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1 Curso Ênfase © 2019 DIREITO PENAL - PARTE GERAL – MARCELO UZEDA AULA32 - ITER CRIMINIS PARTE4 1. ITER CRIMINIS 1.1 TENTATIVA QUALIFICADA Nesta aula, serão abordados os institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz (art. 15, do CP), também chamado pela doutrina de tentativa qualificada. O uso dessa nomenclatura doutrinária se deve ao fato de que, embora iniciada a execução do crime, não há consumação do delito - não por circunstância alheia à vontade do agente, sim em razão dele próprio não desejar mais concretizar o seu intento delituoso. Vide o art. 15, do Código Penal: Código Penal Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados. 1.1.1 DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA (TENTATIVA ABANDONADA OU "PONTE DE OURO") OBSERVAÇÃO: A nomenclatura “ponte de ouro” advém da ideia de que o legislador oferece ao criminoso uma ponte para que este atravesse para o lado da legalidade, desistindo de prosseguir na ação. É necessário que o agente já tenha ingressado na fase dos atos executórios e, neste sentido, ele somente poderá desistir voluntariamente de prosseguir na ação se ainda houver algum percurso de execução a ser realizada. Não cabe desistência voluntária, por exemplo, quando o sujeito executou toda a fase executória. O professor lembra a classificação apresentada no bloco anterior, no que diz respeito à tentativa perfeita, ou tentativa acabada; à tentativa imperfeita, ou inacabada. No cenário de uma tentativa imperfeita, ou seja, iniciada a execução e não esgotados os atos executórios, é que cabe a desistência voluntária. Ressalta que esta expressão, agregando a ideia da tentativa imperfeita já foi tema de questão de prova do CESPE. A afirmação de que é na tentativa imperfeita que cabe a desistência voluntária, realizada pela doutrina, possui um raciocínio perfeito, uma vez que a tentativa imperfeita corresponde ao não esgotamento da execução. Então, é neste no cenário que o sujeito pode desistir voluntariamente; não por conta de uma circunstância contrária à vontade do sujeito, mas sim porque ele mesmo não deseja mais prosseguir na ação delituosa. _____3:38______ Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula32 - Iter Criminis Parte4 2 Curso Ênfase © 2019 Desde logo, no tocante ao instituto da desistência voluntária, importa apresentar um destaque no artigo 15, do CP: Código Penal Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados. Da leitura do artigo supracitado, extrai-se: faz-se necessário que o agente já tenha ingressado nos atos executórios e, sem esgotar os meios que obtinha à disposição para consumar o crime, desista voluntariamente de prosseguir na ação. Não cabe, portanto, desistência voluntária quando o sujeito esgotou toda a fase executória (tentativa perfeita), contudo, no cenário de tentativa imperfeita - não há esgotamento da execução -, cabe desistência voluntária. Vale dizer que: ao desistir, o agente já não quer mais o crime, pois mudou de propósito. Ademais, a desistência não necessita ser espontânea, basta que seja voluntária, isto é, não forçada. Se o sujeito não foi forçado a desistir, se não há nenhuma ameaça externa, constrangimento ou impedimento e desiste do crime, trata-se de hipótese de desistência voluntária. Situação diversa ocorre quando há ameaça externa, constrangimento ou impedimento ao delito – ainda que subjetivos. Exemplo: se um criminoso entra em uma residência para praticar roubo, mas escuta som de sirene policial e desiste do delito, não se trata de desistência voluntária, visto que a desistência foi motivada pelo medo da presença policial, portanto, não configurada voluntária. Trata-se, na realidade, de hipótese de tentativa imperfeita. Vale ressaltar, por fim, que tal distinção será retomada no ponto 1.1.1.3 desta aula. 1.1.1.1 APLICAÇÃO DE DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA PELO STJ A configuração da desistência voluntária afasta, inevitavelmente, o delito na sua forma tentada, respondendo o agente pelos atos já praticados. Não há dúvida, entretanto, que na tentativa o resultado não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. No caso, há esgotamento de todos os atos executórios ou o agente é impedido de exauri-los. O dolo inicialmente pretendido, entretanto, remanesce. Já na desistência voluntária e no arrependimento eficaz, por opção/escolha do agente, o fim inicialmente pretendido pelo agente não se realiza. Ou seja, ao alterar o dolo inicialmente quisto, enseja a ocorrência da atipicidade [do delito fim], respondendo, entretanto, pelos atos já praticados(...) (HC 184.366/DF, Rel. Min Jorge Mussi,Quinta Turma, J. 02/08/2011, Dje 29/08/2011) Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula32 - Iter Criminis Parte4 3 Curso Ênfase © 2019 A leitura deste precedente demonstra que a configuração da desistência voluntária evita que o agente responda pela tentativa do delito pretendido de início, de modo que o agente somente responde pelos atos já praticados. Isto posto, o art. 15, do CP, afasta a norma de extensão da tentativa (art. 14, II, do CP). Disso, decorre uma situação interessante: sabe-se que o fenômeno da consunção faz com que o delito-meio seja absorvido pelo delito-fim. Contudo, a desistência voluntária resulta em uma espécie de “consunção às avessas”, pois há um “ressurgimento” do delito-meio com a desistência do delito-fim. Nesse sentido, afasta-se a consunção, ou seja, o sujeito nem mesmo responde por tentativa do delito-fim, mas responde pelo delito-meio praticado até o momento da desistência. Sendo certo, ainda, que se até a desistência, o sujeito não praticou nenhum ilícito penal, não há que se falar em responsabilidade penal. 1.1.1.2 FÓRMULA DE FRANK A fim de analisar se houve, de fato, desistência voluntária, pode-se usar a fórmula de Frank: • Se o agente disser: “ posso prosseguir , mas não quero”, há desistência voluntária; • Se ele disser: “quero prosseguir, mas não posso”, há tentativa (desistência forçada – circunstâncias alheias à vontade do agente impedem a consumação). 1.1.1.3 VOLUNTARIEDADE X ESPONTANEIDADE Tanto faz se a decisão de desistir do prosseguimento do delito partiu da iniciativa do agente (desistência espontânea) ou se fora induzido ao ato por circunstâncias externas, como pedido de clemência da vítima ou de terceiro. A lei requer somente que a desistência seja voluntária – sem coação moral ou física -, não que seja espontânea, isto é, que a ideia tenha partido do próprio agente. Desse modo, se o criminoso, ao invadir uma casa com intenção de cometer furto, foge do local pois ficou com medo de uma sirene ou de algo que pensou ter visto, não se trata de desistência voluntária, mas sim de desistência forçada, por conta de circunstância externa que - na apreciação subjetiva do criminoso - o impediu de dar prosseguimento à ação, aplicando-se a regra da tentativa. 1.1.2 ARREPENDIMENTO EFICAZ Igualmente, importa apresentar um destaque no artigo 15, do CP: Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula32 - Iter Criminis Parte4 4 Curso Ênfase © 2019 Código Penal Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados. Valioso mencionar que, uma vez que o artigo 15, do CP, enuncia que o agente deve, voluntariamente, impedir o resultado naturalístico do delito, extrai-se que o instituto do arrependimento eficaz somente se aplica aos crimes materiais. Ademais, insta ressaltar que no caso de arrependimento eficaz, o agente, após esgotartodos os meios de que dispunha para chegar à consumação da infração penal, arrepende-se e atua em sentido contrário, evitando a produção do resultado por ele pretendido inicialmente. Ademais, como só se pode arrepender-se de algo já realizado, o arrependimento eficaz pressupõe o esgotamento da fase de execução do delito. ATENÇÃO! Distinção entre desistência voluntária e arrependimento eficaz: A desistência voluntária é uma omissão, pois o agente “desiste de prosseguir” – sendo que o sujeito que não preencheu todo o iter criminis -, omite-se quanto ao restante dos atos executórios. Ao passo que no arrependimento eficaz, trata-se do contrário, porque o agente pratica algum comportamento no sentido de impedir que o resultado se produza. Uma vez que o agente já esgotou todos os atos executórios, lhe resta somente impedir a produção do resultado. Suponha-se que o agente ataca a vítima com golpes de faca, suficientes para levá-la a morte. No entanto, arrepende-se e leva a vítima para o hospital, impedindo que o resultado morte se produza. Nesse exemplo, há efetivamente arrependimento eficaz. 1.1.2.1 POSICIONAMENTO DO STF CRIME TENTADO: ARREPENDIMENTO EFICAZ (CP, art.15): CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS. Diversamente do que pode suceder na "desistência voluntária" - quando seja ela mesma o fator impeditivo do delito projetado ou consentido -, o "arrependimento eficaz" é fato posterior ao aperfeiçoamento do crime tentado, ao qual, no entanto, se, em concreto, impediu se produzisse o resultado típico, a lei dá o efeito de elidir a punibilidade da tentativa e limitá-la à conseqüente aos atos já praticados. (HC 84653, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. 2.8.2005, dj 14.10.2005). Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula32 - Iter Criminis Parte4 5 Curso Ênfase © 2019 Vale destacar que quando o STF diz que "o arrependimento eficaz é fato posterior ao aperfeiçoamento do crime tentado", significa que o arrependimento eficaz é posterior ao esgotamento da fase executória, ou seja, há uma tentativa perfeita. 1.1.3 CASO DE TENTATIVA QUALIFICADA E DE PRODUÇÃO DO RESULTADO Por outro lado, se houver a produção do resultado, ainda que o agente tenha desistido de prosseguir com execução delituosa ou mesmo tenha tentado evitar o resultado naturalístico, não será o agente beneficiado pelos institutos acima - responderá, portanto, pelo crime consumado. Exemplo: o sujeito atira contra a vítima, depois se arrepende e a leva ao hospital, a qual não sobrevive. Nesse caso, o arrependimento não foi eficaz. Ademais, não há desistência voluntária no caso de um outro sujeito que deixa de prosseguir em ação delituosa: o resultado se produz mesmo assim e há consumação do crime (tentativa abandonada), se ficar evidente que sua conduta produziu aquele resultado. Em ambos os casos, deve haver punição pelos crimes consumados. Nesse sentido, o STJ entende que: O instituto do arrependimento eficaz e da desistência voluntária somente são aplicáveis a delito que não tenha sido consumado. (AgRg no REsp 1549809/DF,Sexta Turma, DJe 24/02/2016) Contudo, ainda que não tenha evitado o resultado e o sujeito responda pelo crime consumado, esse comportamento é relevante para os efeitos da culpabilidade, no momento da dosimetria da pena como circunstancia judicial (art. 59, do CP) ou atenuante (art. 65, do CP). OBSERVAÇÃO: tentativa qualificada, como já exposto, é a nomenclatura que a doutrina utiliza para a hipótese que o agente “só responde pelos atos já praticados”. Tanto na desistência voluntária quanto no arrependimento eficaz, o agente responderá pelos atos já praticados que, de per si, constituírem infração penal (crime-meio). Desaparece a pena da tentativa do crime-fim, persistindo a pena dos delitos que foram consumados em seu curso. Importante perceber que se trata de uma exceção legal ao art. 14, parágrafo único, do CP. Certamente, a punição da tentativa segue a regra da teoria objetiva temperada: pune-se, portanto, a tentativa com a pena do crime consumado reduzida de um a dois terços. Contudo, essa regra é temperada, pois o artigo 14, parágrafo único, fala em “ salvo disposição em contrário”. Se a lei diz que há uma solução diversa dessa, afasta-se a norma de extensão da tentativa e sua punição correspondente a pena do crime consumado reduzida de um a dois terços, de modo que o agente responde somente pelos crimes até então praticados.