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1 Curso Ênfase © 2019 DIREITO PENAL - PARTE GERAL – MARCELO UZEDA AULA17 - TEORIAS DA CONDUTA PARTE 4 1. TEORIA SOCIAL DA AÇÃO A teoria social da ação surgiu como uma via intermediária, considerando que a direção da ação não se esgota na causalidade nem na determinação individual, exigindo-se o questionamento sobre a direção da ação de forma objetivamente genérica, do ponto de vista social. Nesse sentido, a teoria surge como uma crítica ao pensamento causal, bem como à concepção finalista. Elucida-se melhor o conceito pelas seguintes definições: • Para Schmidt, a ação penal é uma conduta arbitrária para com o mundo social externo, manifestando certo egoísmo na arbitrariedade do agente; • Para Engisch, a ação é a causação voluntária de consequências calculáveis e socialmente relevantes; • Para Maihoter, a ação é todo comportamento objetivamente dominável dirigido a um resultado social e objetivamente previsível. Depreende-se dos conceitos de Schmidt e Engisch algumas inspirações da teoria causal, enquanto que em Maihoter infere-se bases finalísticas. Contudo, observa-se que a ideia central baseia-se em estabelecer um intermédio entre as teorias, sem ser puramente causal nem puramente final, mas voltada para o plano social. Salienta-se que a teoria social não é a dominante, todavia, surge no cenário doutrinário para tentar responder às questões do conceito de ação. Ainda, para Wessels, o conceito de ação, comum a todas as formas de conduta, reside na relevância social da ação ou omissão. Nesse sentido, interpreta-se a ação como fator estruturante conforme o sentido da realidade social, com todos os seus aspectos pessoais, finalistas, causais e normativos. Seria, portanto, um conceito intermediário - sem se apegar ao aspecto causal ou à vontade final, mas que abrange diversos fatores, sendo que a ação seria a "conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana". Outrossim, já em crítica ao conceito da teoria social, Maurach afirma que o conceito de conduta humana não se deduz da relevância social, mas que esta apenas constitui um atributo adicional. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula17 - Teorias da Conduta Parte 4 2 Curso Ênfase © 2019 Em síntese, a ação em sentido jurídico-penal é uma conduta humana socialmente relevante, dominada ou dominável por uma vontade final e dirigida a um resultado. Na mesma toada, Jescheck reúne no "comportamento humano socialmente relevante" o atuar final do comportamento doloso e o comportamento objetivamente dirigível de natureza imprudente (culpa). Sintetiza, portanto, em sua definição, o que seria a conduta dolosa e a conduta culposa, observando-se o socialmente relevante. Em resumo aos conceitos anotados, Daniela de Freitas Marques descreve o conceito jurídico de comportamento humano como toda atividade humana social e juridicamente relevante segundo os padrões axiológicos de uma determinada época, dominada ou dominável pela vontade. Por social e juridicamente relevante, apreende-se, respectivamente, a abrangência do coletivo e da afetação do bem jurídico. Já por dominada ou dominável, depreendem-se as ideias de dolo e culpa, respectivamente. ATENÇÃO: Repise-se que a teoria social não é a teoria dominante! Não há a criação de nada efetivamente novo, somente uma intermediação de conceitos já estudados (causal e final) e a observação da relevância social, diferente do que ocorreu com a teoria finalista, a qual revolucionou conceitos ao deslocar o dolo e a culpa para a tipicidade. De acordo com a teoria, a relevância social refere-se aos padrões da época, sendo certo que tal conceito pode variar. Desse modo, em informativo recente do STJ, publicado no segundo semestre de 2018, o tribunal entendeu que os estabelecimentos denominados "casa de prostituição" podem ser considerados atípicos, desde que não exista exploração de prostituição infantil ou de vulneráveis, nem seja o produto principal da casa a exploração de pessoas. A teoria, portanto, pode ser utilizada como metodologia interpretativa, considerando-se a relevância social na aplicação das normas penais. 2. TEORIAS FUNCIONALISTAS Podem existir entendimentos distintos, contudo, o professor afirma que o posicionamento predominante do Brasil, tanto na rotina doutrina quanto no Código Penal, é finalista. Todavia, surge a teoria funcionalista como crítica à concepção ontológica do finalismo, na mesma toada da evolução das teorias estudadas. Se a teoria finalista foi concebida como crítica ao excesso de conteúdo valorativo da teoria neokantista, o pensamento funcionalista retoma o normativismo como contraponto ao formalismo da teoria finalista. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula17 - Teorias da Conduta Parte 4 3 Curso Ênfase © 2019 Portanto, a teoria do delito, a partir dos modelos funcionalistas, caracteriza-se pela tendência de normativização dos conceitos - elaborados com base em juízos de valor (aspectos axiológicos) e considerando-se as finalidades político-criminais do sistema penal (aspectos teleológicos). Apesar de não adotada, verifica-se a influência da teoria funcionalista nos tribunais, notadamente no que tange à observação das finalidades de política criminal, sobretudo no recrudescimento de determinadas situações. Afere-se dos informativos mais recentes que a aplicação do princípio da insignificância encontra-se cada vez mais contida, aspecto determinado em parte pelas política criminal. Na teoria funcionalista abandona-se a abordagem ontológica do crime e fundamenta-se nas finalidades/funções do Direito Penal (teoria dos fins da pena). Ainda, as categorias sistemáticas do delito (conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade) passam a admitir certa flexibilidade (exemplo: Teoria da Imputação Objetiva). Cumpre lembrar que na teoria da imputação objetiva o foco é não imputar, o que faz com que não sendo possível uma imputação normativa, exclui-se a relação de causalidade como um todo. 2.1 FUNCIONALISMO MODERADO (ROXIN) Roxin fundamenta o sistema penal com caracteres teleológicos (os fins do Direito Penal) e axiológicos (normativismo funcional), não adicionando nada de novo ao já visto. Inova o doutrinador ao propor uma abertura metodológica, entendendo que todas as categorias do sistema jurídico-penal baseiam-se em princípios reitores normativos político-criminais, os quais serão aplicados aos dados empíricos, podendo chegar a conclusões diferenciadas e adequadas à realidade. Este último aspecto causa pavor em parte da doutrina, em razão da possibilidade de conclusões diferenciadas, o que afastaria a cientificidade matemática da aplicação da lei penal e poderia trazer certa insegurança. Da adequação da aplicação da lei segundo os princípios reitores normativos político-criminais, depreende-se os institutos da insignificância, da bagatela própria e imprópria, que flexibilizam a aplicação da lei penal. No funcionalismo moderado, Roxin pretende resgatar a perspectiva valorativa neoclássica, mas substitui os vagos valores culturais pelos critérios mais seguros e sistematizados dos princípios político-criminais da moderna teoria dos fins da pena. Novamente, observa-se o movimento pendular das teorias do crime, que se inicia na abordagem clássica do positivismo, para depois pender para a abertura de conceitos no pensamento neoclássico e, posteriormente, retomar a ontologia no finalismo - sendo consequência, neste momento, a nova abertura de conceitos no pós-finalismo. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula17 - Teorias da Conduta Parte 4 4 Curso Ênfase © 2019 Segundo Roxin, no Estado Democrático de Direito, a finalidade última do Direito Penal deve sera proteção de bens jurídicos, o que implica a restrição ao poder punitivo estatal, que deve se preocupar apenas com os bens jurídicos penais mais relevantes. Em outras palavras, quando não houver lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico relevante, o Direito Penal não deve ser aplicado. Nesse sentido, o sistema de Roxin encontra fundamento na valoração política-criminal, que, pelo método dedutivo, permite entender a funcionalidade inerente a cada elemento da teoria do crime. Por sua vez, adota-se uma concepção normativa da conduta, orientada sob o ponto de vista valorativa dos fins do Direito Penal e de seus princípios político-criminais. Interessa, portanto, a finalidade do Direito Penal (funcional) e não a finalidade que orienta a conduta individual e constitui o objeto da atenção da teoria finalista. Desse modo, dentro do funcionalismo moderado de Roxin, obtém-se a teoria personalista da ação, a qual prega que a ação é a manifestação exterior da personalidade, a partir da relação do "eu" com o mundo exterior, sendo tudo aquilo que pode ser atribuído a uma pessoa como centro de atos anímico-espirituais. Nesse sentido, a ação seria uma categoria pré- jurídica, coincidente com a realidade da vida, não sendo puramente naturalista nem finalista. Depura-se novamente para esclarecer que Roxin retoma as ideias neoclássicas, contudo, substitui conceitos vagos por questões de política criminal, verificadas nas funções e finalidades do Direito Penal. Adiciona-se que o funcionalismo realçou a normatividade do tipo, sustentando que a conduta não adquire tipicidade em razão da causalidade ou da finalidade, mas em razão da função a ser exercida pelo Direito Penal. No mesmo sentido, a conduta relevante para o Direito Penal não é o aspecto causal ou final, mas se a exteriorização da conduta afeta algum bem jurídico digno de tutela penal. Isto posto, a afirmação de que alguém levou a cabo uma ação é resultado de uma valoração do conteúdo, consistente em que há de poder-se imputar a alguém como sua conduta um agir ou não agir que parte dele. Cumpre acrescentar que, pela teoria funcionalista, no tipo penal se valora a ação do ponto de vista da necessidade abstrata da pena, cujo fim político-criminal é preventivo geral: o simples fato de existir a previsão da pena em abstrato gera o medo da sociedade em sofrer a sanção caso pratique o delito. Nessa toada, ao colocar-se determinada conduta em um tipo, pretende-se motivar o indivíduo a omitir a situação nele descrita (crime comissivo) ou a Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula17 - Teorias da Conduta Parte 4 5 Curso Ênfase © 2019 levar a cabo a conduta ordenada (crime omissivo). Logo, independentemente da pessoa do sujeito concreto ou da concreta situação de atuação, uma ação declara-se punível para cumprir a função preventiva. Em síntese, na visão de Roxin, o Direito Penal possui como missão a proteção dos bens jurídicos, sendo que a orientação da concepção de conduta é justamente essa função do Direito Penal, o qual atribui penas para, em sentido genérico e abstrato, evitar a prática de condutas que, quando praticadas, devem sofrer punição (sentido funcional). Considerando que é tarefa do Direito Penal proteger a sociedade e os indivíduos de situação de risco sócio-politicamente intoleráveis, Roxin enriqueceu a teoria da imputação objetiva com noções relacionadas ao risco permitido e ao risco proibido (se o agente não incrementa o risco de ocorrência do resultado ou se ele não cria risco juridicamente relevante). O ponto de partida do sistema teleológico (funcional) é fazer depender a imputação de um resultado pertencente ao tipo objetivo da realização de um perigo não permitido conforme o fim de proteção da norma, sendo considerada a conduta como relevante apenas nestes casos.
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