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NÓS MATAMOS O CÃO TINNHOSO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE HISTÓRIA
HISTÓRIA DA ÁFRICA
PROF. VALDEMIR ZAMPARONI
ALUNA CRISTIANE SANTANA GUIMARÃES
 NÓS MATAMOS O CÃO TINHOSO. 
 LITERATURA DE UMA ÁFRICA.
O AUTOR E A OBRA
Luís Bernardo Honwana, nasceu em Maputo em 1942. Cresceu em Moamba, uma pequena cidade do interior, onde seu pai trabalhava como intérprete (ronga-português). Estudou na capital, dedicou-se ao jornalismo e destacou-se no universo literário. Foi personagem ativo na luta pela libertação do seu país, participando da FRELIMO( FrenteFRELIMO (Frente de Libertaçãode Libertação de Moçambique. Foi preso em 1964, ano que publicou o livro Nós Matamos o Cão-Tinhoso.AdaptadoCão-Tinhoso. Adaptado nas escolas, integrado em antologias, é uma obra significativa na moderna língua portuguesa. Em 1982 foi nomeado Secretário de Estado da Cultura de Moçambique.
Nesta obra, cujo ensaio desenvolve-se abaixo, oabaixo, o autor além do sentido histórico, preocupa-se em demonstrar através de micro-recortesmicro recortes, histórias de indivíduos comuns, que refletem e correspondem ao todo social vivido na época de Moçambique/colônia.
A linguagem usada é simples trazendo termos próprios da língua ronga, aproximando o leitor da realidade africana, procurando o discurso direto das particulares execuções da língua. Às vezes satiriza pelo interesse em ressaltar os conflitos entre os seus personagens ou entre estes e a realidade vivida.
ENSAIO
Este ensaio tem o com o objetivo de tratar do colonialismo “civilizador” português em Moçambique, do trabalho como instrumento deste “processo civilizador”, da bebida como mais um mecanismo de receita auferida pela Metrópole e outros aspectos da colonização moçambicana, encrustradosencrustados dentre as linhas dos contos insertos na coletânea em análise, em virtude da particular perspectiva do autor, participante ativo da luta de libertação do seu país. 
Essencial para compreensão da forma de colonização que se empreendeu em Moçambique, e, sobretudo, dos aspectos acima relacionados, o conhecimento prévio da dominação européiaeuropeia, da política colonial européiaeuropeia, da descentralização administrativa e da instituição do trabalho como meio para alcançar o “merecido” fim de colonizar.
IdéiasIdeias como garantia do desenvolvimento humano e crescimento econômico das colônias; do mais forte proteger o mais fraco; tutela destes mais capazes ao evocar uma paternidade, foramtutela destes mais capazes ao evocar uma paternidade, foram impregnadas, institucionalizadas na África colonial, herança fiel aos conceitos etnológicos do aprimoramento evolutivo das raças, onde o primitivo, imaturo,poderiaimaturo, poderia alcançar estágios mais avançados em sua evolução através da educação e do trabalho árduo “que enobrece a alma”.
O novo mundo conquistado pelos europeus deveria produzir riqueza, estabelecer a propriedade, segundo a linha do mercantilismo de retirar-se da terra tudo que ela puder oferecer, bem como dos “indígenas”, já que “os nativos ocupam território sem legitimidade, questão de somenos importância, vez que a propriedade era baseada em costumes, sem leis escritas”.
Para além dessas considerações iniciais, firmou-se uma política colonial em Moçambique baseada na assimilação, pois assim era o modo português, embora contraditório: de um lado voltada à elaboração de leis especiais para indígenas, de outro a aplicação rígida de leis trabalhistas. O sistema de separação de poderes do Estado moderno, não foi utilizado nas sociedades “primitivas”, porque seguindo a idéiaideia do EnesEntes, as leis deveriam corresponder ao grau de evolução de cada população e par o indígena era perfeitamente compreensível que o homem que administra, pudesse exercer o poder sancionador, julgador e poder de polícia, jungindo, neste, a auto-executoriedade, necessária à implementação da ordem colonial.
“Isto é a característica principal do governo das tribos selvagens ou bárbaras: a de ser unitário. Não basta, porém, esta unidade ou concentração de mandar seja enérgico(...) Não se trata,poistrata, pois, de um regime de liberdade política ou civil,incompatívelcivil, incompatível com o grau de civilização das tribos africanas, mas sim de um governo forte e expansiva tutela.[footnoteRef:1].tutela. [1: ] 
Isto significa que na visão colonialista, os indígenas eram naturalmente incapazes e, omitir-se no civilizar ou deixar que governassem a si mesmos, não os tiraria do estado de barbárie ao qual estavam submetidos. Este processo evolutivo de mudança para “melhor” só se daria a longo prazoem longo prazo e instrumentalizar o sistema de descentralização baseado na circunscrição indígena era a forma mais eficaz de Portugal perpetuar-se na tutela, “guiando os passos da colônia em direção à civilização.”
 TRABALHO: MISSÃO CIVILIZADORA
Após a abolição, instituiu-se na colônia moçambicana a idéiaideia de que as leis civis e criminais deveriam corresponder aos usos e costumes indígenas, porém as leis trabalhistas deveriam reprimir toda ação correspondente aos costumes, mas que na visão eurocêntrica, levassem à vadiagem. Difícil tarefa definir o que para o africano é, ou não, vadiagem.
Para AntonioAntônio EnesEntes o trabalho era a mola mestra no processo civilizador e principalmente para o sustento da economia da metrópole, seja a princípio com o trabalho escravo, depois com a mão-de-obra do “liberto e, enfim do africano contratado, e ainda pela arrecadação de impostos, sistematizada na fase da Lei de prazo de 1890, onde estabeleceu que os africanos seriam obrigados a pagar umapagar uma parte dos seus impostos em trabalho. Em 1894 foi introduzido o trabalho correcional, como pena substituta da prisão. Ainda para Enes que via na agricultura o sucesso da província, a migração de indígenas para o Sul de Moçambique, para o trabalho nas minas, não era nem um pouco “civilizador”:
“...os indígenas encarreiam-se para o Natal e para o Transvaal,eTransvaal, e, quando de lá voltam comum punhado de libras atadas na ponta de um lenço, compram mulher e passam o resto da vida a embriagar-se: estão a descansar, dizem eles”[footnoteRef:2] [2: Antonio Enes. Moçambique p.18] 
No sul de Moçambique instava-se a influência da minas sul-africanas, no resto da província concessões feitas aos ingleses e franceses,- Companhias Majestáticas- que monopolizavam do comércio aos serviços postais, mas com o especial e exclusivo poder de cobrar impostos e recrutar mão-de-obra entre os locais. A regulamentação do trabalho forçado contou com o auxílio de chefes locais, dos régulos que transformaram-sese transformaram em funcionários pagos pelo Estado, que por sua vez eram vigiados pelos “sipaios”, polícia africana colaboradores dos chefes dos postos. Assim, nenhum setor da vida cotidiana africana ficou afastada do trabalho contratado ou forçadonenhum setor da vida cotidiana africana ficou afastado do trabalho contratado ou forçado.
Foucault descreve essa técnica como disciplinamento, cujo trabalho é o foco, em Vigiar e punir,consistentepunir, consistente em construir grandes observatórios humanos, a exemplo das cidades operárias, dos hospitais e dos asilos. Assim, se infere, que um poder colonial fabrica indígenas, considerando-os objeto e instrumento de suas práticas. Neste diapasão,os usos e costumes nativos só poderia constituirdiapasão, os usos e costumes nativos só poderiam constituir-se em objetos se inseridos nas práticas coloniais.
Verificamos alguns dos elementos caracterizadores da colonização portuguesa, bem como a política de ocupação adotada em diversos momentos dos contos de Honwana.
No conto Dina[footnoteRef:3](Dina (fls 40/41), verifica-se presente a relação colonizador colonizado, este, na posição hipossuficiente da relação, via na hora do toque do dina ( intervalo do meio-dia, almoço), horário tão esperado para quem labuta desde os primeiros momentos da manhã, não só o momento de servir o chicafo(comida), mas o tempo em que trocavam idéiasideias, bebiam vinho, encontravam a família ou, ainda,testemunhavam e participavam da degradação feminina instalada na província: a prostituição. “As mulheres adquire-as a troco de gado, e quando as adquire por dinheiro, o cálculo é sempre feito sobre o número de cabeças que teria a dar”.[footnoteRef:4] [3: 
] [4: Antonio Enes.A preguiça Indígena.In Antologia Colonial Portuguesa. Vol.I. p.192 ] 
O chibalo,é é uma prática de trabalho compulsório, onde a mão- de- obra é obtida de maneira violenta e orienta, na fase colonial, a força de produção, métodoprodução, método instalado como compensação, diante da concorrência e da produtividade elevada alcançada pelo setor mineiro na África do Sul e da dificuldade de oferecer salários semelhantes aos das minas. Este é o trabalho observado no contexto do conto Dina:
“Dobrado sobre o ventre e com as mãos pendentes para o chão, Madala ouviu a última das doze badaladas do meio-dia. Não ousou endireitar-se mais porque sabia que apenas devia largar o trabalho quando ouvisse a ordem traduzida no berro. Apoiou os cotovelos aos joelhos e esperou parcialmente.
“O sol estava mesmo em cima do seu dorso nu, mas convinha suportar um pouco mais.(...)mais. (...) Alongado a vista, viu a mancha escura do corpo de Filomeno igualmente dobrado sob a superfície das folhas mais altas dos pés de milho, aguardando a ordem de largar o trabalho.”[footnoteRef:5] [5: CT, p.40.] 
Como conseqüênciasconsequências, este sistema implica numa grande degradação das condições de vida dos moçambicanos e toda a repercussão social e cultural que a situação impunha, principalmente no que tange aos direitos humanos e a discriminação que acompanha a violação a estes direitos. A política instaurada não proporciona abertura de escolas e difusão de instrução, determinando a organização de africanos em associações culturais e recreativas, surgidas em Lourenço Marques, Quelimane e Inhambane,primeiraInhambane, primeira etapa de difusão do movimento nacionalista moçambicano. Tal degradação social alcança aspectos de perda de dignidade,ondedignidade, onde a fome é presença constante. Em A Velhota[footnoteRef:6] fica bastante nítida essa situação quando a senhora traduz a sua condição pela inapetência: [6: CT, p.57.] 
“_ Eu não tenho fome- respondeu a velhota.
_ Mas não há mais comida, não é isso?
_Eu não tenho fome...Não tenho, juro que não tenho. Mas se tu quiseres faço chá num instante, queres?
_ Eu também não tenho fome.
_Nesse caso faço chá para os miúdos, para eles tomarem, se continuarem com fome.”
Um dos pontos no conto em epígrafe que mais chama a atenção é a questão da bebida, uma problemática que acompanha a política de colonização portuguesa. Veja:
“ Nenhum“Nenhum dos outros conhecera o Pitarossi, mas todos deviam conhecer a mulher dele, que depois disso começara a dormir com os homens que lhe pagavam bebidas nas cantinas.Primeirocantinas. Primeiro dizia que só se deixava com quem lhe desse vinte escudos, mas agora só lhe interessava beber. Quando havia magaíças(magaíças (trabalhadores moçambicanos de regresso das minas da África do Sul), embebedava-se de tal maneira que não era preciso dar-lhe nada, e, então, qualquer um, mesmo que trabalhasse nas machambas, levava-a para o capim alto atrás das cantinas. Mas todos sabem que quando é assim, ela adormece logo e só acorda quando o homem se levanta.”
“A preocupação portuguesa era, pois, criar formas de absorver dos mineiros o ouro e a libra, que obtinham com o seu trabalho migratório. Se o imposto de palhota era a primeira forma de extração direta do dinheiro, o vinho colonial transformou-se no principal mecanismo de extração indireta.
A proibição e destruição sistemática dos alambiques familiares e artesanais foram a condição necessária para impor o consumo do “colonial”. A expansão do vinho, associada à exploração da prostituição, para além de ser a principal fonte de lucros dos cantineiros, contribuiu notoriamente para a degradação física e moral da população, já expoliadaespoliada dos melhores terrenos agrícolas e bens.... O vinho era um estimulante muito aceite pelos capitalistas para aumentar o rendimento dos trabalhadores”.
O comentário supracitado, foi foi extraído da antologia de textos do jornal ‘O africano’(1908-1919)[footnoteRef:7],produzido por Paulo Soares & Valdemir Zamparoni, numa tentativa de conhecer e obter um referencial da cultura histórica de Moçambique, desenvolvida, na forma escrita, no século passado, aliado ao relato contido na obra literária, do alto consumo de álcool até a disseminação da prostituição como é o relato da visita da filha de Mandala, Maria, ao local em que os homens estavam a descansar o almoço, bem como o desrespeito do capataz para com o colonizado, em especial a mulher, que neste contexto parece seser o último grau de hipossuficiência, demonstrando, claramente, a alienação e degradação social e cultural promovida pela política de colonização portuguesa aliada a situação conjuntural de perigo do colonialismo inglês em Moçambique, à dependência de Moçambique à África do Sul e das lutas operárias travadas neste contexto: [7: Antologia de Textos do jornal ‘O Africano” (1908-1919), de Paulo Soares e Valdemir Zamparoni in Estudos Afro-Asiáticos, (22): 127-178, setembro de 1992.] 
 _ Olá, Maria! O que é que vieste cá fazer? Estás a engatar o Mandala?.... Ao Mandala não deve ser porque está muito cocuana(velho)...Talvez seja ao Djimo.... Maria, tu estás a engatar o Djimo?
Todas as potências coloniais dependiam do chefe,tradicionalchefe, tradicional ou designado, como núcleo da estrutura administrativa “Não há colonização sem política indígena: não há política indígena sem comando territorial; e não há comando territorial sem chefes indígenas que atuem como correias de transmissão entre a autoridade colonial e a população”[footnoteRef:8] [8: Raymond F. Betts. A dominação européia:métodos e instituições In: A África sob dominação colonial,1880-1935.] 
A diferença entre um administrador de circunscrição e um administrador de conselho era a de que o primeiro devia reunir num mesmo cargo as funções de polícia, administração civil e judicial e tinha, sobretudo, a importante missão política de
...manter as boas relações com os chefes indígenas das suas circunscrições, conseguir deles obediência e tranqüilidadetranquilidade, intervir mos pleitos_ questões de fronteiras, de sucessão ou de outros quaisquer agravos; numa palavra, adquirir sobre todos os seus administrados uma dominadora, respeitada e estimada influência.(influência. (Costa, op.cit.,op.cit. p.93)[footnoteRef:9]. [9: Peter Fry (org.) Moçambique ensaios. Rio de Janeiro Editora UFRJ,2001, p.72] 
As figuras do “Senhor Administrador”, “Senhor da Veterinária” e “Senhor Chefe dos Correios” dentro da narrativa que se desenvolve em torno do mandado de morte ao Cão Tinhoso da lavra da primeira autoridade local[footnoteRef:10], traz ao conhecimento o funcionamento da máquina administrativa e o tratamento de seus titulares para com os “indígenas”. [10: CT, p.12] 
“Eu estava a olhar para o Senhor Administrador quando ele e o parceiro levaram um capote e ele disse ao Doutor da Veterinária, que se estava a rir todo satisfeitotodo satisfeito, por lhe ter dado o capote:”Nãocapote: “Não acho graça nenhuma...Isso foi leiteira”...leiteira” ... Depois olhou para mim e viu que eu também me estava a rir. Olhou para o Cão-Tinhoso e viu-o também a rir-se. Por isso zangou-se e perguntou aos outros: “ Eh“Eh! Quem é que disse que isto não era a Arca de Noé?”.
Outro momento que revela a voz imperativa do Administrador é no conto “Nhinguitimo”:
“Vírgula Oito aproximou-se do grupo. Erguendo as mãos até a altura da cabeça, numa espécie de continência, saudou o administrador:
_Bayeti n’kossi!(Salve Senhor)
_O senhor administrador pode interrogar este indígena e inteirar-se da verdade das minhas afirmações..._ o Rodrigues esfregou o pano ao tampo do balcão-frigorífico, em pequenos e rápidos movimentos circulares _... e inteirar-se da veracidade das minhas afirmações...repetiu a frase para si próprio, satisfeito com a ressonânciasolene da sua voz ao proferi-la.”[footnoteRef:11] [11: CT, p.86/87] 
Inobstante a condição de superioridade mental e a outorga da situação de autoridade que adquiriram os portugueses administradores, pacífica é a afirmação de que a maioria dos portugueses que se dirigiam às colônias eram pobres, explorados, e, até excluídos socialmente em seu país. Entretanto nas colônias se tornaram opressores, como se os “civilizados” pudessem outorgar plenos direitos de cidadania, aplicando a lei de acordo com o estado evolutivo da população, surgindo categorias de pensar o indígena como carente de uma disciplina para o trabalho, como não-civilizado, como uma criança em primeira infância. O personagem Papá[footnoteRef:12] coloca esta situação na fala a seguir, após ser submetido à coação do Sr. Castro, um português local, mas ao mesmo tempo, parece surgir alíali um brado de resistência contra o jugo: [12: CT, p.60/74] 
“_Não é nada, mulher, mas o nosso filho acha que ninguém monta em cavalos doidos, e que nos famintos e mansos é onde lhe dá mais jeito, percebestes? Quando um cavalo endoidece dá-se-lhe um tiro e tudo acaba, mas aos mansos mata-se todos os dias. Todos os dias, ouvistes? Todos, todos, todos enquanto eles se agüentarem de pé!....pé!”
O conto “Papá, Cobra e eu”, remonta a vida cotidiana de uma família africana, provavelmente de assimilados, mantinham empregados também africanos, porém a eles subordinados, pois o tratamento com estes era na língua ronga e não no português, já que aquela era a língua dos “não-civilizados” e sempre de uma situação superior, como se melhores fossem. Revela, ainda a relação da família com o Sr. Castro, personagem identificado acima, que possuía situação econômica superior à deles(deles (possuía carro), muito embora os explorasse financeiramente(financeiramente (exige vantagem indenizatória), demonstrando a catadupa opressora: o português oprime o assimilado que oprime o indígena.
ADMINISTRAÇÃO DESCENTRALIZADA :POLÍTICA DE OCUPAÇÃO
Fato, ainda relevante, abordado no conto, é a ameaça em ir à Administração resolver a quizília. Em situações normais de estritade estrita legalidade, deveria ser neste juízo que o problema solveria, mas dada as arbitrariedades e os abusosdados as arbitrariedades e os abusos de poder inerentes àquele sistema de administração local. Qualquer incursão a órgãos oficiais, chega a ser uma ameaça maior que a coação de pagar a indenização indevida:
“_ Ó Tchembene, o meu perdigueiro apareceu-me morto e com peito inchado. Diz que veio daqui da tua casa a ganir, antes de morrer. Eu não estou para muitas conversas e só te digo isto: ou pagas uma indenização ou faço queixa à Administração! Resolve! Era o melhor perdigueiro que jamais tive...[footnoteRef:13] [13: CT, p.71/72] 
A respeito da política assimilatória adotada pelos portugueses, Lorenzo Macagno, no ensaio “ O“O discurso colonial e a fabricação dos usos e costumes”, afirma:
“Este determinismo racial extremo que aparece em Enes foi-se modificando com a política do Estado Novo, mas nunca abandonou a ambigüidade, pois o assimilado nunca ocupou o lugar do branco: “ queremos“queremos ensinar os indígenas a escrever, a ler, a contar”, dizia, em 1960, o cardeal Cerejeira Lisboa, “... mas não pretendemos fazer deles doutores” (apud Davidson, 1977, p. 25). Embora as fronteiras da cor não tenham sido utilizadas como critério de exclusão da nação, mas sim a aquisição de valores portugueses, os plenos direitos de cidadania foram sempre um objetivo virtual nunca totalmente realizado. Por isso, o gradualismo permaneceu e a “assimilação espiritual” foi uma etapa pela qual passaram todos os africanos que pretendiam ser cidadãos portugueses.
O passo entre o indígena e o cidadão(cidadão (ou assimilado) parecia ter-se dado num movimento perpétuo em que a emancipação nunca chegou a se consumar. Talvez porque o colonialismo português só pode reproduzir-se nesse contra-sensocontrassenso_ assimilar, mas não tanto, liberar, e ao mesmo tempo reter. Assim, o tipo de relações raciais que o colonialismo português instaurou assemelha-se a uma relação de duplo vínculo. E o assimilacionismo_ tanto o descentralizador quanto o que veio depois- pareceu operar com a mesma lógica contraditória e obsessiva de quem corre para escapar da própria sombra.”[footnoteRef:14] [14: Lorenzo Macagno “O discurso colonial e a fabricação dos usos e costumes: Antonio Enes e a “Geração de 95”. In Moçambique:ensaios.Peter Fry(org.). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.p. 85-86] 
Assim como ocorreu no Brasil, Portugal sentiu dificuldades em proceder a ocupação efetiva de Moçambique, considerando, muitos setores da colonização, desnecessárias ações militares para submeter régulos e imperadores, porque, na anterior ordem colonial mercantil, conseguira-se alcançar um nível de relacionamento com certa estabilidade que permitisse correr os negócios da coroa de Portugal com vantagens. Sem recursos para explorar a colônia, a solução encontrada foi o arrendamento das terras para companhia estrangeiras, estas seguindo o modelo de colonização inglês recomendavam a criação de empresas que, detentoras de uma região, tratariam de ocupá-la com lucros para si próprio e para o governo. Estas ocuparam dois terços do território moçambicano, passaram a controlar política, administrativa e judicialmente os habitantes das terras arrendadas. A produção voltou-se para as necessidades européiaseuropeias como algodão, arroz, milho, cana-de-açúcar, sisal e copra. Isto é demonstrado no conto Nhinguitimo com a preocupação do personagem Vírgula Oito:
“(...) _ Se o milho chegar aos duzentos escudos o saco, para o ano aumento a machama. Já falei o régulo e ele disse que sim... Arranjo uns homens para me ajudarem porque a minha mãe está velha e a minha irmã casa-se um dia destes na igreja do Padre. Arranjo uns homens para trabalhar só para mim, como moleques, e eu mesmo é que lhes pago quando chegar o fim do mês, porque nesta altura sou eu o patrão...”[footnoteRef:15] [15: CT, p. 84.] 
Com a abolição da escravatura, depois das pressões inglesas, Portugal passou a preocupar-se com outra forma de explorar a colônia, editando a seguinte Lei em 1889:
“Todos os indígenas das colônias portuguesas estão sujeitos à obrigação moral e jurídica de procurarem obter pelo trabalho os meios de que necessitam para substituir e melhorar sua condição social”.[footnoteRef:16] [16: S. Corrêa e E. Homem, Moçambique Primeiras Machambas”, p.143] 
Essa lei racista excluía da categoria trabalho, o que poderia assim ser considerado pela sociedade africana, como a pesca. O trabalho seria então aquele ordenado pelo branco e o que este oferecia.
Em seguida, Portugal edita o Ato Colonial que considerava o trabalho forçado uma prática proibida, mas obrigava o pagamento de impostos em dinheiro, o que só era obtido pelos negros, se fizesse o trabalho remunerado. O contrato de trabalho só era celebrado nas terras dos colonos brancos, nas companhias concessionárias ou na própria administração colonial. Os problemas com a taxação continuaram, transformando antes camponeses em assalariados, desviando o cultivo de suas machambas, para obter recursos juntorecursos junto aos empregadores. No conto Nhinguitimo, pela preocupação do personagem Vírgula Oito, fica demonstrado o excesso de exação, a posse indiscriminada de terras e até a desapropriação de terras, acaso esta aos colonos ou à administração interessasse e fosse conveniente:
“ (...)“(...)_ Se eu chegar fogo à mata e não apagar as chamas durante três dias seguidos, fico com uma machamba duas vezes maior_ a sua voz tinha um tom de confidência. _ O dobro- murmurou.
_Mas nessa altura fica com tanto dinheiro como o Lodrica e os outros brancos..._ admirou-se o Maguiguana._Maguiguana. _ Até podes comprar trator...
_ Nessa altura pago o imposto, compro sapatos, um fato, um chapéu, uns óculos, uma bengala e um sobretudo... e caso-me com a N’teasse..._ esclareceu o Vírgula Oito”[footnoteRef:17]. [17: CT, p.83.] 
Em outra fala o personagem chora achoraa perda da terra:
“_ Massinga, nós não podemos fazer nada... Eles levam-nos as terras e nós temos de não dizer nada...
Vírgula Oito não respondeu. Sentado num caixote, mantinha-se de cabeça baixa. Matchumbutana insistiu:
_Tu não podes zangar, Massinga... Não te deves zangar...”
Outro lamento:
“Eu trabalho aqui, na machamba dele- continuou Vírgula Oito- eu compro o que preciso na loja dele...dele. A minha mãe, quando vem cá à vila vai para a loja dele”[footnoteRef:18] [18: CT, p.93.] 
MULHER INDÍGENA, MULHER ASSIMILADA: EDUCAÇÃO FEMININA
Outro ponto que merece acolhida neste ensaio em análise das práticas excludentes da política colonialista portuguesa, é é a situação da mulher neste contexto.
Como já dito, uma das pedras angulares do discurso colonial, a fim de tornar os indígenas mais “civilizados”, foi a promoção do ensino. Julgavam que a educação feminina libertariafeminina libertaria a mulher, principalmente, do ranço europeu que tornavaque tornava o segmento feminino ainda mais estigmatizado e, malgrado as políticas educacionais, inseriam a mulher africana num dos mais letais modos de exclusão: a prostituição.
Em “A preguiça indígena”, Antonio Enes, relatou:
“As mulheres adquire-as a troco de gado, e quando as adquire por dinheiro, o cálculo é sempre feito sobre o número de cabeças que teria de dar”[footnoteRef:19] [19: Antonio Enes, op.cit. p.192] 
Em alguns contos verificam-se diversas condições da mulher africana: no Dina, nos é apresentada uma mulher “indígena”cujoindígena “cujo meio de vida é a prostituição, submetida a toda sorte de humilhações; no “Papa,aPapa, a cobra e eu”, infere-se a mulher assimilada e seu comportamento face à família, aos empregados indígenas e à comunidade em que vive; a menina Isaura do conto “Nós matamos o Cão Tinhoso”, tratada por iguais como “tipinha” e “fêmea” ; N’teasse, a indígena submissa desejada por Vírgula Oito etc.
Esta idéiaideia de educação feminina foi apoiada e não questionada pela pequena burguesia filha da terra, pois acreditavam que difundindo a educação estavam a caminho do progresso, apadrinhado pela presença colonial.
Teses foram defendidas sobre a educação feminina, apreendidas neste ensaio do artigo “ ‘“‘As escravas perpétuas’ & o ‘Ensino Prático’ :’: Raça, Gênero e Educação no Moçambique Colonial,1910-1930” da lavra do Professor Valdemir Zamparoni[footnoteRef:20], que destaca: [20: Valdemir Zamparoni. As escravas perpétuas’ & o ‘Ensino Prático’: Raça, Gênero e Educação no Moçambique Colonial,1910-1930. In Estudos Afro-Asiáticos, 2002, Vol. 24, nº3, pp. 459-482. ISSNO 101-546X ] 
“João Albasini estava convencido de que a educação da mulher elevaria o homem inculto até ela; já a educação somente concedida ao homem, por mais perfeita e completa que fosse, “mais escravizaria a mulher e mais atormentaria o homem”; assim, era de opinião que a educação e instrução deveriam atingir os dois sexos “ para se tirar logo um proveito imediato, porque só a preta educada pode regenerar o preto”; além disso, “educada, a preta deixará de ser a mãe desleixada e porca que abandona os filhos à mercê do tempo[...] a negra educada há de, por certo, levantar o nível moral desse homem”(AO, 29/8/1912). Além disso, a mulher sem educação tendia a considerar o marido educado como estando “viciado pelo contato com gente civilizada” e o repelia.”
Denota-se, no comportamento da mulher assimilada no conto “Papai, a cobra e eu”, o”, o processo civilizador atuando no comportamento daquela personagem, suprimindo as práticas da mulher indígena e substituindo por hábitos e moral cristãos, bem como o vestuário e alimentação considerados mais adequados à vida moderna e urbana, “civilizados”.
Perfilhando alguns destaques políticos, econômicos e sociais da Moçambique colonial, desde a presença maciça dos nacionalistas nas lutas pela independência, o estímulo à industrialização em substituição ao trabalho forçado e ao cultivo compulsório, a força da FRELIMO, na busca de uma solução pacífica e depois através da luta armada, enfim, a própria determinação de um povo para alcançar a liberdade, colocados em contrafação às situações vivenciadas nos contos e aqui destacadas como pontos característicos da fase colonial, faz-se perceber o quanto é grande o significado de ser independente, possuir autonomia e ser uma nação soberanamente reconhecida.
BIBLIOGRAFIA
1. Eduardo COSTA, EduardoCosta.. Princípios de administração colonial. In: Antologia Colonial portuguesa. Lisboa: Séc Geral das Colônias. Divisão de Publicações e Biblioteca, 1946. 
2. Antonio EnesENES, Antonio. Moçambique p.18
3. LuisHONWANA, Luís Bernardo Honwana. Nós Matamos o Cão- Tinhoso.AutoresTinhoso. Autores Africanos .EditoraAfricanos Editora Ática.
4. Antonio EnesENES, Antonio.A preguiça Indígena.In Antologia Colonial Portuguesa. Vol.I
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