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Qual é o sinal clínico clássico da coarctação de aorta? 1.1 CIRCULAÇÃO FETAL Para compreender a dinâmica das cardiopatias congênitas, é importante recordar alguns aspectos da circulação fetal (Figura 1.1). O sangue oxigenado retorna da placenta pela veia umbilical. Cerca de metade do sangue proveniente da placenta passa através dos sinusoides hepáticos, enquanto o restante é desviado do fígado e segue pelo ducto venoso para a veia cava inferior. Fluindo por esta veia, o sangue entra no átrio direito do coração. A maior parte do sangue que penetra no átrio direito é dirigida pela crista dividens para o orifício forame oval, chegando, então, ao átrio esquerdo. Do átrio esquerdo, o sangue passa ao ventrículo esquerdo através da válvula mitral e a partir dessa cavidade é ejetado através da aorta ascendente. O coração, a cabeça e o membro superior direito recebem sangue com maior teor de oxigênio do que o restante do corpo. Cerca de 40 a 50% do sangue da aorta descendente passam pelas artérias umbilicais e retornam à placenta para reoxigenação. O restante suprirá as vísceras e a metade inferior do corpo. Como os pulmões do feto não são responsáveis pela oxigenação do sangue fetal e pelo fato de as artérias pulmonares serem extremamente sensíveis à hipóxia do ambiente intrauterino reagindo com vasoconstrição, existe grande resistência à circulação proveniente do ventrículo direito. Assim, as paredes deste ventrículo são hipertrofiadas na vida fetal. O sangue que chega ao átrio direito pela veia cava superior é proveniente da cabeça e membros superiores, além de pouco oxigenado. Esse volume de sangue passa preferencialmente através da válvula tricúspide, chegando ao ventrículo direito. Deste, é ejetado na artéria pulmonar. Em função da extrema vasoconstrição a que a artéria pulmonar e seus principais ramos estão submetidas, esse volume de sangue será desviado em cerca de 90%, por meio do canal arterial para a aorta, antes da saída da artéria subclávia esquerda. Isto levará a uma mistura de sangue a partir deste ponto da aorta, o que torna este sangue menos oxigenado. Dessa forma, o sangue com maior oxigenação do feto é o que irriga o próprio coração e o cérebro. Tal fato e a própria dinâmica da circulação fetal dependem das 3 estruturas próprias da circulação fetal: ducto venoso, forame oval e canal arterial – ducto arterioso. Figura 1.1 - Circulação fetal Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Figura 1.2 - (A) Circulação pré-natal e (B) circulação pós-natal Figura 1.3 - Circulação fetal Com o nascimento, após o clampeamento do cordão umbilical e a ventilação pulmonar, ocorrem alterações importantes na circulação descrita. Ao ser ventilado – e insuflado – o pulmão, a sua resistência vascular cai expressivamente, e a circulação no ducto arterial é reduzida quase completamente. O ducto arterioso geralmente deixa de ser funcional nas primeiras 10 a 15 horas pós-parto, exceto em prematuros e naqueles com hipóxia persistente, situações em que pode permanecer aberto por mais tempo. O oxigênio constitui o fator mais importante do controle do fechamento do ducto arterioso. Durante a vida fetal, a abertura deste é controlada pelo baixo nível de oxigênio no sangue, já que o feto vive em ambiente com baixo teor de oxigênio, mantendo, então, o ducto pérvio. O ducto arterial também é mantido pérvio por meio da produção de prostaglandinas durante a vida intrauterina, assim, alguns inibidores da síntese de prostaglandinas, como a indometacina, são usados para promover o fechamento do ducto arterioso que persiste pérvio após o nascimento. Em algumas semanas ou meses processa-se o fechamento anatômico, e o ducto arterial se oblitera e passa a constituir o ligamento arterioso fibroso. A oclusão da circulação placentária provoca queda imediata da pressão sanguínea na veia cava inferior e no átrio direito. Devido ao fluxo sanguíneo pulmonar aumentado, a pressão no interior do átrio esquerdo fica maior que a do átrio direito, e essa pressão acarreta fechamento funcional do orifício do forame oval. Já o fechamento anatômico acontece mais tardiamente. Entendendo a circulação fetal, pode-se observar que o coração fetal funciona praticamente como bomba única, pois a oxigenação sanguínea se apresenta na placenta, e os pulmões fetais não são funcionantes, ocorrendo um shunt direito-esquerdo por meio do forame oval e do ducto arterial. Com o nascimento, ocorrem as alterações descritas e fundamentais para o acoplamento cardíaco à necessidade de oxigenação sanguínea nos alvéolos pulmonares. A grande maioria das malformações cardíacas é bem tolerada durante a vida intrauterina, produzindo sinais após o nascimento. 1.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA A incidência da cardiopatia congênita na população geral é de 1 a 2:1.000 nascidos vivos, distribuída de acordo com o exposto no Quadro 1.1. Trinta por cento dos casos recebem alta da maternidade sem esse diagnóstico. Durante as primeiras horas após o nascimento, o Recém-Nascido (RN) deve permanecer em observação quanto a qualquer sinal ou sintoma que possa gerar suspeita, embora, com a utilização rotineira da ultrassonografia obstétrica, especialmente a morfológica, cada vez menos cardiopatas têm nascido sem um diagnóstico durante a vida intrauterina. De qualquer forma, deve-se suspeitar de cardiopatia congênita sempre que o RN apresente quaisquer dos sinais que seguem: a) Taquipneia, cansaço ou cianose às mamadas; b) Qualquer tipo de sopro cardíaco ou alteração de bulhas cardíacas; c) Alteração de pulsos e/ou, hipertensão arterial sistêmica ou, ainda, diferença sensível da pressão arterial sistêmica entre os membros superiores e os inferiores; d) Arritmias – tais manifestações chamam atenção em qualquer RN. Com o passar dos dias, após o nascimento, é possível observar manifestações nos recém-nascidos cardiopatas, como impulsão torácica, precórdio hiperdinâmico e dificuldade de ganhar peso, hiperfluxo pulmonar ou, ainda, sinais de hipertensão pulmonar. Quadro 1.1 - Distribuição da incidência na população Em função dos tipos de repercussões presentes nas malformações congênitas cardíacas, classificam-se tais repercussões considerando ou não a presença de cianose. A cianose da criança com cardiopatia congênita é do tipo central, quase sempre generalizada; entretanto, em alguns casos, pode ser evidente no dimídio inferior (MMII) e ausente no dimídio superior (MMSS) e mucosas, ou vice-versa, a qual é denominada de cianose diferencial. A título de recordação, a cianose não se refere diretamente à oxigenação sanguínea, mas à relação de hemoglobina oxidada em comparação à reduzida. É observada quando a hemoglobina reduzida no sangue circulante é igual ou superior a 5 g/dL. Casos em que há déficit de oxigenação podem produzir cianose; contudo, em casos de anemia associada a má oxigenação, pode não haver. Casos em que a circulação e a perfusão estão diminuídas em uma parte do corpo e a oxigenação sanguínea não está prejudicada podem, igualmente, apresentar ausência de cianose, à medida que o pouco sangue que chega àquela área tem relação favorável de hemoglobina oxidada com relação à reduzida. 1.3 AVALIAÇÃO DA CRIANÇA COM CARDIOPATIA CONGÊNITA A avaliação inicial tem 3 aspectos: cianóticas versus acianóticas, radiografia de tórax e eletrocardiograma (ECG), e diagnóstico realizado por meio de ecocardiograma (ECO). Os defeitos cardíacos congênitos podem ser divididos em 2 grandes grupos, com base na presença ou ausência de cianose. Em seguida, podem, ainda, ser subdivididos conforme o fluxo pulmonar (normal, aumentado ou diminuído) observado na radiografia de tórax. O ECG pode ser usado para determinar a existência de hipertrofia das câmaras cardíacas. As características dos sons cardíacos e de sopros ajudam a estreitar o diagnóstico diferencial, e o diagnóstico final é confirmado por ECO, cateterismo cardíaco ou ambos. O teste de oximetria de pulso – “teste do coraçãozinho” – é um método de triagem de cardiopatias consideradas críticas no período neonatal.Deve-se realizar aferição da oximetria de pulso em todo RN aparentemente saudável com idade gestacional maior que 34 semanas, antes da alta da unidade neonatal. Deve-se realizar aferição no membro superior direito e em um dos membros inferiores, entre 24 e 48 horas de vida. O resultado normal evidencia saturação periférica maior que 95% em ambas as medidas, membro superior direito e membro inferior, e diferença menor do que 3% entre as medidas do membro superior direito e membro inferior. Quanto ao resultado anormal, caso qualquer medida da SpO2 seja menor do que 95% ou haja diferença igual ou superior a 3% entre as medidas do membro superior direito e membro inferior, uma nova aferição deverá ser realizada após 1 hora. Caso o resultado se confirme, um ECO deverá ser feito dentro das 24 horas seguintes. 1.3.1 Teste do coraçãozinho Figura 1.4 - Teste do coraçãozinho Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2012. A oximetria de pulso é uma ferramenta de triagem neonatal. Figura 1.5 - Triagem neonatal de cardiopatia congênita crítica Fonte: elaborado pelos autores. 1.4 CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ACIANÓTICAS As lesões mais comuns são as que produzem carga excessiva de volume. Entre elas, as mais frequentes são lesões com shunt esquerdo-direito: CIV, CIA e PCA. A segunda maior classe de lesões acianóticas corresponde às que provocam aumento da carga pressórica, secundárias à obstrução do fluxo de saída ventricular – estenose pulmonar, estenose aórtica – ou ao estreitamento de grandes vasos Coarctação da Aorta (CoAo). No caso de lesões com sobrecarga de volume – CIV, CIA, PCA –, a fisiopatologia comum é a comunicação entre as circulações sistêmica e pulmonar, resultando num shunt de sangue rico em oxigênio de volta para os pulmões. Esse shunt pode ser quantificado por meio do cálculo da razão do fluxo sanguíneo pulmonar pelo fluxo sistêmico (Qp:Qs). Um shunt 2:1 significa que o fluxo pulmonar está 2 vezes maior do que o normal. O remodelamento do coração ocorre com predomínio de dilatação e, em menor grau, hipertrofia. Caso a doença não seja tratada, há, progressivamente, aumento da resistência vascular pulmonar que pode reduzir o shunt ou mesmo inverter o seu sentido, passando a ser direito-esquerdo (fisiologia ou síndrome de Eisenmenger). Na síndrome de Eisenmenger, a resistência vascular pulmonar após o nascimento permanece alta ou aumenta depois de ter diminuído durante a lactância. Os principais fatores que levam a essa síndrome são pressão pulmonar aumentada, fluxo pulmonar aumentado, hipóxia e hipercapnia. No caso de lesões com sobrecarga de pressão, como: estenose pulmonar, estenose aórtica, CoAo; a fisiopatologia nessas lesões é uma obstrução do fluxo normal do sangue. As mais comuns são as obstruções do fluxo de saída dos ventrículos. Mecanismos de compensação levam a hipertrofia ventricular e dilatação em estágios mais avançados. 1.4.1 Comunicação interventricular (CIV) A CIV é a cardiopatia congênita mais comum. Nessa malformação congênita, há passagem de sangue do ventrículo esquerdo para o direito por intermédio de uma abertura no septo interventricular, em alguns casos, todo o septo interventricular está ausente. O shunt esquerdo-direito ocorre por diferença de pressão; como a pressão sistêmica, (pós-carga) é maior do que a encontrada na circulação pulmonar, o sangue dirige-se do local de maior pressão para o de menor pressão. Como resultado, parte do sangue já oxigenado e que está no ventrículo esquerdo é devolvida ao ventrículo direito e novamente impulsionada aos pulmões, determinando sobrecarga ventricular direita e aumento do trabalho cardíaco. Figura 1.6 - Comunicação interventricular Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. 1.4.1.1 Diagnóstico O shunt é menor no período neonatal. Eventualmente, as manifestações de insuficiência cardíaca, sobrecarga de volume, decorrentes da CIV só se manifestam de 2 a 3 meses após o nascimento, quando os níveis de pressão na circulação pulmonar declinam. Nesse momento, como a diferença das pressões entre os 2 ventrículos é grande, o fluxo esquerdo-direito pela CIV é máximo, exigindo trabalho cardíaco acima das suas capacidades. As manifestações clínicas iniciais podem restringir-se a apenas 1 sopro holossistólico na borda paraesternal esquerda, acompanhado ou não de frêmito. De acordo com a dimensão da CIV e/ou, em razão da queda da pressão pulmonar, podem advir as manifestações da insuficiência cardíaca, como dispneia, taquicardia e sudorese, dificuldade para mamar, infecções respiratórias, hipertensão pulmonar e sibilância. A radiografia de tórax pode evidenciar área cardíaca aumentada, principalmente o ventrículo esquerdo, além do aumento da trama vascular e da artéria pulmonar. O ECG pode mostrar alterações elétricas indicativas de sobrecarga de ventrículo esquerdo ou biventricular, onda T invertida em V-1 ou onda T ascendente. O ecocardiograma, o exame mais importante para a definição diagnóstica de comunicação interventricular e para a conduta clínica, evidencia o defeito anatômico, bem como o fluxo, se associado ao Doppler. Este também faz uma estimativa da hipertensão pulmonar caso ela esteja presente. Figura 1.7 - Radiografia de tórax com área cardíaca aumentada 1.4.1.2 Tratamento Com exceção das CIVs muito pequenas, que podem regredir espontaneamente, todas as demais devem ser operadas, de preferência durante os 2 primeiros anos de vida. Quanto a crianças com repercussões hemodinâmicas precoces, a correção deve ser feita precocemente, a fim de evitar lesão da vasculatura com consequente hipertensão pulmonar. Nos casos em que a conduta é expectante, há insuficiência cardíaca ou a cirurgia não pode ser realizada prontamente, são realizados restrição hídrica, uso de digital, diuréticos e vasodilatadores. Figura 1.8 - Melhora radiológica após cirurgia Fonte: Anesthetic management of children with congenital heart diseases presented for non cardiac surgery, 2009. 1.4.2 Comunicação interatrial (CIA) Nesse tipo de defeito, também não ocorre cianose, pois, à medida que a pressão atrial esquerda é maior do que a direita, há shunt esquerdo-direito. Novamente, aqui há recirculação de sangue já oxigenado. O fechamento inicial do forame oval é de natureza funcional, como se a valva fosse empurrada contra o “batente”, impedindo fluxo da esquerda para a direita. O fechamento anatômico do forame oval ocorre até o primeiro ano de vida. Defeitos na valva ou no próprio forame oval podem originar a CIA após o nascimento (Figura 1.9). Lembrando que, durante a vida intrauterina, há comunicação fisiológica entre os 2 átrios, embora o fluxo durante a vida fetal seja da direita para a esquerda. Figura 1.9 - Defeito do septo atrial Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. 1.4.2.1 Diagnóstico A sintomatologia depende do grau de shunt esquerdo-direito. As manifestações da comunicação interatrial são mais comuns por volta dos 3 ou 4 anos de vida, época em que as pressões intracavitárias cardíacas estão sujeitas a algumas alterações e resultam em maior shunt esquerdo-direito, aumento do átrio e ventrículo direitos, podendo chegar à dilatação da artéria pulmonar. Os sintomas mais frequentes, quando ocorrem, são dispneia, palpitações e fadiga. Infecções respiratórias e déficit ponderal podem acontecer, e a insuficiência cardíaca é um evento tardio. Ao exame físico cardíaco, podem ser auscultados desdobramento fixo de B2, que é típico dessa anomalia e ocorre pelo retardo no esvaziamento do ventrículo direito, o qual apresenta volume sanguíneo aumentado, sopro sistólico e, algumas vezes, sopro diastólico. À radiografia de tórax, pode-se observar aumento da área cardíaca, do tronco da artéria pulmonar e da trama vascular pulmonar. O ECG pode apresentar alterações de condução decorrentes da remodelação cardíaca, como QRS aumentado, e, em 50% dos pacientes, observa-se mudança na onda P, sugerindo aumento atrial direito. O cateterismo cardíaco aponta aumento da saturação do oxigênio nas amostras de sanguedo átrio direito, ventrículo direito e artérias pulmonares em relação às saturações de veias cavas superiores e inferiores. Figura 1.10 - Ressonância magnética cardíaca que evidencia a comunicação interatrial Fonte: Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. 1.4.2.2 Tratamento A correção cirúrgica da CIA é indicada a sintomáticos e àqueles com relação fluxo pulmonar-sistêmico maior que 1,5:1. A correção cirúrgica deve ser realizada eletivamente por volta dos 2 anos, para evitar aumento crônico do átrio e do ventrículo direitos. O procedimento é simples e praticamente sem mortalidade. 1.4.3 Persistência do canal arterial O canal arterial (Figura 1.11) desempenha função primordial durante a vida intrauterina, com fluxo da artéria pulmonar para a artéria aorta. Com a aeração e a expansão pulmonares, há queda da resistência vascular pulmonar, de forma que, quando há fluxo residual pelo canal arterial, ele ocorre no sentido aorta-artéria pulmonar, desde que não exista associação a hipertensão pulmonar. Dessa forma, outra vez há “circulação fútil”, ou seja, parte do sangue já oxigenado retorna à circulação pulmonar. O fechamento funcional do canal arterial acontece fisiologicamente por volta das primeiras 10 a 15 horas de vida no RN a termo e, mais tardiamente, no pré-termo, entre o décimo quarto e o vigésimo dia de vida. Figura 1.11 - Persistência do canal arterial Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Caso não haja sorologia materna conhecida para rubéola, aquela deve ser pesquisada na confirmação desse tipo de cardiopatia, embora a PCA seja relativamente mais prevalente em prematuros, independentemente da presença de outro tipo de doença. 1.4.3.1 Diagnóstico Os achados de exame físico são sopro contínuo, tipo maquinaria, no foco pulmonar e pressão arterial divergente (“fuga” da aorta → pulmonar). Vale lembrar que o RN prematuro responde mais satisfatoriamente às medidas farmacológicas para fechamento de um canal arterial persistente do que o nascido a termo. No entanto, no pré-termo, a descompensação cardíaca pode ser muito mais precoce quando comparada ao RN a termo. Na ausculta cardíaca, pode-se encontrar um sopro sistólico clássico em região infraclavicular e esquerda, descrito como sopro “em maquinaria” ou “em trovoada”. Também podem ser encontrados pulsos periféricos amplos e ampla pressão de pulso. Em casos de PCA de pequeno fluxo, normalmente não há repercussões nas pressões do átrio direito e do ventrículo direito, ao passo que PCA de fluxo mais expressivo acaba gerando aumento considerável nas pressões dessas 2 câmaras, bem como na artéria pulmonar. Nesse caso, a PCA pode levar a doença vascular pulmonar caso a doença de base não seja corrigida. Com o aumento da pressão na artéria pulmonar e as alterações anatômicas no leito arterial (muscularização), há elevação da pressão no leito, podendo levar a inversão do fluxo no ducto arterial e, consequentemente, cianose. Na radiografia de tórax, pode-se observar aumento (hipertrofia) das câmaras cardíacas esquerdas (Figura 1.12), o coração bombeia mais sangue do que o volume circulante pelo hiperfluxo, embora ocorra também aumento do ventrículo direito, da trama vasobrônquica e da aorta ascendente. Figura 1.12 - Radiografia de tórax que mostra aumento das câmaras cardíacas esquerdas Fonte: Conexão anômala parcial de veias pulmonares em átrio direito com ausência de comunicação interatrial, 2007. O ECG pode evidenciar alterações compatíveis com sobrecarga biventricular ou predomínio do ventrículo direito, uma vez que ela é mais precoce. O ECO com Doppler é o exame padrão-ouro, pois evidencia a própria persistência do canal e é possível que também evidencie o fluxo sanguíneo local. Pode, ainda, estimar a hipertensão pulmonar, quando ela está presente. As complicações são insuficiência cardíaca congestiva, endarterite e doença vascular pulmonar – Eisenmenger. 1.4.3.2 Tratamento A abordagem inicial da PCA baseia-se em restrição hídrica, diuréticos, visando diminuir o trabalho cardíaco, e ventilação mecânica, quando necessário. Tal abordagem visa promover o fechamento da PCA, tanto por medidas farmacológicas – indometacina, ibuprofeno; esperam-se de 48 a 72 horas, com fechamento em 80% dos casos – como por procedimentos cirúrgicos (toracotomia ou cateterismo). O tratamento é feito com drogas (indometacina), cirurgia e cateterismo (“coils”). Figura 1.13 - Cateterismo com “coil” São contraindicações do uso do inibidor da prostaglandina E: a) Sepse; b) Plaquetopenia – menor que 80.000; c) Hemorragia intracraniana; d) Hiperbilirrubinemia; e) Sangramento renal ou enteral; f) Creatinina maior que 1,8 ou débito urinário menor que 1 mL/kg/h. 1.4.4 Retorno venoso anômalo parcial das veias pulmonares A síndrome da cimitarra é uma anomalia parcial da drenagem venosa do pulmão direito para a veia cava inferior. À radiografia de tórax, vê-se sombra de densidade vascular na silhueta cardíaca direita. Figura 1.14 - Cimitarra Fonte: Worldantiques, 2014. Figura 1.15 - Síndrome da cimitarra Fonte: JVinocur, 2010. 1.4.5 Estenose pulmonar Figura 1.16 - “Fácies de elfo” Tal cardiopatia diz respeito a defeitos na valva pulmonar e em seu anel, na região infundibular ou acima do anel pulmonar. A estenose pulmonar está associada à rubéola congênita. Ocorre a síndrome de Williams quando há associação a estenose aórtica supravalvar, hipercalcemia idiopática, “fácies de elfo” e retardo mental. 1.4.5.1 Diagnóstico Classicamente, está qualificada entre as cardiopatias acianóticas, no entanto, quando o grau de estenose é importante, pode apresentar- se com cianose, dispneia e fadiga, que pioram ao esforço físico. Outros achados ao exame físico incluem primeira bulha acentuada na área tricúspide e segunda bulha na área pulmonar, estalido protossistólico pulmonar e sopro sistólico em ejeção no segundo espaço intercostal esquerdo irradiado para a região infraclavicular esquerda e, algumas vezes, o pescoço. Eventualmente, o sopro pode ser de tal intensidade que encobre as bulhas. O ventrículo direito trabalha contra um obstáculo: a pressão em seu interior apresenta- se aumentada, podendo haver hipertrofia concêntrica, ou seja, aumento da espessura de suas paredes maior do que o aumento do volume de seu interior. Essa hipertrofia pode ser observada por radiografia de tórax, ECO ou ECG. Este pode evidenciá-la de forma indireta, por meio das alterações elétricas que gera desvio do eixo para a direita, ondas T positivas em derivações direitas e onda Q em V1 associada a sobrecarga atrial direita. O ECO demonstra, morfologicamente, estenose, mobilidade e espessura dos folhetos valvares, tamanho do anel valvar, dilatação pós-estenótica e gradiente transvalvar. Figura 1.17 - Radiografia de tórax mostrando trama vascular pulmonar diminuída na presença de aumento das cavidades direitas Nota: o arco médio retificado orienta para a presença de obstrução da via de saída do ventrículo direito. Fonte: Caso 1/2007 – Criança de três anos com Estenose Pulmonar Infundibular, 2007. 1.4.5.2 Tratamento O objetivo do tratamento é a correção da estenose por meio de valvoplastia com cateter e balão cirúrgico precoce seguido de profilaxia para endocardite. Quando há estenose pulmonar com cianose, o uso de prostaglandina E-1 pode proporcionar melhora do quadro. 1.4.6 Estenose aórtica Somente obstruções mais graves causam sintomas na infância. No quadro clínico, o aumento da obstrução resulta em aumento da área cardíaca, hipertrofia do ventrículo esquerdo, e diminuição do pulso. 1.4.6.1 Diagnóstico Evolui com aparecimento súbito de insuficiência cardíaca congestiva, edema pulmonar e, algumas vezes, colapso periférico. Além disso, ocorre aparecimento de frêmito sistêmico sobre a área aórtica, fúrcula e cervical, com estalido protossistólico aórtico e mitral e sopro rude em ejeção de máxima intensidade sobre o rebordo esternal direito. A radiografia revela área cardíaca normal nas estenoses discretas e dilatação aórtica e hipertrofiade ventrículo esquerdo nas estenoses graves. No ECG, há desvio de eixo para a esquerda, aparecimento de onda R em V5 e V6, profunda em V1 e V2, com padrão de “strain”, e alteração de repolarização ventricular. O ECO serve para análise da válvula, mobilidade, espessura, tamanho do anel, dilatação pós-estenótica, gradiente transvalvar, hipertrofia do ventrículo esquerdo e obstruções subvalvares e supravalvares. Figura 1.18 - Radiografia de tórax que salienta a dilatação do arco superior à direita correspondente a aorta ascendente dilatada Fonte: Caso 7/2003 - Instituto do coração do hospital das Clínicas da FMUSP, 2003. 1.4.6.2 Tratamento Compreende seguimento do paciente assintomático e profilaxia de endocardite. Nos casos críticos, trata-se primeiramente a insuficiência cardíaca congestiva e prepara-se para a cirurgia. 1.4.7 Coarctação da aorta Em 98% dos casos a coarctação é justaductal. Figura 1.19 - Coarctação da aorta Fonte: Nelson Textbook of Pediatrics. Associada à síndrome de Turner e à válvula bicúspide em mais de 70% dos casos, trata-se de um estreitamento ou de obstrução do arco aórtico que pode ocorrer antes da emergência do canal arterial, na própria junção da aorta com este ou mesmo após a emergência deste, porém, ainda no arco. Pode, também, ser classificada em relação à emergência da artéria subclávia esquerda, 98% dos casos ocorrem abaixo dela, na posição justaductal ou mesmo pré-ductal. Figura 1.20 - Coarctação da aorta Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Lembrando da circulação fetal e da posição do ducto arterial, note-se que o ducto arterial se insere na aorta após a emergência das artérias subclávias. Por isso, em casos de CoAo em que o estreitamento acontece antes do ducto arterial, a circulação para os órgãos abdominais e para os membros inferiores ocorre por intermédio da manutenção da permeabilidade desse ducto. O sangue proveniente do ventrículo direito é desviado para a aorta descendente por intermédio do ducto arterial, e, dessa forma, é garantida a circulação abaixo da coarctação, embora com baixa concentração de oxigênio. 1.4.7.1 Diagnóstico Ao quadro clínico estará presente o sinal clássico, que é a diferença de pulso e pressão de membros superiores e inferiores. Por meio da palpação simultânea de pulsos, será verificado o atraso radial- femoral. Figura 1.21 - Cianose diferencial Fonte: Nelson Textbook of Pediatrics. O quadro clínico pode variar desde totalmente assintomático até com manifestação clara de insuficiência cardíaca. O sinal clínico de maior expressão de coarctação da aorta é a diferença de pulsos e de pressão arterial entre os membros inferiores e superiores. Os pulsos femorais, poplíteos, tibiais posteriores e pediosos são mais fracos quando comparados aos braquiais, radiais e carotídeos. Tal diferença varia na dependência da circulação pelas artérias mamárias internas e intercostais oriundas das subclávias ou, até mesmo, das artérias frênicas e vertebrais. A diferença nas pressões sistólicas pode variar entre 145 mais ou menos 12mmHg nos membros superiores e 70 mais ou menos 10 mmHg nos membros inferiores. Precórdio pulsátil ou hiperdinâmico não é raro, bem como a presença de frêmitos. À ausculta, verifica-se sopro sistólico na borda esternal esquerda entre o terceiro e o quarto espaços intercostais, que se irradiam para o dorso e o pescoço. Em alguns casos, pode haver sopro sistólico audível na região interescapular, na altura correspondente à coarctação. Atualmente, o diagnóstico é obtido, em especial, por meio de ECO. Entretanto, outros exames podem contribuir, como o ECG, que pode mostrar alterações importantes no seguimento ST e ondas T negativas em V5 e V6. As alterações na radiografia de tórax dependem da idade do paciente, dos efeitos da hipertensão arterial e da circulação colateral. Entre os lactentes, verificam-se aumento de área cardíaca e congestão pulmonar e, nas crianças maiores, aumento acentuado do ventrículo esquerdo. A partir da primeira década, acentua-se tal aumento, e a artéria subclávia aumentada é visualizada com uma sombra no mediastino superior. Eventualmente, verifica-se imagem de dilatação da aorta descendente. Utilizando-se de radiografia de esôfago contrastado, pode-se encontrar uma imagem de “3 invertido”, com espessamento das bordas inferiores das costelas com erosão central – sinal de Röesler. Figura 1.22 - Sinal de Röesler (setas) Fonte: Medical Pictures Info. 1.4.7.2 Tratamento No tratamento inicial do RN em estado grave, administra-se prostaglandina até a avaliação do grau de comprometimento da circulação e, se necessário, manutenção da medicação até correção cirúrgica. Em alguns casos, pode-se fazer correção eletiva, desde que o RN se encontre assintomático. Em casos de RN com sinais de insuficiência cardíaca, esta deve ser primeiramente compensada para, em seguida, ser realizado procedimento cirúrgico. Entretanto, um ótimo momento para a correção cirúrgica está entre o segundo e o quarto ano. As complicações aumentam com a idade, podendo ocorrer, nos adultos não tratados, hipertensão arterial, encefalopatia hipertensiva, coronariopatia, além de endarterite e endocardite. 1.4.8 Defeito do septo atrioventricular É uma anormalidade do desenvolvimento dos coxins endocárdicos que resulta em uma CIA tipo ostium primum, uma CIV e uma única valva atrioventricular. Comporta-se mecanicamente como uma grande CIV. O shunt ocorre da esquerda para a direita, e pode ocorrer aumento da resistência pulmonar. É a anomalia cardíaca mais frequente nos pacientes com síndrome de Down. Clinicamente se manifesta por dispneia, baixo desenvolvimento ponderoestatural e infecções respiratórias de repetição. Ao exame, o sopro pode ser discreto pois as pressões nos átrios e ventrículos é equilibrada. A segunda bulha é hiperfonética e pode ser desdobrada. Quando a hipertensão pulmonar se desenvolve com hiper- resistência vascular pulmonar aparece a cianose generalizada, que é mais precoce nos pacientes com síndrome de Down. O exame padrão ouro para seu diagnóstico é o ecocardiograma com Doppler. O tratamento é sempre cirúrgico. 1.5 PROLAPSO MITRAL Anormalidade valvar mais comum, ocorre geralmente por degeneração mixomatosa na valva e nas cordoalhas. A valva fica espessada e alargada, e quando o ventrículo esquerdo se contrai, os folhetos da valva se projetam para dentro do ventrículo, permitindo refluxo do sangue para dentro do átrio esquerdo. Quando o prolapso é significativo pode levar à insuficiência cardíaca e arritmia. A causa da degeneração mixomatosa é desconhecida, mas tem um forte componente hereditário. É especialmente frequente na síndrome de Marfan. A maioria dos pacientes são assintomáticos, porém quando há queixa o cansaço e a palpitação são as queixas mais frequentes. Quando intenso, o prolapso se manifesta com sinais de insuficiência cardíaca. Ao exame físico ocorre estalido mitral característico seguido por um ruído ou sopro. O exame padrão-ouro é o ecocardiograma com Doppler. O tratamento não é necessário na maioria dos pacientes. Pacientes com regurgitação mitral ou evidência de degeneração mixomatosa devem receber profilaxia com antibiótico antes de qualquer procedimento que possa causar bacteriemia. Qual é o sinal clínico clássico da coarctação de aorta? O sinal clínico clássico da coarctação de aorta é a diferença de pulso e pressão de membros superiores e inferiores. Por meio da palpação simultânea de pulsos, será verificado o atraso radial-femoral. Quais alterações caracterizam a tetralogia de Fallot? 2.1 INTRODUÇÃO As cardiopatias congênitas podem ser divididas de acordo com a fisiopatologia, com fluxo pulmonar diminuído – por exemplo: tetralogia de Fallot, anomalia de Ebstein e outras – ou aumentado – transposição dos grandes vasos, truncus arteriosus e outros. A radiografia de tórax é útil para a diferenciação inicial entre essas 2 categorias. As lesões cianóticas com fluxo pulmonar diminuído incluem obstrução do fluxo sanguíneo pulmonar emassociação a existência de um caminho pelo qual o sangue venoso sistêmico possa ser desviado da direita para a esquerda e entrar na circulação sistêmica. O grau de cianose depende da gravidade da obstrução do fluxo pulmonar. Caso a obstrução seja leve, o paciente pode ser acianótico em repouso, além da hipótese de crises hipercianóticas em condições de estresse. Nos casos de obstrução muito grave, o fluxo pulmonar pode depender da patência do ducto arterial. Quando o ducto se fecha nos primeiros dias de vida, o neonato passa por profunda hipoxemia e choque. As lesões cianóticas com fluxo pulmonar aumentado apresentam a cianose causada por conexões ventriculoarteriais anormais – transposição dos grandes vasos – ou por mistura total do sangue venoso sistêmico e pulmonar no coração – truncus arteriosus. 2.2 TETRALOGIA DE FALLOT Tal cardiopatia consiste em 4 alterações interligadas, que produzem cianose exatamente devido à concomitância de algumas destas (Figura 2.1). A tetralogia de Fallot envolve comunicação interventricular, estenose pulmonar, dextroposição da aorta e hipertrofia do ventrículo direto. Figura 2.1 - Tetralogia de Fallot Legenda: (A) Tetralogia de Fallot – a) estenose da válvula pulmonar; b) hipertrofia do ventrículo direito; c) dextroposição da aorta; d) comunicação intraventricular; (B) radiografia de tetralogia de Fallot “em tamanco holandês”. A obstrução na via de saída do ventrículo direito leva a aumento da pressão durante a sístole. Dessa forma, na dependência do grau da obstrução, há shunt direito-esquerdo entre os ventrículos. A aorta dextroposta situa-se, parcialmente, sobre a comunicação interventricular (CIV), por consequência, uma parte do sangue lançado na circulação sistêmica é constituída de hemoglobina reduzida. Quando a obstrução é discreta, o fluxo entre os ventrículos acontece da esquerda para a direita. Portanto, o grau de obstrução na via de saída do ventrículo direito determina o grau de cianose e da sintomatologia do paciente. A cianose pode não ser inicialmente observada na dependência da permeabilidade do canal arterial, ou seja, o sangue é desviado do ventrículo direito para o esquerdo e lançado na artéria aorta. Na dependência do valor de pressão da artéria pulmonar, pode haver fluxo da aorta para a artéria pulmonar e daí para os pulmões, sendo então oxigenado. Caso essa situação se perpetue, as manifestações de insuficiência cardíaca podem preceder a cianose. Em outros casos, esta pode surgir gradativamente à medida que se fecha o canal arterial. 2.2.1 Diagnóstico O quadro clínico pode variar de discreta cianose em mucosa, lábios e leitos ungueais, eventualmente visíveis apenas ao choro ou à mamada, e apresentar-se com baqueteamento de dedos e hipodesenvolvimento físico em casos mais expressivos. O exame físico pode evidenciar sopro sistólico ejetivo, segunda bulha única e frêmito. Também é comum haver policitemia, um mecanismo de compensação da cianose. Crises hipercianóticas ou hipoxêmicas ocorrem com lactentes e crianças até 2 anos, são paroxísticas e caracterizam-se por hiperpneia, irritabilidade e choro prolongado – que aumenta a cianose –, podendo levar o lactente a síncope, convulsões e, esporadicamente, morte. Tais crises podem ocorrer quando há aumento da resistência ao fluxo de saída do ventrículo direito ou diminuição da resistência sistêmica, pelo aumento do shunt direito-esquerdo e queda na oxigenação ainda maior do que a existente de base. No momento da crise, deve-se colocar o paciente em posição genupeitoral – cócoras – por diminuir a circulação nos membros inferiores e consequente redução do shunt direito- esquerdo, administrar oxigênio e morfina. O diagnóstico, na maioria das vezes, é obtido intraútero por ultrassonografia, porém a doença não tem repercussão nesse período. Após o nascimento, o ecocardiograma (ECO) continua a ser o exame de eleição, em virtude da sua facilidade e acurácia. A radiografia de tórax mostra área cardíaca normal ou discretamente aumentada, botão aórtico saliente e ápice cardíaco elevado acima do diafragma. O coração apresenta-se com imagem semelhante a um tamanco holandês, sendo assim chamada. Em 25% dos casos, ocorre arco aórtico para a direita: coração em sabot. O eletrocardiograma (ECG) mostra alterações elétricas compatíveis com hipertrofia ventricular direita, onda T ascendente em V1 com onda R pura e sem onda S. Figura 2.2 - Radiografia de tórax – diagnóstico da tetralogia de Fallot Fonte: Caso 6/2004 – lactente de 14 meses com tetralogia de Fallot e com discreto hiperfluxo pulmonar. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP, 2004. 2.2.2 Tratamento O tratamento para as crises hipercianóticas de hipóxia é composto por: a) Oxigênio; b) Morfina para suprimir o centro respiratório e abolir a taquipneia; c) Posição genupeitoral para aumentar a resistência vascular periférica; d) Vasoconstritores para aumentar a resistência vascular sistêmica: epinefrina 0,01 mg/kg; e) Bicarbonato de sódio – 1 mEq/kg – intravenoso; f) Betabloqueadores para relaxar a musculatura infundibular – propranolol via IV; g) Cetamina – 1 a 3 mg/kg – para sedar e aumentar a resistência vascular periférica; h) Tetralogia de Fallot – o tratamento para RNs com obstrução importante compreende, inicialmente, a manutenção de prostaglandina em infusão contínua até ser realizada a cirurgia paliativa – shunt Blalock-Taussig –. Esta é indicada para crianças abaixo de 6 meses, com más condições clínicas ou com anatomia desfavorável. Consiste em um conduto que liga a artéria subclávia ao ramo homolateral da artéria pulmonar. A cirurgia corretiva deve ser feita entre 3 meses e 1 ano, e consiste em alívio da obstrução do trato de saída de ventrículo direito, removendo as faixas de músculo ali localizadas e promovendo o fechamento da CIV com um patch. Por vezes pode ser necessária uma valvotomia – valva pulmonar estenótica. 2.2.3 Complicações a) Trombose cerebral – policitemia, desidratação – menor que 2 anos; b) Abscesso cerebral – maior que 2 anos; c) Endocardite. 2.3 ANOMALIA DE EBSTEIN DA VÁLVULA TRICÚSPIDE Na anomalia de Ebstein da válvula tricúspide, temos, como alterações, aumento no tamanho do átrio direito, válvula tricúspide regurgitante, obstrução ao fluxo de saída do ventrículo direito – tricúspide “em vela de barco” – e excesso de volume do átrio direito pelo forame oval para o átrio esquerdo: shunt que gera cianose. Figura 2.3 - Radiografia de tórax de paciente com anomalia de Ebstein e esquema com as correspondências anatômicas Trata-se de uma doença rara, que representa 0,04% das cardiopatias congênitas e consiste no deslocamento para baixo de válvula tricúspide anormal, entrando no ventrículo direito e dividindo-o em 2 partes: a primeira, que é uma continuidade do átrio direito, e a segunda, menor, que funciona como ventrículo. O átrio direito é muito grande, e a válvula tricúspide, em geral, regurgitante (Figura 2.4). Figura 2.4 - Anomalia de Ebstein Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. O débito do ventrículo direito é baixo. Já o aumento de volume do átrio direito leva a desvio do sangue deste, por meio do forame oval, para o átrio esquerdo, provocando a cianose. Quanto ao quadro clínico, neonatos com formas graves de anomalia de Ebstein apresentam cianose intensa, cardiomegalia gigante e sopro sistólico; também são comuns o ritmo de galope e a presença de estalidos. O fluxo pulmonar costuma depender do canal arterial. 2.3.1 Diagnóstico O diagnóstico é feito com o ECG, que indica bloqueio do ramo direito; pode ocorrer taquicardia supraventricular – síndrome Wol�- Parkinson-White –; a radiografia revela cardiomegalia, e o ECO ou o cateterismo confirma o diagnóstico. Figura 2.5 - Radiografia de tórax com grande aumento de área cardíaca à custa das câmaras direitas Fonte: Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. 2.3.2 Tratamento O tratamento em neonatos com hipóxia grave deve ser feito com prostaglandina. Algumas vezes é indicado shunt aortopulmonar– procedimento de Starnes –, ao passo que o tratamento cirúrgico está indicado para os pacientes com insuficiência cardíaca, cardiomegalia progressiva, arritmia cardíaca e cianose. 2.4 TRANSPOSIÇÃO DE GRANDES ARTÉRIAS A Transposição de Grandes Artérias (TGA) é uma malformação cardíaca congênita em que a relação atrioventricular está mantida, de forma que parte ou todo o sangue que chega ao átrio direito passa ao ventrículo direito. O sangue proveniente da circulação chega ao átrio direito por meio das veias cavas. Do ventrículo direito emerge a artéria aorta, devolvendo o sangue à circulação sistêmica (Figura 2.6). O sangue proveniente dos pulmões chega ao átrio esquerdo, de onde parte, ou todo o sangue chega ao ventrículo esquerdo. Deste emerge ao tronco pulmonar, retornando aos pulmões. Como se pode notar, caso não haja mistura desse sangue em algum ponto, têm-se 2 circulações “fechadas” não comunicantes e os tecidos jamais receberiam sangue oxigenado. Figura 2.6 - Fluxo invertido Legenda: (A) coração normal – circulação normal; (B) coração com malformação – circulação em coração com transposição dos grandes vasos. Por isso, é impossível haver sobrevivência. Caso contrário, certamente o sangue da circulação sistêmica se misturaria ao da circulação pulmonar. Na maioria das vezes, isso acontece por meio de CIA, CIV e/ou PCA. A TGA pode apresentar-se com septo interventricular íntegro ou com CIV. No caso de septo interventricular íntegro, a comunicação entre as 2 circulações acontece por meio da CIA e do canal arterial. Com seu o fechamento, há aumento da cianose e insuficiência cardiorrespiratória gradativa. A transposição de grandes artérias apresenta maior incidência em filhos de diabéticas e em homens (3:1). 2.4.1 Diagnóstico A ausculta cardíaca apresenta sopro sistólico em ejeção e de intensidade variável na área pulmonar, segunda bulha única e, no caso de PCA, sopro contínuo. O ECG apresenta alterações elétricas que indicam desvio de eixo para a direita, sobrecarga ventricular direita e V1 com morfologia Rs e R’ com onda T positiva em V1 e V2. Quando há CIV, a comunicação entre as 2 circulações está garantida; mesmo com o fechamento do canal arterial, a cianose eventualmente pode não ser vista e, quando presente, não revela grande piora com o seu fechamento. No entanto, após a terceira semana de vida, o RN já pode apresentar algum sinal de insuficiência cardíaca, com taquicardia e taquipneia. A ausculta pode apresentar- se com sopro contínuo de alta frequência e de localização paraesternal esquerda baixa, com segunda bulha hiperfonética em área pulmonar e tricúspide. O ECG mostra alterações elétricas sugestivas de sobrecarga de câmaras esquerdas e ventrículo direito. Figura 2.7 - Radiografia de tórax com situs solitus visceral Nota: segundo arco escavado com afilamento de estruturas mediastinais e proeminência vascular pulmonar com discreta oligoemia periférica, típica de portador de transposição de grandes artérias. Fonte: Portadora de transposição das grandes artérias operada em idade pré-escolar, 2007. 2.4.2 Tratamento As opções de tratamento são: a) Prostaglandina E1; b) Atriosseptostomia de Rashkind; Em se tratando de cirurgia: a) Troca arterial (cirurgia de Jatene), a qual deve ser feita nas primeiras 2 semanas de vida, porque o ventrículo esquerdo pode hipotrofiar e não aguentar a pressão; b) TGA com CIV, a qual pode ser feita após 2 semanas de vida, uma vez que a CIV equaliza as pressões entre os ventrículos. O tratamento baseia-se, sempre, no uso de prostaglandina E-1, na forma intravenosa e contínua, oxigênio, correção de qualquer distúrbio acidobásico e/ou hidroeletrolítico, atriosseptostomia com cateter balão ou lâmina e, no caso de insuficiência cardíaca, uso de digoxina e diuréticos. E o tratamento cirúrgico, sempre indicado, pode ser a cirurgia de Jatene, de Senning ou, ainda, de Rastelli, de preferência até a segunda semana de vida. 2.5 RETORNO VENOSO PULMONAR ANÔMALO TOTAL Nessa condição, as veias pulmonares podem drenar acima ou abaixo do diafragma. O diagnóstico é feito por meio de radiografia de tórax, e é patognomônica em crianças maiores a imagem “em boneco de neve”. Figura 2.8 - Imagem “em boneco de neve” 2.6 SÍNDROME DO CORAÇÃO ESQUERDO HIPOPLÁSICO Nessa síndrome, não há o desenvolvimento do lado esquerdo do coração (atresia aórtica, atresia mitral). Dentre as alterações, estão a hipoplasia da aorta ascendente e o ventrículo esquerdo não funcional. O ventrículo direito mantém as circulações sistêmica e pulmonar. Figura 2.9 - Fisiologia da síndrome do coração esquerdo hipoplásico Legenda: os números dentro dos círculos representam os valores de saturação de oxigênio. Fonte: Nelson Textbook of Pediatrics. Figura 2.10 - Fisiologia da síndrome do coração esquerdo hipoplásico Nota: o sangue com pouca oxigenação, oriundo da circulação sistêmica, retorna ao átrio direito normalmente. A maior parte do sangue oxigenado que retorna dos pulmões para o átrio esquerdo atravessa um defeito do septo atrial para se unir ao sangue pouco oxigenado no átrio direito. Esse sangue misto é, então, ejetado pelo ventrículo direito para a artéria pulmonar. O sangue na artéria pulmonar é direcionado aos pulmões e à aorta através de um canal arterial patente. Fonte: adaptado de Comparison of Shunt Types in the Norwood Procedure for Single- Ventricle Lesions, 2010. 2.6.1 Tratamento A cirurgia de Norwood possui 3 estágios (respectivamente, Figuras 2.11, 2.12 e 2.13). Figura 2.11 - Primeiro estágio Legenda: (A) o tronco da artéria pulmonar é transectado, e é criada uma (B) “neoaorta”, formada com a cirurgia de Norwood e o shunt de Blalock-Taussig modificado. Figura 2.12 - Segundo estágio: anastomose de Glenn Figura 2.13 - Terceiro estágio: procedimento de Fontan com a utilização de um conduto extracardíaco para conectar o fluxo sanguíneo da veia cava inferior com a artéria pulmonar Figura 2.14 - Procedimento de Fontan 2.7 TRUNCUS ARTERIOSUS Um tronco arterial único sai do coração e supre as circulações sistêmica e pulmonar. Uma CIV está sempre presente com o tronco arterial, ficando logo acima da CIV, recebendo sangue tanto do ventrículo direito quanto do esquerdo. O tronco arterial origina a aorta ascendente e a artéria pulmonar (Figura 2.15). A saturação de oxigênio na aorta é a mesma que a observada na artéria pulmonar, definição de lesão com mistura total. 2.7.1 Diagnóstico O quadro clínico apresenta-se de modo que, como o fluxo pulmonar é grande, há pouca cianose. O hiperfluxo pulmonar também leva a insuficiência cardíaca. O truncus arteriosus pode estar associado à síndrome de DiGeorge. A síndrome de DiGeorge envolve orelhas de baixa implantação, boca pequena, fenda palatina, ausência de timo e das paratireoides, anomalias cardíacas, atraso mental, déficit de crescimento, convulsões e problemas cognitivo-comportamentais. Figura 2.15 - Radiografia de tórax de paciente jovem com truncus arteriosus Nota: área cardíaca aumentada e mediastino estreito; percebe-se, ainda, pletora pulmonar. 2.7.2 Tratamento O tratamento é cirúrgico e compreende o fechamento da CIV, a separação da artéria pulmonar do tronco arterial e o estabelecimento de um circuito entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar (reparo de Rastelli). Figura 2.16 - (A) Coração normal e (B) coração com truncus arteriosus Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. Quais alterações caracterizam a tetralogia de Fallot? A tetralogia de Fallot é caracterizada pela presença de comunicação interventricular, dextroposição da aorta, estenose pulmonar e hipertrofia de ventrículo direito. Como deve ser aferida a pressão arterial nas crianças e adolescentes e como é definida e classificada a hipertensão arterial? 3.1 INTRODUÇÃO A Hipertensão Arterial (HA) é conceituada pela 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, publicada em 2016, como uma condição clínica multifatorial caracterizada pela elevação sustentada dos níveis pressóricos. A porcentagemde crianças e adolescentes com HA dobrou nas últimas décadas, com prevalência estimada de 3,5%, e esse aumento é atribuído ao aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade na população pediátrica. A etiologia da HA pediátrica depende muito da idade, sendo que nas crianças menores é mais frequente a HA secundária a nefropatias e, em adolescentes, a HA primária associada a causas genéricas e obesidade. A HA nas crianças costuma ser assintomática, porém 40% já podem apresentar hipertrofia de ventrículo esquerdo, fator preditor importante de arritmias e de insuficiência cardíaca na idade adulta, além da lesão de outros órgãos-alvo como retina e carótidas. Além disso, a Pressão Arterial (PA) elevada durante a infância se correlaciona com aumento da PA na idade adulta e presença de HA. Já a presença de valores normais de PA durante a infância se correlaciona com a ausência de HA na idade adulta. O diagnóstico precoce e tratamento da PA elevada na infância se associa ao menor risco de comorbidades na vida adulta, como HA e síndrome metabólica, e por isso se recomenda a aferição anual da PA em consultas de rotina a partir dos 3 anos de idade para todas as crianças. As crianças menores de 3 anos devem ter sua PA avaliada em situações de risco específicas, como nefropatias, uso de drogas que elevam a PA e cardiopatias congênitas. A aferição da PA deve ser feita respeitando-se as padronizações de medição, que serão abordadas no decorrer deste capítulo. 3.2 DEFINIÇÕES Em 2004, com a publicação do National High Blood Pressure Education Program (NHBPEP), foi unificada e normatizada a classificação da PA na população pediátrica. Em Pediatria, diferentemente da população adulta, os valores pressóricos normais são definidos de acordo com dados obtidos a partir da aferição da PA de crianças sadias e distribuídos em uma tabela normativa com base na idade cronológica, sexo e percentil de estatura. A publicação de 2004 foi atualizada em 2017 pela American Academy of Pediatrics com os novos valores e classificação de PA que serão abordados ao longo do capítulo. A grande mudança foi a retirada das crianças com sobrepeso e obesidade das tabelas, o que causou uma diminuição nos valores considerados normais de PA, e consequentemente, um aumento no número de hipertensos. A 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial foi publicada em 2016 e, portanto, utiliza a classificação adotada em 2004. A Sociedade Brasileira de Pediatria já recomenda a adoção dos novos valores e termos publicados pela American Academy of Pediatrics em 2017. É considerada PA normal qualquer valor de Pressão Arterial Sistólica (PAS) e Pressão Arterial Diastólica (PAD) que esteja abaixo do percentil 90 – p90 – para idade, sexo e estatura. Isso não mudou com a atualização das tabelas dos valores de PA. De acordo com a classificação abordada na 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, crianças e adolescentes que apresentam PAS e/ou PAD ≥ p95 em 3 aferições diferentes são considerados hipertensas. Crianças com valores de PAS e/ou PAD ≥ p90 e < p95 e adolescentes com PAD/PAS ≥ 120x80 mmHg e < p95 são considerados pré-hipertensos. A hipertensão estágio 1 (HA 1) era considerada quando os valores pressóricos estavam entre o percentil 95 – p95 – e 5mmHg acima do percentil 99 – p99 –. A hipertensão estágio 2 (HA 2) era considerada quando os valores pressóricos estivessem mais que 5 mmHg acima do p99. A nova classificação não considera mais o p99 e muda o termo “pré- hipertensão” para “pressão arterial elevada”, além de dividir as crianças e os adolescentes de 13 anos ou mais, conforme as Tabelas a seguir. Tabela 3.1 - Para crianças entre 1 e 13 anos de idade Fonte: American Academy of Pediatrics, 2017. Tabela 3.2 - Para crianças de 13 anos ou mais Fonte: American Academy of Pediatrics, 2017. 3.3 ETIOLOGIA A HA pode ser primária, sem causa identificável, ou secundária, com causa identificável. A HA primária é a mais prevalente em adolescentes, principalmente naqueles com sobrepeso e obesidade. No entanto, é um diagnóstico de exclusão, e as causas secundárias devem ser investigadas sempre que possível. A obesidade, sexo masculino, etnias hispânica e africana, histórico familiar de HA, ausência de aleitamento materno e agravos no período perinatal e pós-natal são fatores de risco para a HA primária. Considerar como mais frequente a hipertensão secundária em crianças menores e hipertensão primária em crianças maiores de 6 anos e adolescentes. A HA secundária é mais frequente em crianças mais jovens, menores de 6 anos, mas pode acometer todas as faixas etárias. As doenças renais correspondem à principal etiologia – 60% a 90%– e incluem nefropatias parenquimatosas, renovasculares e obstrutivas. As doenças endócrinas, como excesso de mineralocorticoides e doenças da tireoide, correspondem a 5% dos casos, e a coarctação de aorta, a 2%. A HA secundária também pode ser secundária a neurofibromatose, ser causada por medicamentos— corticoides, anticoncepcionais orais, estimulantes do sistema nervoso central – por exposição ambiental – substâncias como mercúrio, cádmio, ftalatos e chumbo – ou por HA monogênica. 3.4 DIAGNÓSTICO 3.4.1 Aferição da pressão arterial A aferição da PA deve ser feita em crianças saudáveis pelo menos uma vez ao ano a partir dos 3 anos de idade. Crianças com 3 anos ou mais, com fatores de risco para HA, devem ter sua PA aferida em cada visita ao serviço de saúde. Crianças menores que 3 anos, em situações de risco para HA, devem ter sua PA aferida em toda consulta de rotina ou conforme necessário. São fatores de risco para aferição de PA em menores que 3 anos: a) Nefropatias, ITU de repetição; b) Cardiopatias congênitas corrigidas ou não; c) Em uso de drogas que elevam a PA; d) Prematuro menores que 32 semanas, muito baixo peso ao nascer, com antecedente de cateterização umbilical ou outras complicações com necessidade de internação em UTI no período neonatal; e) Submetidos a transplantes de órgãos sólidos ou medula óssea; f) Neoplasias; g) Evidências de aumento da pressão intracraniana; h) Outras doenças associadas à hipertensão – neurofibromatose, anemia falciforme. Aferir a PA pelo menos 1 vez ao ano em crianças saudáveis ≥ 3 anos. Nas crianças ≥ 3 anos com fator de risco para HA, aferir a PA em toda visita médica. Aferir a PA em crianças < 3 anos com fatores de risco para HA conforme necessário. Para aferir a PA, a criança deve estar calma por pelo menos 5 minutos, preferencialmente sentada, com os pés e as costas apoiados. Alimentos ou bebidas estimulantes não devem ser oferecidos antes da aferição. O braço escolhido deve ser o direito – pacientes com coarctação de aorta têm uma PA falsamente baixa no braço esquerdo – e ele deve estar apoiado no nível do coração. O método preferencial é o auscultatório e, na sua ausência, indica-se o método oscilométrico. Caso ocorra alteração no valor da PA pelo método oscilométrico, esta deve ser confirmada com o método auscultatório. Deve-se sempre usar um manguito adequado para cada criança. A escolha do manguito é feita através da medida da circunferência do braço no ponto médio entre o acrômio e o olecrânio. O comprimento da bolsa inflável deve ser de 80 a 100% da circunferência do braço, e a largura deve equivaler a 40% da circunferência do braço. O comprimento do manguito deve ser de 80 a 100% da circunferência do braço, e a largura deve equivaler a 40% da circunferência do braço. Os manguitos menores que os ideais superestimam a PA, e os maiores mostram valores mais baixos. Figura 3.1 - Técnica de medida da pressão arterial Fonte: adaptado de Hipertensão arterial na infância, 2003. Aferir a PA pelo menos 2 vezes, no mesmo braço, com um intervalo de tempo de 1 a 2 minutos. Se o valor da segunda medida for > 5 mmHg, afere-se novamente até que se chegue a um valor estável. Caso a medida da PA no membro superior direito esteja elevada, outra aferição deve ser feita no membro superior esquerdo e em um dos membros inferiores. Essa medida deve ser feitacom o paciente deitado e o manguito deve ser colocado na panturrilha de modo a cobrir pelo menos 2 terços da distância entre o tornozelo e o joelho. O diagnóstico de HA só deverá ser feito se as medidas de PAS e/ou PAD estiverem ≥ p95 ou ≥ 130x80 mmHg em pelo menos 3 visitas diferentes ao serviço de saúde. O diagnóstico de HA só deve ser feito quando as medidas de PAS e, ou PAD estiverem maior que p95 ou maior que 130x80 mmHg em pelo menos 3 visitas diferentes ao serviço de saúde. Muitas vezes, as crianças que apresentam aumento de PA na primeira visita têm redução importante nos valores de PA na visita subsequente. É o chamado efeito de acomodação, que resulta da diminuição da ansiedade da primeira medida, responsável pela Hipertensão do Avental Branco (HAB). A HAB é uma situação clínica na qual o paciente apresenta valores elevados de PA quando aferida no consultório, porém apresenta valores normais de PA quando aferidas por Medida Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) ou Medida Residencial da Pressão Arterial (MRPA). A prevalência descrita de HAB nas crianças é de 22 a 32%. A realização de MAPA em crianças e adolescentes é indicada na investigação da HAB, na hipertensão mascarada e no seguimento de pacientes com PA elevada ou HA. 3.4.2 Anamnese Detalhar as informações sobre o nascimento, crescimento e desenvolvimento, antecedentes de doenças renais e urológicas, endócrinas, cardíacas e neurológicas. Avaliar o histórico nutricional e se há consumo aumentado de sódio, alimentos com muita gordura e bebidas açucaradas em detrimento de vegetais, frutas e alimentos com pouca gordura. Avaliar o histórico de atividade física e sedentarismo, histórico psicossocial – depressão, bullying, ansiedade, maus-tratos, uso de álcool e tabaco – e história familiar de hipertensão. 3.4.3 Exame físico Sempre avaliar peso, estatura e índice de massa corpórea nas curvas padronizadas. Um exame físico detalhado pode mostrar indícios de que a HA é secundária ou evidenciar lesão de órgão-alvo e complicações associadas a HA. Atraso no crescimento pode ser indício de doença crônica, aumento da frequência cardíaca pode indicar hipertireoidismo ou fenilcetonúria, hipertrofia das adenoides está associada a distúrbios do sono, e acantose nigricans sugere resistência a insulina e diabetes. Sempre avaliar a PA nas crianças que já têm diagnóstico de HA ou de PA elevada nos 2 braços e em 1 das penas. A PA normalmente é cerca de 10 a 20 mmHg mais elevada nos membros inferiores do que nos superiores. Uma inversão nesses valores pode indicar coarctação de aorta. 3.4.4 Exames complementares Os exames subsidiários têm como objetivo definir a etiologia da HA, identificar lesão de órgão-alvo e fatores de risco cardiovascular. De acordo com a 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, todas as crianças e adolescentes com HA 1 e 2 devem ser avaliadas para buscar lesão de órgão-alvo. Polissonografia ou poligrafia residencial está indicada para crianças e adolescentes com distúrbio de sono. Exames específicos para investigar HA secundária estão listados a seguir: a) Hemograma completo; b) Função renal e eletrólitos (incluindo cálcio e magnésio); c) Perfil lipídico; d) Ácido úrico sérico; e) Glicemia de jejum; f) Exame de urina I e urocultura; g) Radiografia de tórax; h) Eletrocardiograma – ecodopplercardiograma; i) Ultrassonografia renal com Doppler de artérias renais; j) Fundoscopia. São exames para confirmação de hipertensão arterial secundária: a) Dosagem de eletrólitos na urina, proteinúria, creatinina urinária; b) Nível sérico de renina (ou atividade de renina plasmática), aldosterona, cortisol salivar, PTH, TSH, T4 livre e T3 livre; c) Eletroforese de hemoglobina; d) Autoanticorpos específicos: FAN, anti-DNA, p-ANCA, c-ANCA; e) Catecolaminas e metanefrinas na urina (ou metanefrina plasmática) e cintilografia com metaiodobenzilguanidina. A American Academy of Pediatrics recomenda, além dos exames citados anteriormente, também solicitar aos pacientes obesos hemoglobina glicada, transaminases – pesquisa de esteato-hepatite – e perfil lipídico em jejum. 3.5 MANEJO INICIAL DO PACIENTE ATÉ O DIAGNÓSTICO 3.5.1 Pacientes com pressão arterial elevada A American Academy of Pediatrics recomenda que, após a primeira consulta, o paciente com PA elevada seja orientado quanto a mudanças do estilo de vida, como perda de peso, reeducação alimentar e atividade física, e que seja reavaliado em 6 meses. Se a PA persistir > p90, (checar a PA sempre nos 2 braços e em 1 das pernas), reforçar as orientações de mudança no estilo de vida e reavaliar o paciente após mais 6 meses. Se após os 12 meses, e 3 medidas, o paciente persistir com PA elevada, solicitar MAPA e todos os exames da investigação inicial. Considerar encaminhar ao cardiologista ou nefrologista pediátrico para acompanhamento específico. 3.5.2 Pacientes com valores de pressão arterial estágio HA 1 Para os pacientes que estão assintomáticos, a American Academy of Pediatrics recomenda, inicialmente, a terapia não farmacológica com mudança do estilo de vida e reavaliação em 1 a 2 semanas. Se após esse período a PA persistir > p95 na aferição auscultatória (2 braços e 1 perna), as orientações nutricionais e de atividade física devem ser reforçadas e a PA deve ser reavaliada em 3 meses. Se após as 3 visitas o paciente continuar com HA 1 e assintomático, solicitar MAPA, exames iniciais de triagem e encaminhar para o especialista. 3.5.3 Pacientes com valores de pressão arterial estágio HA 2 A American Academy of Pediatrics recomenda que o paciente com HA 2 (PA > p95 + 12 mmHg) assintomático receba as recomendações de mudança de estilo de vida e que seja reavaliado dentro de 1 semana. A qualquer momento pode ser encaminhado para um centro de referência. Se após 1 semana a PA persistir com níveis de HA 2, pode-se ou solicitar MAPA, exames iniciais de triagem e iniciar o tratamento, ou encaminhar o paciente dentro de 1 semana para avaliação com especialista. Se em qualquer momento o paciente com HA 2 estiver sintomático e/ou com valores de PA > 30 mmHg acima do p95 – ou > 180x120 nos adolescentes –, encaminhar com urgência ao serviço de emergência. #IMPORTANTE A MAPA serve para fazer diagnóstico de HA, afastar a hipertensão do “avental branco” e avaliar o controle do tratamento dos pacientes com HA. Quadro 3.1 - Comparação da classificação da pressão arterial entre as Diretrizes de 2004 e 2017 3.6 TRATAMENTO Anteriormente, considerava-se como alvo do tratamento atingir valores pressóricos < p95. Sabe-se atualmente que crianças e adolescentes com a PA entre p90 e p95 têm risco aumentado de desenvolver doença cardiovascular e hipertrofia de ventrículo esquerdo no início da vida adulta. Portanto, o objetivo atual do tratamento farmacológico e não farmacológico é manter níveis pressóricos < p90 ou < 130x80mmHg em adolescentes. #IMPORTANTE O objetivo do tratamento da HA é atingir valores de PA < p90 em crianças ou < 130x80 mmHg em adolescentes. 3.6.1 Medidas não farmacológicas Inicialmente, recomenda-se mudança no estilo de vida. A redução de peso mostra bons resultados na criança obesa, e a prática de atividade física tem um bom efeito sobre os valores da PAS. A 7ª Diretriz Brasileira de Pressão Arterial recomenda a prática de exercício aeróbico moderado por 30 a 60 minutos e, se possível, diariamente. Pode-se realizar treinamento resistido ou localizado com supervisão, exceto levantamento de peso. Não há contraindicação a esportes competitivos, exceto para pacientes com HA 2 ainda não controlada. A dieta deve ser mais saudável e pode incluir restrição de sódio com suplementação de potássio e cálcio. A American Academy of Pediatrics recomenda a dieta chamada Dietary Approaches to Stop Hypertension (DASH), rica em frutas, vegetais, laticínios com baixo teor de gordura, grãos integrais, peixes, aves, castanhas, carne vermelha magra e com consumo restrito de açúcares e sódio (Quadro 3.2). Quanto à atividade física, a recomendação do novo guideline é de atividadeaeróbica vigorosa por 30 a 60 minutos, de 3 a 5 vezes por semana. Quadro 3.2 - Dieta DASH Fonte: American Academy of Pediatrics, 2017. 3.6.2 Medidas farmacológicas O tratamento medicamentoso deve ser iniciado em toda criança ou adolescente com HA sintomática, HA secundária, HA persistente não responsiva às medidas não farmacológicas, presença de lesão de órgão-alvo, diabetes tipo 1 e 2 e doença renal crônica. A recomendação é iniciar com uma só droga de primeira linha em baixa dose e ajustar a cada 2 a 4 semanas conforme a resposta. Se a PA não atingir os valores desejados, um segundo medicamento deve ser introduzido, associando-o à terapia inicial. A utilização de todas as classes de anti-hipertensivos parece segura no grupo pediátrico. A American Academy of Pediatrics não recomenda iniciar o tratamento isolado com betabloqueadores. Opta-se por iniciar com inibidor da enzima conversora de angiotensina, bloqueador do receptor de angiotensina, bloqueador dos canais de cálcio ou diurético tiazídico. O tratamento da HA secundária deve ser realizado em consonância com o processo fisiopatológico de base, levando em consideração as comorbidades de cada caso. O Quadro 3.3 apresenta as drogas mais utilizadas na HA pediátrica. Quadro 3.3 - Anti-hipertensivos orais mais utilizados na hipertensão arterial pediátrica Fonte: 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. 3.6.3 Crise hipertensiva A Emergência Hipertensiva (EH), caracterizada por aumento abrupto da PA associada a lesão de órgão-alvo que pode incluir acometimento neurológico, renal, ocular, hepático ou insuficiência miocárdica, manifesta-se como encefalopatia, convulsões, alterações visuais, alterações no eletrocardiograma ou ecocardiograma, insuficiência renal ou hepática. A redução da PA deve ocorrer de maneira lenta e progressiva. No Brasil, a medicação mais utilizada no tratamento da EH é o nitroprussiato de sódio. Vale lembrar que seu metabólito é o cianeto e, se a medicação for utilizada por mais de 24 horas, o paciente deve ter controle do nível sérico. Após estabilização da PA, pode-se iniciar anti-hipertensivo por via oral. A urgência hipertensiva é caracterizada por elevação aguda da PA associada a sintomas menos graves em um paciente com risco de lesão de órgão-alvo sem evidência de acometimento recente. Seu manejo pode ser feito com medicações via oral, com redução da PA em 24 a 48 horas. Pacientes com tumores produtores de catecolamina podem ser inicialmente alfabloqueados com fenoxibenzamina, seguida de adição cuidadosa de um betabloqueador. Na crise hipertensiva causada por sobrecarga de volume, por exemplo, nos pacientes com glomerulonefrite aguda, a furosemida é a droga inicial de escolha. Em caso de oligúria ou anúria, outros anti-hipertensivos podem ser utilizados concomitantemente, podendo haver necessidade de diálise para controle volêmico. No Quadro 3.4 estão os anti-hipertensivos mais usados na crise hipertensiva. Quadro 3.4 - Anti-hipertensivos mais usados em pediatria para emergência hipertensiva Fonte: 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. 3.7 CONCLUSÃO A HA na infância está associada a eventos desfavoráveis e comorbidades no futuro. Sua incidência vem aumentando progressivamente, principalmente associada a obesidade. O diagnóstico precoce e o tratamento da HA na infância associam-se a menor risco de HA e de aumento da ateromatose carotídea na vida adulta. Como deve ser aferida a pressão arterial nas crianças e adolescentes e como é definida e classificada a hipertensão arterial? A medida da PA é feita preferencialmente com a criança calma, em ambiente agradável, em repouso de pelo menos 5 minutos, sentada, com o braço direito estendido na altura do coração. O manguito deve possuir uma câmara interna com largura correspondente a 40% da circunferência do braço (medida no ponto médio entre o olécrano e o acrômio) e o comprimento equivalente a 80 a 100% da mesma, sem superposição. Ela é classificada em primária e secundária, e em relação aos percentis tem a seguinte classificação: 1. PA normal: PAS e PAD < p90; 2. PA elevada (antigo pré-hipertensão): PAS e/ou PAD ≥ p 90 e < p 95 ou entre 120x80 mmHg e < p95; 3. Hipertensão estágio 1: PAS e/ou PAD ≥ p95 e < 12 mmHg acima do p95 ou entre 130x80 mmHg a 139x89 mmHg; 4. Hipertensão estágio 2: PAS e/ou PAD ≥ 12 mmHg acima do p95 ou ≥ 140x90 mmHg. Como abordar inicialmente uma criança em parada cardiorrespiratória? 4.1 INTRODUÇÃO A parada cardíaca, ou parada cardiorrespiratória (PCR) – cessação da atividade mecânica do coração –, cursa com inconsciência, apneia e ausência de pulso central palpável. Entre lactentes e crianças, em geral, não acontece por causas cardíacas primárias, mas por falência respiratória progressiva ou choque. Em geral, situações de hipóxia, hipercapnia e acidose prolongadas progridem para bradicardia e hipotensão e podem culminar em uma PCR. Dentre as causas cardíacas que levam a essa condição, a fibrilação ventricular e a taquicardia ventricular sem pulso são os ritmos cardíacos iniciais em apenas 5 a 15% das crianças que evoluem para PCR, e a incidência de ambas aumenta com a idade. Entre as crianças com doenças cardíacas de base – cardiopatias congênitas, miocardiopatias –, a PCR causada por arritmias deve ser considerada, assim como os casos de intoxicação por drogas – digitálicos. No ambiente pré-hospitalar, os eventos mais associados à parada cardíaca são trauma, Síndrome da Morte Súbita do Lactente (SMSL), afogamento por submersão, envenenamento, engasgo, asma grave e pneumonia. A SMSL, por sua vez, acomete crianças menores de 1 ano e constitui um quadro multifatorial em que a asfixia por reinalação e diminuição dos despertares leva ao entorpecimento – hipóxia, hipercapnia. Em resumo, é o óbito no lactente de até 1 ano sem causa aparente e definida, e é mais comum quanto mais jovem a criança. Estudos recentes têm revelado que tanto a SMSL quanto a morte súbita em crianças maiores e em adultos jovens podem estar relacionadas a mutações genéticas que causariam alterações nos canais iônicos cardíacos, o desbalanço eletrolítico dentro e fora de células cardíacas poderia predispor a arritmia. Os fatores de risco e protetores para a síndrome de morte súbita do lactente são recorrentemente abordados nas provas; fatores de risco são dormir na região prona (“de barriga para baixo”), pais e/ou cuidadores tabagistas, uso de protetores de berço e cobertas e hipotermia ou hipertermia no recém-nascido. O principal fator protetor é dormir na posição supina (“de barriga para cima”), e a vacinação. O aleitamento materno ainda não teve seu efeito protetor comprovado em relação à prevenção para a síndrome da morte súbita. A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) é um conjunto de medidas que tem como objetivo a manutenção dos sinais vitais por meio da ventilação, da circulação e do estabelecimento de via aérea pérvia. Diversas ações, como as compressões torácicas, a desfibrilação e o uso de drogas fazem parte de sequências padronizadas pela American Heart Association (AHA) e divididas em suporte básico e avançado de vida em pediatria. As diretrizes da AHA nada mais são do que formas de sistematizar o atendimento, a fim de avaliar, identificar e intervir sobre o agravo, de forma protocolar, com o objetivo de fornecer um atendimento mais rápido, preciso e com melhores resultados a condições de alta mortalidade. A sobrevida durante a RCP é de 7 a 11%, porém, quando a parada é apenas respiratória, sem assistolia, é de 75 a 90%, números que justificam a importância da prevenção da PCR, por meio do reconhecimento precoce dos sinais de insuficiência respiratória e circulatória, que podem culminar com a ocorrência. Em se tratando de sobrevida e prevenção, vale lembrar que os traumas são a principal causa de morte na faixa etária de 1 ano até a adolescência. Figura 4.1 - Cadeias de sobrevivência para o atendimento do Suporte Avançado de Vida em Pediatria (PALS), pela American Heart Association Fonte: Manual doProfissional, PALS, 2015. Os elos da cadeia de sobrevivência proposta pela AHA têm como finalidade aumentar a sobrevida e a qualidade de vida. A cadeia atual inclui o elo “prevenção”, uma vez que, as principais causas de mortalidade na faixa etária pediátrica são causas externas ou trauma. 4.2 SUPORTE BÁSICO DE VIDA As ações incluídas no suporte básico de vida objetivam aumentar a sobrevivência e melhorar a qualidade de vida, uma vez que fazem parte de sua cadeia de sobrevivência os seguintes elos e/ou itens: prevenção do trauma, início precoce e eficiente da RCP, conexão a um sistema de emergência, transporte e suporte avançado. Em 2010, foram publicadas pela AHA novas recomendações para a sequência de RCP, que incluem a mudança do ABC (vias aéreas – Airway; ventilação – Breathing; compressões torácicas – Circulação) para o CAB (compressões torácicas, via aérea e respiração), priorizando as compressões torácicas, já que a vasta maioria das vítimas que necessitam de RCP compreende adultos com fibrilação ventricular, cujo prognóstico depende de compressões torácicas iniciadas prontamente e com o mínimo de interrupções possível. Outra justificativa para a mudança em crianças seria a simplificação da sequência de treinamento para que fosse contemplado maior número de vítimas de falência cardíaca, inclusive pelo público leigo. Entretanto, é preciso certificar-se da necessidade da RCP, checando a responsividade da vítima e a sua respiração, para então iniciar as compressões torácicas e as demais ações descritas na Figura 4.2. Vale lembrar que as diretrizes da Academia Americana de Pediatria para o Suporte Básico e Avançado de Vida (BLS e PALS) são indicadas a partir da alta do serviço de Neonatologia – maternidade— até a adolescência, marcada para este fim pelo aparecimento do broto mamário nas meninas e pilificação nos meninos. Figura 4.2 - Suporte básico de vida Nota: atualização da diretriz de ressuscitação cardiopulmonar da American Heart Association de 2015 para Pediatria. Fonte: American Heart Association, 2015. 4.2.1 Avaliação da segurança do ambiente Em primeiro lugar deve ser avaliada a segurança do socorrista, a fim de não gerar nova vítima. O atendimento só deverá ocorrer se o ambiente for seguro para isso. 4.2.2 Responsividade A responsividade é testada segurando firmemente a vítima nos 2 ombros, e chamando pelo seu nome. Nos lactentes menores de 1 ano deve-se bater nas solas dos pés, também chamando pelo seu nome. No caso de não responsividade, deve ser chamada ajuda imediatamente, para desfibrilador automático – DEA – e serviço de remoção avançado. Se houver 2 socorristas, um inicia as manobras de ressuscitação enquanto o outro chama pela ajuda. Se o socorrista estiver sozinho, ou aciona o serviço médico de emergência pelo telefone celular ou abandona a vítima para fazê-lo, antes de iniciar os procedimentos. 4.2.3 Respiração e circulação Deve-se observar a elevação do tórax e sentir o fluxo de ar pelas vias aéreas da criança e checar o pulso, simultaneamente. Nos menores de 1 ano, checa-se o pulso braquial e/ou femoral e, nos maiores de 1 ano, carotídeo ou femoral. A avaliação de respiração e circulação não deve durar mais do que 10 segundos, e caso não seja identificado movimento ventilatório regular e pulso as manobras de ressuscitação devem ser iniciadas. Se não houver evidência de trauma, a criança poderá ficar em posição de recuperação, decúbito lateral, que mantém a via aérea patente. Na suspeita de trauma craniano ou raquimedular, o pescoço e a cabeça devem estar alinhados e, quando necessário, ser movimentados em bloco. Recomenda-se a manobra de tração da mandíbula com estabilização da coluna vertebral. 4.2.3.1 Compressões torácicas Devem ter a frequência de compressões ritmadas entre 100 e 120 compressões por minuto, bem como profundidade de 1 terço do diâmetro anteroposterior do tórax da criança, cerca de 4 cm no lactente, 5 cm em crianças maiores e até 6 cm, no máximo, em adolescentes. É importante permitir a reexpansão do tórax após cada compressão, pois isso melhora o retorno do fluxo sanguíneo ao coração. Em lactentes, um único socorrista pode realizá-la por meio da técnica dos 2 dedos sobre o esterno abaixo da linha intermamilar. Em crianças maiores, o socorrista deve comprimir a metade inferior do esterno com 1 ou 2 mãos, com 1 sobre a outra. 4.2.3.2 Abertura das vias aéreas e ventilação A manobra de elevação da mandíbula com leve extensão do pescoço deve ser realizada para iniciar a ventilação. Se houver bolsa-valva- máscara disponível, esta deve ser utilizada. A máscara deve cobrir boca e nariz, sem escape de ar, e o reservatório ser de dimensão adequada de forma que permita expansão torácica eficaz, sem barotrauma. Entretanto, no caso de não haver material, no lactente, poderá ser utilizada a técnica boca a boca e nariz, a boca do socorrista deve englobar a boca e o nariz do lactente, e em crianças maiores, o boca a boca, técnica em que é importante pinçar o nariz da vítima durante a ventilação. Se a RCP for realizada em apenas 1 socorrista são indicadas 30 compressões por 2 ventilações. Em 2 socorristas 15 compressões por 2 ventilações. A cada 2 minutos, ou 5 ciclos, as manobras devem ser interrompidas de forma breve, checado pulso, e caso o paciente mantenha a condição de parada cardiorrespiratória continuar a RCP, invertendo as funções ventilação e compressão. Se houver possibilidade de intubação orotraqueal as compressões e ventilações passam a ser realizadas de forma independente: 100 a 120 compressões por minuto e 12 a 20 ventilações por minuto. A vantagem é a redução de interrupções nas compressões, a cada interrupção há grande redução de fluxo cerebral e coronariano, e são necessárias algumas compressões para retomar o fluxo; a redução de interrupções garante fluxo contínuo e melhor prognóstico de reversão e morbidade pós-PCR. A escolha do tamanho da lâmina do laringoscópio é a distância do mento ao lóbulo da orelha. A lâmina reta é mais adequada para crianças pequenas, por pinçar a epiglote, que é maior nessa faixa etária. O tamanho da cânula é calculado pela fórmula idade/4 + 3,5 naquelas com cu�, ou idade/4 + 4, naquelas sem cu�. O uso de cânula com ou sem cu� depende da patologia de base e dificuldade ventilatória. A cânula deve ser fixada na altura de 3 vezes o número da cânula, no lábio superior. Figura 4.3 - Abertura de vias aéreas Legenda: (A) sem trauma; (B) com trauma. Figura 4.4 - Ventilação boca a boca Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas. #IMPORTANTE Na etapa de ventilação do suporte básico de vida, o reconhecimento da existência de algum corpo estranho nas vias aéreas é importante, já que há elevada taxa de mortalidade por aspiração de corpo estranho na faixa etária pediátrica. 4.2.3.3 Engasgo As obstruções leves e moderadas são resolvidas solicitando-se à criança que continue a tossir, e as severas – a criança não consegue tossir ou emitir sons – requerem intervenção imediata. Lactentes até 1 ano de idade devem ser posicionados com a cabeça em um nível inferior ao do tórax e receber 5 golpes na região interescapular. Caso não ocorra a desobstrução, o socorrista deve realizar 5 compressões torácicas e repetir o ciclo até eliminar o objeto. Nunca deve ser realizada manobra de varredura às cegas na boca do lactente, mas caso seja visto o objeto causador da obstrução este deve ser retirado, com movimento em forma de pinça. Crianças maiores, acima de 1 ano de idade, e conscientes devem ser submetidas à manobra de Heimlich: 5 compressões abdominais subdiafragmáticas até a desobstrução ou a perda da consciência; quanto às inconscientes e em apneia, o socorrista deve iniciar as compressões torácicas, 30 vezes, e se ao abrir as vias aéreas for possível a visualização do objeto, deve tentar retirá-lo. Caso não seja possível a retirada, o socorrista deve fazer 2 ventilações, manter a RCP – 30 compressões:2 ventilações ou 15:2, a depender se 1 ou 2 socorristas – e ativar o serviço de emergência. Vale
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