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ESCOLA SUPERIOR MADRE CELESTE - ESMAC LICENCIATURA E BACHARELADO EM HISTÓRIA CAÇA AOS MARAJÁS, CORRUPÇÃO E O FORA COLLOR O movimento dos “Caras Pintadas” em Belém do Pará e o impeachment de um presidente a partir dos periódicos (1989 – 1992) Ana Caroline Freitas Souza Ananindeua - PA 2017 2 ANA CAROLINE FREITAS SOUZA CAÇA AOS MARAJÁS, CORRUPÇÃO E O FORA COLLOR O movimento dos “Caras Pintadas” em Belém do Pará e o impeachment de um presidente a partir dos periódicos (1989 – 1992) Trabalho de conclusão de curso apresentado a Escola Superior Madre Celeste - ESMAC, como requisito para à obtenção do título de Licenciado e Bacharel em História. Orientador: Prof. Me. Allan Pinheiro da Silva. Ananindeua - PA 2017 3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Biblioteca Professora Iranilse Pinheiro da Escola Superior Madre Celeste – ESMAC SOUZA, Ana Caroline Freitas. CAÇA AOS MARAJÁS, CORRUPÇÃO E O FORA COLLOR: O movimento dos “Caras Pintadas” em Belém do Pará e o impeachment de um presidente a partir dos periódicos (1989 - 1992) / Ana Caroline Freitas Souza – 2017. 74 f.; il. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Licenciatura e Bacharelado em História, Escola Superior Madre Celeste, Ananindeua - PA, 2017. Orientação: Prof. Me. Allan Pinheiro da Silva 1. Fora Collor 2. Impeachment 3. Corrupção 4. Jornais 5. Caras-Pintadas I. SILVA, Allan Pinheiro da, orient. II. Título 4 ANA CAROLINE FREITAS SOUZA CAÇA AOS MARAJÁS, CORRUPÇÃO E O FORA COLLOR O movimento dos “Caras Pintadas” em Belém do Pará e o impeachment de um presidente a partir dos periódicos (1989 – 1992) Trabalho de conclusão de curso apresentado a Escola Superior Madre Celeste - ESMAC, como requisito para à obtenção do título de Licenciado e Bacharel em História. Aprovada em 14 de dezembro de 2017 BANCA EXAMINADORA Prof. Me. Allan Pinheiro da Silva – Orientador. Escola Superior Madre Celeste (ESMAC) Prof. Dr. Itamar Rogério Pereira Gaudêncio – Membro. Escola Superior Madre Celeste (ESMAC) Prof. Dr. Rui Jorge Martins Júnior – Membro. Escola Superior Madre Celeste (ESMAC) Ananindeua - PA 2017 5 A todos aqueles que sempre acreditaram no meu potencial e me acompanharam ao longo dessa dura jornada, minha total consideração. 6 AGRADECIMENTOS Finalizar essa monografia teria sido uma tarefa muito mais difícil, se não fosse pelo carinho, amor e dedicação de pessoas tão iluminadas que tenho ao meu redor. A vida é feita de fases, e dentro de cada fase conhecemos pessoas, que às vezes se vão, e outras que resolvem ficar, e para mim, todos que foram ou ficaram, são especiais e ajudaram a moldar o que sou hoje, e por isso, sou indubitavelmente grata. Dedico esse trabalho especialmente a minha família, que sempre me incentivou aos estudos e me ajudou na realização deste sonho. Ao meu maior exemplo e inspiração de vida, minha avó, Conceição Freitas, que nunca desistiu de mim e sempre me deu o mais nobre, puro e verdadeiro amor. À minha amada mãe, Marinete Freitas, por ser essa "mulher maravilha", sempre forte e inabalável, me fazendo entender que não são com palavras doces e meigas que vivemos a vida, mostrou-me que precisamos ser forte e enfrentar todas as adversidades que nos aparecem de cabeça erguida e sorriso no rosto. Ao meu amado pai, Carlos Alberto, pelo belo exemplo de vida que me deu. À minha querida irmã, Carine Freitas, que sempre me ajudou nas minhas batalhas internas, sendo uma grande ouvinte e conselheira. À minha queria tia, Márcia Freitas, e minha prima, Gabrielle Freitas, que mesmo com a distância, permanecem tendo toda a minha admiração e respeito e ocupando um imenso espaço dentro do meu coração. Aos meus professores dessa IES, que me ensinaram não só os conteúdos do curso, mas lições importantes sobre amor à profissão, respeito e igualdade. Em especial aos professores, Itamar Gaudêncio, Joel Torres, Liliane Goudinho, Luciana Batista, Maria Augusta Neves (In memoriam) e Rui Jorge, que se tornaram grandes amigos pessoais. Além do meu querido orientador, Allan Silva, a quem tenho um enorme carinho, consideração e admiração por ser um ser humano fantástico e um profissional maravilhoso, sempre muito calmo e objetivo, me dando os melhores caminhos para a construção do trabalho em questão. A todos os meus companheiros de sala. Em particular aos meus grandes amigos Thays Melo e Paulo Gomes, sem vocês, não chegaria aonde estou. Na vida, há poucas coisas que se consegue fazer sem a colaboração de amigos, e vocês sempre estiveram ao meu lado. Juntos passamos por mais essa fase e nos tornamos vencedores. Ao meu melhor amigo, companheiro e grande amor, Gabriel Nunes, por estar ao meu lado por todos esses anos, nos melhores e piores momentos. Me dando forças para prosseguir, sempre de forma bem-humorada, carinhosa, paciente e compreensiva. Por fim, deixo a todos, a minha eterna gratidão! 7 “A corrupção tem efeitos destrutivos. Abala as instituições, corrói a ética, desvirtua a justiça, impede o desenvolvimento econômico/ social sustentável e enfraquece a vigência da lei.” Carlos Steger “Uma Nação consciente é o maior medo de um Governo mal-intencionado.” Ivan Santana “A meta da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe.” Jean Piaget 8 RESUMO A monografia discute o processo de impeachment de Fernando Affonso Collor de Mello, ocorrido em 1992, e o movimento social dos Caras-pintadas dentro desse contexto. Neste sentido, fez-se necessário debater sobre as eleições presidenciais de 1989 que elegeram como presidente da República Federativa Brasileira, Fernando Collor. Será analisado de forma breve a política neoliberalista do presidente, e posteriormente, de forma mais aprofundada, os esquemas de corrupção que envolveu Collor, e a revolta da população brasileira contra o presidente, acarretando no surgimento do movimento social dos Caras Pintadas. A principal fonte para a construção desta pesquisa em questão foram os periódicos, em específico os jornais Diário do Pará e O Liberal, do ano de 1992. Através deles, pôde-se compreender como a imprensa, juntamente com o protagonismo dos manifestantes, foi de suma importância para esse processo de deposição do presidente. Palavras-Chave: Fora Collor; Impeachment; Corrupção; Jornais; Caras-Pintadas. 9 ABSTRACT The monograph discusses the process of impeachment of Fernando Affonso Collor de Mello, which took place in 1992, and the social movement of the Caras-pintadas within that context. In this sense, it became necessary to discuss about the presidential election of 1989, that he elected as president of the Federative Republic of Brazil, Fernando Collor. The neoliberalista politics of the president will be analyzed of brief form, and later, of deepened form more, the projects of corruption that involved Collor, and the revolt of the Brazilian population against the president, causing the sprouting the social movement of the caras pintadas. The main source for the construction of this research in question been periodic. In specific newspapers, Diário Pará and the O Liberal, of the year of 1992. Through them, it could be understood as the press, together with the protagonism of the manifestants, was of utmostimportance for this process of deposition of the president. Keywords: Out Collor; Impeachment; Corruption; Newspapers; Caras-pintadas. 10 LISTA DE FIGURAS (Iconografias) Fig. 01: Collor: Fim com gesto teatral. (O Liberal. Cad. Política. P. 13. 30 de dezembro de 1992) ................................................................................................................................... 39 Fig. 02: Passeata de protesto contra Collor agita as ruas de Belém. (O Liberal, Cad. Política. P. 15. 21 de agosto de 1992) ..................................................................................................... 57 Fig. 03: Multidão saí as ruas contra Collor. (O Liberal. Cad. Política. P. 15. 26 de agosto de 1992) ................................................................................................................................... 58 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12 PRIMEIRO CAPÍTULO – COLLOR E O BRASIL NOVO: DO “CAÇADOR DE MARAJÁS” AO IMPEACHMENT ..................................................................................... 20 1. O processo de redemocratização brasileira ......................................................................... 20 2. Uma eleição midiática ......................................................................................................... 24 3. Política neoliberal e o Esquema PC Farias ......................................................................... 28 SEGUNDO CAPÍTULO – A PARTICIPAÇÃO DOS CARAS-PINTADAS NO IMPEACHMENT DO PRESIDENTE ................................................................................ 42 1. Os principais movimentos sociais do final do século XX .................................................. 42 1.1 A União Nacional dos Estudantes – UNE e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES ............................................................................................................. 43 1.2 O Movimento de Diretas Já .............................................................................................. 46 1.3 A União Acadêmica Paraense – UAP ............................................................................... 48 2. Os Caras-Pintadas .............................................................................................................. 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 65 FONTES ................................................................................................................................. 67 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 69 12 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo discorrer sobre o processo de impeachment do presidente Fernando Affonso Collor de Mello e o movimento social estudantil dos Caras-pintadas a partir dos periódicos O Liberal e Diário do Pará do ano de 1992. Neste sentido, fez-se necessário debater sobre as eleições presidenciais de 1989, a política neoliberalista do presidente e o Plano Collor1. Posteriormente, será analisado os esquemas de corrupção envolvendo o presidente e a revolta da população brasileira diante deste fato, acarretando no surgimento do movimento social2 dos Caras Pintadas. O tema por mim escolhido se deu pelo fato de vir de uma família engajada em movimentos sociais, por conta disso, desde muito cedo estive envolvida nessas lutas. Concretizando esse envolvimento em junho de 2013, quando participei dos protestos que surgiram por todo o Brasil. Íamos às ruas revoltados com os grandes esquemas de corrupção que tinham vindo a público, envolvendo empresas como a Petrobras. Indignados com o governo, cobrávamos explicações plausíveis das autoridades responsáveis, lutávamos por uma “ética na política” e o fim da corrupção, os protestos não eram só pelos R$ 0,203. 1 Criados durante a presidência de Fernando Collor (1990-1992), o “Plano Collor” foi um conjunto de reformas/planos econômicos que tinha por objetivo estabilizar a inflação brasileira. 2 Movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um País, criando um campo político de força social na sociedade civil. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos não institucionalizados. Os movimentos geram uma série de inovações nas esferas públicas (estatal e não estatal) e privada; participam direta ou indiretamente da luta política de um país, e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade civil e política. Estas contribuições são observadas quando se realizam análises de períodos de média ou longa duração histórica nos quais se observam os ciclos de protestos delineados. Os movimentos participam, portanto da mudança social histórica de um país e o caráter das transformações geradas poderá ser tanto progressista como conservador ou reacionário, dependendo das forças sociopolíticas a que estão articulados em suas densas redes; e dos projetos políticos que constroem em suas ações. Eles têm como base de suporte entidades e organizações da sociedade civil e política, com agendas de atuação construídas ao redor de demandas socioeconômicas ou políticos-culturais que abrangem as problemáticas conflituosas da sociedade onde atuam. (GOHN, 2007, p. 251 e 252). 3 A revolta começou, no dia 06 de junho de 2013, quando um grupo de manifestantes, organizados pelo MPL (Movimento Passe Livre) – que defendem a adoção da tarifa zero para transporte coletivo – reuniram-se na Av. Paulista para protestar devido ao acréscimo de R$ 0,20 sobre as passagens dos transportes públicos, que subiria de R$ 3,00 para R$ 3,20. Porém, já havia uma insatisfação popular com o governo, e esse protesto concitou para que, nos atos seguintes ficasse evidenciado esse descontentamento. Ou seja, não era apenas pelos 20 centavos, mas também pela má qualidade dos serviços públicos. A população pedia por mais investimentos na educação e na saúde, por punição aos políticos corruptos e mudanças governamentais que beneficiassem a todos. 13 Esse e outros motivos conduziram-me a escrever sobre tal temática, mas, pensando numa perspectiva anterior, cujo foco seria governo de Fernando Collor de Melo, que foi deposto por abuso do poder econômico, punido por acobertar um complexo esquema de corrupção. Inicialmente, o tema do meu projeto seria: As mudanças que o movimento social- estudantil dos “Caras Pintadas” trouxe para o Brasil. De modo que, isso me restringiria a falar especificamente do movimento em si por todo o território nacional. Com o desenrolar da pesquisa, percebi que isso era quase impossível, uma vez que, o Brasil tem dimensões continentais, para falar sobre a atuação dos caras pintadas por todo o seu território, iria demandar tempo, fontes e conhecimentos que eu não possuía. Além disso, era importante também que se falasse sobre a imprensa da época, especificamente sobre os jornais, visto que, foram um dos principais veículos de comunicação no período. Por conta desses motivos, acabei mudando otema da minha pesquisa para “CAÇA AOS MARAJÁS, CORRUPÇÃO E O FORA COLLOR: O movimento dos “Caras - Pintadas” em Belém do Pará e o impeachment de um presidente a partir dos periódicos (1989 – 1992)”. Deste modo, poderia falar desses fatores, mas dando enfoque para o território belenense. Com o tema já estabelecido, utilizo um método indutivo, analítico, explicativo e comparativo em torno do impeachment de Fernando Collor e o movimento social dos caras pintadas, através destes, discorro sobre como o protagonismo estudantil foi de suma importância para o impeachment do presidente. Para dar inicio a minha pesquisa, era necessário que, primeiramente, eu analisasse os movimentos sociais que ocorreram antes do processo de redemocratização brasileira, por conta disso, utilizei o artigo de Daviane Azevedo, “Movimentos sociais, sociedade civil e transformação social no Brasil”, e a monografia de Adriano Pessoa, “Do golpe militar à extinção da UNE: O movimento estudantil em Belém do Pará no ano de 1964, através de diferentes periódicos”. Daviane Azevedo (2010) vai debater uma perspectiva mais abrangente sobre esse fato, pegando todo o Brasil, já Adriano Pessoa (2009) foca sua pesquisa para algo mais regional, falando especificamente sobre Belém do Pará. Os autores discorrem sobre a perseguição que ocorria contra os manifestantes que iam as ruas protestar contra o regime civil- militar4. Os autores debatem sobre a forma como esses movimentos influenciaram todo um processo de transformação social da época, pois, essa “perseguição” fez com que eclodisse uma 4 Como explanei no texto o uso da palavra ditadura civil-militar, era necessário que eu explicasse o porquê desse termo. Para isso utilizei a obra “Ditadura e democracia no Brasil”, de Daniel Aarão Reis (2014), em que se fala sobre como houve uma grande participação de civis no período ditatorial e como é “cômodo” para as entidades civis que a população esqueça dessa participação popular e ache que o período ditatorial foi feito único e exclusivamente por militares. 14 série de manifestações, por diversos motivos, por este fator, ambos são importantes para a construção desta monografia, pois, fizeram-me compreender o processo de transição política que ocorria no território brasileiro. Entendido esse processo era necessário que se começasse a entender o processo de ascensão e declínio de Fernando Collor de Melo na política. Portanto utilizei-me dos artigos “O encantador de Marajás” de Terezinha Mendes Marra e “O PT e o Impeachment de Collor”, de Danilo Martuscelli. Terezinha Marra (1999) vai discorrer sobre o processo político que Collor passou para chegar à presidência do Brasil. Como ele conquistou rapidamente o povo brasileiro que estava cansado da “velha política” e enxergava no candidato um novo momento no governo. Entretanto, quando o presidente assume o cargo em 1990, implanta uma política neoliberal com uma série de medidas que acaba aprofundando a crise no país. Atrelado a esses fatores, Collor se envolve a escândalos políticos e financeiros, fazendo com que passasse a ser desacreditado pelo povo e visto como um mau gestor. O que consubstanciou para que outros governos aproveitassem dessa situação para se sobrepor ao presidente, como fica claro no artigo de Martuscelli (2013), que discorre sobre as estratégias tomadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) diante da crise que o governo estava envolvido. Diante das altas insatisfações com o governo Collor, iniciam-se manifestações populares por todo o território nacional pedindo o impeachment do presidente. Quando isso ocorre, a mídia passa a compará-los com os manifestantes do período ditatorial. O artigo de Adriano Codato (2004), “O Golpe de 1964 e o Regime de 1968: aspectos conjunturais e varáveis históricas”, faz com que se compreenda a diferença entre os manifestantes do regime e os de 1992. O autor analisa como eram esses manifestantes do período civil-militar e as suas finalidades. Discorre sobre a forma como dentro dos grupos de manifestação, havia os subgrupos que carregavam os seus próprios objetivos, o que acabava por enfraquecer o movimento, possibilitando aos militares a promulgação de Atos Institucionais cada vez mais radicais, como o AI 5. Diferente dos manifestantes de 1992, que possuindo um único foco – a saída de Collor da presidência – e, quando o objetivo foi concluído, o movimento se dissipou. Além de comparar os manifestantes de outra época com os Caras pintadas, a mídia utilizava dessas manifestações para exercer uma ação psicológica na população. Como fica evidenciado nas dissertações de Franceschini (2002), e de Rodrigues (1997), os autores analisam a relação entre política e mídia, mostrando como os meios de comunicação conseguiram transformar as escrituras políticas em algo atrativo para as grandes massas, uma vez que construíram representações identitária que marcaram o período Collor. https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiEsqyx7svQAhVIC5AKHd4XCS8QFggaMAA&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FMeios_de_comunica%25C3%25A7%25C3%25A3o_social&usg=AFQjCNE01ngLDe_1bnt0_6klCw-0nU52XQ&bvm=bv.139782543,d.Y2I 15 Como se falou sobre movimentos sociais, fez-se necessário entender qual seu significado, o livro “Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos” de Maria Gohn (2002). A autora vai trabalhar a teoria dos movimentos sociais, destacando principalmente os conceitos, paradigmas teóricos e as categorias utilizadas para eles se desenvolverem. O que me auxiliou para explicar como um movimento social é constituído e a forma como ele acaba por se tornar um construtor de espaço de cidadania. A nível de contextualizar esta monografia, utilizo a dissertação “Marchas e contramarchas na luta pela moradia na Terra Firme (1979-1994)” de Edivânia Alves (2010) e o trabalho de conclusão de curso de Josefa Rabelo e Raoni Raiol (2013), “A Conquista da Meia Passagem em Ananindeua-Pará”, em que os mesmos discorrem sobre como as lutas sociais que ocorriam na região estavam se consolidando de forma gradativa durante a década de 90, paralelo ao que acontecia pelo território nacional. Em Belém do Pará haviam manifestações de estudantes e lideranças comunitárias que exigiam seus direitos sociais, como a atenção em relação à moradia, construção de escolas, direito a meia passagem, etc. Para a pesquisa e análise qualitativa das fontes, utilizo o artigo “Fontes impressas: História dos, nos e por meio dos periódicos”, de Tânia Regina de Luca (2008), no intuito de obter embasamento teórico para a construção da metodologia, uma vez que, a autora discorre sobre a forma como se deve trabalhar com periódicos e a sua importância histórica. Discorre sobre como se deve analisar os jornais da época de forma crítica, pois, além de informar sobre o que estava ocorrendo, os jornais também tinham o papel de influenciar seus leitores sobre uma determinada posição ideológica. Portanto, o jornal se torna uma importante fonte para se chegar ao movimento social que trabalho, é através dele que se pode refletir sobre a atmosfera que envolvia aquele acontecimento. Para compreender melhor essa criticidade que devemos ter ao construir algo, utilizo o escrito de Peter Burke (1992), “A nova História, seu passado e seu futuro”, em que se debate sobre como devemos ser coerentes em nossos objetivos e temas, não podendo "venerar" nossos objetos de estudo, pois, isso compromete a análise crítica por sobre o mesmo. Utilizei essas ideias para falar sobre a forma como o método tradicional de se trabalhar a história pode comprometer a escrita. A partir do debate feito por Burke, tive o embasamento necessário para explicar como o Estado utilizou-se de uma forma tradicionalista para manter o controle sobre a populaçãoe impedir que forças sociais buscassem inspiração em movimentos que contestassem a ordem estabelecida. Como por exemplo, os movimentos sociais-estudantis ocorridos no período de 1964 a 1991, que quase nunca eram noticiados ou eram, só que de forma tendenciosa, 16 mostrando as passeatas como badernas, arruaças, etc. Isso fazia com que a população que estava alienada as manifestações, continuassem sem perspectiva de uma melhora no governo. Além disso, durante a construção da metodologia, notei que todo trabalho de pesquisa que tenha por escopo a história política, necessariamente, vai passar por julgamentos, em função desse método de pesquisa ter sido alvo de muitas críticas no passado. Os metódicos levavam em consideração apenas os personagens que representavam as elites do Estado, como Reis, Generais e outros sujeitos que tiveram “bons serviços” prestados à nação e na sua pós-morte recebiam a devida homenagem de historiadores e artistas, que procuravam perpetuar para outras gerações a importância dessas “celebridades” políticas, no sentido de incutir na memória coletiva a veneração por tais personagens. Essa categoria histórica foi vista como causadora de problemas historiográficos, por trabalhar apenas com fatos macro históricos. A historiografia política se caracterizava por ser positivista e tradicionalista. A história tradicional levava em consideração que pessoas comuns não possuíam história e não participavam dos eventos políticos na sociedade. (...) a história tradicional oferece uma visão de cima, no sentido de que tem sempre se concentrado nos grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais ou ocasionalmente eclesiásticos. Ao resto da humanidade foi destinado um papel secundário no drama da história. A existência dessa regra é revelada pelas reações a sua transgressão.” (BURKER, 1992, p. 12). Essa forma narrativa dos fatos históricos perdurou durante tempos, até sofrer duras críticas e ser superada pela Escola dos Annales5, em que se tem uma valorização da interdisciplinaridade histórica. A história “factual” e política que enaltecia os grandes homens vivida na escola metódica é criticada e não mais repetida. Posteriormente, já na terceira geração dos Annales (1968)6, em que os historiadores vão se distanciar das abordagens históricas mais 5 A Escola dos Annales foi fundada em 1929, por alguns estudiosos como Lucien Febvre e Marc Bloch, através da revista Annales d'histoire économique et sociale, de acordo com Burke (1997) a escola pretendia trazer um novo paradigma que rompesse com a escola metódica e substituísse a história tradicionalmente narrativa que trabalhava apenas aos grandes acontecimentos históricos, sem problematizar os documentos e analisar as suas entrelinhas. A escola dos Annales passou a valorizar "história-problema”, em que se trabalhavam outras fontes além dos documentos escritos. 6 A Escola dos Annales foi dividida em três gerações. A primeira geração é a fundadora. A segunda geração inicia em 1945 comandada por Fernand Braudel. E, em 1968, se tem a terceira geração, quando Jacques Le Goff, Jacques Revel e André Burguière assumem a direção da Escola. Não houve nesse período um “líder”, como nos tempos de Bloch, Febvre e Braudel. Por isso, a terceira geração é tida como uma geração difícil de se traçar um perfil. Para Burke (1997) esses historiadores vão trabalhar com uma história fragmentada, em que serão apontadas várias perspectivas e inúmeras vertentes de estudo, ou seja, a terceira geração dos Annales foi marcada por mudanças intelectuais. 17 quantitativas para trabalharem uma história mais antropológica (GUERIOS, 2011). Essa geração acreditava que toda atividade humana é considerada história, por conta disso, se tem a valorização da história do povo, dos excluídos, uma história vista debaixo, que ficou popularmente conhecida como “micro história”7, entendeu-se que a escrita da história não é feita apenas dos grandes personagens, a história também é feita no cotidiano por todos aqueles, independentemente, da classe social que estão. Os Annales passam a argumentar que a história deveria seguir os vieses propostos pela humanidade e não determinantes por uma escrita conservadora que observava somente os acontecimentos relevantes, enquanto os demais ficavam negligenciados e reclusos para não serem conhecidos, propositalmente, pela comunidade coletiva. Uma forma, portanto, do próprio Estado manter o controle sobre a população e impedir que forças sociais buscassem inspiração em movimentos revolucionários para contestar a ordem estabelecida. Na década de 70, através de Jacques Le Goff, Jacques Juliard, Maurice Agulhon, François Furet, René Remond, se tem uma renovação dessa escrita política (BURKE, 1997). Esses historiadores tinham por foco debater sobre uma nova perspectiva historiográfica acerca da história política, lutavam para que seus objetos fossem vistos pela sociedade como uma ferramenta utilizável na constante construção do homem político, enfim, do homem em sociedade. Rémond (1999) diz que a história política também pode ser uma história das estruturas, por conta do peso das memórias consciente ou inconsciente das sociedades, pois “os fenômenos de cultura política só podem ser compreendidos numa perspectiva de duração muito longa” (REMOND, 1999, p. 54). A perspectiva que o autor propõe é de entender o político através do estudo da tradição, da cultura, das sobrevivências, das rupturas e continuidades que atravessam a ideologia dos governantes, do pensamento político e do senso comum. A eleição de Fernando Collor exemplifica essa ideia, pois, se tinha uma população que depois longos anos de repressão, finalmente voltou a ter direitos políticos, elegem Collor como presidente e acreditam que o se governo resolveria os problemas enfrentados pelo povo. Mas, o presidente, logo no primeiro ano de seu mandato já traz uma série de medidas que desagrada 7 Foi um gênero historiográfico que teve seu marco inicial na Itália, em 1981, após a publicação da coleção "Microstorie", organizada por Carlo Ginzburg e Giovanni Levi, que trabalhavam novos métodos de se escrever história. Os historiadores partiam da análise do micro, para explicar o macro. Reduziam sua escala de observação sobre um determinado momento histórico e escreviam sobre o cotidiano de um indivíduo, e através desta perspectiva explicava-se algo grandioso. De acordo com Levi (1992) "para a micro história, a redução da escala é um procedimento analítico, que pode ser aplicado em qualquer lugar, independentemente das dimensões do objeto analisado" (LEVI, 1992, p. 137). 18 a população, posteriormente, envolve-se em esquemas de corrupção, que faz com que ecloda por todo o território nacional manifestações de um povo que estava indignado com todo esse esquema de corrupção, e passam a pedir o impeachment do presidente. Os jornais, foram uma importante fonte histórica para chegar ao foco do movimento social dos Caras Pintadas no sentido de seus objetivos, de suas lutas, a atmosfera que envolvia aquele acontecimento que acendeu a participação da população nos protestos. Através da leitura das fontes, pode-se compreender como a participação dos populares que foram às ruas manifestar-se contra o governo em 1992, possuíam perspectivas políticas que buscavam naquele determinado momento respostas imediatas para terem seus anseios atendidos. Entretanto, é necessário que se observe a forma como a imprensa conseguiu “moldar” o movimento, reforçando a tese de que os estudantes foram importantes na queda do governo naquele momento. Os periódicos são, espaços disputados pelos valores que a imprensa, seja conservadora ou libertária, busca para convencer seus leitores sobre uma determinada posição ideológica, sejade esquerda ou direita. Essa formação de opinião forjada traz na sua essência a luta pelo controle da mentalidade, que a palavra eivada de conceitos dúbios e polissêmicos procura atrair seus leitores para uma posição de opinião formada na sociedade. Pode-se admitir, à luz do percurso epistemológico da disciplina e sem implicar a interposição de qualquer limite ou óbice ao uso de jornais e revistas, que a imprensa periódica seleciona, ordena, estrutura e narra, de uma determinada forma, aquilo que se elegeu como digno de chegar até o público. O historiador (...) dispõe de ferramentas provenientes da análise do discurso que problematizam a identificação imediata e linear entre a narração do acontecimento e o próprio acontecimento (...). O pesquisador dos jornais e revistas trabalha com o que se tornou notícia, o que por si só já abarca um espectro de questões, pois será preciso dar conta das motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coisa. Entretanto, ter sido publicado implica atentar para o destaque conferido ao acontecimento, assim como para o local em que se deu a publicação: é muito diverso o peso do que figura na capa de uma revista semanal ou na principal manchete de um grande matutino e o que fica relegado às páginas internas. (LUCA, 2008, p. 139-140). Logo, trabalhar com os jornais a priori requer uma leitura cuidadosa da informação contida nas linhas e entrelinhas, portanto, é necessário que se tenha certo cuidado com os periódicos que serão utilizados para o desenvolvimento da pesquisa em questão. O mapeamento desse material será feito na Biblioteca Pública Arthur Vianna. Entretanto, o terceiro andar da biblioteca estava em reforma, o andar onde ficam as seções de Microfilmagem, periódicos, 19 Obras raras, etc. Voltando a funcionar apenas no final de janeiro de 2017, me deixando assim impossibilitada, durante um ano, de ter acesso aos periódicos do ano em que trabalho, isso fez com que, inicialmente, minha pesquisa se restringisse apenas ao uso de Recortes de Jornais que falam sobre o Impeachment que estava disponível no Segundo andar da Biblioteca. Com a reabertura da mesma, devido ao curto tempo que tinha, dei um maior enfoque a um jornal em especifico, por esse fator, utilizarei muito mais as matérias produzidas pelo jornal O Liberal8, para debater sobre o os esquemas de corrupção envolvendo o então presidente da República Federativa Brasileira, o seu Impeachment, e o Movimento Social Estudantil dos Caras Pintadas que ocorreu nas ruas de Belém do Pará no ano de 1992. Para que as ideias fiquem mais claras, dividirei o TCC em dois capítulos, o primeiro, intitulado de: “Collor e o Brasil Novo: do “Caçador de Marajás” ao Impeachment” abordarei a política de Collor, sua chegada à presidência da república, sua forma de governar e os motivos que levaram ao seu impeachment. Nesse capítulo também falarei sobre o papel da imprensa diante de tudo isso, visto que, a mesma que contribuiu para que se criasse uma “pseudo ilusão” sobre Collor, provocando uma falsa esperança de que o presidente resolveria todos os problemas clássicos da sociedade brasileira, foi também a que mais motivou a população a ir às ruas pedir o seu impeachment. Por fim, no segundo capítulo, intitulado “A Participação dos Caras-Pintadas no Impeachment do Presidente”, farei um aparato histórico sobre a participação popular na política, discorrendo sobre os principais movimentos sociais que ocorreram no final do século XX, e como isso consubstanciou para a criação do movimento dos Caras pintadas que organizaram manifestações pelo país inteiro, pedindo investigações rigorosas que buscassem as origens dos rombos nas contas públicas e por fim a deposição do presidente. Meu objetivo nesse capítulo é mostrar como a nação não tolerava mais conviver envolto na corrupção, o desejo de mudar e tornar a política brasileira uma atividade ética foi o grande grito que ecoou no país inteiro através dos meios de comunicação, da mobilização popular de entidades civis, religiosas, estudantis, operárias, profissionais e de alguns partidos. 8 Segundo Castro e Seixas (2013), o jornal O Liberal foi fundado em 15 de novembro de 1946 por Moura Carvalho, na intenção de ser um órgão de propaganda dos membros do Partido Social Democrático (PSD), chefiado por Magalhães Barata. Em 1965 o jornal é comprado por Ocyr Proença. E, um ano depois, em 1966, o jornal é novamente vendido, dessa vez ao jornalista Romulo Maiorana. O Liberal passa a integrar as Organizações Rômulo Maiorana (ORM). Que também compra outro importante jornal da época, a Folha do Norte, em 1972, mas encerra sua produção em 1974. Fazendo com que, O Liberal, juntamente com a Província do Pará (fechada em 2001) e o Diário do Pará (criado em 1982 com o propósito de dar sustentação à carreira política do senador Jáder Barbalho do PMDB) ganhassem mais espaço e permanecessem como os principais jornais do Pará em circulação, 20 PRIMEIRO CAPÍTULO COLLOR E O BRASIL NOVO: DO “CAÇADOR DE MARAJÁS” AO IMPEACHMENT Neste capítulo irei discorrer sobre a eleição de 1989 que levou Fernando Collor de Mello a presidência e os fatores que levaram a deposição do mesmo. Entendendo que, Collor tornou- se um grande ator social9 para a história da democracia brasileira, pois, foi o primeiro presidente democraticamente eleito depois de 25 anos. Alçado como candidato da classe média alta, tendo um viés político direitista, com altas expectativas de mudança, uma promessa de combate à corrupção, um “Caçador de Marajás”. Collor ganhou o apoio popular, principalmente da grande imprensa, contudo, quando são descobertos seus envolvimentos nos grandes esquemas de corrupção, a mesma imprensa de apoiou sua candidatura vai, juntamente com os movimentos sociais, apoiar o seu processo de impeachment. 1. O PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA Primordialmente, é necessário que se compreenda que durante o período militar (1964-1985) ou civil-militar, como alguns autores preferem chamar, visto que, o período também teve participação de civis, como afirma Reis (2014), A história oficial das lutas contra a ditadura acabou ocultando as complexas e profundas relações entre o regime de 1964 e a sociedade brasileira. (...) O país fora, pura e simplesmente, subjugado e reprimido por um regime ditatorial denunciado agora como uma espécie de força estranha. A memória atual, que sustenta que a ditadura foi apenas militar interessa as entidades civis que apoiaram a ditadura. Se ela foi apenas militar, todas elas passam para o campo das oposições. Desaparecem os civis que se beneficiaram do regime ditatorial, que financiaram a máquina repressiva, que celebraram os atos de exceção. O mesmo se pode dizer dos segmentos sociais que, em algum momento, apoiaram a ditadura. (REIS, 2014). 9 São chamados assim aqueles que integram o sistema político de alguma forma. Para Bourdieu (1983) o ator social é um “agente” que funciona de forma estratégica dentro da sociedade, Touraine (1998) partilha dessa ideia, entretanto, diz que o ator age com vistas à transformação de uma ordem, neste sentido, o “ator social é alguém que está engajado em relações concretas, profissionais, econômicas, mas também igualmente ligado à nacionalidade ou gênero, procura aumentar à sua autonomia, controlar o tempo e as suas condições de trabalho ou de existência” (TOURAINE, 1998, p.37). 21 De acordo com o autor, é inviável que se esconda a imensa participação popular no golpe de 1964. Visto que, mais de 500 mil pessoas, de diferentes classes sociais, foram às ruas manifestar seu descontentamento com o governo Goulart e mostrar seu apoio aos militares. Participavam desses protestos até as grandes lideranças religiosas, políticase empresariais, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para Reis, é necessário que se fale constantemente sobre esse acontecimento, para que assim, possa se compreender essa difícil relação entre ditadura e sociedade. No final da década de 70, dar-se início a um processo de abertura política, que faz com que ocorra certo “pluralismo” sindical e político-partidário, a censura imposta durante os longos anos de regime fica mais branda, dessa forma a liberdade de expressão e de imprensa fica mais forte. Em 1980 o Brasil passa por um período de intensa mobilização, ocorria um processo de transição lento e gradual para a democracia. O país estava passando por um processo de redemocratização. Segundo com Kinzo (2001) esse processo de foi dividido em três fases: A primeira, de 1974 a 1982, é o período em que a dinâmica política da transição estava sob o total controle dos militares, mais parecendo uma tentativa de reforma do regime do que os primeiros passos de uma transição democrática de fato. A segunda fase, de 1982 a 1985, é também caracterizada pelo domínio militar, mas outros atores – civis – passam a ter um papel importante no processo político. Na terceira fase, de 1985 a 1989, os militares deixam de deter o papel principal (apesar de manterem algum poder de veto), sendo substituídos pelos políticos civis, havendo também a participação dos setores organizados da sociedade civil. (KINZO, 2001, p. 4-5). Ou seja, desde o governo de Ernesto Geisel (1974 – 1979) começam a surgir os primeiros indícios de liberalização, que permitiriam a realização das eleições em condições mais livres. Entretanto, o presidente, vai cassar mandatos de parlamentares de postura oposicionista, alterar leis eleitorais e procedimentos legislativos, no intuito de controlar a oposição. Porém, Geisel não conseguia administrar a economia brasileira, que ia de mal a pior, gerando fome, miséria e desemprego. Esses fatores consubstanciaram para um fortalecimento da transição, começa-se a falar sobre uma “utopia democrática”, em que se almejava uma organização social livre de repressões, em que se poderia lutar por seus direitos. Passam a ocorrer processos de reabertura política, principalmente no governo de João Figueiredo (1979 – 1985), onde a Lei Nº 6.683, concede Anistia a todos10. 10 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei da Anistia, Nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 – Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%206.683-1979?OpenDocument 22 Salatiel (2009) discorre sobre como essa lei beneficiou políticos, que nos anos 60 tinham perdido seus direitos, poderiam voltar à vida pública, pessoas que foram banidas ou exiladas, e não poderiam voltar ao país, uma vez que, se fossem pegas, seriam presas, torturadas ou mortas. Entretanto, a mesma lei também beneficiou os militares que foram acusados por utilizarem “métodos coercitivos” que violavam os direitos humanos. De acordo com Araújo, Silva e Santos (2013) a anistia vivida no Brasil é complexa, pois, de certo modo, representou uma conquista, mesmo que parcial, daqueles que lutavam por ela, mas, por outro lado, ela pode ser considerada também uma vitória para os militares, visto que, com a Lei, não houve uma apuração dos crimes hediondos cometidos por eles durante o regime. Para Abraão (2011), O lema da anistia “ampla, geral e irrestrita” para os perseguidos políticos, clamada pela sociedade organizada e negada pelo regime, passou a ser lido como uma anistia “ampla, geral e irrestrita” para os dois lados, demonstrando a força de controle do regime, capaz de apropriar-se do bordão social para convertê-lo em fiador público de um suposto “acordo político” entre subversivos e regime, a fim de iniciar a abertura democrática (ABRAÃO, 2011, p. 123). Dessa forma, a anistia que foi aberta para ambos os lados, comprovou a perspicácia do regime, capaz de apropriar-se de um “bordão social” e, com sutileza, conseguir convertê-lo para assim também beneficiar-se da situação e saírem impune de seus crimes. Segundo Klemt (2010) quando a lei foi aprovada, grande parte dos opositores ao regime já haviam respondido por seus crimes, foram presos, torturados, exilados ou até mesmo mortos, enquanto que, os agentes do estado, agindo ou não sobre sua ordem, sequer foram investigados e não sofreram nenhum tipo de consequência. Além disso, é sancionada também a Lei Nº 6.76711, que consolidava o fim do Bipartidarismo e reestabelecia o Pluripartidarismo, esse processo fazia com que houvesse uma maior liberdade partidária e social dentro do país, visto que, outros partidos começam a surgir dentro do sistema político. Neste sentido, para Ângelo (2008) dentro do território brasileiro começa-se a haver uma transição rumo à democracia, se tinha uma maior liberdade, fazendo com que (re)surgissem novos partidos, como o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que foi posto no lugar do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o Partido Democrático Social (PDS) que substituiu a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido dos 11 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei Orgânica dos Partidos Políticos, Nº 6.767 de 20 de dezembro de 1979 – Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6767.htm 23 Trabalhadores (PT). Esses “novos” partidos começam a montar esquemas para mobilizar a população e obter o seu apoio, como os movimentos de “Diretas Já”, dentre outras. As críticas ao governo ditatorial intensificam-se cada vez mais, os povos saem às ruas exigindo direitos sociais, objetivava-se ter uma maior participação na política e eleições diretas. Sendo assim, em 1985 se tem uma intensificação do processo de redemocratização brasileira, onde já se podia debater e participar político/socialmente. É o início de uma nova república, que deveria ter sido governada por Tancredo Neves, porém, o mesmo vem a falecer e quem assume é o seu vice, Jose Sarney. Em 1989, depois de 21 anos, se tem uma eleição direta para presidente. Essa eleição tornou-se um marco histórico, significou o ápice dessa redemocratização, foi à primeira após mais de duas décadas de regime militar e marcou o confronto entre dois ideais político- ideológicos distintos, além de ocorrer logo após a promulgação da Constituição de 1988, que representou avanços importantes nos direitos trabalhistas e proteção social, essa constituição, aparentemente, pensava nas minorias, por conta disso, introduziu penalidades rigorosas para discriminações contra mulheres e negros, nela se pregava a igualdade. A campanha de 1989 iria refletir a expectativa do eleitorado, das lideranças políticas e da imprensa em torno da escolha de um governo que, enfim legitimado pelas urnas, seria capaz de promover as mudanças que a sociedade aguardava. 24 2. UMA ELEIÇÃO MIDIÁTICA Grande parte dos veículos de comunicação de massa adotou uma postura agressiva perante a candidatura de Lula, defendendo arduamente o programa neoliberal proposto por Collor. Articularam sua candidatura, “apadrinharam-no” politicamente, tornando-se uma das peças fundamentais para a chegada de Collor a presidência. Fonseca (2013) debate sobre como estava explicito que, todos aqueles que se opusessem aos ideais liberais seriam desqualificados, criminalizados e deslegitimados, devido ao processo autoritário e arrogante dos periódicos. Para o autor, o que se viu na imprensa brasileira foram fundamentalmente simplificação, divulgação e militância político-ideológico. De acordo com o mesmo,os jornais são peças fundamentais para se compreender a disputa ideologia que ocorria durante a campanha de 1989, tornando-se uma forte e poderosa organização, que, simultaneamente, recebia, elaborava e divulgava ideias neoliberais, sendo assim, a imprensa era capaz de propagar uma ideia ou opinião, e exercer influência sobre a população, servia como um aparelho de manipulação de interesses e intervenção social. “(...) a grande imprensa é aqui considerada a instituição que, nas sociedades complexas, é capaz de simultaneamente publicizar, universalizar e sintetizar as linhagens ideológicas. Isso porque a periodicidade diária (que lhe confere mais agilidade do que as revistas semanais), com todo o aparato das manchetes, editoriais, artigos, charges, fotos, reportagens, dentre outros recursos, possibilita aos jornais uma influência sutil, capaz de sedimentar (...) uma dada idéia, opinião ou representação. Não bastasse isso, as trincheiras ideológicas (ocupação das instituições produtoras de cultura, entendida como visão de mundo), no contexto de uma guerra de posições (busca do poder por meio da conquista cumulativa de espaços ideológicos no interior da esfera cultural/ideológica), são particularmente expressas nos jornais.” (FONSECA, 2006, p. 02 – 03). É imprescindível que se compreenda que a mídia gera uma reação em cadeia, ela objetifica a veiculação de ideologias, onde esses sistemas ideológicos vão agradar determinadas classes sociais, que consequentemente iram influenciar na "opinião pública12", e assim, ajudar a legitimar um poder dominante. Dessa forma, a imprensa torna-se uma entidade que tem por objetivo a propagação de ideais hegemônicos, logo, é denominada de “aparelho privado de hegemonia13”. Para Capelato e Prado (1980), os grandes veículos de comunicação de massa são 12 Expressão estratégica utilizada pela mídia para encobrir interesses particulares e privados. 13 Para Coutinho (1994), esses aparelhos são organismos sociais, onde, a adesão não é forçada, e sim voluntária. Por fazerem parte integrante das relações de poder na sociedade, tem uma ampla dimensão pública e modelam o conceito de grande parte dos indivíduos. 25 politicamente ideológicos, e devem ser entendidos, “fundamentalmente, como instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social.” (CAPELATO e PRADO, 1980, p. 19). As mídias em geral se mostram como um lugar onde se mistura as figuras públicas com as privadas, em que “os direitos dos cidadãos se confundem com os do dono do jornal. Os limites entre um e outros são muito tênues.” (CAPELATO, 1988, p. 18). Pois, a imprensa, pelo seu fácil acesso, é uma das instituições mais úteis para a propagação, fixação e reprodução de ideais/conteúdos. Os meios de comunicação são os principais mediadores entre a informação e a comunicação, logo, se a informação não chega à opinião não sai. Dessa forma, a mídia, principalmente os jornais, acaba por ocupar um lugar de destaque em uma sociedade, em que os discursos, identidades culturais, comportamentos e o próprio desenvolvimento social, são construídos a partir do interior de sistemas midiáticos que “definem” de modo eficiente os parâmetros “adequados” de interação social de quem vai ler. Havia uma grande quantidade de jornais, por todo o Brasil, que partilhava de ideias Neoliberais, portando, a repercussão desses ideais era extremamente acentuada. A candidatura de Luís Inácio Lula da Silva era vista como arcaica e um atraso para o progresso do País, e mesmo que, de forma sucinta e subliminar, mostravam-se a favor de Fernando Collor. A candidatura de Collor nas eleições se tornou o foco dos principais veículos de comunicação, como O “Grupo Globo”, que abraçou a eleição de Collor, e por diversas vezes colocava Collor como superior e melhor estruturado que Lula, os vídeos dos debates eram manipulados, para que, em determinados momentos Lula falasse coisas que o prejudicavam e fortaleciam a candidatura de Collor. As coberturas das campanhas, dos comícios do Lula eram feitas para que se parecessem passeatas pequenas, e as do Collor eram feitas para parecerem passeatas grandes. Todas as notícias a favor do Collor eram positivas e as do Lula eram negativas, a mídia fez com que Collor se parecesse um candidato melhor e mais digno do cargo, as edições feitas nos debates entre os dois, eram a construção ou a desconstrução de um candidato à construção de uma candidatura, a candidatura que eles queriam, dessa forma, entende-se que a imprensa influiu muito na eleição. Segundo Marra (1999), Collor foi um dos candidatos que mais ocupou o espaço proporcionado pela mídia com um discurso verbal e gestual que viria a se mostrar vitorioso na conquista do eleitorado. Fora eleito três anos antes governador de Alagoas, mesmo sem contar com máquina partidária significativa e militância nos estados, pois sua candidatura estava abrigada na legenda do Partido da Renovação Nacional (PRN), de escassa representação no Congresso. Collor fez sucesso na mídia, vinha sendo apresentado nacionalmente pela mídia 26 como “Caçador de Marajás14”, bateu seus concorrentes nos dois turnos e se tornou o primeiro presidente eleito diretamente no Brasil, depois de Jânio Quadros. A partir de então, criou-se uma “pseudo ilusão” sobre ele, provocando uma falsa esperança de que o presidente colocaria em funcionamento as engrenagens das políticas sociais voltadas para classe trabalhadora. Tinha-se a expectativa que Collor resolveria os clássicos problemas da sociedade brasileira. O governador do pequeno e pobre estado de Alagoas, em junho de 1987, já era figura de projeção nacional, tinha aparecido na capa da revista Veja, como “o caçador de marajás”. Por conta dessa projeção, foi convidado para gravar um programa da série “Confidencial” na TV Paraíba. Essa emissora retransmitia os sinais da Rede Globo de Televisão em Campina Grande. Em almoço na casa do industrial José Carlos da Silva Júnior, proprietário da TV Paraíba, o governador de Alagoas perguntou a outro convidado ilustre, Edson Arantes do Nascimento, se ele se candidataria à Presidência da República. Nêumane afirma que Pelé negou a possibilidade e revidou que “com essa fama toda de caçador de marajás”, Collor é que seria um fortíssimo candidato. O governador respondeu que talvez se animasse com a ideia, ao que Pelé prometeu poder contar com o voto dele. Em outra ocasião, Fernando Collor testou sua popularidade ao buscar, na sede da Volkswagen, (...) Os operários aplaudiram e cumprimentaram o valente “caçador de marajás”. Com isso o Brasil, começou a tomar conhecimento do mais espetacular fenômeno de popularidade política da história brasileira. (MARRA, 1999). Estudos coordenados pela sua equipe de campanha procuravam verificar, através das pesquisas de opinião pública do Vox Populi o comportamento do eleitorado. Nessas pesquisas, apurou-se que o eleitor se encontrava desiludido com a antiga geração de políticos que não mais respondiam a expectativas das necessidades da população. Para Lattman-Weltman (1994), esse fato, consubstanciado, aos interesses da elite, mostrou o Collor como grande fenômeno de popularidade nunca visto no país que atraía as atenções dos eleitores com suas fantásticas atuações teatrais. O então governador de alagoas era dono de empresas de mídia, portanto, tinha uma experiente eloquência, embarcou no personagem que era vendido pela mídia e construiu sua imagem utilizando como base os critérios que o povo almejava. Collor, construía seus discursos de forma que refletisse os anseios da imprensa e do povo, o que os agradava e, dessa forma, os veículos de comunicação e a própria sociedade apoiava cada vez mais o seu governo. Para Marra (1999), a propaganda reunida em torno do presidente trabalhava a imagem caridosa epreocupada com os interesses da nação, isso fez com que sua eleição fosse altamente 14 Collor recebeu esse apelido da imprensa por ter adotado medidas contrárias aos interesses de funcionários alagoanos de altos salários (MARRA, 1999). 27 midiática. E, após um tumultuado segundo turno, em que, na véspera da eleição, Collor e Lula estavam empatados, a mídia consegue vender a imagem do “Caçador de Marajás” e Collor vence as eleições pela coligação Movimento Brasil Novo (PRN, PSC, PTR E PST) com cerca de 35 milhões de votos, ou 42,75%, deixando como segundo colocado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da coligação Frente Brasil Popular (PT, PSB E PC do B) que ficou com 31 milhões de votos ou 37,86% (ALMEIDA, 2015). Os números evidenciam, por conseguinte, a presença fundamental da mídia que usou os veículos de comunicações, sobretudo da televisão, como estratégia associar a imagem de um membro da burguesia alagoana como o homem capaz de vencer o histórico problema da corrupção no país. Os “mídias” são parte integrante da vida social e política das sociedades modernas. Sua função é principalmente fornecer uma representação da vida cotidiana, da vida em comunidade. E essas formas de representação; por sua vez afetam profundamente a conduta da política e o caráter da interação social. (MARRA, 1999, p. 103). Em 16 de março de 1990, no dia seguinte de sua posse, para cumprir com a promessa de acabar com a inflação, o presidente implanta o “Plano Collor” ou “Plano Brasil Novo” que consistia em reter 80% da poupança de cada brasileiro no Banco Central, prometendo a devolução em 18 meses, o que gerou um choque na população, mas, cansada das altas inflações, a sociedade estava disposta a pagar um preço, mesmo que alto, se isso realmente resolvesse o problema. E é o que ocorre, só que, por um curto período. De acordo com Rocha, no artigo “Base Monetária e Inflação no Brasil na década de 90”, no fim de 1990, a inflação estava em 1.699,87%; já em 1991 esse índice estava em 458,38%. Porém, no ano seguinte, a inflação chega a 1.174,67%. O Brasil encontrava-se em uma situação pior do que a do ano anterior, pois, mesmo com alta inflação, a economia estava crescendo, já em 1991 a economia estagna e depois diminui, causando uma recessão com hiperinflação. Acarretando em uma grande insatisfação popular que já não enxergava mais o governo com bons olhos. 28 3. POLÍTICA NEOLIBERAL E O ESQUEMA PC FARIAS. O neoliberalismo15 tem como seu marco inicial dentro do território brasileiro o início do governo de Fernando Collor, que através de uma doutrina político-ideológico neoliberalista, passa a propagar discursos de que, a única solução para resolver a crise econômica vivida no Brasil devido à "década perdida16", era a implementação de uma política Neoliberal. De acordo com Martuscelli (2010) o presidente que se elegeu prometendo modernizar o país, acabar com a inflação e “caçar” marajás e corruptos acabou por aprofundar ainda mais a crise no País. Essa política neoliberal tratou de reduzir os investimentos públicos nas áreas consideradas estratégicas para desenvolvimento como a saúde e educação que tiveram seus investimentos reduzidos drasticamente, pois o Estado, segundo essa concepção econômica e de investimento de capitais é visto como mau gestor do dinheiro público, justificando assim, o enxugamento das responsabilidades do governo. A mesma justificativa se aplica as empresas e órgãos públicos, que foram privatizadas com a desculpa de que haveria um melhoramento do serviço e rendimento de lucros. Foi percebendo-se que as promessas que Collor pregou durante a campanha, não passavam de utopias, que estavam longe de serem realizadas. No governo de Collor, começam a surgir Planos Econômicos que congelam preços e não permitem poder de compra aos trabalhadores, além do confisco dos investimentos na caderneta de poupança por mais de dezoito meses, o que desagradou, imediatamente, aqueles que outrora lhe deram apoio. Atrelado a esse fator, escândalos políticos e financeiros começaram a surgir e comprometer a imagem do executivo. Collor tornou-se um presidente feito e desfeito pela imprensa, pois, a mesma que cooperou para a sua vitória, contribuiu para o seu impeachment. 15 No final da guerra fria, surge uma doutrina socioeconômica, denominada de neoliberalismo, onde se tinha os antigos ideais do liberalismo, mas, moldando-o aos ideais do capitalismo moderno que estava se “reinventando”. Segundo Oliveira (1995), no neoliberalismo há pouca intervenção do estado na economia, objetivava-se ter uma maior estimulação do desenvolvimento econômico, maximização dos lucros e enxugamento da máquina pública. Devido a isso, a partir da década de 90 começam a ocorrer uma série de privatizações, onde empresas, setores públicos são vendidos, para assim poder reduzir os gastos governamentais, enquanto se tinha um grande lucro dentro das empresas, além disso, se tem uma abertura comercial e financeira, menores investimentos em políticas assistencialistas e de infraestrutura básica (OLIVEIRA, 1999). Entretanto, essas medidas fizeram com que houvesse um aumento da desigualdade social vivida no país, o que gerou insatisfação popular. 16 Refere-se à década de 1980, quando houve uma estagnação econômica por toda a América Latina, acarretando em uma grave crise econômica, com um alto nível de desemprego, miséria, baixo crescimento ou queda do PIB, inflação elevada ao extremo, aumento da dívida externa, etc. (SALLUM JR, 1991). 29 Em 10 de maio de 1992, a revista Veja publica o depoimento de Pedro Collor, irmão de Fernando Collor, em que o mesmo denuncia os esquemas de corrupção que Collor estava envolvido, esse depoimento foi o estopim para o impeachment do presidente. No dia 11 de maio de 1992, a mesma revista divulga um dossiê que apontava que, Paulo César Farias, tesoureiro da campanha do presidente, movimentava milhões de dólares em paraísos fiscais, além de ser proprietário de sete empresas no exterior. No dia 18 de maio de 1992, Pedro Collor em entrevista ao Jornal Do Brasil17 afirma que o presidente era conivente aos esquemas feitos por PC Farias. “(...) O empresário Paulo César Farias montou, em nome do Presidente da República, um verdadeiro ministério paralelo para cobrar “pedágio”, ou participação irregular sobre a liberação de verbas públicas. (...) O Fernando fez pacto com aquele crápula para me destruir. Para Fernando atingir seus fins, pouco importa os meios. Como o dinheiro usado pelo PC foi roubado, extorquido, levantado fraudulentamente, não há como evitar que recaía sobre o presidente a suspeita de conivência, responsabilidade, ou, no mínimo, omissão. Afinal, ele está junto com o PC nessa empreitada. (...) Esse é o meu objetivo de vida no momento. Depois de ver o PC na cadeia eu posso até morrer, porque morro satisfeito.” 18 O documento nos leva a crer que Pedro Collor estava focado em fazer com que PC Farias pagasse por seus crimes, como pode-se perceber no trecho “Esse é o meu objetivo de vida no momento. Depois de ver o PC na cadeia eu posso até morrer, porque morro satisfeito.”. Em meio a essas acusações, no dia 26 maio, o então presidente Fernando Collor, divulga uma carta negando todas as acusações do irmão. Entretanto, no mesmo dia é instaurada no Congresso uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denuncias feita a Paulo César Farias. No Relatório de nº 52 de 199219, consta a síntese do depoimento de Pedro Collor: “Depois de conceder duas entrevistas à revista Veja, o Sr. Pedro Collor de Mello foi ouvido, a 04 de junho, pela CPI, informando que o Sr. Paulo César Cavalcante Farias enriqueceu, em poucos anos, servindo- se de informações privilegiadas queseu relacionamento com o então Governador de Alagoas lhe propiciava, explorando o prestígio emergente desta relação e apelando para a extorsão e a chantagem, (...) tendo o Sr. Fernando Collor de Mello assumido a Presidência, o Sr. 17 Tradicional jornal do Estado do Rio de Janeiro, fundado em 1891. 18 Pedro Collor faz acusações ao presidente. Jornal do Brasil. P. 4. Cad. 1º. 18 de Maio de 1992. Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/030015/per030015_1992_00040.pdf 19 Relatório instaurado para apurar os esquemas ilícitos envolvendo Paulo César Farias, devido às sucessivas denúncias feitas por Pedro Collor de Mello em entrevistas a jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão. 30 Paulo César Cavalcante Farias aprimorou e intensificou seus métodos de exploração. Já no primeiro semestre de 1990, os empresários Jefferson Araújo e Laíse de Freitas teriam sido abordados pelo Sr. Jorge Waldério Tenório Bandeira de Mello, piloto do Sr. Paulo César Farias, tentando submetê-los a extorsão. Ciente disso, o declarante transmitiu o fato ao Sr. Cláudio Francisco Vieira, secretário particular do Presidente. Além disso, alertou o próprio Presidente, seu irmão, dizendo-lhe que o (...) Sr. Paulo César estaria tentando destruir as empresas da família Collor em Alagoas, fundando empresas jornalísticas que pagava salários quatro a seis vezes superiores aos praticados na economia local. Em conversa com o Sr. José Barbosa de Oliveira, o governador Moacir Andrade e o Sr. Carlos Mendonça, em diferentes ocasiões, o Sr. Paulo César Cavalcante Farias teria dito que mantinha uma sociedade informal com o Presidente da República, a quem transferia 70% dos lucros. (...) investigações posteriores (...) encontraram evidências sobre essa relação, verificando-se que efetivamente o Sr. Paulo César financiava, inclusive através de "contas fantasmas", despesas pessoais do Presidente da República. O Sr. Pedro Collor de Mello teria sido informado a respeito dessa sociedade informal em meados de 1991. (...) [Pedro Collor] mencionou que o Sr. Paulo César teria recebido dos Usineiros de Alagoas 12 milhões de dólares para intermediar negociação com o Governo do Estado, a pretexto de que o dinheiro seria destinado à campanha presidencial”. (Relatório de nº 52 de 1992. Capitulo I - Síntese dos Depoimentos - Depoimento do Sr. Pedro Collor de Mello - p. 59 e 60). Na investigação do relatório citado acima, Pedro Collor deixa claro como estava insatisfeito com a postura do irmão diante do que o empresário alagoano vinha fazendo. No decorrer do relatório foi descoberto que, durante a campanha, PC Farias arrecadou milionárias contribuições de empresários, e após a vitória de Collor, o que restou do dinheiro da campanha, somado a uma quantia relativamente grande, obtida através de transações com usineiros, foi depositado na conta da empresa de PC Farias. De acordo com Gasparetto Júnior, ao longo do governo, diversas decisões do presidente foram influenciadas por PC Farias, que tinha uma espécie de “poder paralelo” tanto no Banco Central, quanto no Palácio do Planalto. Se fosse realmente comprovado o envolvimento de Collor e PC, a probabilidade de o presidente ser inocentado e continuar no cargo eram ínfimos. O jornal O Liberal, vai tratar: Se ficar comprovado o envolvimento do presidente Fernando Collor no esquema PC Farias, haverá unanimidade entre a Câmara dos Deputados e Senado para aprovar o impeachment. Não tem outro jeito. Haverá um consenso dentro da própria sociedade e nem um parlamentar poderá ir contra as provas.20 20 Unanimidade pode levar a "Impeachment". O Liberal. P. 08. Cad. Política. 13 de julho de 1992. 31 Não havia esperanças para o presidente, faltava apenas algo concreto que o ligasse a PC Farias, para que sua presidência efêmera caísse de vez. E quando, ao longo da investigação, foi constatado que PC Farias e Collor, estavam conectados a grandes esquemas de corrupção. Baseando está conexão no descobrimento do recebimento de grandes quantias em dinheiro, e outros bens que não tinham origem lícita, por parte do próprio presidente e outros. O povo revolta-se ainda mais com o governo e passam a clamar a destituição do presidente através de passeatas que começam a ocorrem por todo o território brasileiro. Além disso, essas manifestações começam a ter o apoio de entidades respeitadas socialmente como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e a Associação Brasileira de Imprensa – ABI que também apoiavam o impeachment do presidente. Deste modo, no dia 1º de setembro de 1992, Marcello Lavenere Machado, presidente da OAB e Barbosa Lima Sobrinho, presidente da ABI, apresentam um pedido de impeachment a câmara dos deputados. Como consta na petição contra Collor, intitulada: “Denúncia por crimes de responsabilidade contra o Sr. Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello, oferecida pelos cidadãos Barbosa Lima Sobrinho e Marcello Lavenere Machado”21 em que denunciavam o Presidente da República, (...), por infração aos arts. 85, IV e V, da Constituição Federal, e 8º, 7, e 9º, 7, da Lei nº, 1.079, de 10 de abril de 1950, requerendo que, recebida esta como objeto de deliberação, e admitida nessa Câmara dos Deputados a acusação ora formulada, seja a mesma remetida ao Senado Federal, onde será julgada, com o reconhecimento de sua procedência, para aplicar ao denunciado a pena de perda do cargo, com inabilitação por oito anos para o exercício de função pública. (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 03/09/1992. P. 20) Nota-se que Collor foi denunciando com base no Inciso 7 do Artigo 8º e no Inciso 7 do Artigo 9º da Lei nº 1.07922. Como a lei exige que se se apresentem provas da acusação, os presidentes exibiram as evidências colhidas no relatório da CPI de PC Farias. Segundo a petição: (..) desde 15 de março de 1990, o denunciado, pessoalmente, bem como alguns de seus familiares – a mulher, a ex-mulher, a mãe – receberam indevidamente vultosas quantias em dinheiro, além de outros bens, sem indicação da origem lícita dessas vantagens. Essas transferências de 21 República Federativa do Brasil. Diário do Congresso Nacional. Denúncia por crimes de responsabilidade contra o Sr. Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello, oferecida pelos cidadãos Barbosa Lima Sobrinho e Marcello Lavenere Machado. Suplemento nº 143 - 03 de setembro de 1992. Brasília, DF. 22 República Federativa do Brasil. Lei dos Crimes de Responsabilidade. Nº 1.079, de 10 de abril de 1950 – Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htm 32 dinheiro e de bens eram feitas reiteradamente, seja mediante depósitos em conta bancária da secretária particular do denunciado e de seus familiares, seja mediante pagamentos diretos a empresas que venderam alfaias para guarnecer a residência particular do Presidente, ou que prestaram serviços de empreitada neste ou em outro imóvel de seu uso ou propriedade (...). Não bastasse essa conduta indecorosa, constatou- se, ademais, que todos esses recursos, assim carreados ao patrimônio do Presidente da República e de seus íntimos, provieram de uma organização delituosa de exploração de prestígio e tráfico de influência, controlada por Paulo César Cavalcante Farias. (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 03/09/1992. P. 07) Através das provas expostas acima, os presidentes da OAB e ABI acusaram Collor de permitir a infração de lei federal e de atentar contra o decoro do cargo. A falta de decoro, a saber, a desordem e imoderação de vida, a ligação com pessoas desonestas, o recebimento de vantagens indevidas, representa aquela traição e abuso da confiança pública, (...) [dessa forma] justificadora do "impeachment" presidencial(...), o Presidente da República, diante do recebimento injustificado de vultosas quantias por meio de correntistas "fantasmas", e diante do fato notório do tráfico de influência exercido por Paulo César farias, apesar de muitas vezes alertado, como se vê no relatório da CPI, omitiu-se no cumprimento de seu dever básico de zelar pela moralidade pública, valor primacial que deve, segundo a Constituição federal, presidir a Administração. (...) Houve-se portanto, o Presidente da República, com grave omissão, permitindo tácita ou expressamente infração a lei federal de ordem pública; os depósitos em sua conta e em benefício de seus familiares, por meio de correntistas "fantasmas", constituíram evidente sonegação fiscal e falsidade documental (...) Assim sendo, houve por parte do presidente da república, infração ao disposto no art. 8º, 7, da Lei nº 1.079/50, ao permitir, com sua omissão, de forma tácita ou expressa, infração a lei federal de ordem pública, ou seja, afronta a leis penais, administrativas e tributárias. (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 03/09/1992. P. 14, 16, 17 e 18) Ou seja, Collor seria deposto porque, mesmo estando ciente dos grandes esquemas de corrupção que ocorria ao longo de seu governo, sendo frequentemente informado sobre as atitudes de PC Farias, o presidente manteve uma postura omissiva, dessa forma, foi acusado pelos crimes de corrupção passiva e prevaricação, acarreando em um crime de responsabilidade. Que, posteriormente causaria seu impeachment, caso o mesmo não tivesse renunciado. O jornal O Liberal vai definir “crime de responsabilidade” como aquilo que representa: (...) infrações político-administrativas, definidas em Legislação Federal, cometidas no desempenho da função, que atentam contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado e dos 33 direitos políticos, individuais e sociais, a segurança interna do país, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e decisões judiciais. A prática desse ilícito político-administrativo, legítima a imposição de sanção política, submetendo-se, inteiramente, ao princípio da reserva legal ou da tipicidade em que é nulo o crime sem a lei prévia. (...), todavia o processo de apuração dos crimes de responsabilidade não conduz à aplicação de pena criminal, mas a declaração ou não, somente, do impedimento para o exercício da função pública exercida. O julgamento pelo Poder Legislativo constitui medidas político-administrativa, consistente no afastamento ou não do acusado do cargo que ocupa e sua subsequente inabilitação temporária para a função pública23. Neste sentido, o jornal vai explicar a população o significado de crime de responsabilidade e suas consequências. Nota-se como a mídia utilizava-se de varias formas para tornar visível ao grande público o que estava ocorrendo. Conceituavam desde o significado de algo, até a divulgação das negociatas do presidente e PC Farias. Isso fez com que a sociedade tomasse ciência dos grandes esquemas de corrupção em que o presidente estava envolvido, e se manifestasse contra sua permanência no cargo, fazendo com que, até mesmo organizações, que antes mostravam apoio ao presidente, agora discorrem sobre como a melhor solução para a Nação seria que o presidente renunciasse. O Jornal O Liberal vai tratar: (...) O Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) endossou e reiterou, a posição da diretoria da entidade, que em nota publicada no dia 30 de junho disse ser "necessária à renúncia do presidente Collor" (...) a nota foi emitida porque a diretoria achava que a renúncia do presidente poderia tranquilizar a Nação. "Ela agora está superada pelos fatos porque o próprio presidente disse que não renuncia", (...) "Agora temos que achar novas formas de lutar pelo mesmo objetivo. As denúncias não podem ser apuradas com o presidente no exercício do cargo" (...) [a SBPC] no passado, "denunciou e lutou contra o arbítrio, a censura, perseguições e discriminações políticas, torturas e violência em geral". (...) "o país assiste, estarrecido, uma sucessão de denúncias que atingem diretamente o presidente e alguns de seus auxiliares mais próximos. A gravidade das evidências trazidas à luz pela imprensa abala a dignidade da República".24 Através do periódico acima, compreende-se que a organização de desenvolvimento cientifico estava altamente insatisfeita com o governo, como fica explicito no trecho “Agora temos que achar novas formas de lutar pelo mesmo objetivo”, entendendo-se que este objetivo seria a retirada de Collor da presidência, já que o mesmo disse que não iria renunciar, neste 23 O impeachment por crime de responsabilidade. O Liberal. P. 07. Cad. Opinião. 12 de julho de 1992. 24 Conselho defende renúncia de Collor. O Liberal. P. 03. Cad. Cidades. 13 de julho de 1992. 34 sentido, a SBPC deixando claro que acharia outros meios para concluir o que queriam. A organização chega a traçar um paralelo entre o governo neoliberal de Collor e sua luta contra os tempos sombrios do período da ditadura civil militar, dizendo que, a SBPC “denunciou e lutou contra o arbítrio, a censura, perseguições e discriminações políticas, torturas e violência em geral” e que, por conta desses fatores, não iria recuar diante do governo do então presidente, pelo contrário, iria afrontá-lo, e defender a nação que agora, que agora tinha livre acesso as “evidências trazidas à luz pela imprensa”. Evidências essas, que continuaram sendo trazidas a público, onde houve até uma cobertura jornalística em que pautava a própria ação da CPI. Aproxima-se a grande final dos trabalhos na CPI do Congresso criada para investigar o envolvimento de PC Farias com o governo Collor de Mello, junto ao qual teria praticado largamente o tráfico de influência. O ex – tesoureiro da campanha eleitoral do presidente transformou-se no seu coveiro. No curso prolongado das investigações surgiram constatações surpreendentes e cabeludas, principalmente nestes últimos dias, com a revelação de contas bancárias bilionárias de correntistas fantasmas, referentes a negócios ocultos (...).25 Percebe-se que o jornal se utiliza do substantivo “Coveiro” para falar da relação entre Collor e PC, pois, de certa forma PC contribuiu para a queda de Collor. Com o poder que PC Farias tinha em mãos, o empresário manipulou os contratos brasileiros indicando funcionários para criar documentos falsos e criar contas fantasmas para onde iriam as verbas públicas que deveriam ser utilizadas nos setores da educação, saúde, segurança e previdência social. Com o desenrolar da CPI, foi possível perceber como, o julgamento feito ali, não tinha como função exclusiva, analisar PC Farias, mas sim, todos aqueles envolvidos nesse esquema, incluindo o próprio Presidente da República. De acordo com o jornal O Liberal26, “a CPI instaurada para julgar PC Farias era uma farsa, esse nunca foi seu principal objetivo. Ela foi instalada para atingir diretamente o presidente Collor e o fez por vias obtusas. E os governistas tinham ciência disso”, no entanto, em momento algum, os mesmos, se quer, contestaram o teor das denúncias contidas no relatório, sejam aquelas que comprovavam o envolvimento de PC Farias aos crimes de corrupção, tráfico de influência, sonegação fiscal, remessa ilegal de divisas ao exterior e formação de quadrilha, ou as que relacionavam o presidente a esses crimes por omissão ou corresponsabilidade, entendendo-se que, se o presidente foi citado no relatório porque as provas do seu envolvimento eram contundentes. As atitudes de Collor fizeram com que ele fosse parar no relatório, sem ajuda ou influência de alguém. 25 Collor e o fantasma do Impeachment. O Liberal. P. 15, Cad. 1º, 20 de agosto de 1992. 26 CPI aprova relatório
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