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Metodologia Científica - RESUMO

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Metodologia Científica
CAPÍTULO 1: O conhecimento científico
Para compreender o caráter do conhecimento científico, podemos começar com um jogo de perguntas e respostas, como a seguir. 
PERGUNTA: Podemos confiar no conhecimento científico? 
Nem sempre, pois essa expressão, muitas vezes, é apenas uma etiqueta usada para dar credibilidade a uma afirmação, como as que se encontram em rótulos de produtos de limpeza e cuidados com o cabelo, pele e saúde, por exemplo. 
PERGUNTA: Como saber se é apenas uma etiqueta?
Uma pista é o uso de expressões como comprovado cientificamente para nos persuadir acerca da boa qualidade de alguma coisa sem apresentar as fontes ou evidências que sustentam a alegação de cientificidade. Nesse caso, desconfie. 
Frequentemente encontramos afirmações de que certo produto garante a cura disso ou daquilo, que foi desenvolvido cientificamente por fulano, mas que a ciência oficial e os laboratórios farmacêuticos não aprovam porque ganham dinheiro com um produto similar ou por serem conservadores. 
Mais uma vez, é preciso desconfiar. É um truque antigo, em vez de mostrar o valor de algo, atacam-se os que mostram que é inócuo ou pernicioso. Outro truque antigo é fazer uma caricatura da posição dos adversários, pois assim fica mais fácil destruí-la. Essa maneira de proceder foi denominada falácia do homem de palha. 
CURIOSIDADE: Atualmente, a expressão homem de palha não é muito clara, salvo se lembrarmos de que na Idade Média os cavaleiros treinavam para as guerras usando um boneco de palha como oponente. A palavra falácia deriva do latim, que significa falhas, enganos dos mais diversos. Podemos estender a noção e acrescentar um termo: são as falácias argumentativas. Há uma falácia muito comum: do consequente afirma-se o antecedente, que geralmente tem origem na percepção. Por exemplo, como depois da chuva o chão fica úmido, então quando nos deparamos com a umidade no solo dizemos que choveu. O consequente, a umidade do solo, não decorre necessariamente do afirmado, a chuva, pois há outras possibilidades que levam o solo a ficar úmido.
PERGUNTA: Certo, mas podemos recorrer ao Google, por exemplo, para encontrar as referências que faltam e verificar a validade da informação de que o tal produto foi cientificamente comprovado, não é?
Podemos, mas como saber se as afirmações encontradas são cientificamente sustentáveis? Será que esses mecanismos de busca têm filtros para selecionar a validade dos argumentos? Claro que não, nós precisamos avaliar, discernir. é preciso selecionar o que tem valor.
Atenção: Este raciocínio é circular: a pessoa é confiável porque confiamos nela, mas não se diz por que confia. O raciocínio circular é um engano argumentativo ou lógico denominado petição de princípio (ver Weston, 2005, referência completa ao fim do capítulo).
Certo, confiamos em nossos professores e em outros especialistas das disciplinas vinculadas à informação que recebemos; se for de Biologia, perguntamos ao professor de Biologia, por exemplo. Simples. Mas será que seu professor estudou aquele assunto específico para poder dar um parecer acerca da validade da comunicação que se apresenta como científica? 
Não sabemos. Mas ele dirá se estudou ou não. Não podemos duvidar da integridade de nossos professores. Não é duvidar da integridade de seu professor, mas ter em mente que nem sempre ele domina aquele assunto em que você está interessado. 
REFLEXÃO
Nesse caso, é preferível confiar nas comunicações publicadas em periódicos científicos referendados pela comunidade de cientistas do que nas de divulgação e outras similares. Essa confiança procede do modo de operar das editorias dos periódicos científicos: cada artigo é avaliado por, pelo menos, dois cientistas independentes que dão seus pareceres favoráveis ou não à publicação. Mas só isso não é suficiente. Depois de publicado, outros cientistas avaliam a comunicação e procuram verificar a sua validade e pertinência, às vezes replicando a pesquisa, isto é, refazendo o mesmo percurso e usando as mesmas técnicas que o autor disse ter empregado, para verificar se chega aos mesmos resultados.
PERGUNTA: Então, só depois da reavaliação pelos cientistas pode ser admitido um conhecimento como sendo científico?
Exatamente. Por isso, uma das etapas mais importantes no trabalho dos cientistas é o que se denomina revisão bibliográfica, publicada em periódicos especializados. Cabe, aqui, uma dica: leia atentamente as revisões bibliográficas ou os estados da arte, de preferência as mais recentes, pois neles são apresentados os estudos de interpretações anteriores atualizadas, que confirmam ou eliminam argumentos até então admitidos. No decorrer deste livro, você aprenderá mais sobre isso.
PERGUNTA: Já ouvi dizer que, no fundo, os cientistas sempre defendem suas posições, buscam manter o poder e o status entre seus colegas, e que não há como escapar dessas disputas. Assim, dizem, a decisão em torno da validade dos argumentos científicos não é racional, mas subjetiva. É isso mesmo?
Ah! Sim. Você está se referindo a uma corrente que se autodenomina pós-moderna, construtivista social ou relativista, cujos defensores alegam não haver critérios objetivos para decidir a respeito do valor das teorias. 
Essa posição tem como ponto de partida os estudos de Thomas Kuhn acerca da substituição de uma teoria científica por outra. Kuhn examinou essa questão no âmbito da Física em seu livro A estrutura das revoluções científicas, no qual afirma que as teorias são deixadas de lado por não serem capazes de resolver suas anomalias, ou seja, os casos em que suas explicações não se aplicam ao observado (experimentos). 
Em uma ciência madura, segundo Kuhn, os cientistas procuram resolver o quebra-cabeça representado pela dificuldade de relacionar a teoria dominante com os fatos observados e, caso não consigam, surge uma nova teoria, supostamente mais eficaz do que as anteriores. Kuhn denominou paradigma o acordo entre os cientistas acerca do que consideram ser os argumentos e modos de fazer apropriados para desenvolver a nova teoria, ou seja, a sua matriz disciplinar, que se encontra nos manuais e livros didáticos. 
RESUMO
Para Kuhn, a adoção de uma nova teoria não depende da validade de seus argumentos, mas da adesão de novos cientistas. Por outro lado, os paradigmas não são comparáveis entre si, os critérios do velho não se aplicam aos novos, por isso são incomensuráveis, não podem ser medidos uns pelos outros; logo, não há como dizer se um é ou não superior ao outro. Isto conduziu a um relativismo radical.
COMENTÁRIO: 
O relativismo radical afirma que se os fatos são estabelecidos pelas teorias e estas são de livre escolha dos cientistas, então não há critérios lógicos ou racionais para decidir quanto à validade das teorias, todas têm o mesmo valor. Se for assim, então todo o esforço de Kuhn para apresentar evidências que sustentam a sua narrativa seria um discurso persuasivo para conquistar adeptos, e não um conhecimento confiável. “O feitiço volta contra o feiticeiro”.
PERGUNTA: Mas as ciências são feitas por pessoas que têm interesses e defendem alguma causa, alguma ideologia. Assim, a escolha da teoria está condicionada por suas crenças. Tanto é assim que as teorias defendidas em uma época são deixadas de lado em outra. Não é isso mesmo?
Você tem razão quanto à instabilidade das teorias científicas, bem como quando afirma que os cientistas são pessoas que têm interesses pessoais e sociais. Exatamente por isso é preciso que exista alguma maneira de controlar os interesses pessoais e dos grupos sociais, assim como para afirmar se uma teoria deve ser substituída por outra. 
ATENÇÃO
Recorde-se que uma teoria é composta por um conjunto organizado de argumentos, sendo alguns mais centrais, os ditos fundamentais, sobre os quais os demais se sustentam. Por isso, não há como contraditar teorias, mas se pode contradizer os seus argumentos, especialmente os fundamentais. Contraditar os argumentos de uma teoria para verificar se podem continuar sendo admitidos é o que se dizser problema da validação. 
CONCEITO:
O problema da validação, ou de justificação do que se diz, requer que a contradição não dependa do que essa ou aquela pessoa diga a seu respeito, mas dos procedimentos necessários para eliminar as qualidades contrárias atribuídas ao sujeito de uma proposição, o que é do interesse tanto dos cientistas quanto dos não cientistas na vida cotidiana. 
Como assim? Por que na vida cotidiana teríamos interesse na validade dos conhecimentos? Vamos usar um exemplo para ilustrar a necessidade de validação em uma situação que deve ser de seu conhecimento. 
EXEMPLO:
	TESE
	ARGUMENTO
	CONTRA-ARGUMENTO
	Suponha que alguém seja acusado de ter matado uma pessoa. Se não for possível verificar e validar as evidências acerca desse ato, então o julgamento será inteiramente subjetivo, ou seja, dependente do que cada um considera verdadeiro. 
	Certo, mas no judiciário um criminoso pode ser considerado inocente porque tem recursos para pagar advogados caros, corromper o júri e assim por diante. Logo, não é objetivo.
	Essa afirmação supõe que o réu foi inocentado mesmo sendo criminoso, ou seja, que ele só foi inocentado por ter dinheiro suficiente para corromper o julgamento. Nesse caso, como podemos validar a nossa afirmação de que o réu inocentado era criminoso e deveria ser punido? Não sabemos...
COMENTÁRIO
Este é o problema de validação. Para que outros possam ter a mesma certeza é preciso que haja critérios comuns para examinar os indícios, as evidências e estabelecer uma narrativa que quase todos, inclusive os advogados de defesa, possam concordar que o réu é criminoso. Para estabelecer a legitimidade da acusação são necessários princípios e meios que organizem explicitamente os nossos raciocínios, como veremos a seguir.
Princípios e meios organizadores dos raciocínios ou argumentos
O primeiro é o princípio	da	identidade, o qual requer que o sujeito acusado de um ato seja perfeitamente identificável, caso contrário, não se poderá dizer: fulano (sujeito da frase) matou beltrano (a acusação ou predicado). Esse princípio vale para outros sujeitos das proposições ou frases de acusação, inclusive os relacionados com os seres naturais não humanos e os entes conceituais, como os das matemáticas. 
As disputas entre os cientistas geralmente partem da definição do sujeito de seus enunciados, e estes sujeitos são denominados objetos da pesquisa, uma vez que é o tema o que se quer saber, logo, é o objeto de discussão para dizer o que é alguma coisa. 
Nessa disputa acerca do objeto ou sujeito de um enunciado é preciso obedecer ao princípio	da	não	contradição. Esse princípio aplica-se nas definições formalizadas ou lógicas, que são diferentes das argumentações acerca do que se faz ou das práticas sociais, como as que se dão no âmbito da ética (política). Nesses casos, as disputas se dão em torno de opostos incompatíveis. 
No exemplo de alguém ter ou não ter cometido homicídio é preciso, como foi dito, que o réu seja individualizado (princípio da identidade), depois se houve homicídio (tipificação, que recorre ao mesmo princípio) e que este pode ser legitimamente atribuído ao réu. Nesse, como em outros casos, o sujeito da proposição não pode receber duas qualidades contrárias na mesma situação de acusação, ou seja, deve obedecer ao princípio da não contradição. 
Sendo assim, pergunta-se: Fulano é criminoso ou não é criminoso? O contraditório, seguindo as regras ou normas próprias de cada situação, deve estabelecer qual das alternativas é a mais plausível ou verossímil, ou seja, a que se pode confiar na situação. Caso não se consiga excluir uma das qualidades, então os envolvidos no debate ficam em um beco sem saída, ou aporia (impasse).
COMENTÁRIO
Princípio da identidade: Quando usamos o termo acusação para falar de princípio da identidade, equivale a qualquer afirmação de que o sujeito da proposição é isto ou aquilo, pois predicado ou categoria significam o que se acusa o sujeito de ser. Estabelecer a identidade do sujeito de uma frase pode ser simples na linguagem cotidiana, mas é mais complicado nas Ciências. Isto porque o sujeito do enunciado precisa ser tão bem definido que as qualidades ou predicados que lhes são atribuídos sejam únicos, não podem estar presentes em outros. Por isso, as definições científicas são muito estritas, formalizadas, o que dificulta sua tradução para a linguagem comum. 
COMENTÁRIO
Contradição x incompatibilidade : A contradição, o dizer contra, ocorre quando duas qualidades contrárias são atribuídas ao mesmo sujeito de uma proposição e na mesma situação de acusação. A incompatibilidade, por sua vez, não é um dizer contra, não é lógica, mas quase lógica e se assemelha à contradição. Na incompatibilidade é preciso decidir entre duas proposições que dizem respeito a situações contingentes, ou seja, aquelas que não são absolutas, que dependem das circunstâncias, que são relativas ao que se pretende fazer, às leis naturais ou às decisões humanas. Quer um exemplo? Imagine que você torça pelo time A e seu principal rival é o time B. Em um jogo entre B x C (outro time), é possível que, naquela situação, você torça pelo time C. Isso não é contradição, é uma incompatibilidade que deixou de existir durante aquele jogo específico. 
REFLEXÃO
No judiciário, o beco sem saída favorece o réu; nas ciências, a discussão permanece aberta até que uma solução seja considerada satisfatória ou a melhor possível. 
Por fim, é necessário considerar o princípio do terceiro excluído, o qual determina que apenas duas qualidades podem ser atribuídas ao sujeito da proposição, não há uma terceira em disputa. Sendo assim, é preciso reduzir todas as qualidades contrárias a duas e apenas duas, caso contrário, não há como decidir. 
RESUMO
Em suma, os três princípios fundamentais para estabelecer a verossimilhança, ou seja, as qualidades (predicados ou categorias) atribuídas ao sujeito da proposição e admissíveis na circunstância do debate são: o princípio da identidade, o princípio da não contradição e o princípio do terceiro excluído. 
Por isso, no debate regulamentado é preciso um árbitro que atue, garantindo a lisura dos debates, a pertinência e a validade das evidências, e com poder de veto. 
PERGUNTA: Essa é uma descrição resumida de um tribunal de júri, mas o que tem a ver com as ciências?
Tudo, pois as normas éticas e as do debate a respeito de proposições contraditórias são as mesmas. Os cientistas não inventaram a arte do debate, que foi desenvolvida muito antes do século XVIII, quando as ciências modernas se afirmaram, como você verá no próximo capítulo. Ela se mostrou eficaz para determinar as disputas acerca dos mais variados assuntos humanos, particularmente nos julgamentos de crimes.
ATENÇÃO
Além disso, há um conjunto de normas éticas ou de condutas, sobre as quais destacamos 3 delas: 
	1) Os envolvidos no debate devem ter o mesmo conhecimento do assunto para estabelecer qual é a qualidade pertinente ao sujeito da proposição.
	Para participar do debate científico é preciso conhecer tanto as técnicas necessárias para produzir os conhecimentos, que são as suas proposições, quanto estar atualizado com os seus problemas.
	2) No debate é proibido atacar o adversário.
	Um cientista não vence um debate ao acusar moralmente o seu adversário: quem faz isso mostra que não tem argumentos para enfrentar o oponente.
	3) Qualquer assunto que não tenha vinculação direta com o caso deve ser deixado de fora, vale o que está no processo. 
	Os juízes nessa situação são os outros cientistas que têm as qualificações necessárias para analisar as comunicações e os procedimentos utilizados pelos oponentes.
Algumas pessoas consideram que essas regras restringem demasiadamente a subjetividade. Por isso, elas consideram que as regras do método são uma camisa de força. 
Pense no caso de você ser acusado de um crime que não cometeu. Você reivindicará um julgamento justo, objetivo, não a livre manifestação dos desejos de seus acusadores. De outro lado, você pode ler essas regras pelo avesso:o que hoje é afirmado como necessário expressa os erros de ontem; logo, foram historicamente constituídas.
PERGUNTA: Essa técnica ou arte de debater tem um nome?
Tem, é dialética, qual seja, a arte de estabelecer a verossimilhança ou plausibilidade de argumentos por meio de um debate regulamentado. Ser verossímil ou plausível difere do que se denomina a	verdade, cujo significado comum afirmar se tratar de algo absoluto, em si e por si, independente do espaço e do tempo, que vale sempre, ou seja, que não é relativo. 
As situações sociais e suas técnicas para estabelecer o verossímil
PERGUNTA: Então, os conhecimentos científicos são estabelecidos nos debates?
Isso mesmo, é sempre pelo debate que são estabelecidos os argumentos, e há duas situações em que isso ocorre: a situação dialética e a situação retórica. Uma terceira situação é a da exposição (didascália), na qual não há debate e os conhecimentos considerados confiáveis são apresentados aos que não conhecem. Examinemos, de maneira sumária, cada uma dessas situações.
COMENTÁRIO
Camisa de força A metáfora camisa de força condensa essa concepção que considero inadequada, uma vez que as regras metódicas libertam as pessoas de seus preconceitos e permitem a intersubjetividade ou a objetividade, o que é do interesse comum.
 CONCEITO
Verdade: Há muita discussão acerca do significado da palavra verdade. Atualmente admite-se que apenas nas lógicas e matemáticas é admissível utilizar aquela palavra, nas demais ciências é preferível considerar que seus argumentos são plausíveis ou verossímeis.
 
	SITUAÇÃO DIALÉTICA
	Debate que pode se dar entre duas pessoas, por um tempo extenso, ou mesmo por uma pessoa quando pensa os prós e os contras a respeito de algum problema; é a que predomina na produção de conhecimentos científicos. Nessa situação há um conjunto de técnicas ou modos de fazer que visam eliminar a contradição estabelecida pela afirmação de duas qualidades contrárias; logo, seu objetivo é estabelecer o verossímil.
	SITUAÇÃO DE EXPOSIÇÃO
	Também denominada didascália, tem por objetivo apresentar o considerado conhecimento confiável aos que precisam ou querem aprendê-lo; logo, é uma comunicação unilateral, e os aprendizes não estão autorizados a decidir a respeito do exposto. Para produzir a comunicação é preciso analisar os conhecimentos estabelecidos nas situações retórica e dialética para eliminar incongruências, contradições e organizar a exposição de maneira encadeada. Estes procedimentos deram origem ao que atualmente denominamos lógica. 
	SITUAÇÃO RETÓRICA
	É a contraparte da dialética, requer técnicas que têm por objetivo persuadir ou convencer um público amplo, em um tempo curto, a adotar os posicionamentos apresentados pelo orador, os quais serão admitidos (ou não) pelo auditório que é o juiz do que dizem os oradores.
Essas três técnicas não são estanques. É admissível usar técnicas retóricas para persuadir o auditório acerca do valor conceitual de argumentos científicos, ainda que isso implique modificações relevantes naqueles e, em muitas situações, resulte em importantes distorções conceituais. Além disso, em um debate dialético é possível introduzir argumentos formados com base na Lógica ou na Matemática, desde que os demais admitam, para eliminar argumentos contrários. 
EXEMPLO: Técnicas retóricas - Na situação de julgamento de fraudes científicas, por exemplo, recorre-se à retórica judicial, em que os cientistas são instituídos dos poderes de juízes e de jurados. 
RESUMO
Em resumo, na técnica dialética a situação social requer uma decisão a respeito de duas qualidades contrárias que se afirma pertencerem ao sujeito de uma proposição. Essa situação social envolve poucas pessoas, as que conhecem bem o tema, e, no limite, apenas uma pessoa; além disso, não há um tempo predeterminado para obter uma decisão. 
A técnica retórica tem por objetivo propor alguma decisão a muitas pessoas, por isso os seus argumentos precisam ser breves e diretos, pois o auditório não tem como acompanhar longos desenvolvimentos argumentativos. Além disso, o tempo concedido aos oradores é bem demarcado, o que exige argumentos muito bem escolhidos e breves. Algumas restrições que cabem na situação dialética, como é o caso das ciências, não são impostas na situação retórica. Por exemplo, pode-se atacar a pessoa para destruir as propostas do adversário, caso o auditório admita este procedimento. 
O estabelecido nas situações dialética e retórica pode ser ensinado aos que não sabem. Nesta situação, a relação social é muito diferente, pois quem sabe expõe o que sabe aos que aprendem, os quais não deliberam acerca da validade do apresentado, mesmo que não concordem. É uma situação unilateral e o tempo da exposição é muito variável.
Essas três situações sociais sustentam as três técnicas argumentativas que foram aperfeiçoadas desde o século V a.C., constituindo o solo comum da argumentação racional, ou seja, pensada, refletida. Esses procedimentos são comuns, mas raramente pensamos a seu respeito, ou seja, fazemos sem pensar. Por isso, é preciso estudar essas técnicas para se tornar hábil tanto na análise quanto na produção de argumentos a favor e contra alguma proposta ou proposição em uma situação social e, em particular, na situação em que se busca admitir e produzir conhecimentos científicos e outros conhecimentos confiáveis.
Como distinguir os conhecimentos científicos de outros também confiáveis?
EXEMPLO
Considere o seguinte exemplo: na medicina tradicional prescreve-se a infusão (chá) da casca do salgueiro-branco ou chorão (Salix alba) ou das folhas e flores rainha-dos-prados, também conhecida por erva-das-abelhas (Filipendula ulmaria ou Spiraea ulmaria), para tratar os sintomas da gripe, bem como do reumatismo e dores de cabeça. Este é um conhecimento prático muito antigo e confiável, mas não é científico. 
Você deve estar se perguntando por que não é científico esse conhecimento, não é? Provavelmente você já deva saber a resposta. A explicação da eficácia terapêutica sustenta-se em um conjunto de afirmações não verificáveis, que se referem à semelhança entre a doença e a planta. Essa explicação, conhecida como teoria	das	assinaturas, afirma que há um sinal, um signo que liga um órgão humano a uma parte de alguma planta, assinalando que ali se encontra o remédio para suas doenças. 
O conhecimento empírico acerca do valor terapêutico do salgueiro -branco e da erva-das-abelhas é confiável, mas tem limitações incontornáveis. Uma das limitações é que não é possível saber qual a dosagem adequada para o tratamento; outra limitação, não há como verificar ou controlar as afirmações acerca da semelhança entre os órgãos e as doenças. Logo, não se tem uma explicação confiável do que produz a redução dos sintomas das doenças para as quais são indicados.
COMENTÁRIO
Teoria das assinaturas 
Os defensores da teoria das assinaturas (o semelhante cura o semelhante) dizem que apenas algumas pessoas especiais conseguem ver os sinais. Sendo assim, não há como estabelecer um conhecimento intersubjetivo ou objetivo, apenas seus adeptos podem ver os sinais, logo, é preciso converter-se em uma pessoa especial.
 
PERGUNTA: Há uma explicação científica para a eficácia desse fitoterápico?
A explicação científica foi constituída ao longo dos séculos XVIII e XIX pelo exame das substâncias químicas dos extratos de casca do salgueiro-branco. A primeira descrição desse fármaco foi apresentada por Edward Stone em 1763, no Reino Unido, indicando que o seu princípio ativo é o ácido salicílico, que, em 1828, foi isolado em sua forma cristalina. Em 1897, o laboratório farmacêutico Bayer juntou o ácido salicílico com acetato e criou o ácido acetilsalicílico (aas), que é menos tóxico do que a substância original. O AAS foi o primeiro fármaco sintetizado. 
Esse exemplo mostra que um conhecimento prático confiável pode ser explicado de muitas maneiras, mas a melhor explicação permite ampliar e aperfeiçoar o que se sabia. Ao isolar o ácido salicílico deu-se um passo para ajustar a dosageme verificar seu nível de toxicidade, e a síntese com o acetato reduziu essa toxicidade, bem como permitiu a sua produção em tabletes com dosagens definidas e controláveis. O AAS é um produto sintético, não se encontra na natureza, e, portanto, destrói a sustentação da teoria das assinaturas. 
O conhecimento científico parte de uma hipótese testável: se o pó do extrato produz um efeito terapêutico, qual é a substância que produz esse efeito? Essa questão implica analisar, separar os elementos do composto para identificar o que nele é eficaz, descrevendo-o de tal maneira que outros possam produzi-lo e testá-lo. 
ATENÇÃO
Essa condição é fundamental, pois as proposições de um cientista precisam ser analisadas e testadas por outros para serem admitidas. Essa revisão por pares, ou seja, por outros cientistas que não têm relações diretas entre si, descarta muitas comunicações e retém algumas que são as defensáveis.
Aqui aparece outra diferença entre o conhecimento científico e os demais: o científico sempre se sustenta no conjunto de conhecimentos validados de uma área, não é a manifestação dos desejos e crenças de uma pessoa, de um sujeito. Daí se dizer que o conhecimento científico não é subjetivo, mas intersubjetivo ou objetivo.
Como apreender os conhecimentos confiáveis pelo exame de seus argumentos?
As explicações a respeito de alguma prática bem-sucedida são afirmações organizadas de tal maneira que as pessoas são convencidas da sua validade. De fato, seja qual for a prática, as pessoas procuram justificar tanto o sucesso quanto o fracasso. 
EXEMPLO
No exemplo do salgueiro-branco, a explicação antiga apoiava-se em uma concepção bem ampla: Deus dispôs no mundo os remédios para todos os males, os quais são encontrados por quem é capaz de identificar os seus sinais (signos). Nessa cosmovisão há uma ordem no mundo, nada ocorre por acaso, tudo está em seu devido lugar, inclusive a doença e seus remédios. Essa explicação total, ou holística, tem inúmeros defeitos. Um deles foi mostrado antes: há fármacos que não se encontram livremente na natureza, foram sintetizados. Outro defeito é afirmar que o mundo é perfeitamente ordenado, em que nada ocorre por acaso.
PERGUNTA: Por que é um defeito, afinal tudo tem uma causa? 
Porque basta um caso em que alguma coisa tenha ocorrido acidentalmente para destruir essa afirmação muito geral. De fato, as afirmações gerais, as que usam o operador	lógico 	todo, são facilmente destruídas pela apresentação de um caso não congruente com o que foi dito. 
COMENTÁRIO: 
Operador lógico todo
Por exemplo, a afirmação “todo cisne é branco” foi destruída quando se encontrou um cisne negro. Como dito, afirmações absolutas ou singulares tendem à imprecisão. A título de curiosidade, o cisne-negro (Cygnus atratus) é originário da Austrália.
PERGUNTA: Há evidências de que o mundo não é perfeitamente ordenado?
Você, como eu, já assistiu a partidas de futebol em que o locutor entusiasmado afirma, com autoridade, no início do jogo: “A Seleção brasileira jogou N vezes contra a Seleção argentina; venceu X, perdeu Y, empatou Z; então, hoje, a Seleção brasileira deve vencer.” Será? Só saberemos no apito final. 
PERGUNTA: É verdade, jogo é jogo, mas tudo tem uma causa…
Muitos dizem isso, afirmam que não foi por acaso que aconteceu isto ou aquilo, por isso que o jogo foi ganho por uma das equipes. Essa afirmação supõe que há algo como uma mão invisível que a tudo comanda, o que exige a fé nessa afirmação. Isso pode ser adequado para as religiões, mas não para produzir conhecimento científico. O uso do salgueiro-branco mostra que a explicação pré-científica se sustenta na fé, e que a científica permite uma melhor explicação e uso do fármaco. 
PERGUNTA: Isso quer dizer que das práticas é possível produzir conhecimentos científicos?
Sim, das práticas é possível constituir conhecimentos científicos, pois em qualquer prática há duas dimensões, uma delas se refere às explicações, logo aos argumentos que justificam as relações em questão. Quando tudo corre como o esperado, ficamos satisfeitos, geralmente não nos preocupamos em explicar os procedimentos que funcionam, salvo quando alguém nos pede para ensinar como fazer. Seja para resolver um problema na execução, seja para ensinar os procedimentos, quem se dedica à explicação sabe que as práticas têm duas dimensões: (a) a da efetividade e (b) a inferencial. 
PERGUNTA: O que é inferência?
Usarei um exemplo utilizado pelos antigos gregos: um cachorro perseguia uma presa por uma estrada e a perdeu de vista em uma encruzilhada. O cachorro, então, farejou o caminho à direita, ao centro e disparou pela esquerda. Essa decisão é uma inferência, uma dedução que excluiu as alternativas ou as hipóteses. 
REFLEXÃO
O esquema geral da inferência é denominado silogismo, palavra grega que significa tanto inferência quanto dedução. Mesmo se você não se lembrar do termo formal (silogismo), você o conhece, pois o utiliza. Veja o exemplo:
• Todo homem é mortal – premissa maior ou proposição afirmativa inicial; 
• Sócrates é homem – premissa menor, termo médio, pelo qual se chega à conclusão; 
• Logo, Sócrates é mortal – conclusão.
Observe que o dito na premissa maior acerca dos homens, o predicado mortal, aparece na conclusão porque o particular Sócrates é caracterizado como homem (que é o sujeito da premissa maior, o qual recebeu o predicado mortal), por isso a premissa menor, também denominada termo médio, transfere os significados da maior para a conclusão. O valor de verdade das premissas determina a qualidade da conclusão. Isso você pode estudar nos manuais como no de Weston, indicado no final deste capítulo.
COMENTÁRIO
Efetividade e Inferencial 
A efetividade é avaliada pela realização dos objetivos do fazer. Se os objetivos foram alcançados, então se diz que foi efetivo, ou seja, eficaz e eficiente. Um procedimento pode ser eficaz e muito dispendioso, logo, ineficiente. A relação custo/benefício refere-se à eficiência de um processo de produção eficaz. Assim, a efetividade é constituída por duas qualidades: a eficácia e a eficiência. Já o aspecto inferencial é de outra natureza, refere-se aos argumentos utilizados para explicar porque são eficazes e eficientes.
Geralmente os argumentos não aparecem nessa forma, e a sua explicitação depende da situação, a qual é muito importante quando avaliamos uma comunicação. Observe que a palavra premissa pode ser substituída por princípio. 
É preciso observar a forma da premissa maior, caso seja universal (todos e cada um), então pode ser enganosa ou mesmo falsa. Por exemplo, afirmar que os brasileiros (o mesmo que todos os brasileiros) são fanáticos por futebol é demasiado, uma vez que muitos brasileiros sequer se interessam por esse esporte. 
EXEMPLO
Jogo é jogo 
Vamos a um exemplo a respeito de inferência a partir de uma prática humana. Muitos afirmam que a disposição dos jogadores de futebol na forma 4, 4, 3 é melhor porque (esta palavra é um marcador da inferência sustentada por quem fala) nesta é possível defender e atacar eficazmente. Esse argumento decorre do exame das partidas com aquela e outras disposições, o que levou a julgar, inferir, ser a melhor disposição dos jogadores. Como se trata de jogo, não há muito o que discutir acerca da validade lógica dessa inferência, isso porque pode ser eficaz na maior parte das partidas e não em outras; logo, é plausível ou verossímil. 
Por falar em jogo, essa palavra pode ser utilizada para designar atividades muito diversas, por isso Ludwig	Wittgenstein disse que ela apresenta um ar de família de significados. Aqui nos interessa o uso da palavra jogo na expressão teoria dos jogos, por meio da qual se procura formalizar as situações em que os adversários ganham ou perdem, reexaminando dilemas dos mais diversos para encontrar uma solução. Não cabe, aqui, apresentar essa teoria. Cabe, no entanto, apresentar pelo menos duas situações de decisão a partir de argumentos que são tratados na teoria dos jogos, a dita decisão salomônica e o dilema do mentiroso. 
REFLEXÃO
Você conhecea célebre história do bebê atribuída a Salomão? Nela, duas mulheres reivindicaram a maternidade de uma criança perante ele, e este, para resolver o dilema, ordenou a um soldado que cortasse a criança ao meio e distribuísse as partes entre as mulheres. Uma delas abriu mão da criança, dizendo que preferiria ver o filho nos braços de outra mãe a vê-lo morto. Salomão, então, entregou a criança a essa mulher por considerar esta a mãe verdadeira.
O problema, nesse caso, é que esses tipos de declarações não permitem uma decisão lógica, racional, pensada. Por quê? Porque os argumentos acerca deles mesmos ou autorreferentes não se resolvem pela escolha de uma das afirmações. 
REFLEXÃO
Um exemplo similar é conhecido como o dilema do mentiroso: Todos os minoicos são mentirosos (disse o minoico Epimênides). Se quem disse todos os minoicos são mentirosos é um minoico então: (a) ou diz a verdade, logo nem todos são mentirosos; (b) ou mente, então não é verdade que todos os minoicos sejam mentirosos. 
Voltemos ao caso da disputa da maternidade. Será que a decisão de Salomão resolveu corretamente o dilema? Na narrativa, sim; mas podemos nos perguntar se a mãe que abriu mão da criança o fez por ser mais esperta do que a mãe biológica, que ficou tão chocada que não soube reagir. Nunca saberemos. A lição é: os argumentos que falam a respeito deles mesmos não são resolvidos por meio de uma análise lógica, são necessários outros recursos. 
PERGUNTA: Está dizendo que um argumento racional, bem constituído, pode não ter validade prática, empírica?
Exatamente. Há argumentos perfeitamente lógicos que não são válidos do ponto de vista experimental ou empírico. Considere o argumento: Duas esferas, uma pesando dois quilos e a outra um quilo, são soltas simultaneamente: a de dois quilos cai duas vezes mais rápido. Lógico, mas errado. Galileu demonstrou que os corpos caem na mesma velocidade caso se desconsidere o atrito do ar. 
Esse é um exemplo de como um conhecimento científico é contraintuitivo, e mostra que um argumento perfeitamente lógico pode não ser pertinente ao que se refere. 
PERGUNTA: Então não é suficiente que um argumento seja lógico para ser admitido como científico?
Exatamente, ser lógico não implica ser pertinente a uma situação. Não fosse assim as ciências seriam um encadeamento de argumentos perfeitamente lógicos. 
PERGUNTA: Mas a Matemática é assim, ela então não é uma ciência?
Sua pergunta requer que eu introduza uma distinção entre as ciências, caso contrário, ficaremos em um beco sem saída (aporia, lembra?). Vamos então explorar a próxima seção deste capítulo para falar do assunto.
Gêneros ou tipos de ciências
Há dois grandes tipos, ou gêneros, de ciências: (a) as construtivas; e (b) as reconstrutivas. Vejamos um primeiro quadro geral de distinção:
	CIÊNCIAS CONSTRUTIVAS
	As construtivas são as Matemáticas e as Lógicas, que se caracterizam por desenvolverem seus argumentos uns sobre os outros com base em axiomas ou hipóteses de partida, construindo os argumentos válidos.
	CIÊNCIAS RECONSTRUTIVAS
	As reconstrutivas são todas as demais. Nelas se procura reconstruir ou reconstituir os fenômenos para explicá-los.
Como foi dito acerca das práticas, o aspecto inferencial é uma reconstituição do que se fez e faz para explicar a razão do fracasso, logo, saber como realizar algo de maneira eficaz e eficiente. Os argumentos utilizados nas ciências reconstrutivas não são válidos por serem lógicos, mas por serem adequados e pertinentes ao que se está estudando. O exemplo anterior acerca da queda dos corpos na superfície da Terra, na escala humana, mostra o que acabo de dizer.
PERGUNTA: Acontece que a Física, por exemplo, usa muita matemática, então ela é uma ciência construtiva?
Essa confusão decorre de como a Física é ensinada, não de seu caráter epistemológico. É fato que os físicos descrevem os fenômenos utilizando instrumentos emprestados da Matemática. Por exemplo, você estudou que a força é definida pela multiplicação da massa pela aceleração (f = m.a). Essa relação define a força, logo estabelece uma identidade (princípio da identidade) em que o sujeito da proposição (força) não é em si e por si (absoluto), é definido pela relação multiplicativa da massa pela aceleração. Essa relação é bem simples: a força é a medida do deslocamento/aceleração da massa, quanto maior a massa mais força é necessária para a acelerar/deslocar.
COMENTÁRIO
Epistemológico A palavra epistemologia resulta da reunião de dois vocábulos gregos: epistemé, com o significado de conhecimento verdadeiro, confiável, científico; e, lógos, na acepção de discurso, narrativa, estudo. Os gregos antigos não utilizavam essa palavra, que foi criada pelo filósofo escocês James Frederick Ferrier (1808-1864) para designar o estudo de problemas tais como os examinados neste capítulo.
REFLEXÃO
A fórmula é uma abstração reflexiva, raciocinada, acerca dos fenômenos físicos da mecânica na escala humana. Caso mudemos de escala, aquela fórmula não descreverá adequadamente os fenômenos, sendo necessárias outras reconstruções.
Considere outra reconstrução contraintuitiva de fenômenos, agora no âmbito da Biologia. Intuitivamente, os seres vivos parecem que sempre foram tal como os conhecemos. No entanto, criadores de animais e agricultores modificam as espécies que criam e cultivam. Logo, podemos afirmar que os seres vivos nem sempre tiveram a forma e os comportamentos que conhecemos, uma vez que os domesticados foram modificados pela ação intencional dos homens. 
PERGUNTA: Como os homens fazem isso? 
Em um grupo de animais ou de plantas há indivíduos que têm as características que interessam ao criador ou ao agricultor. Então, eles os separam e os mantêm para reprodução, desprezando os demais. Esse processo de seleção de alguns indivíduos que interessam aos homens produziu e produz novas espécies: as que só reproduzem entre si; ou variedades, as que se reproduzem com outras espécies. 
Com base nessa constatação, Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Cavaleiro de Lamarck (1744-1829), sustentou que as espécies existentes procedem das anteriores que se modificaram para se adaptarem ao habitat ou meio. A explicação de Lamarck foi refinada por Charles Darwin que propôs que a sucessão das espécies em um habitat decorre da seleção natural e da seleção sexual. 
ATENÇÃO
A seleção natural é similar à realizada pelos agricultores e pecuaristas, salvo por um aspecto: não é intencional, se dá por acaso. Logo, a seleção natural é uma metáfora resultante da comparação entre o tema (o assunto que está em exame, para o qual ainda não se tem um conjunto de propriedades definidas, neste caso, a variedade das espécies observadas em diversos lugares do mundo); e o foro (uma noção da qual se extrai os significados a serem transportados ao tema, fornecendo as propriedades que permitam defini-lo, atendendo ao princípio da identidade, aqui definido como a seleção de animais e plantas intencionalmente realizada pelos homens). 
Como a seleção natural não é intencional, então é impróprio dizer: A natureza fez isto ou aquilo, pois não há intenção na natureza. A seleção natural ocorre por mudanças ambientais (até a primeira metade do século XX usava-se a expressão habitat) que forçaram o desaparecimento de indivíduos bem adaptados ao meio e permitiram a sobrevivência dos não muito adaptados ao anterior. Assim, não é preciso evocar alguma explicação mais complicada a respeito da sucessão das espécies. 
Darwin utilizou um dos critérios da argumentação científica conhecido como a navalha de Occam (princípio da parcimônia). O sentido dessa recomendação é que as explicações concisas e conclusivas (rigorosas) apresentam poucas hipóteses que podem ser verificadas ou testadas, enquanto as explicações complexas, com muitas premissas e pressupostos, são impossíveis de serem verificadas. 
No entanto a teoria da sucessão das espécies (este é o nome correto da teoria de Charles Darwin) em um habitat não se deve apenas à seleção natural, uma vez que o autor precisou de outro princípio argumentativopara explicar o que aquele não consegue. Esse outro princípio, ou hipótese explicativa ou premissa, é a seleção sexual, segundo o qual as fêmeas selecionam os machos, mantendo as características da espécie. Não se trata de uma escolha intencional, mas sensorial (estética, de aistethesis, sensação, percepção), de apreensão das características próprias da espécie. 
Assim, de um lado há a conservação pela seleção sexual e de outro, as mudanças acidentais no ambiente aniquilam grande número de indivíduos adaptados ao anterior e, com sorte, alguns que não eram tão adaptados sobrevivem na nova situação. 
ATENÇÃO
De um mesmo ponto de partida, as espécies não são fixas, chega-se a pelo menos duas explicações: a de Lamarck e a de Darwin. A decisão a respeito do valor argumentativo de ambas não depende da fama de seus autores, mas das investigações que permitam dizer qual delas é mais completa ou, para dizer de maneira técnica, qual delas é concisa e conclusiva ou, o que significa a mesma coisa, rigorosa.
Uma explicação concisa, em que os argumentos são claros e diretos, sem volteios e ornamentos, apresenta claramente a hipótese sobre a qual se sustenta e conclui com base nessa premissa, ou seja, cumpre as recomendações de Occam (princípio da parcimônia). 
Assim, os adversários podem testar a validade da hipótese apresentada. Como as hipóteses são apresentadas como questões, nas quais é preciso apresentar duas respostas contrárias (princípio do terceiro excluído), então a forma da pergunta é decisiva, considerando-se a preocupação de evitar perguntas	ambíguas. 
Temos, então, mais um critério para saber se um conhecimento é ou não científico. Caso o conhecimento apresente explicitamente a hipótese ou premissa sobre a qual sustenta a conclusão, então ele pode ser confiável. Pode ser não significa que é, pois é preciso que outros especialistas corroborem, tendo verificado a pertinência da hipótese e da conclusão por meio de observações controladas ou experimentos. Logo, o conhecimento científico não é a expressão da subjetividade de uma pessoa, mas o resultado de um coletivo.
CONCEITO
Princípio de parcimônia 
É um princípio atribuído a Guilherme de Occam (1285-1347), frade franciscano, filósofo e lógico inglês, o qual recomenda recorrer apenas às premissas estritamente necessárias para explicar algum fenômeno. Tal princípio surgiu com base na máxima “pluralidades não devem ser postas sem necessidade” (em latim, pluralitas non est ponenda sine neccesitate).
COMENTÁRIO
Perguntas ambíguas ou complexas 
Imagine a seguinte pergunta sendo feita a você: “Você parou de beber?”. Se você responder “sim”, pressupõe-se que você bebia, provavelmente em grande quantidade (subentendido). Se responder “não”, pressupõe-se que você continua bebendo, provavelmente um alcólatra (subentendido). Para bem conduzir o raciocínio, é preciso perguntar quais as qualidades que legitimamente podem ser atribuídas ao sujeito de uma proposição. Uma das armadilhas envolvidas nas perguntas é o duplo significado, como vimos no exemplo.
 
Há conhecimentos confiáveis que não são científicos, mas todo conhecimento científico é confiável
A explicação rigorosa, concisa e conclusiva própria das ciências é testável por qualquer pessoa que domine os procedimentos metodológicos e técnicos necessários. 
Além disso, os conhecimentos científicos reconstrutivos referem-se a fenômenos delimitados no espaço e no tempo, e têm validade na escala estabelecida em cada ciência; logo, não são generalizáveis para além ou aquém do que dizem. Isso significa que as explicações ou teorias constituídas para a escala humana não são aplicáveis às escalas micro ou macro. Um exemplo de impropriedade de passagem de uma escala para a outra é a alquimia, que dominou o horizonte intelectual dos séculos XVII e XVIII. 
Essa concepção holística, como vimos nos alquimistas, aparece em muitos discursos contemporâneos, como a afirmação de que a Terra se vinga das ações dos homens, ou que a Terra, Gaia, é mulher, uma mãe. São concepções animistas, pois consideram os seres inanimados como se fossem dotados de alma e afirmam que tudo está ligado a tudo, censurando as ciências por recortarem a realidade de tal maneira que se perde o todo.
PERGUNTA: Haveria um método geral para produzir conhecimentos confiáveis?
Há regras gerais de conduta e de análise dos argumentos, pois elas são necessárias em qualquer situação que tem por objetivo estabelecer a verdade ou verossimilhança do que se diz acerca do sujeito de uma proposição, como vimos. Mas não há um e apenas um método científico. Isso porque o método é um conjunto de procedimentos vinculados ao objeto, sujeito das proposições, de cada ciência. 
As ciências reconstrutivas estabelecem os seus objetos por meio da comparação entre o tema, assunto que se quer explicar, com alguma noção que se conhece ou o foro da comparação.
PERGUNTA: Por que é preciso estabelecer o foro de comparação?
Porque o tema ou o objeto da investigação precisa ser definido (princípio da identidade), o que requer um conjunto delimitado de propriedades ou categorias para falar a seu respeito: as proposições utilizadas nas explicações (princípios da não contradição e do terceiro excluído). Recorde-se que proposição é uma frase que afirma ou nega alguma coisa. 
Por exemplo, na afirmação A Terra é como um organismo vivo, tal como o corpo humano, compara-se duas noções diferentes para transportar os significados admitidos acerca do corpo humano (foro da comparação) para o tema que se quer significar ou ressignificar, o planeta. Transfere-se, por exemplo, os significados de sentimentos humanos ao planeta para afirmar: A Terra se vinga. 
PERGUNTA: Não se pode confiar nessa comparação, não há evidências de que o planeta tenha sentimentos.
Você pôs em dúvida a comparação que deu origem àquela proposição, logo utilizou um esquema de pensamento denominado ironia. Esse tipo de questionamento é necessário tanto para produzir conhecimentos científicos quanto para avaliar os apresentados sob esse rótulo. 
Retornemos ao que foi apresentado no início deste capítulo, o esquema dialético necessário para estabelecer se alguém cometeu ou não homicídio e acrescentando outro que permite decidir acerca da melhor explicação ou hipótese: o modus	tollens (modo de tirar). 
PERGUNTA: Afinal, por que você diz situação dialética e não método dialético?
Porque as técnicas argumentativas estão condicionadas pelo que se quer e se pode fazer em uma situação social, não no mundo aquém ou além dos humanos. É a instituição ou a situação social que permite avaliar e estabelecer conhecimentos admissíveis para todos os interessados, e isso requer que os envolvidos tenham ampla liberdade para discordar, para contraditar os argumentos. Certamente os envolvidos precisam ter os mesmos conhecimentos acerca do assunto, caso contrário a discussão não será produtiva. 
PERGUNTA: Por que é preciso que seja assim? 
Para evitar que as conclusões sejam a expressão dos desejos e crenças de uma pessoa ou de um grupo. Essa regra é uma extensão daquela que estabelece que a verdade não depende de alguma autoridade, seja ela qual for, mas das evidências estabelecidas pelos argumentos acerca dos indícios e evidências. 
PERGUNTA: Ah! Então trata-se de um consenso, de um acordo entre as partes?
Uma vez que o plausível foi estabelecido por meio de um debate em que as partes tiveram ampla liberdade para discordar, então o seu resultado não é um consenso, pois muitos argumentos foram destruídos, o que não ocorre em um consenso político, por exemplo. 
PERGUNTA: Por que o conhecimento científico não é um consenso? Kuhn não afirmou que o paradigma é um consenso?
É certo que Thomas Kuhn afirmou que as ciências constituem-se sobre consensos. Mas esse consenso sustenta-se no quê e no como fazer, não é análogo aos estabelecidos nas situações parlamentares, por exemplo, em que os enunciados são ambíguos o suficiente para que todos concordem. Há consenso acerca da teoria que estabelece o tema a ser estudado, como investigar e sobre os procedimentos,mas os resultados das pesquisas caracterizam-se pela destruição de hipóteses contrárias. Uma vez que os argumentos admitidos resultam da destruição de outros, então não se pode falar em consenso. 
PERGUNTA: Então é preciso saber quais as diferenças entre as situações sociais em que essa ou aquela técnica argumentativa é válida. Qual é, então, a situação social que permite estabelecer os conhecimentos científicos?
Em princípio, os cientistas estão interessados em estabelecer a pertinência e adequação dos argumentos aos fenômenos que estudam. Certamente os cientistas, que são tão humanos quanto você e eu, não querem perder as subvenções para suas pesquisas, seus postos nas universidades e empresas, nem os poderes decorrentes. Mas isso não determina o valor das proposições que compõem uma teoria científica. 
REFLEXÃO
Na situação social que permite produzir os argumentos científicos, os envolvidos têm um conhecimento similar e podem deliberar livremente, portanto é uma situação regida pelos valores da democracia. Caso a situação seja regulada pelos valores da nobreza de sangue, pelas filiações partidárias, ou seja uma situação na qual uma autoridade tem a palavra final, então não há condições para a constituição de conhecimentos científicos, ainda que nelas se produzam outros tipos de conhecimentos. 
Em uma situação de livre debate, qualquer proposição pode ser questionada por não obedecer às regras da lógica, como o modus tollens, que elimina as hipóteses concorrentes para ficar com a que melhor explica o fenômeno. Já vimos que a situação em que são definidas as qualidades próprias do sujeito de uma proposição utiliza-se da arte dialética; a situação em que se estabelecem consensos políticos é própria da arte retórica. 
PERGUNTA: E a retórica é a arte da mentira, do engano…
De fato, como toda técnica, os esquemas retóricos podem ser utilizados para enganar, mas são necessários para estabelecer os pontos de partida dos argumentos, particularmente o que se diz ser o real, a coisa a ser investigada, para atender o princípio da identidade. Isso se faz por meio de figuras ou esquemas próprios da retórica: que tem por operadores a ligação e a dissociação de noções, as quais podem ser questionadas pela ironia. 
REFLEXÃO
Por isso, as técnicas retóricas também são utilizadas na situação dialética e nesta são operadas para atenderem outros objetivos: a busca do verossímil ou plausível, por meio das figuras ou esquemas que afirmam o que é o real, a coisa, o sujeito da proposição (princípio da identidade).
PERGUNTA: Você quer dizer que as qualidades que definem o sujeito de uma proposição têm origem em esquemas retóricos? Por que não são dialéticos, como vinha dizendo?
De fato, os mesmos esquemas são utilizados por essas duas técnicas. A diferença entre a retórica e a dialética está nos objetivos de cada uma na situação social. O objetivo da retórica é persuadir um auditório extenso a respeito da pertinência de uma recomendação ou conselho; o objetivo da arte dialética é definir o que se considera verossímil para um grupo restrito de pessoas que têm o mesmo conhecimento acerca de um assunto. Em ambas as situações é preciso dizer do que se trata, qual o problema que requer a deliberação de um grande auditório (ou até mesmo de um grupo pequeno), no limite da pessoa argumentando consigo mesma. Para isso se recorre aos esquemas que permitem dizer o que é a realidade.
Esquemas ou figuras para dizer o que é real: os de ligação, de dissociação de noções e a ironia
São os esquemas de ligação e de dissociação de noções. A ligação entre noções apareceu nos exemplos anteriores em que se afirmou, por exemplo, que a Terra é semelhante ao corpo humano. A dissociação faz o inverso, divide uma noção tradicionalmente unida em dois termos para compará-los. Por exemplo, ao dizer: fulano é um pseudomédico, afirma-se que haveria médicos “de verdade”, os quais possuiriam qualidades superiores e desejáveis da profissão. Esses dois esquemas são necessários para dizer o que é? Ou seja, estabelecer a identidade do que está em disputa, em debate numa situação social qualquer; logo, também na científica. 
PERGUNTA: O que está em questão quando se debate? 
Não os significados das palavras, uma vez que esses são menos ou mais convencionais. Nem se discute o que aparece para todos como um fato, como inquestionável. O centro dos debates é a comparação utilizada para constituir uma metáfora ou uma metonímia originada do esquema de ligação, bem como uma dissociação utilizada para comparar o que se diz ser melhor ou superior. Um exemplo extraído da História das Ciências será útil para apreender o que eu disse. 
EXEMPLO
No início do século XX havia um grande debate a respeito da composição da matéria. Steven Weinberg (nascido em 1933) foi um dos físicos que se envolveu nesse debate, propondo que a matéria seria composta por corpúsculos individuais que se comportariam como um enxame de insetos, logo, produziu uma metáfora: as partículas elementares são como um enxame de insetos. Seus adversários ironizaram essa metáfora dizendo que a física de Weinberg é uma zoologia, destruindo a comparação que sustentava argumento, mas não atingindo a pessoa.
É comum confundir ironia com sarcasmo, o que não é correto, pois este atinge as qualidades da pessoa para destruir os seus argumentos, enquanto a ironia tem por alvo o argumento.
Em suma, o procedimento dos cientistas é o mesmo das demais pessoas quando precisam significar ou ressignificar alguma coisa: comparam um tema, o que se quer significar ou ressignificar, com um foro, do qual são extraídos alguns significados para o tema, o que pode produzir uma metáfora ou uma metonímia. 
ATENÇÃO
Os cientistas denominam esse procedimento de modelagem, do qual se obtém um modelo. O modelo e a metáfora estão no lugar da realidade estudada, constituindo o núcleo argumentativo de teorias estabelecidas pelos cientistas, portanto se sustentam na comparação que fizeram. 
Isso significa que é preciso identificar o foro de uma comparação para poder avaliar se os argumentos podem ser admitidos. Já no caso da constituição de acordos éticos, ou seja, das normas éticas ou políticas, recorre-se aos debates que têm por técnica a retórica, e o resultado é obtido por votação ou por consensos, sempre precários. As ciências constituem-se por meio da arte dialética, afirmando a plausibilidade de uma hipótese que explica melhor o que se observa ou o fenômeno, eliminando as hipóteses concorrentes; na situação retórica, pode-se obter um consenso por meio do voto, afirmando o que se considera desejável ou preferível, o que vale a pena sustentar (valores). 
PERGUNTA: Então as ciências são neutras?
Se neutro significar desprovido de valores, então não são neutras, pois obedecem àqueles requeridos na situação dialética; mas, se por valores se quer significar a defesa de uma política partidária ou de alguma confissão religiosa, então a ciência precisa ser neutra. Os enunciados científicos não atendem aos imperativos éticos defendidos por seus críticos, os quais exigem que aqueles enunciados sejam adaptados ao que eles consideram importante, mesmo que outros grupos sociais não concordem com eles. 
REFLEXÃO
De fato, um argumento científico é valioso por si mesmo ao sustentar que as coisas são dessa ou daquela maneira, sem que o desejável para os cientistas particulares tenha algum valor. Recorde o caso da acusação de homicídio, mesmo se o réu for uma pessoa indesejável não pode ser considerada culpada por essa razão. 
A objetividade não é algo acima ou abaixo do humano, é desejável por ser necessária para organizarmos nossa vida diária. O cientista pode desejar algo que suas pesquisas mostram ser irreal, caso ele não reporte isso, então cometerá uma fraude, pois distorceu os fatos para atender aos seus desejos (ver Pracontal, 2004). 
Resumindo
As ciências diferem dos demais modos de dizer alguma coisa acerca do mundo por seu modo de produzir os conhecimentos, os quais podem ser alterados sempre que se mostrem inadequados ou pouco explicativos.As ciências são produzidas por pessoas comuns que se dedicam ativamente às tarefas coletivas que têm por objetivo esclarecer os fenômenos tratados em cada uma delas, segundo seus critérios de validação. 
Além disso, o desejável na vida social democrática também regula as condutas metodológicas dos cientistas. Isso porque os procedimentos dialéticos sustentam-se nas normas da democracia que são muito anteriores ao modo de conhecer utilizado pelos cientistas. 
RESUMO
As suas principais diretivas éticas são: 
(a) nunca atacar a pessoa para atingir os seus argumentos; 
(b) todas as pessoas que tenham o mesmo conhecimento acerca de um assunto podem deliberar a seu respeito; 
(c) a fraude, a mentira, a dissimulação devem ser rigorosamente punidas. 
Por isso, quando alguém argumenta contra uma teoria, apresentando uma lista de más qualidades da pessoa que a expôs, é preciso ficar mais atento, uma vez que quem acusa provavelmente não tem argumento melhor ou nem sabe como contraditar. 
RESUMO
A situação social em que os conhecimentos científicos são desenvolvidos e em que são comunicados obedece às regras anteriores, bem como as da argumentação raciocinada, a qual tem por fundamento os seguintes princípios: 
• da identidade – o sujeito de uma proposição deve ser claramente delimitado ou definido: o sujeito de uma acusação é o sujeito aqui presente e tem tais e quais qualidades (predicados); 
• da não contradição – as qualidades atribuídas ao sujeito de uma proposição não podem ser contrárias na mesma situação de acusação ou atribuição daquelas qualidades ou de predicação. Por exemplo, ou fulano é criminoso ou não é criminoso, não pode ser criminoso e não ser criminoso na mesma situação de acusação; 
• do terceiro excluído – determina que apenas duas qualidades contrárias podem ser atribuídas ao sujeito da proposição, não há uma terceira em disputa. 
Sendo assim, é preciso reduzir todas as qualidades contrárias a duas e apenas duas, caso contrário não há como decidir, sempre obedecendo ao princípio da parcimônia (navalha de Occan, lembra?), ou seja, apresentar apenas e tão somente as premissas consideradas pertinentes e de maneira direta, clara, sem ornamentos.
O argumento é um silogismo, palavra de origem grega que pode ser traduzida por dedução. O estudo do silogismo e das suas figuras ou esquemas não foi apresentado aqui, só apresentamos uma delas: o modus	tollens, por ser a que interessa ao procedimento de constituição de argumentos que tenham por objetivo estabelecer a plausibilidade. 
As disputas para estabelecer os conhecimentos confiáveis recorrem à arte ou técnica dialética, que requer uma decisão a respeito de duas qualidades contrárias e que se afirmam pertencer ao sujeito de uma proposição. Essa situação social envolve poucas pessoas (as que conhecem bem o tema) e, no limite, apenas uma pessoa; além disso, não há um tempo predeterminado para obter uma decisão. 
A técnica retórica tem por objetivo persuadir muitas pessoas, por isso os argumentos precisam ser breves e diretos, pois o auditório não tem como acompanhar longos desenvolvimentos argumentativos; bem como o tempo concedido aos oradores é bem demarcado, o que exige argumentos muito bem escolhidos e breves. Algumas restrições que cabem na situação dialética não são impostas na situação retórica. Por exemplo, caso o auditório assim admita, pode-se atacar a pessoa para destruir as propostas do adversário. 
RESUMO
O estabelecido na situação dialética, bem como nas deliberações que ocorreram na situação retórica podem ser ensinadas ou expostas aos que não sabem. Essa outra situação implica uma relação social diferente, pois quem sabe expõe o que se sabe aos que aprendem, os quais não deliberam acerca da validade do apresentado, mesmo quando não concordam. É uma situação unilateral e o tempo da exposição é muito variável.
Você já percebeu que o problema da verificação do valor argumentativo de alguma comunicação científica só pode ser sustentado caso a comunidade tenha critérios que independam dos gostos de cada um. Esses critérios encontram-se nas metodologias e técnicas científicas, as que você estudará nos capítulos seguintes.
CONCEITO
Modus tollens
Como já vimos, o modus tollens é um esquema silogístico que se caracteriza por apresentar várias hipóteses concorrentes a respeito do afirmado na premissa maior para excluir as improváveis e estabelecer uma e apenas uma que se apresenta como a melhor explicação. Se uma premissa menor explicativa não for testável, então se pode desconfiar da validade do argumento. Por exemplo, a classificação das pessoas com base em testes de inteligência não é válida, pois não há evidência de que tais instrumentos meçam o que se denomina inteligência (ver, por exemplo, Gould, 2003). Na foto você vê um exemplo de uma matriz com arrumação lógica de figuras, utilizada para aferição de q.i. (quociente de inteligência). 
 
CAPÍTULO 2: Conhecimento e pesquisa na universidade
No primeiro capítulo, discutimos a respeito da natureza do conhecimento científico e sobre como é possível diferenciá-lo de outras formas de compreensão do mundo, estabelecendo critérios e procedimentos para identificar a confiabilidade do conhecimento. Neste capítulo, continuaremos discutindo sobre a ciência e o conhecimento que ela produz; particularmente, aquele que é construído nas instituições de ensino superior ou universidades.
Conhecimento e Sociedade
Em uma perspectiva mais tradicional do que seja ciência, você pode pensar que a construção do conhecimento científico começa com o interesse ou a curiosidade de alguém — o cientista — sobre alguma coisa que ocorre no contexto em que vive, desde a queda de uma pedra, a cor verde da folha de uma planta, a falta de chuva ou uma doença que afeta alguém da família. Com base nesse interesse, o cientista examina os fatos e constrói relações de causa e consequência para desenvolver uma explicação sobre o fenômeno. O passo seguinte é prever consequências para testar a explicação construída. As consequências previstas devem então ser operacionalizadas de forma que possam ser verificadas de alguma maneira, como em um experimento, por exemplo. REFLEXÃO
O questionamento mais frequente a essa maneira de ver o conhecimento científico considera que os cientistas ou pesquisadores em geral também são movidos por sentimentos, emoções e interesses, como todos nós. 
Mais ainda, como qualquer ser humano, eles também estão sempre em	situação, ou seja, são necessariamente limitados pelo contexto social, cultural e pelo momento histórico em que vivem. Da mesma forma, os problemas ou fenômenos da natureza ou da sociedade que achamos importante compreender também estão relacionados às vivências e escolhas com base no que cada um de nós vive e pensa. Estamos todos sempre necessariamente imersos em um conjunto de circunstâncias culturais e ambientais, em determinado momento da história da humanidade.
2 Conhecimento e pesquisa na universidade COMENTÁRIO
Em situação De fato, desde a língua com a qual pensamos e nos comunicamos, até a nossa capacidade de perceber muitos tons de uma mesma cor guarda relações estreitas com nossa experiência pessoal no contexto em que vivemos. Para um canadense, por exemplo, é comum reconhecer como o branco da neve varia; para um brasileiro que nunca tenha visto neve, tudo pareceria “a mesma coisa”. 
 
capítulo 2 • 39
COMENTÁRIO
Fraude É comum encontrarmos relatos de fraude em pesquisas ou atividades científicas. Segundo matéria da Folha Online Uol (30/10/2013), caderno "Ciência", cresce número de artigos científicos acusados de fraude ou erro. Na mesma matéria, cita um jornalista americano da revista Science que enviou para mais de 300 revistas científicas de acesso livre um estudo científico falso: metade das revistas o aceitou. 
 
CONCEITO
Revolução Industrial
Foi um conjunto de rápidas transformações econômicas que se iniciou na Grã -Bretanha, em torno de 1760, a partir da introdução em escala crescente da ciência e tecnologia nos processos produtivos, mudando radicalmentea maneira como eram produzidas as mercadorias (tecidos, máquinas, ferramentas etc.), bem como das formas e condições de vida na sociedade com a introdução das máquinas a vapor, da iluminação elétrica, do telégrafo etc. Na foto você vê a máquina a vapor de James Watt, construída em 1859.
 
REFLEXÃO
Nesse sentido, tanto a seleção do que se quer estudar quanto a maneira como o fazemos, estaria contaminada por essa condição humana, que limitaria as possibilidades de análise objetiva dos fatos. A própria comunidade científica, que seria a referência para validação dos conhecimentos construídos, também é composta por pessoas com suas respectivas limitações e interesses. 
Desse ponto de vista, uma nova teoria ou um resultado de pesquisa poderia ser questionado, não com base em uma análise rigorosa de seu mérito científico ou de sua contribuição para o conhecimento, mas por ser contrária ao pensamento majoritário em uma área ou até por contrariar interesses relativos ao financiamento de outras pesquisas ou de suas aplicações na sociedade. Por outro lado, como grande parte das pesquisas são desenvolvidas em universidades atualmente, o contexto de crescente pressão pela publicação de resultados como condição da continuidade de apoio ao trabalho do pesquisador pode, inclusive, favorecer fraudes com falsificação de resultados. Mesmo levando em conta toda a discussão do Capítulo 1 sobre a confiabilidade do conhecimento e as considerações anteriores, sua relevância social está consagrada. Desde a Revolução	Industrial, no século xviii e xix, até as primeiras décadas do século xxi, os impressionantes avanços da ciência em todas as áreas — da Física à Medicina ou às Tecnologias de Informação e Comunicação que inundam nosso cotidiano — consolidaram a centralidade do conhecimento no mundo contemporâneo. Por isso é importante entender como se desenvolve o conhecimento científico, particularmente no ambiente universitário, desde o início do curso de graduação. Esperamos que, dessa forma, você possa aprender a consumir o conhecimento científico já acumulado e disponibilizado de forma mais criteriosa e consciente. ATENÇÃO
Mais do que isso, acreditamos que assim você poderá desenvolver uma formação profissional que também abra perspectivas para participar da construção desse conhecimento e compreender sua inserção futura no mundo do trabalho com maior qualidade.
A prática científica
Muita gente acha que os cientistas caminham rapidamente da curiosidade sobre determinado problema ou fenômeno para a elaboração de uma teoria que o explica, mas, na verdade, a prática científica não é bem assim. 
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Frequentemente o interesse sobre um problema vem de pesquisas feitas antes, pelo próprio cientista ou por outros, que nem sempre conseguem alcançar respostas satisfatórias ou consistentes. Assim, não é raro que a prática científica comece pela resposta e não propriamente pela pergunta. REFLEXÃO
É comum nos depararmos com situações na natureza ou na sociedade que não compreendemos, e não é simples construir as sequências de perguntas que correspondam a respostas que expliquem a situação. Por isso, o maior desafio é aprender a formular perguntas que possam corresponder àquelas respostas que a natureza ou a sociedade nos apresentam.
Assim, você pode partir da observação de um conjunto de fatos e tentar desenvolver uma explicação de por que isso acontece. Por exemplo: no Brasil, a maior parte dos estudantes de Pedagogia é mulher, e a maioria dos engenheiros é homem. Com base nessa constatação, vamos rascunhar um esquema investigativo para usar como exemplo do que acabamos de ver?
MULHERES
INTERPRETAÇÃO DO SENSO COMUM
ESFORÇO CIENTÍFICO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
HOMENS
A maioria dos estudantes de Pedagogia é mulher
A maioria dos estudantes de Engenharia é homem
A causa do fenômeno seria então apenas uma questão de características de ser homem ou mulher?
O valor do salário médio das 2 profissões é semelhante?
Mulheres gostam de crianças; homens, de cálculo
Possíveis perguntas para construir o conhecimento sobre os fatos
As 2 profissões possuem a mesma valorização na sociedade?
Qual a origem social e a escolaridade dos estudantes de cada um desses cursos?
O grau de dificuldade associado ao acesso a cada curso é semelhante?
... e tantas outras perguntas...
CONCEITO
Resposta O Antropólogo Carlos Rodrigues Brandão afirma que a realidade muitas vezes nos coloca respostas difíceis de perguntar (1983, p. 130).
 
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RESUMO
Enfim, de pergunta em pergunta, surgem novas pistas de investigação que pouco a pouco poderão conduzi-lo a uma compreensão mais completa e consistente do que você observou. Para formular essas perguntas, inicialmente você tem de reunir algumas hipóteses explicativas (como se o sexo da pessoa determina o gosto por crianças ou por matemática?), verificar suas implicações e testar sua adequação ao fenômeno que você quer entender. Se as explicações não parecerem satisfatórias ou suficientes, é preciso rever as perguntas e os caminhos que você seguiu com elas para que as respostas que você encontrar façam sentido.
Frequentemente precisamos construir novas perguntas para analisar outros aspectos de uma situação ou fenômenos que ainda não foram estudados. É dessa forma que seu conhecimento vai se ampliando e você começa a construir algumas conclusões — sempre provisórias —, até que consiga identificar outros aspectos e testar se as respostas encontradas realmente se encaixam ou correspondem às perguntas que você formulou. ATIVIDADE
Esta é a primeira sugestão de atividade relacionada ao tema. Vamos fazer? 1) Procure na internet — de preferência em sites de jornais de grande circulação, que quase sempre possuem seções específicas sobre ciência — duas notícias sobre descobertas científicas. Não se limite apenas a sua área de formação, busque também notícias sobre uma descoberta científica de uma área diferente da sua.
2) Lendo com atenção as notícias, procure identificar, em cada caso, que fatos se desejava explicar (as respostas da realidade) e que sequência de perguntas ou hipóteses foram feitas pelos cientistas para construir a explicação sobre tais fatos.
O encaixe entre os fatos observados (as respostas da realidade) e as hipóteses de explicação (as perguntas que você formula para tentar entender) precisam ser operacionalizados em um encadeamento lógico de causas e consequências, que possam ser postos à prova em várias situações. REFLEXÃO
Muitas vezes o conhecimento vai progredir mais quando o que você esperava que acontecesse não ocorre — caso sua hipótese explicativa estivesse correta —, do que o contrário. Bachelard (1996) nos lembra que a realidade é feita de luzes e sombras, e mesmo quando você acha que conseguiu lançar alguma luz sobre um problema e assim compreendê-lo melhor, essa mesma luz mostra sombras (limites do que conseguimos ver ou compreender) que estão ancoradas nos erros encontrados no conhecimento que tínhamos anteriormente, contra o qual o novo conhecimento se desenvolve.
Desse ponto de vista, a formação de um cientista ou pesquisador, mais do que um processo acadêmico, se faz pelo desenvolvimento de um conjunto de atitudes ou posturas intelectuais face ao contexto e frente a si mesmo. Podemos dizer que o mesmo se aplica atualmente a qualquer profissional, especialmente se considerarmos o turbilhão de infor
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mações e de novas tecnologias e desafios postos no mundo do trabalho e na vida social em geral. Isso vale particularmente para profissionais de nível superior, como você será. Além disso, a atitude questionadora e curiosa frente à realidade que nos cerca também pode ser considerada uma condição de cidadania, na medida em que favorece a tomada de decisão informada, reflexiva e consequente, fundamental em qualquer âmbito da atividade humana. ATIVIDADE
Esta atividade é uma extensão da primeira. Desta vez, recomendamos que você: 1) Escolha uma notícia recente de jornal; 2) Construa um conjunto de perguntas sobre os fatos relatados para reunir informações confiáveis;3) Reflita sobre qual poderia ser seu posicionamento consistentemente informado como cidadão.
No seu processo de formação universitária, você vai perceber que o trabalho intelectual não pode ser separado da vida. No exemplo que discutimos anteriormente neste capítulo, provavelmente tanto as hipóteses explicativas sobre as escolhas de cursos universitários, quanto o próprio interesse pelo tema, estão relacionados à trajetória	pessoal de quem coloca o problema, como ao fato dessa pessoa ser mulher ou homem. Esse esforço de reflexão pode ser muito importante para que você desenvolva sua capacidade de formular perguntas que correspondam às respostas dadas pela realidade, para compreendê-la melhor e agir sobre ela com base nas próprias reflexões. Portanto, você deverá desenvolver uma atitude questionadora das interpretações fáceis e tantas vezes equivocadas do senso comum, com disposição para rever o conhecimento acumulado, que é sempre provisório, construído historicamente e mediado por contextos e culturas. É preciso não perder de vista que dados são sempre construídos, pois não se podem coletar informações sem instrumentos adequados. Os instrumentos, por sua vez, são elaborados em uma articulação entre o arsenal existente testado em outras pesquisas da área e a sensibilidade e experiência de cada pesquisador. Sua capacidade de registro sistemático e rigoroso dos passos percorridos, possibilitando a exposição do caminho trilhado e a crítica dos demais pesquisadores, será a base para uma elaboração consistente de sua investigação.
Já que mencionamos a palavra instrumento, vejamos um texto sobre ensino de Física que trata de um deles, denominado termômetro. Esse texto ilustra bem a necessidade de termos instrumentos adequados para o que queremos medir:
COMENTÁRIO
Trajetória pessoal
É preciso fazer um esforço permanente de análise da bagagem social e cultural que você carrega, em um movimento de autoconhecimento, para entender as razões e o contexto que formaram suas convicções, seus interesses e suas interpretações do mundo em que vive, do seu ambiente de trabalho, de sua circulação social e familiar ou de seu lazer. 
 
COMENTÁRIO
Provisório Nesse sentido, como vimos no Capítulo 1, o paradigma do conhecimento científico aponta para o caráter sempre datado da ciência e para a possibilidade de sua crítica de forma rigorosa e sistemática como uma das principais condições de validade e possibilidade de seu desenvolvimento. Ou seja, o conhecimento científico é sempre provisório.
 
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Através de seus sentidos, o homem trava conhecimento com o mundo físico que o cerca. A primeira noção de temperatura de um sistema é estabelecida a partir da sensação térmica que o tato proporciona, traduzida pelos termos frio, quente, gelado etc. O conhecimento empírico do calor e da temperatura foi se acumulando desde tempos muito longínquos na evolução da humanidade. No entanto, para fins científicos, o critério "sensitivo" para avaliação das temperaturas é vago e impreciso, pois depende da pessoa e das condições nas quais a mesma se encontrava anteriormente. Além de ser um instrumento "diferencial" (uma vez que só consegue distinguir entre "mais frio" e "mais quente" em relação à sua própria temperatura), o corpo humano induz facilmente o observador ao erro, dado que é sensível a outras grandezas, como a condutividade térmica (uma maçaneta metálica "parece mais fria" ao tato do que a madeira da porta onde se encontra colocada, apesar de estarem ambas à mesma temperatura). Daí a necessidade de se estabelecer um instrumento padronizado de medida de temperatura que independa do sentido do tato. Chama-se termômetro o instrumento para medir a temperatura dos corpos. Ele faz uso de comparações entre a variação de propriedades das substâncias como volume, pressão, resistência elétrica, variação de cor etc. para relacioná-las com a variação da temperatura. (PIRES, D. P. L.; AFONSO, J. C. e CHAVES, F. A. B. A termometria nos séculos XIX e XX. In: Revista Brasileira do Ensino de Física, 2006, v. 28, n.1, p. 101).
A construção do conhecimento científico e sua difusão na universidade, que discutiremos em seguida neste capítulo, ocorrem no espaço de interlocução sistemática e rigorosa que deve constituir esse ambiente. Essa construção se desenvolve em uma sucessão de perguntas, respostas, novas perguntas e novas respostas. REFLEXÃO
Esse processo de construção do conhecimento, como você viu no Capítulo 1, se desenvolve segundo regras definidas e legitimadas pela comunidade científica. Trata-se de um diálogo crítico permanente com os pares e com os ímpares, ou seja, uma interlocução com a comunidade acadêmica de cada campo do conhecimento em toda sua pluralidade de perspectivas e interpretações, que nem sempre são consensuais e, por vezes, são até paradoxais. 
É no exercício da crítica dentro de cada área de conhecimento e entre diferentes áreas, assim como nos processos de argumentação e debate também entre os pontos de vistas discordantes, que novos conhecimentos se deixam questionar e podem se consolidar — até serem superados por outros — no desafio dos jogos de luz e sombra, como nos propõe Bachelard.
Conhecimento e Educação
A educação e a escola devem promover a socialização metódica das novas gerações, possibilitando sua participação na herança cultural da sociedade em cada momento histórico. Uma parte importante e mais explícita dessa herança cultural é constituída pelo que denominamos conhecimento científico, ele mesmo também construído historicamente, tanto em termos de conteúdo, como de legitimidade ou importância social. 
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REFLEXÃO
A relevância social e econômica do conhecimento científico está consagrada na contemporaneidade com consideráveis avanços em todas as áreas — da Física à Medicina ou às Tecnologias de Informação e Comunicação que inundam nosso cotidiano. 
Vivemos há várias décadas em um contexto que, sobretudo a partir da Segunda	Guerra	Mundial, tem trazido, em uma dimensão global, a aceleração cada vez maior da produção e do consumo de produtos que incorporam conhecimentos de base científica transformados em	tecnologia. Nesse contexto, o desenvolvimento científico-tecnológico aplicado à produção, distribuição e consumo de bens e serviços tem se tornado cada vez mais a principal chave do êxito econômico das nações. ATENÇÃO
Quanto mais avançada é a economia de um país, maior é o papel do conhecimento científico e mais importante sua produção e disponibilidade, enquanto ciência e pesquisa básica ou como tecnologia e inovação, que garantem vantagens competitivas no mercado em escala global. 
Conhecimento e informação são fatores estratégicos para a acumulação e reprodução da riqueza. É nesse sentido que o processo de globalização aponta para o lugar central ocupado pelo conhecimento na sociedade contemporânea e, consequentemente, para o lugar estratégico de sua produção e distribuição por meio do sistema educacional, em particular no âmbito do Ensino Superior. A responsabilidade social da universidade como uma das principais instituições encarregadas da produção e disseminação do conhecimento científico é cada vez maior nesse contexto. Tanto a pesquisa científica realizada na universidade, quanto seu trabalho de formação de profissionais e de novos pesquisadores nas diferentes áreas de conhecimento, passam a ter um caráter estratégico para o desenvolvimento e o bem-estar das nações. ATIVIDADE
1) Você sabe o que é a UNESCO? Procure se informar no site oficial da Organização.
2) Leia o trecho a seguir do documento da UNESCO na Conferência Mundial sobre Educação Superior (1998).
No limiar de um novo século, há uma demanda sem precedentes e uma grande diversificação na educação superior, bem como maior consciência sobre a sua importância vital tanto para o desenvolvimento sociocultural e econômico
COMENTÁRIO
Segunda Guerra Mundial
Foi um conflito militar de escala global, entre 1939 e 1945, no qual a maioria das nações do mundo esteve envolvida. Como consequência direta ou indireta desse conflito,

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