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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO AULA 3 Profª Karla Knihs 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula estudaremos os tratados internacionais, tendo em vista que são fontes principais do direito internacional público. Previstos formalmente no art. 38, “a”, ECIJ, os tratados não são hierarquicamente superiores aos costumes, mas, na prática, são os mais aplicados, uma vez que trazem maior segurança jurídica para as relações internacionais. Sua regulamentação se dá por um novo ramo do DIP: o direito dos tratados, que regula a sua celebração, entrada em vigor e extinção, conforme veremos a seguir. TEMA 1 – TRATADOS INTERNACIONAIS Segundo Husek (2010), tratado é o acordo formal concluído entre os sujeitos de direito internacional público destinado a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional. É a manifestação de vontades de tais entes – e um ato jurídico formal envolve pelo menos duas vontades. Conforme nos informa Husek (2010, p. 50), antigamente, somente o Estado soberano tinha capacidade de promover tratados com seus coirmãos. Aos poucos, tal característica foi sendo desvinculada da figura exclusiva do Estado, para abranger entidades internacionais, porém sem fazer concessões ao indivíduo, que não tem essa capacidade, ou mesmo às empresas públicas e privadas, ainda que multinacionais. Os tratados são efetuados por meio de acordos, isto é, ato jurídico exarado de cada um dos interessados, formando um ato complexo. Husek (2010) explica que, pela constituição brasileira, a formação de um tratado é simultaneamente internacional e interna, porque o Congresso Nacional intervém em fase anterior à sua consecução no campo internacional (arts. 21, I, 84, VIII, e 49, I). O parágrafo 2.° do art. 5.° da Constituição Federal estabelece a emergência de se obedecer aos tratados no que diz respeito aos direitos e garantias individuais para brasileiros e estrangeiros residentes no país. O tratado, então, é fonte do direito brasileiro, e, pela última norma citada, o Estado tem o dever de adaptar sua norma interna àquelas dele decorrentes. Tal é a conformação do tratado no Brasil e no mundo. Daqui decorrem duas conclusões: a) a de que o direito internacional convencional é colocado na ordem jurídica interna num grau hierárquico, superior ao da lei; e b) a de que, em caso de conflito, o tratado se sobrepõe à lei interna (Husek, 2010). 3 TEMA 2 – CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS No que compete à classificação dos tratados, optamos por utilizar as ideias de Husek (2010, p. 50), que faz a seguinte classificação: • Quanto à forma: Número de partes – o tratado pode ser bilateral ou multilateral. Bilateral se somente dois são os partícipes, e multilateral nos demais casos. Alguns falam em tratados plurilaterais para especificar os compostos de poucos Estados (três, por exemplo), sem clareza, no entanto, pois o prefixo pluri pode também aplicar-se quando são dois Estados. Procedimento – é uma distinção do tratado segundo o procedimento adotado para sua conclusão. Existem tratados que necessitam de ratificação e/ou adesão; outros, não. Ratificação, aqui, vemos como ato formal internacionalmente imprescindível para definir direitos e obrigações dos compartícipes de um tratado. Não é a ratificação constitucional interna do país, por meio do órgão próprio (Legislativo) e em obediência às regras imperativas emanadas do próprio Estado, mesmo porque o procedimento, sob esse aspecto, varia de Estado para Estado, mas o que qualifica essa classificação é o ato que ocorre na sociedade internacional, como fato dentro dessa sociedade. Tratados solenes ou em devida forma – são aqueles que passam pelas fases: negociação, assinatura ou adoção, aprovação legislativa por parte do Estado interessado e, finalmente, ratificação ou adesão. • Quanto à matéria: Tratados contratuais – os Estados têm objetivos desiguais, como num tratado comercial. São interesses que se complementam. O parâmetro é a própria ideia de contrato, o instituto de direito interno. Tratado normativo ou tratado-lei – os pactuantes estabelecem regras gerais para nortear seus comportamentos, gerando direitos e deveres. Tem por parâmetro a ideia de lei, norma geral e abstrata. Tratados especiais ou de categorias especiais – embora seu conteúdo seja normativo, possuem substância, relevância e especificidade, como tratados institucionais, convenções internacionais do trabalho, os que criam organismos sem personalidade jurídica e os que criam empresas. 4 TEMA 3 – PROCESSO DE CONCLUSÃO A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados é um manual de como criar tratados. Segundo Husek (2010, p. 50.), a validade do tratado depende da capacidade das partes e habilitação de seus agentes, enfim, do consentimento. A representação das partes no caso dos Estados é feita pelo chefe do Estado e/ou plenipotenciário, que é o ministro de Estado responsável pelas relações exteriores, ou, mesmo, pelo chefe de missão diplomática. Nesses casos temos a representação derivada. Outros representantes poderão ser admitidos quando possuidores de uma carta de plenos poderes, expedida pelo chefe de Estado. O destinatário da carta é o governo que compactua o tratado, devendo a entrega de tal carta preceder o início da negociação. Na referida carta, o Presidente da República nomeia determinada pessoa, qualificando-a como seu plenipotenciário, para assinar, em determinada cidade, em nome do governo, determinada convenção. Ela é a formalidade que habilita os agentes que representam o Estado (art. 7.° da Convenção de Viena de 1969). Vejamos: 1. Elaboração e adoção do texto e sua autenticação – plenos poderes para negociar. Elementos formais do tratado: Preâmbulo – enumeração das partes e exposição dos motivos; Dispositivo – corpo do tratado com caráter jurídico obrigatório; Cláusulas finais – mecanismos do tratado tais como procedimento de emenda, de revisão, entrada em vigor etc. 2. Decisão do Estado de se submeter ao tratado – adoção do texto e assinaturas. A assinatura de um tratado não representa, em regra, a obrigação, porém atesta que as cláusulas pactuais são autênticas. O Estado normalmente se obriga por intermédio da ratificação. A assinatura é dada ao término dos trabalhos de negociação, fixando o texto convencional. O comprometimento definitivo depende de futura ratificação, salvo se o representante do Estado estiver autorizado, por meio de assinatura, a obrigá-lo internacionalmente. Depende da legislação interna do país. 3. Notificação internacional dessa decisão. 5 Ratificação: ato unilateral com que o compartícipe da feitura de um tratado expressa em definitivo sua vontade de se responsabilizar, nos termos do tratado, perante a comunidade internacional. Não se pode confundir com a chamada "ratificação em sentido constitucional", porque esta é ato interno do Estado, também denominado ad referendum do congresso ou aprovação legislativa. A ratificação aqui é ato formal, de natureza internacional, dirigida às partes que assinaram o tratado. É ato unilateral, discricionário e irretratável (pacta sunt servanda), não se retirando a possibilidade de o estado vir, no futuro, a denunciar o tratado. 4. Entrada em vigor do tratado, conforme suas disposições. Reservas: não se tratando de acordo bilateral, é possível a existência de "reservas". Reserva é uma declaração unilateral do sujeito de direito internacional visando excluir ou modificar para si o efeito jurídico de um ou vários dispositivos do tratado. O tratado bilateral não comporta reserva porque o consenso há de ser total. Figura 1 – Processo de formação de tratados 6 TEMA 4 – HIERARQUIA DAS NORMAS INTERNACIONAIS Entre as normas, só se pode aplicar o princípio hierárquico quando houverconflito de uma norma de jus cogens e uma norma convencional ou costumeira. Segundo o art. 53 da Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados, “a norma do jus cogens é aquela norma imperativa de Direito Internacional geral, aceita e reconhecida pela sociedade internacional em sua totalidade, como uma norma cuja derrogação é proibida e só pode sofrer modificação por meio de outra norma da mesma natureza”. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados assim dispõe: Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens) É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza. Podemos citar como exemplo de jus cogens a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, que, apesar de não ser uma norma formalmente cogente, já que não é um tratado, possui obrigatoriedade material, tendo em vista que foi votada na Assembleia Geral das Nações Unidas. TEMA 5 – PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO DIREITO BRASILEIRO Por disposição constitucional, os tratados internacionais, em sentido amplo, entram no ordenamento jurídico brasileiro por um processo de transformação denominado internação, internalização, incorporação ou recepção dos tratados internacionais. Nos termos do art. 49, I, Constituição de 1988: É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I- Resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; [...]. No art. 84, VIII, CR/88: Compete privativamente ao Presidente da República: VIII- Celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; [...]. https://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_Universal_dos_Direitos_Humanos https://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_Universal_dos_Direitos_Humanos 7 No ordenamento jurídico brasileiro, o processo de internalização dos tratados começa depois da assinatura do tratado, quando o ministro das relações exteriores encaminha uma exposição de motivos ao Presidente da República. Este, após receber o documento, se concordar com o tratado, encaminha uma mensagem ao Congresso Nacional. No congresso, o tratado será examinado na Câmara dos Deputados e depois no Senado Federal. Uma vez aprovado, o congresso emite um decreto legislativo. O ato seguinte é a ratificação pelo Presidente da República, e, por fim, a promulgação por meio de decreto de execução, também de competência do chefe do Poder Executivo da União. Importante ressaltar que, no caso dos tratados internacionais de direitos humanos, a Emenda Constitucional n. 45/2004 incluiu o parágrafo 3º no art. 5º do texto constitucional para prever a possibilidade de tais tratados serem submetidos a procedimento idêntico ao necessário para aprovação das emendas constitucionais (dois turnos, nas duas casas, por três quintos dos votos). Quando aprovado de acordo com este rito, o tratado de direitos humanos passa a ter status equivalente ao de emenda constitucional. NA PRÁTICA Para conhecer a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, promulgada no Brasil por meio do Decreto n. 7.030/2009, acesse: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm>. Saiba mais sobre um exemplo clássico de tratado sem o consentimento de uma das partes: o Tratado de Versalhes (1919). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jERjRjFelps>. FINALIZANDO Apresentamos, nos tópicos a seguir, um resumo do conteúdo visto nesta aula: Tratado • Conceito: acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional destinado a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional. 8 • Terminologia: tratado, convenção, carta, pacto, modus vivendi, ato, estatuto, declaração, protocolo, acordo, ajuste, compromisso, convênio, memorando, regulamento, concordata. • Classificação formal: Quanto ao número das partes: bilateral, multilateral ou plurilateral; Quanto ao procedimento: solenes ou em devida forma; acordo de forma simplificada. • Classificação material: Contratuais (normativos/tratados-leis); Especiais (de categorias especiais, tratados institucionais, convenções internacionais do trabalho, tratados que criam organismos dotados de personalidade jurídica, tratados que criam empresas). • Representantes: Estados: chefes de Estado plenipotenciários ou outros representantes; Organizações internacionais: secretário-geral ou outro funcionário. • Procedimento: negociação, assinatura ou adoção, aprovação legislativa, ratificação ou adesão. • Estrutura: preâmbulo, parte dispositiva e anexos. • Extinção: execução integral; expiração de prazo, verificação de condição resolutória, acordo mútuo, renúncia unilateral, denúncia, impossibilidade de execução. 9 REFERÊNCIAS ACCIOLY, H. Tratado de direito internacional público. 3. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009. GUTIER, M. Introdução ao direito internacional público. Disponível em: <http://murillogutier.com.br/wp- content/uploads/2012/02/INTRODU%C3%87%C3%83O-AO-DIREITO- INTERNACIONAL-MURILLO-SAPIA-GUTIER.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2019. HUSEK, C. R. Curso de direito internacional público. 10. Ed. São Paulo: LTr, 2010. MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público. 5. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Conversa inicial Na prática FINALIZANDO Tratado REFERÊNCIAS
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