartilhamento de um senso de interdependência mútua: as pessoas se sentem unidas em torno de valores compartilhados mutuamente e que as fazem querer permanecer na comunidade. Compartilhamento de uma identidade do grupo, em que os valores daquela comunidade representam a identidade do grupo. Por exemplo: moradores de condomínios fechados certamente valorizam o fato de terem mais espaço do que em outros tipos de moradia, como apartamentos. Existência de processos de inclusão e exclusão da comunidade, assim como formas de transmissão dos valores. Ou seja, são formas de reiterar ou rejeitar comportamentos, de acordo com os valores daquela comunidade. 1.2. SOBRE DIFERENTES COMUNIDADES Leia a citação a seguir “Se na comunidade os homens permanecem unidos apesar de todas as separações, na sociedade permaneceriam separados não obstante todas as uniões” (TONNIES, 1957; p.65). Observe que a citação apresentada confere centralidade à existência de diferenças entre comunidades no contexto social. Mais do que isso, enseja a discussão sobre a diversidade de pontos de vistas das pessoas num mesmo grupo. Apesar de existir um sentido comum que une as pessoas, ainda assim elas mantêm diferenças entre si, sobre as formas como percebem e se relacionam com o mundo ao seu redor. Inclusive, as pessoas podem fazer parte de diferentes comunidades ao mesmo tempo, o que tem sido incentivado por meio do avanço das tecnologias de comunicação e das redes sociais. Para a polícia comunitária, o conhecimento da comunidade é tão central quanto possuir dadoscriminais para o planejamento das atividades a serem desenvolvidas. Independentemente das características locais, o desígnio da polícia comunitária está em resgatar a ideia de que a comunidade possui interesses comuns, e, assim, induzir a melhoria da qualidade de vida naquele local. Nesse sentido, é importante conhecer: As características socioeconômicas e demográficas do local: população existente, renda, raça/etnia, faixa etária, etc.; A oferta de serviços públicos, como escolas, hospitais, equipamentos da assistência social, de inclusão produtiva, trabalho e renda, dentre outros; A existência e a localização de grupos ou organizações comerciais; A existência e a localização de organizações religiosas, associações comunitárias ou centros comunitários; A existência de movimentos ou coletivos da sociedade civil com interesses específicos. Por exemplo: movimentos de defesa dos direitos das mulheres, dos jovens, dos negros, de liberdade religiosa, de livre orientação sexual etc. Saiba mais Em nível nacional, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reúne informações de todo o país. Vários Estados e Municípios possuem órgãos com a finalidade de levantar dados específicos sobre seu território. Procure se informar a respeito da sua cidade! Ao conhecer a comunidade local, a polícia comunitária pressupõe que o trabalho policial seja discutido com os moradores, numa lógica de mútua interação, o que é muito diferente de que a OSP estabeleça formas seletivas de atuação para cada localidade. A existência de comunidades com diferentes características faz parte da paisagem da grande maioria das sociedades, o que não implica dizer que os serviços policiais devem privilegiar ou discriminar quaisquer dessas comunidades. Importante! A polícia representa toda a sociedade e tem como objetivo principal a proteção dos direitos de todos, independentemente de classe social, cor, idade ou sexo. Um profissional de segurança pública que não protege os direitos de todos os cidadãos, depõe contra si, contra a sua organização e contra a própria sociedade. Seria o mesmo que a comunidade reivindicar para si a manutenção da ordem, por não confiar ou aceitar a forma como a polícia faz o seu trabalho ou mesmo não ver sentido nas leis e nas regras da sociedade. Se vivenciaria fenômenos como o vigilantismo A polícia comunitária exige o contato direto com os moradores, não apenas com os “chamados” líderes comunitários. Pelo contrário, é no contato frequente que os vínculos com a comunidade serão criados e fortalecidos. Ora, se a formação da comunidade passa pelas interações sociais, é por meio dessas interações que a polícia comunitária deve exercer suas atividades cotidianas. Mais do que isso, a polícia deve ser parte da comunidade a que serve, conhecer suas necessidades, seus valores e suas expectativas, para com isso poder oferecer serviços de qualidade e efetivos. Importante! É importante discernir de onde advém a legitimidade das diferentes lideranças que se apresentam na comunidade. Por vezes, as chamadas lideranças não são representativas da comunidade, mas apenas de um número reduzido de pessoas ou mesmo de um grupo influente, por exemplo, grupos com poder econômico. Por isso, fique atento e conheça, pessoalmente e sem distinções, os integrantes da comunidade. AULA 2 - MOBILIZAÇÃO SOCIAL 2.1. HISTÓRICO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL O conceito de participação social possui diferentes sentidos e normalmente está associado à noção de participação cidadã ou popular e à democracia participativa (Brasil, 2015). Segundo a Política Nacional de Participação Social, é possível compreender a participação social como um direito humano, uma política de Estado e um método de governo. Ou seja, a organização da comunidade para influenciar e acompanhar as políticas públicas, por meio de mecanismos e processos específicos, faz parte da noção de participação social Comumente, a participação social está associada à medidas de mobilização da comunidade envolvida em torno de questões ou problemas identificados. No caso da segurança pública, a mobilização tende a ser mais bem sucedida quando envolve as organizações de segurança pública existentes no local. Isso não quer dizer que o Estado deve ter como propósito organizar a comunidade, mas antes disso se engajar de forma participativa com a comunidade mobilizada. Mobilizar... A ideia de mobilizar, por sua vez, está associada ao movimento, à ação de conferir movimento a alguém ou a algo. Para Toro (1996), “mobilizar é convocar vontades para um propósito determinado, para uma mudança da realidade”. Ainda mais, Henriques et al (2007) afirmam que para a mobilização é necessário “mostrar o problema, compartilhá-lo, distribuí- lo, para que assim as pessoas se sintam corresponsáveis por ele e passem a agir na tentativa de solucioná-lo”. A necessidade de mobilização local na busca de melhorias para as comunidades tem se fortalecido como discurso e diretriz de ação em todo o mundo. São raros programas, ações e projetos da iniciativa privada ou da gestão pública que, tendo o território como referência, não pressuponham a participação dos atores locais na construção dos resultados esperados e na manutenção destes. Essa lógica vale para diferentes setores da vida social e dos serviços públicos No Brasil, o contexto que envolveu a promulgação da Constituição de 1988 foi marcado pelo fortalecimento da sociedade civil no cenário político. Diferentes grupos, como conselhos e associações, foram fortalecidas nos últimos momentos do período militar, havendo uma tendência à participação social de parceria com o Estado (MORAES, 2011). A população foi chamada a se envolver com as ações do poder público, compartilhando responsabilidades. Dessa forma, os conselhos, os fóruns e outras formas de participação que reúnem governo e a população se tornaram fortes expressões da participação social no Brasil. Contudo, isso não equivale a dizer que uma maior participação social representou mais cidadania para a população. Esse movimento foi amplo e envolveu vários temas, como saúde, assistência social, educação, políticas para juventude, para mulheres, de promoção da igualdade racial, dentre outros, e também segurança pública. Assim, o Estado passa a promover a participação social através da criação dos chamados conselhos de políticas públicas, geralmente com representação paritária entre poder público e sociedade civil. Representação paritária A representação paritária indica que o número de representantes da sociedade civil é igual ao número de representantes do governo. No Brasil, existem inúmeros conselhos de políticas públicas com participação social. Em relação à segurança pública, em nível nacional, existe o Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP), que possui natureza consultiva e deliberativa sobre a formulação e a proposição de diretrizes para as políticas públicas voltadas à promoção da segurança pública, prevenção e repressão à violência e à criminalidade, e atuar na sua articulação e controle democrático. Investigando... E na sua cidade, existem conselhos de segurança pública? Qual a sua composição? Eles possuem mecanismos de participação social? O foco principal da mobilização social é que a comunidade seja EMPODERADA a participar desse processo, ou seja, a comunidade deve ter consciência de que pode participar do estabelecimento de prioridades para a sociedade, em especial na discussão de políticas públicas. Sabe-se, todavia, que essa realidade ainda é incipiente no Brasil, sendo dificultada pela histórica desigualdade social e econômica do país. 2.2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA MOBILIZAÇÃO SOCIAL A mobilização social é um processo próprio das comunidades, que exige, principalmente, o envolvimento participativo e voluntário das pessoas. Não existe mobilização forçada,é ainda pior que não haver mobilização. A mobilização social não é desinteressada. Pelo contrário! Os interesses representam um ponto de vista que, às vezes, envolve mais de uma comunidade. No modelo de polícia comunitária, contudo, não são priorizados os interesses de um grupo social em particular, mas aqueles que contemplem, nos limites da lei, as necessidades da comunidade como um todo. A mobilização social é, necessariamente, um processo em constante desenvolvimento. Mesmo em ambientes institucionais, a mobilização depende da adesão voluntária das pessoas, o que exige mecanismos que envolvam as pessoas e gerem vontade em participar e em continuar participando. De uma forma geral, o Brasil possui pouca tradição associativa e participativa, o que exige ainda mais esforço na mobilização social em busca de cidadania. A mobilização social é, necessariamente, um processo em constante desenvolvimento. Mesmo em ambientes institucionais, a mobilização depende da adesão voluntária das pessoas, o que exige mecanismos que envolvam as pessoas e gerem vontade em participar e em continuar participando. De uma forma geral, o Brasil possui pouca tradição associativa e participativa, o que exige ainda mais esforço na mobilização social em busca de cidadania. No processo de conhecimento da comunidade, você deve se informar sobre diferentes características que compõem o diagnóstico dos problemas locais. Por isso, você deverá conhecer realidades de outros temas, como saúde, assistência social, educação, trabalho e renda, dentre outros. Também exige engajamento e preparação dos próprios agentes do Estado. Primeiramente, você deve ter a consciência de que a participação social é voluntária, envolve diversos interesses e está em constante desenvolvimento. Em seguida, você deve lembrar que ela independe do Estado, ou seja, se o Estado decidir induzi-la, deve fazê-lo sem a intenção de controlar o processo ou mesmo os seus resultados. Em outras palavras, ao mobilizar a comunidade para participar das questões de segurança pública, a OSP não pode pensar que vai controlar os temas e as formas de participação, tampouco que as demandas recebidas são ofensas. Antes disso, as demandas representam necessidades da comunidade que devem ser consideradas pela OSP como uma prioridade parte de um processo de construção de relações de confiança. A mobilização comunitária é um pacto. A comunidade se aproxima, traz informações relevantes para o planejamento e espera respeito e eficiência dos representantes do poder público. Quais as implicações disso? Os policiais que atuam na mobilização da população local precisam ser claros quanto aos limites para o atendimento de demandas comunitárias. A partir do momento em que um compromisso for assumido com a população, ele não poderá ser descumprido, sob pena de que a relação de confiança estabelecida fique fragilizada. Refletindo sobre a questão... Leia o seguinte trecho: “(...) A democracia tem necessidade da polícia: uma sociedade livre não pode dispensar um certo nível de ordem, ou ainda, de previsibilidade nas trocas sociais cotidianas. Quer se trate de limitar a extensão dos comportamentos predadores sem retroceder à autodefesa dos séculos passados, de facilitar os deslocamentos em sociedades marcadas pela mobilidades, (...) a força do elo social e a qualidade de vida de que se beneficia a maioria dos cidadãos das sociedades ocidentais dependem, em boa parte, da maneira como a polícia cumpre as tarefas para as quais ela é solicitada ou que ela própria se atribui. (...) Dizer isso é atribuir à polícia um papel eminentemente político, no sentido nobre do termo. Melhor, é reconhecer a natureza política da função policial. (MONET, 2003, p. 29). Durante muito tempo, organizações policiais buscaram limitar influências políticas em suas ações por meio da adoção de critérios técnicos de aplicação da lei. Como discutido no módulo anterior, essa estratégia de profissionalização marcou o modelo tradicional de policiamento. Em sua opinião, como a polícia pode ser considerada uma instituição política? Como o modelo de polícia comunitária pode contribuir com a função política da polícia? 2.3. COMO MOBILIZAR? Durante as atividades de mobilização, como reuniões ou visitas comunitárias, é comum que os profissionais de segurança pública presenciem e vivenciem situações pouco convencionais e desafiadoras. Por isso, alguns comportamentos devem ser incentivados. Veja alguns exemplos: Considere, com atenção, todos os que quiserem falar. Tão importante quanto ouvir é como ouvir. Por isso, não faça distinções, todos devem ser ouvidos, principalmente aqueles mais críticos. Identifique os principais movimentos, organizações e lideranças comunitárias do estado ou município e procure estabelecer mecanismos de interlocução entre esses temas e a segurança pública. Os grupos organizados podem servir, inclusive, de inspiração para a adoção de instrumentos já existentes de participação, como redes de contatos, formas de organizar e mobilizar reuniões etc. Elabore uma lista de contatos, com telefones, endereços e e-mails. Não se esqueça de que ao conhecer a comunidade, é importante explicar como será o seu trabalho e porque trabalhará assim. Nesse momento, será inevitável explicar o que é a polícia comunitária. Aproveite a oportunidade! Evite demonstrar preferências por manifestações ou grupos específicos. O trabalho policial é dirigido a todos e não pode ser visto como um privilégio de poucos. Importante! As pessoas se mobilizam para mudar realidades ou resolver problemas. A realização do seu trabalho de forma correta e diligente, com interesse real na realidade e nos problemas das pessoas, é uma atitude imprescindível à mobilização social no seu contexto de trabalho. Por isso, a mobilização começa com você, em suas atividades diárias. Faça o teste, seja diligente e prestativo e veja a mudança no comportamento das pessoas ao seu redor! Compartilhe as informações e os dados disponíveis sobre os problemas apresentados. Lembre-se de que a sua opinião sobre as questões de segurança do local deve ser embasada em dados, não apenas em impressões pessoais! Preste contas do trabalho desenvolvido: apresente e discuta as ações que estão sendo adotadas naquela região. É importante demonstrar claramente como e porque determinada atividade foi desempenhada. Caso exista sigilo em alguma atividade, não deixe a pergunta sem resposta e indique a necessidade de discrição. Procure se aproximar dos diferentes grupos na comunidade, independentemente de faixa etária, sexo, renda, cor ou raça ou outras categorizações. T odos possuem necessidades específicas e devem receber atenção e serviços adequados! Conheça o território e as pessoas da região em que o policiamento comunitário será implantado.. Para tanto, comece mapeando os equipamentos públicos existentes, como escolas, hospitais, equipamentos da assistência social, de inclusão produtiva, trabalho e renda, dentre outros. Não se esqueça de incluir as OSP nas suas visitas, em que pese a necessidade de articulação também entre essas organizações. A importância do diagnóstico O diagnóstico da região deve identificar as potencialidades e os pontos críticos para a mobilização daquela comunidade. Essas informações contemplam diferentes áreas da vida social daquela comunidade, como educação, saúde, assistência social, trabalho e renda, dentre outras. Os demais equipamentos públicos (postos de saúde e escolas, por exemplo) são excelentes pontos de partida para se conhecer a realidade local. Em relação à segurança, além dos dados criminais, os dados de pesquisas de vitimização são extremamente importantes para a composição desse diagnóstico. Como você estudou no módulo anterior, os dados da 1ª Pesquisa Nacional de Vitimização estão disponíveis em relação a todas as Unidadesda Federação. Antes de prosseguir, verifique os dados referentes à sua Unidade Federativa. Investigando... Existem outros dados sobre avaliação do trabalho e confiança nas OSP na sua cidade? E sobre percepção de segurança? Informe-se! AULA 3 - CONSELHOS COMUNITÁRIOS DE SEGURANÇA PÚBLICA (CONSEGS) 3.1. DADOS INTRODUTÓRIOS Os CONSEGs representam o mecanismo mais comumente associado à participação social em segurança pública no Brasil. Apesar de não serem a única forma de fazê-lo, os CONSEGs tornaram-se populares desde os anos 2000, num movimento que acompanhou a gestão de políticas públicas no país de uma forma geral. Segundo dados do ano de 2006, existiam 445 municípios com conselhos na área de segurança pública (SENASP, 2009). Em 2008, com metodologia diferente, uma nova pesquisa identificou pelo menos 534 conselhos (1998, p.28). Não há, desde então, motivos para acreditar que esse número tenha reduzido, provavelmente aconteceu o contrário. Em grande medida, o fundamento que permeia o estímulo à presença da sociedade civil em instâncias participativas como fóruns e conselhos é a aproximação e a apropriação por parte da população das esferas de tomada de decisão. É pela mobilização, por meio da ocupação de espaços antes reservados exclusivamente aos gestores e técnicos ligados à administração pública, que a comunidade pode pautar as próprias necessidades locais, direcionando as discussões e contribuindo com a tomada de decisão em temas do seu próprio interesse. Exemplo: Em algumas áreas, como a saúde e a assistência social, a criação de esferas de participação popular e controle social tornaram-se exigências e requisitos para o repasse de recursos provenientes do governo federal. 3.2. HISTÓRICO DOS CONSEGS Década de 80 – Surgimento dos CONSEGs Década de 90 – Ampliação da ideia Anos 2000 – Popularização dos CONSEGs Importante! A edição do Plano Nacional de Segurança Pública, em 2001, também trouxe incentivos ao fortalecimento de ações de segurança pública sob uma perspectiva comunitária. Por meio da criação de requisitos para o repasse de recursos aos Estados por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública, a SENASP/MJ incentivou a adoção do policiamento comunitário como estratégia de trabalho policial. Nessa esteira, a difusão da participação social na segurança pública por meio dos Conselhos Comunitários de Segurança passou a integrar algumas ações de instituições policiais e políticas de governos estaduais (BRASIL, 2014). 3.3. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CONSEGS Os Conselhos Comunitários de Segurança Pública diferenciam- se de outras associações locais em razão de seu foco voltado para a discussão e resolução de problemas de segurança pública. Como conselho, é um órgão consultivo, mas não é incomum serem identificadas características de instância deliberativa em seu funcionamento. Comumente, cada Unidade da Federação possui legislações específicas que regulam os CONSEGs, como definições diferentes sobre a criação, funcionamento, critérios de participação e validação do Estado. Não existe, portanto, um modelo único de CONSEG no país, tampouco alguma lei que estabeleça, em nível nacional, como eles devem funcionar. Contudo, enquanto mecanismo de participação social, os CONSEGs devem atender às diretrizes gerais da Política Nacional de Participação Social, dentre as quais destacam-se: o reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia; a solidariedade, a cooperação e o respeito à diversidade de etnia, raça, cultura, geração, origem, sexo, orientação sexual, religião e condição social, econômica ou de deficiência, para a construção de valores de cidadania e de inclusão social; o direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas, com uso de linguagem simples e objetiva, consideradas as características e o idioma da população a que se dirige. Saiba mais O Governo do Rio Grande do Sul desenvolve ações de participação social no âmbito de um canal chamado Gabinete Digital. Numa das oportunidades, foi tratado do tema: Paz no Trânsito. Investigando... Em sua região, existe alguma iniciativa semelhante? De toda forma, é possível definir o CONSEG como sendo um mecanismo de participação social em segurança pública que, comumente, reúne representantes das organizações de segurança pública locais e a comunidade com o objetivo de formular, acompanhar e estabelecer prioridades para problemas relacionados a crimes, violências, desordens, medo do crime e incivilidades na região. Conforme Brasil (2014), suas principais funções são: Aprimorar a relação entre polícia e comunidade,promovendo uma aproximação maior e produtiva entre ambos; Identificar prioridades locais na área de segurança pública e construção de parcerias e estratégias de ação para buscar a resolução compartilhada dos problemas; Auxiliar na prevenção dos delitos e das violências, por meio de campanhas educativas e outras iniciativas em parceria com diferentes atores; Encorajar a participação social na construção da segurança pública; Propiciar espaços de prestação de contas e de avaliação das atividades realizadas pelas OSP naquelas regiões, reconhecendo a necessidade de referenciar os serviços aos problemas locais. Importante! Apesar da proximidade entre o CONSEG e as OSP, isso não deve implicar na confusão de papéis entre ambos. Os voluntários engajados nos CONSEGs não assumirão a função de policiar e nem de realizar investigações! 3.4. CRIAÇÃO DE CONSEGS No modelo brasileiro, os CONSEGs são, normalmente, organizados pelos estados. Tendo em vista a sua maior frequência, você estudará a seguir os aspectos relacionados à atuação do estado na formação dos CONSEGs, mas é importante que você saiba que podem existir CONSEGs organizados e mantidos pela própria sociedade civil. Discussões iniciais É fundamental que as normas que regulamentam os CONSEGs sejam discutidas ampla e continuamente com a comunidade e com os profissionais de segurança pública. Afinal, trata-se de um espaço que será utilizado pelos envolvidos para estabelecerem prioridades na agenda de segurança pública. Além disso, o diagnóstico sobre a realidade local será essencial para a identificação dos problemas locais e, consequentemente, para a mobilização das pessoas que são impactadas por esses problemas. Caso a iniciativa em torno da criação do CONSEG surja da própria comunidade e seja levada à OSP, considere que as ações de mobilização já começaram! Reuniões de sensibilização As reuniões de sensibilização são essenciais para mobilizar a comunidade. Devem ser realizadas em diferentes momentos e para diferentes grupos na comunidade, como forma de espalhar a notícia e gerar adesão à proposta. Elas buscam: Apresentar o modelo de gestão da segurança pública do qual podem fazer parte os CONSEGs, ou seja, a segurança pública compartilhada, dando ênfase ao papel da comunidade na coprodução de resultados. Identificar os possíveis conselheiros comunitários de segurança pública interessados em levar adiante a estruturação do CONSEG. Destacar a importância do envolvimento legítimo com as ações do conselho para que ele funcione cumprindo seu principal objetivo: ampliar a participação popular na definição de estratégias de segurança pública. Informar o alcance e os limites da atuação do CONSEG na gestão da segurança pública daquela Unidade da Federação e mais especificamente daquela comunidade. Informar sobre o modelo de atuação dos CONSEGs, os ganhos e os desafios e a forma de gestão desse espaço. Com a sensibilização da comunidade local, é importante que sejam apresentados os critérios para indicação de uma Secretaria Executiva Provisória. Para tanto, o processo de indicação deve ser rigorosamente planejado com antecedência. A comunidade fará a indicação dos integrantes dasociedade civil e as OSPs dos seus representantes, por isso os critérios de seleção e as atividades a serem desempenhadas devem estar claramente descritos. O ideal é que o processo de indicação da Secretaria Executiva Provisória seja reflexo do acordo entre os grupos da comunidade, sendo que os representantes das OSPs normalmente são indicados pelas chefias. A principal atribuição da diretoria provisória é organizar as eleições formais do conselho. Estrutura básica A estrutura básica dos CONSEGs são compostas pelas seguintes instâncias: Plenária do Conselho Presidência do Conselho Comissões Permanentes Comissões Provisórias Secretaria/Coordenação Executiva Composição O CONSEG é constituído por representantes do poder público e da comunidade. Comumente, os responsáveis locais pelas OSPs constituem o conselho, tais como polícia militar, polícia civil, corpo de bombeiros, departamento de trânsito, guarda municipal, órgão de defesa social ou ordem pública, dentre outros. É recomendável que o CONSEG seja composto de forma paritária, ou seja, com igual número entre os representantes do poder público e da comunidade. Regimento Interno O Regimento Interno é o instrumento que estabelece as formas de funcionamento do CONSEG, tais como: Composição do conselho indicando quais seriam as instituições públicas com representação no conselho (ex.: Polícia Civil, Polícia Militar, Detran, etc); Duração do mandato e composição dos cargos e funções da Diretoria; Normas referentes à reeleição; Atribuições e cada participante da direção; Periodicidade das reuniões; Metodologia de trabalho (rotina para apresentação das demandas, encaminhamento e avaliação do cumprimento); Regras de participação no Plenário, nas Comissões Permanentes e Provisórias e nas representações do Conselho, sempre que for demandado. Institucionalização Os conselheiros dos CONSEGs são, normalmente, empossados mediante ato formal do poder público local. A característica de formalidade do CONSEG confere legalidade e segurança aos seus integrantes, assim como possibilita que possam representar o conselho em diferentes espaços e contextos. É recomendado que a constituição do CONSEG e a posse dos conselheiros sejam divulgadas, especialmente para as OSPs, o Ministério Público, o Poder Judiciário, a Defensoria Pública e demais conselhos existentes no local. Orientações gerais Torne públicos os atos do conselho (atas, resoluções, comunicados, página na internet etc). Isso contribui para que ele se faça reconhecido pela sociedade e pelos governos locais Construa canais de comunicação e participação dos diversos grupos da comunidade. É comum, por exemplo, a criação de grupos de mensagem em redes sociais e páginas na internet. Prepare e discuta planos de ação para a segurança pública naquela comunidade. Incentive o engajamento e a participação nas reuniões e eventos relacionados ao CONSEG. Defina locais, datas e horários para as reuniões de forma conjunta com todos os envolvidos, estimulando a participação da ampla maioria das pessoas. Para facilitar a interação entre as pessoas e evitar constrangimentos, você deve priorizar espaços de fácil acesso, que sejam definidos pela própria comunidade. O horário deve ser adequado para a maior parte da população e buscando evitar ambientes que dificultem a ampla participação (por exemplo, ambientes religiosos, ambientes coordenados por partidos políticos). Caso julgue interessante, realize reuniões em espaços itinerantes, contemplando a definição da maioria. Não dê prioridade para as sedes das OSPs. Defina a pauta de cada reunião com a antecedência necessária à preparação dos participantes e a eventuais convites de convidados. Lembre-se de que o engajamento das pessoas está diretamente associado à solução dos problemas apresentados, o que é facilitado com a definição de uma pauta de reunião exequível e clara. Promova parcerias. A participação de diferentes atores nas reuniões do CONSEG, quando articuladas e coordenadas, é favorável à resolução de problemas locais. Sempre que necessário e que a pauta permitir, convide representantes de outros órgãos como educação, saúde, assistência social, trabalho e renda, além de outros conselhos, como Conselhos Tutelares, de políticas sobre drogas, de juventude, dentre outros. A participação de representantes de outros poderes, como Legislativo e Judiciário, também é incentivada, mediante critérios de pertinência com a pauta e coordenação da reunião. É importante, também, a participação de organizações do terceiro setor, como ONGs e movimentos sociais organizados. O convite à participação desses representantes deve ser submetido à apreciação dos demais conselheiros previamente. Nota O terceiro setor constitui-se na esfera de atuação pública não-estatal, formado a partir de iniciativas privadas, voluntárias, sem fins lucrativos, no sentido do bem comum. Para maiores informações acesse o relato setorial do BNDES. Possíveis dificuldades Apesar de toda preparação, você poderá encontrar dificuldades. Veja algumas a seguir: Tentativa de apropriação do CONSEG como palanque político-partidário – é possível que algumas pessoas queiram utilizar o CONSEG para levar suas intenções e propostas políticas. Entretanto, desde a formação inicial da Secretaria Executiva Provisória, todos devem ser alertados sobre as possíveis implicações negativas que isso poderá trazer para o debate e para o trabalho do CONSEG. A vinculação do CONSEG a um partido ou ideologia política subverte a proposta de participação social do próprio conselho. Por isso, evite a utilização do CONSEG como espaço político-partidário. Críticas às OSPs – espaços de participação social não são espaços de validação das OSPs. Pelo contrário, representam mecanismos para que a comunidade possa apresentar seus problemas e pontos de vista. Por isso, as críticas devem ser encaradas como oportunidades de melhoria de processos ou atividades que foram mal avaliadas. Por óbvio, devem ser respeitados limites de bom senso na forma e no momento em que as críticas são apresentadas, de maneira a não ser ofensivo ou tratar as questões de forma pessoal. Pessoas que monopolizam a reunião ou que tendem a polarizar discussões – A divergência de opiniões em um ambiente coletivo é normal. Entretanto, a polarização de questões pode trazer prejuízos à reunião do CONSEG, à medida em que trava sua fluidez. Para que isso não ocorra, é importante que as reuniões sejam precedidas de pauta previamente estabelecidas e que esta seja relembrada antes do início dos trabalhos. É recomendável também que seja definido antes do início o tempo destinado à duração da reunião bem como o tempo concedido às falas dos interessados quando for aberta a palavra aos presentes. Pouca participação das pessoas na reunião – a ausência de pessoas nas reuniões pode refletir questões como falha na mobilização, falta de legitimidade do conselho, ou ainda falta de conhecimento sobre o papel desempenhado por um CONSEG. A divulgação ampla dos trabalhos e dos resultados por meio das diversas formas de mídia, a divulgação das reuniões do CONSEG por parte dos profissionais de segurança pública, a realização de palestras, fóruns e encontros para tratar de temas como a segurança pública cidadã e compartilhada podem ajudar a superar a barreira da inércia da população. Descontinuidade dos trabalhos do CONSEG – é necessário estabelecer os limites e as possibilidades de atuação dos CONSEGs para não gerar falsas expectativas. Projetos muito ambiciosos de segurança pública adotados por um CONSEG, por exemplo, podem ter como consequência muitas barreiras que dificultam sua continuidade. Recomenda-se que o CONSEG envolva-se em projetos de forma objetiva, de solução simples, que confiram resultados rápidos e satisfatórios. Por exemplo, a instalação de um semáforo, lombada ou de umafaixa de pedestres nas proximidades de uma escola, por exemplo, podem trazer resultados significativos na diminuição dos índices de vitimização no trânsito. Ausência de uma metodologia de trabalho – em muitos casos, pela falta de uma metodologia de trabalho, as iniciativas da diretoria do CONSEG acabam se resumindo ao encaminhamento de ofícios a autoridades e órgãos reivindicando melhorias nos serviços prestados. Isso pode ser importante, mas não resume as atividades e o alcance do trabalho de um CONSEG. A falta de uma metodologia de trabalho e de um “norte” pode diminuir a vontade da participação dos voluntários com o passar do tempo em razão da falta de objetividade das reuniões e do próprio CONSEG. A solução para isso é manter sempre algum projeto em foco, dentro daquilo que foi estabelecido como prioritário, adotando-se, sempre que possível, as ferramentas de análise e solução de problemas indicadas no Plano de Ação do Policiamento Comunitário. RESUMO A noção clássica de comunidade envolve o compartilhamento de interesses por pessoas em contextos de interdependência, normalmente associados a um território ou localidade. As principais características da comunidade são: existência de áreas geográficas e/ou espaços de interações; existência de relações econômicas, políticas e sociais regulares; existência de uma entidade legal ou unidade de governança comum; compartilhamento de um senso de interdependência mútua; compartilhamento de uma identidade do grupo; e existência de processos de inclusão e exclusão da comunidade, assim como formas de transmissão dos valores. É importante saber a origem da legitimidade das diferentes lideranças que se apresentam na comunidade. Por vezes, as chamadas “lideranças” não são representativas da comunidade, mas apenas de um número reduzido de pessoas ou mesmo de um grupo influente, por exemplo, grupos com poder econômico. A ideia de participação social envolve a organização da comunidade para influenciar e acompanhar as políticas públicas, por meio de mecanismos e processos específicos. A ideia de mobilizar diz respeito à ação de conferir movimento a alguém ou a algo. Para Toro (1996), “mobilizar é convocar vontades para um propósito determinado, para uma mudança da realidade”. Ainda mais, Henriques et al (2007) afirmam que para a mobilização é necessário “mostrar o problema, compartilhá-lo, distribuí-lo, para que assim as pessoas se sintam corresponsáveis por ele e passem a agir na tentativa de solucioná-lo” A realização da mobilização social exige a construção de diagnósticos a respeito da comunidade e da região. Essas informações contemplam diferentes áreas da vida social daquela comunidade, como educação, saúde, assistência social, trabalho e renda, dentre outras. Os demais equipamentos públicos (postos de saúde e escolas, por exemplo) são excelentes pontos de partida para se conhecer a realidade local. Em relação à segurança, além dos dados criminais, os dados de pesquisas de vitimização são extremamente importantes para a composição desse diagnóstico. Ao mobilizar a comunidade para participar das questões de segurança pública, a OSP não pode pensar que vai controlar os temas e as formas de participação, tampouco que as demandas recebidas são ofensas. Antes disso, as demandas representam necessidades da comunidade que devem ser consideradas pela OSP como uma prioridade e parte de um processo de construção de relações de confiança. Os CONSEGs representam o mecanismo mais comumente associado à participação social em segurança pública no Brasil. Eles representam um mecanismo de participação social em segurança pública que, comumente, reúne representantes das organizações de segurança pública locais e a comunidade com o objetivo de formular, acompanhar e estabelecer prioridades para problemas relacionados a crimes, violências, desordens, medo do crime e incivilidades na região. As principais funções dos CONSEGs são: aprimorar a relação entre polícia e comunidade, identificar prioridades locais e construir parcerias e estratégias de ação para buscar a resolução compartilhada dos problemas; auxiliar na prevenção dos delitos e das violências; encorajar a participação social na construção da segurança pública; propiciar espaços de prestação de contas e de avaliação das atividades realizadas pelas OSP naquelas regiões. AULA 1 – GESTÃO E QUALIDADE 1.1 BENS E SERVIÇOS Frequentemente, ouve-se falar no estabelecimento de padrões de qualidade ou referenciais para comparação entre os bens e serviços, particularmente na iniciativa privada. Com efeito, essa preocupação é estimulada pelas críticas e reclamações dos clientes, que podem resultar em perdas ou mesmo a falência de empresas. Por isso, tanto o crescente acesso a mecanismos de defesa e proteção dos consumidores, como por exemplo, o PROCON, quanto o avanço de tecnologias que facilitam as comunicações, por exemplo, sites especializados em avaliações de clientes, fazem parte de uma consciência comum em torno de determinados padrões de exigência e de qualidade relacionados aos bens e serviços disponibilizados ao público. No caso dos serviços públicos, esse movimento também tem ocorrido. As políticas públicas são comumente questionadas quanto à qualidade dos serviços prestados, num movimento semelhante àquele observado na iniciativa privada. Diante de uma fila de hospital, da descortesia no atendimento numa escola ou mesmo da desatenção de um policial, são comuns críticas aos serviços, causando desconfiança e frustração nos usuários. Por isso, você deve ter claro que o conceito de qualidade se refere aos seguintes aspectos, conforme destacado por Marcineiro (2009): Satisfação dos clientes; Adequação do produto/serviço ao uso pretendido; Conformidade do produto/serviço com as exigências/especificações; Atendimento das expectativas dos clientes com a manutenção de baixo custo; Propriedade, atributo ou condição que permite avaliar qualquer produto/serviço; Propriedades e características de um produto/serviço que conferem sua habilidade de satisfazer necessidades do cliente; Atendimento confiável, seguro e no tempo certo das necessidades do cliente; Diante dessas características, é essencial discutir e padronizar os resultados esperados, quer sejam serviços ou bens. Exemplo É razoável acreditar que, ao comprar o computador que você está utilizando, você possa elaborar documentos em editores de texto ou acessar à internet para realizar cursos, como esse sobre polícia comunitária. Ou seja, você possui um padrão de expectativas que estão associadas à qualidade das funcionalidades do bem, no caso o computador. O mesmo raciocínio se aplica a serviços, com algumas diferenças, como: O serviço nem sempre é transformado em um objeto passível de manuseio; O serviço é produzido e consumido simultaneamente; O serviço depende muito daquele que o executa, portanto, sua avaliação varia conforme as características do prestador; O serviço não pode ser estocado, já que sua produção e consumo são imediatos. Importante! As atividades do Estado têm como objetivo o bem estar de toda a sociedade. Assim, no caso da segurança pública, o bem estar das pessoas é expresso pela garantia da ordem e da incolumidade, como afirma a Constituição Federal de 1988, mas também pela redução do medo, das desordens e dos crimes (SENASP, 2014). 1.2 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO: O PAPEL DOS INDICADORES 1.2.1 O que são indicadores De forma acentuada, são cada vez mais frequentes iniciativas de qualificação dos serviços públicos baseadas em processos rígidos de planejamento, monitoramento e avaliação. Para tanto, são necessários instrumentos para a mensuração da qualidade e, consequentemente, do cumprimento de prazos e objetivos planejados, como, por exemplo, os indicadores. Indicadores
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