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11111111111111111111111111111 ~~~~~NICAMP 1290004888 FEF UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA FELIPE MAUÉS BERGH UMA NOVA PERSPECTIVA NO TREINAMENTO DE NATAÇAO PARA SURDOS: Proposta de utilização do sistema SABIO Campinas 2010 FELIPE MAUÉS BERGH UMA NOVA PERSPECTIVA NO TREINAMENTO DE NATAÇÃO PARA SURDOS: Proposta de utilização do sistema SABIO Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização) apresentado à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Especialista em Atividade Motora Adaptada. Orientador: Paulo Ferreira de Araújo Campinas 2010 FELIPE MAUÉS BERGH UMA NOVA PERSPECTIVA NO TREINAMENTO DE NATAÇÃO PARA SURDOS: Proposta de utilização do sistema SABIO Este exemplar corresponde à redação final do Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização) defendido por Felipe Maués Bergh e aprovado pela Comissão julgadora em: _/_/_. Campinas 2010 Paulo Ferreira de Araújo Orientador Eduardo Armando Bausas Junior Membro da banca Dedicatória Dedico este trabalho aos meus pais, que sempre me incentivam na busca dos meus sonhos. Ainda que estejamos a alguns quilômetros de distância, continuamos nos amando e seguindo na luta, afinal, temos que trabalhar e estudar até a morte. Agradecimentos Agradeço a minha família em geral, tios e tias, primos e primas, meu irmão e meus amigos. Em especial posso citar: Mauricio, Yasmin, Tereza, Daniel, André, Lucas Góes, tia Bilu, tia Dôra, tia Júlia, meu padrinho e minha madrinha, por sempre terem me recebido de volta como se eu nunca tivesse saído de Belém. A todos os paraenses, sei que sou apenas uma pessoa, mas fora do Pará acabo sendo representante do meu estado e da minha cultura. Ainda sou 100% paraense. Aos professores do curso de Atividade Motora Adaptada, em especial ao prof Paulo e ao prof Gorla pelas oportunidades que me deram. À toda a turma de 2009-2010 da especialização em Ativ. Motora Adaptada, pessoas que se tronaram marcantes em minha vida. Ao prof Luiz Eduardo Barreto Martins (grande Barretão!), por ter sido uma pessoa importantíssima durante minha estadia na UNJCAMP. Ao pessoal da USS Reloaded, por ter me aturado nos treinos e ajudado a fazer de Barão Geraldo um lugar mais alegre. À Fernanda e ao Gabriel por terem sido grandes companheiros e amigos que levarei para o resto da vida. BERGH, Felipe. Uma Nova Perspectiva no Treinamento de Natação para Surdos: a utilização do sistema SABIO. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização)-Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. RESUMO A natação para surdos é um esporte adaptado que ainda precisa evoluir em alguns aspectos, um deles é a avaliação esportiva. O objetivo geral desta pesquisa foi criar uma proposta metodológica para avaliação do ritmo em nadadores surdos que utilize situações específicas do esporte. Os objetivos específicos para conseguir elaborar uma proposta metodológica consistente e que possa ser relevante para o desporto surdo foram: identificar abordagens efetivas no contato com o nadador surdo; verificar os princípios básicos do treinamento de natação para surdos; realizar um estudo piloto com um nadador surdo e verificar as dificuldades encontradas durante o trabalho de estimulação rítmica de um nadador surdo. Para o estudo piloto, contou-se com um nadador com surdez profunda, sexo masculino, 21 anos. O foco do trabalho piloto foi a apropriação rítmica, com ênfase no aprimoramento técnico. Para avaliação durante a intervenção, foi utilizada uma série-controle de 4x100m com intensidade progressiva. Num segundo momento foi elaborada uma proposta metodológica de avaliação rítmica para surdos baseada principalmente nos testes usados por Luiz (2008), porém o instrumento de avaliação proposto é o Sistema de estímulo Visual Microcontrolado, componente do SABIO- Sistema para análise Biomecânica de Nadadores (PERSONA, 2006). Como resultado do trabalho piloto, tivemos aumento da motivação do sujeito estudado, melhoria da técnica de nado e melhoria do rendimento mensurado pela série-controle. A proposta de avaliação foi idealizada para ser bastante fidedigna ao que o esporte exige, mas ainda precisa ser validada cientificamente para provar sua eficácia. Palavras-Chaves: Natação. Surdez. Avaliação rítmica. BERGH, Felipe. A New Perspective in Swimming Training for DeafPeople: the utilization of the SABIO system. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação)-Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. ABSTRACT Swimming for deaf people is an adapted sport that needs to evolve in some aspects, and one of them is the sportive assessment. The main objective of this research was to create a methodological proposal for rhythm assessment with deaf swimmers that uses specific situations of this sport. The specific objectives needed to elaborate a consistent methodological proposal that could be relevant for deaf sports were: identify effective approaches in the relation with a deaf swimmer; verify the basic principies of swimming training for deaf people; make a pilot study with a deaf swimmer and observe the difficulties found during the work of rhythmic stimulation of a deaf swimmer. For the pilot study, we worked with one swimmer with profound deafness, mal e, 21 years old. The focus o f the pilot work was rhythmic appropriation, with emphasis on technical improvement. For assessment during the intervention was used a control-task of 4x100m with progressive intensity. On a second moment, a methodological proposal for rhythmic assessment was created, mainly based on the tests used by Luiz (2008), although the instrument proposed for the evaluation was the Microcontrolled Visual Stimulation System, an element of SABIO - System for Swimmers' Biomechanical Analysis (PERSONA, 2006). As results of the pilot study, we noticed a increase of the research subject's motivation, improvement of his swimming technique and performance enhancement measured by the control-task. The methodological proposal was imagined to be very reliable to the sport' s needs, but it still needs to be scientifically validated to prove its effectiveness. Keywords: Swimming. Deafness. Rhythmic Assessment. Figura 1 Figura 2 Figura 3 LISTA DE FIGURAS Gráfico de evolução de rendimento na série controle.................................. p.33 Descrição dos componentes do Sistema de Estímulo Visual Microcontrolado.............................................................. ... p.35 Interface gráfica do BPM Counter................................................................ p.36 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Classificação Audiológica da Surdez........................................................... p.20 Quadro 2 - Classificação das Perdas Auditivas............................................................... p.20 Quadro 3 - Categorias Funcionais da Natação Paraolímpica.......................................... p.25 Quadro 4 - Teste Inicial................................................................................................... p.33 Quadro 5- Teste ao fim do primeiro mês........................................................................ p.33 Quadro 6- Teste ao fim do segundo mês........................................................................ p.33 Quadro 7 - Tempos de chegada e suas respectivas velocidades médias.......................... p.36 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS BPM dB EFA FC FEF FNP ldC LAn MEC m/s min PCD SABIO SB SEESP seg SM UNICAMP v c Batidas por minuto Decibéis Educação Física adaptada Freqüência cardíaca Faculdade de Educação Física Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva Índice de coordenação Limiar Anaeróbico Ministério da Educação Metros por segundo Minutos Pessoa com deficiênciaSistema para Avaliação Biomecânica de Nadadores Swimming Breaststroke Secretaria de Educação do Estado de São Paulo Segundos Swimming Medley Universidade Estadual de Campinas Velocidade Crítica SUMÁRIO 1 Introdução...................................................................................................................... 13 2 O Progresso do Desporto Adaptado............................................................................. 15 3 Caracterizando a Pessoa surda..................................................................................... 19 3.1 Classificações da Surdez......................................................................................... 19 3.2 A Relação Professor-Aluno Surdo......................................................................... 21 3.3 Educação Física e Surdez........................................................................................ 23 4 Natação Adaptada e sua Abrangência.......................................................................... 25 4.1 Breve Histórico da Natação Adaptada................................................................... 25 4.2 Treinamento de Natação.......................................................................................... 26 5 Descrição do Estudo Piloto e Apresentação da Proposta de Avaliação Rítmica... 31 5.1. Descrição do estudo Piloto...................................................................................... 31 5.1.1 Sujeito.................................................................................................................. 31 5.1.2 Métodos............................................................................................................... 31 5.2 Proposta metodológica de Avaliação rítmica...................................................... 34 5.2.1 Descrição do Sistema de Estímulo Visual Microcontrolado...................... 34 5.2.2 Descrição dos procedimentos de Avaliação................................................... 35 Considerações Finais....................................................................................................... 37 Referências........................................................................................................................ 39 Anexos................................................................................................................................ 41 Apêndices.......................................................................................................................... 43 1 Introdução O desporto para surdos encontra-se em um estágio de desenvolvimento relativamente lento se comparado ao esporte adaptado a outras deficiências. Dessa forma, há uma grande oportunidade para realizar pesquisas científicas que podem contribuir para acelerar esse processo. A natação é um esporte tradicional dentro da comunidade surda, haja vista que fez parte de todas as grandes competições internacionais, desde os Jogos Internacionais do Silêncio até as Olimpíadas dos Surdos. Durante o levantamento bibliográfico feito para este estudo, notou-se a escassez de métodos de avaliação esportiva voltados especificamente à população surda. Talvez isso se deva ao fato dos surdos serem capazes de realizar a maioria dos testes feitos para os ouvintes. Entretanto, os surdos apresentam algumas necessidades específicas que precisam ser trabalhadas e avaliadas detalhadamente, entre elas, o ritmo. O foco deste projeto foi a estruturação de uma proposta de avaliação rítmica para nadadores surdos, utilizando elementos específicos do esporte. Essa proposta será baseada na literatura especializada, utilizando também o conhecimento obtido durante um trabalho piloto realizado com um nadador surdo. O instrumento usado em nossa proposta de avaliação foi o Sistema de Estímulo Visual Microcontrolado, construído por Persona (2006). O equipamento foi o meio escolhido para mensurar a capacidade rítmica dos nadadores durante a execução do gesto esportivo e faz parte de um sistema de avaliação biomecânica da natação denominado SABIO, elaborado pela mesma autora. De acordo com Luiz (200 I, p. 2) o ritmo apresenta os chamados tempos fortes, que são musicalmente aqueles sons mais acentuados, dispostos simetricamente e em alternância com os tempos fracos. O estímulo visual marcaria os tempos fortes, que podem ser relacionados com o momento de entrada da braçada na água, e de acordo com a quantidade de acertos dos movimentos nos tempos fortes seria possível mensurar a apropriação rítmica do indivíduo. A proposta de avaliação elaborada nesta pesquisa foi imaginada para tentar suprir algumas necessidades específicas dos surdos. A adaptação do Sistema de Estímulo Visual para fins de avaliar o ritmo em surdos pode ser o primeiro passo para estruturar uma bateria de testes motores específicos da natação para surdos. 13 Com a fonnulação da ideia inicial, os métodos de avaliação deste desporto adaptado podem se desenvolver e ajudar a melhorar o rendimento esportivo entre os surdos. Além disso, com a difusão e aprofundamento deste estudo podemos fazer com que o Brasil seja um dos pioneiros na avaliação fisica e motora de nadadores surdos. O objetivo geral desta pesquisa foi criar uma proposta metodológica para avaliação do ritmo em nadadores surdos que utilize situações específicas do esporte. Os objetivos específicos para conseguir elaborar uma proposta metodológica consistente e que possa ser relevante para o desporto surdo foram: identificar abordagens efetivas no contato com o nadador surdo; verificar os princípios básicos do treinamento de natação para surdos; realizar um estudo piloto com um nadador surdo e verificar as dificuldades encontradas durante o trabalho de estimulação rítmica realizado com ele. 14 2 O progresso do desporto adaptado No atendimento às pessoas com deficiência (PCDs), os exercícios físicos são atualmente um elemento de suma importância para que elas consigam ganhar autonomia. Com isso, a Educação Física tomou-se uma das áreas do conhecimento que tem mantido contato mais próximo com essa população. Portanto, é necessário estabelecermos as diferenças entre termos geralmente usados como sinônimos: Educação Física Especial e Educação Física Adaptada (EF A). A EF Especial remete às atividades realizadas com grupos compostos somente por PCDs e elaboradas com direcionamento exclusivo para esse mesmo grupo. A EF A, por outro lado, realiza suas práticas com turmas mistas, tendo as atividades planejadas em função da participação dos alunos nas mais variadas condições (deficiência física, cegueira, surdez, etc.) (SILVA, SEABRA JR; ARAÚJO, 2008). No entanto, é interessante ressaltar a importância da EF Especial para a construção da EFA. Desde os primórdios, na China (3000-2500 a. C.) já se acreditava que exercícios terapêuticos podiam prevenir e ajudar no tratamento de doenças. Com a evolução dos conhecimentos sobre as atividades físicas, durante o séc. XVIII os europeus criaram esportes e terapias recreativas para PCDs. As Guerras Mundiais também serviram para dar um impulso maior na área, pois as pessoas que voltavam mutiladas buscavam os métodos de reabilitação disponíveis, entre eles o exercício físico. Um dos maiores marcos na história da EF A foi o programa de reabilitação desenvolvido por Sir Ludwig Guttman no Hospital de Stoke Mandeville, na Inglaterra. Suas práticas introduziram diversas modalidades esportivas aos pacientes, geralmente acometidos de lesão medular. O sucesso dessa iniciativa foi tão grande que acabou gerando os Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, o precursor das Paraolimpíadas. No Brasil, a EF A foi introduzida por iniciativa dos Srs. Róbson Almeida e Sérgio Del Grande, que, em 1958, formaram uma equipe de basquete em cadeira de rodas cujo treinamento ocorria no Hospital dasClínicas de São Paulo. Segundo Araújo (1997), a difusão e organização institucional da EF A tiveram início com os congressos organizados pelo governo de 1982 a 1995. 15 Segundo o MEC, Ações da SEESP - Educação Especial (2004), é a partir da Conferência Mundial sobre a 'Educação para Todos', em Jomtien (em 1980), e da Declaração de Salamanca, na Espanha (em 1994), que o Brasil assumiu como compromisso, perante a comunidade internacional, combater a exclusão de qualquer pessoa do sistema educacional. Surge, então, o princípio da inclusão escolar, assegurada por meio das Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica, que busca garantir a escola para todos, nas classes de ensino comum, inclusive para alunos em condição de deficiência. (SILVA, SEABRA JR; ARAÚJO, 2008, p. 89) Como a Educação Física é um elemento da Educação Básica, ela também precisou de algumas modificações para se adequar às novas demandas. A expansão e desenvolvimento da EF A foram necessários tanto para os PCDs que seriam incluídos nas práticas escolares quanto para os profissionais, que precisaram se mobilizar e se reciclar para obter o preparo necessário para o sucesso de suas aulas. Com isso, o profissional passa a lidar diretamente com diversos tipos de deficiência (mental, auditiva, visual, ffsica, síndromes, etc.) e acaba desenvolvendo métodos diferenciados para facilitar a acessibilidade dos deficientes ao ambiente da educação motora. As pessoas com deficiência acabam descobrindo seu potencial motor, tornando-se cada vez mais ativas e independentes. Elas estão tendo a possibilidade de realizar exercícios cada vez mais complexos, ampliando seu leque de movimentos e atingindo níveis de rendimento cada vez mais altos em uma das áreas mais populares da Educação Física: o Esporte. Com relação à nomenclatura esportiva, deve-se estabelecer a diferença entre os termos Desporto Adaptado e Desporto para Pessoas com Deficiência. O primeiro é a adequação de um esporte já conhecido popularmente, que sofre uma adaptação nas regras para que seja direcionado a outro público (Ex: futebol para cegos). O desporto para pessoas com deficiência é um esporte criado desde o início para atender uma determinada população (Ex: Goalball) (ARAÚJO, 1997, p.5). Com o entendimento que a natação é um esporte com regras bastante conhecidas pela população em geral, compreende-se que este estudo se estabelece no campo do Desporto Adaptado, já que tem como um dos elementos principais a prática de um esporte popular (natação) voltado para um público restrito (surdos). A evolução do desporto adaptado é fruto de diversas iniciativas que buscam mudar o senso comum de que a pessoa com deficiência é inválida, ou que ela deve se trancar em casa e ser abandonada. Fi alho (2004, p. 3 7) nos dá um melhor esclarecimento do ponto de vista dominante no trato com pessoas com deficiência. Em torno dos portadores de deficiência fisica percebemos um limite estrutural que os confinam em sua deficiência através de barreiras fisicas, sociais e culturais, [ ... ] Possivelmente esta manifestação fisica de barreiras determina uma maior visualização da deficiência (i.e. retira a possibilidade do portador de deficiência agir de forma autônoma - independente) levando as pessoas a um incômodo, pré- 16 julgamento negativo, estigmatizando os portadores, se opondo, sistematicamente, à plena participação dos mesmos, obrigando-os a uma vida marcada pelo isolamento. Com isso, o número de praticantes das modalidades adaptadas tem crescido constantemente e uma das conseqüências diretas desse fato é a evolução dos métodos de treinamento. Cada deficiência tem suas particularidades e dentro delas cada sujeito também tem suas individualidades, fazendo com que seja necessária uma grande variação das práticas e um bom senso de adequação do treinador na escolha das tarefas esportivas. Na natação, por exemplo, as adaptações para uma pessoa que tem a perna amputada são basicamente na mecânica do nado, enquanto para um surdo elas seriam mais relacionadas ao ritmo e à comunicação treinador-aluno. Sendo a população surda o enfoque desta pesquisa, torna-se necessário abordar alguns aspectos determinantes no trabalho com natação para surdos, como citado acima, os dois pontos essenciais são a eficácia na comunicação e o desenvolvimento rítmico. Quanto ao ritmo, Gândara (1993) apud Luiz (2001, p. 35) afirma que o ritmo é o caminho para a aprendizagem motora, haja vista que ele ajuda na compreensão do mecanismo e incentiva a economia do trabalho físico e mental. Ou seja, os surdos tem certa dificuldade de entender tarefas motoras, mas esse não é um fator que impede que eles sejam pessoas fisicamente ativas. É necessário que o profissional tenha esse conhecimento para realizar seu planejamento com mais cautela, dando um pouco mais de tempo para a pessoa surda compreender o movimento que está sendo exigido. Na relação entre o treinador e seus alunos, não se deve esquecer fatores primários e essenciais para que haja eficácia na comunicação, como a posição do professor em relação à turma, utilização de sinais visuais e clareza nos gestos. Sobre isso, Pasetto (2004, p.l O 1) afirma que "é comum [ ... ] durante a transmissão de informação pelo profissional, a utilização de modelos". A mesma autora ainda afirma que se a utilização de modelos fosse feita simultaneamente à administração de dicas visuais, os surdos seriam capazes de aprender habilidades motoras de uma maneira mais eficaz (PASETTO, 2004, p. 101). Dentre os diversos esportes praticados por surdos, o que se apresenta como foco deste estudo é a natação. O treinamento de natação para surdos vem evoluindo e a natação é um dos esportes integrantes das Olimpíadas de Surdos de Verão (Summer Deaflympics) que em 2009 foram disputadas em Taipei, China. Apesar da pouca difusão de informação a esse respeito no Brasil, um nadador brasileiro foi finalista em três provas: 200 livre, 100 e 200 borboleta. (SUMMER DEAFL YMPICS T AIPEI, 2009) 17 Uma das maneiras de melhorar o processo de treinamento de natação para surdos é aplicar métodos inovadores e tentar algumas abordagens diferentes no planejamento das sessões de treino. Recentemente, Persona (2006, p.40) elaborou uma proposta de sistema para análise biomecânica de nadadores (SABIO), sendo que um dos componentes desse sistema é particularmente interessante para auxiliar na apropriação rítmica de nadadores surdos. O Sistema de Estímulo Visual Microcontrolado é uma ferramenta que determina o ritmo que o atleta deve nadar por meio de um sistema de lâmpadas que piscam regularmente durante o percurso. A velocidade de disparo das lâmpadas é determinada pelo técnico, fato que permite maior controle sobre os ritmos exigidos nos treinos e também possibilita a criação de protocolos de avaliação do treinamento (PERSONA, 2006, p.44). O instrumento idealizado por Persona (2006) pode ser usado de maneira similar ao BPM Counter (LUIZ, 2008), pois fornece estímulos visuais que podem ser utilizados para avaliar a percepção rítmica dos surdos. O protocolo do BPM Counter encontra-se validado e,portanto, pode servir como referência para elaboração de novas propostas de avaliação do ritmo de pessoas surdas. É nesse contexto que se situa esta pesquisa, tendo por objetivo apresentar um novo olhar sobre a natação para surdos, propondo a utilização de um sistema criado para pessoas sem deficiência, mas que pode ser muito útil no âmbito do desporto adaptado. Essa proposta visa também aumentar a difusão de conhecimento na área da natação para surdos, já que atualmente o Brasil não tem grande representatividade internacional na natação para surdos, diferentemente do que acontece em outros desportos adaptados como o futebol para cegos e a própria natação para deficientes físicos. 18 3 Caracterizando a pessoa surda 3.1. Classificações dasurdez A deficiência auditiva tem diversas características que quando observadas em conjunto nos permitem obter um melhor entendimento sobre as necessidades e potencialidades dos surdos. Pasetto (2004, p. 39) afirma que as perdas auditivas podem ser classificadas tendo em vista basicamente três fatores: fatores etiológicos (momento em que ocorre a lesão), localização da lesão no aparelho auditivo e o grau de perda auditiva. De acordo com os fatores etiológicos, podemos classificar a surdez como congênita (caracterizada já no nascimento) ou adquirida (causada antes, durante ou depois do parto) (NAZARETH, 2001, p.7). A má formação do aparelho auditivo durante a gestação e/ou causas hereditárias caracterizam a surdez congênita, lesões como essas ocorrem no período pré-natal (durante a gestação). A surdez adquirida é conseqüência de lesões que podem ocorrer nos períodos pré, peri e pós-natal, e é causada por infecções durante a gravidez, traumas, falta de oxigenação no parto, enfermidades e/ou uso de medicamentos sem controle médico (PASETTO, 2004, p. 39). Quanto à localização da lesão, a surdez pode ser (1) neuro-sensorial, quando a dificuldade de captação dos sons é quantitativa e qualitativa, onde a lesão pode situar-se do ouvido interno até o segundo neurônio coclear; (2) condutiva, quando há lesão no ouvido externo ou médio, acarretando alteração auditiva quantitativa; ou (3) central, quando afeta a área do tronco cerebral e/ou do próprio cérebro (LUIZ, 2008, p.27; ROSSI, 2000, p.6). Segundo Nazareth (2001, p. 6) a lesão condutiva é passível de tratamento com órteses, enquanto a neuro-sensorial é na maioria das vezes irreversível, de modo que mesmo com o uso de aparelhos amplificadores o individuo não consegue atingir um nível normal de audição. Quando uma mesma pessoa apresenta lesões neuro-sensorial e condutiva, ela tem o que se denomina lesão mista. Além disso, a lesão pode ocorrer somente em um ouvido (unilateral) ou em ambos (bilateral). Segundo o grau de perda auditiva, pode-se classificar a surdez de leve a total dependendo da quantidade de decibéis que a pessoa consegue escutar. Comparativamente, na surdez leve, o indivíduo tem pouca dificuldade de entender a linguagem como um todo, 19 porém, pode apresentar problemas na compreensão de alguns fonemas, atrapalhando o aprendizado da leitura e da escrita. Já no caso da surdez moderada, o entendimento da linguagem verbal está mais ligado à visão, dificultando a percepção das palavras e a articulação da fala. E no quadro de surdez profunda a perda é tão grande que o individuo fica incapaz de perceber a presença ou ausência de som, tendo muita dificuldade para entender e identificar a linguagem. Nesse caso o uso de aparelhos permite que o surdo entre em contato com os sons, sendo capaz de captar a presença deles e diferenças de entonação verbal. Os Quadros I e 2 apresentam mais detalhes sobre a classificação de acordo com o grau de perda auditiva. Quadro 1 - Classificação Audiológica da Surdez Grau de Surdez Perda Auditiva _{_dBl Surdez Leve 21-40 Surdez Moderada 41-70 Surdez Severa 71-90 Surdez Profunda 91-119 ·- Perda auditiva leve 26a40dB Perda auditiva moderada: 41a55dB Perda auditiva moderadamente severa: 56a70dB Perda auditiva severa 7la90dB Perda auditiva profunda <90dB Surdez Total Maiorgue 120 Adaptado de: LUIZ, 2008, p.27 Quadro 2 - Classificação das Perdas Auditivas A perda que impede que o indivíduo perceba igualmente todos os fonemas da palavra. Esta perda auditiva não impede a aquisição normal da linguagem, mas poderá ser a causa de dificuldades de leitura e escrita. Esse limite se encontra no nível da percepção da palavra. É freqüente o atraso de linguagem e alterações articulatórias. Esses individues têm maior dificuldade de discriminação auditiva em ambientes ruidosos e possui uma compreensão verbal ligada a sua aptidão individual para a o visual Com próteses auditivas, a audição costuma atingir ruveis normais. O individuo ainda tem um funcionamento primariamente auditivo na compreensão da fala, mas há necessidade de leitura labial para a compreensão total. A linguagem está normalmente atrasada, a inteligibilidade de sua fala é comprometida. Com próteses auditivas os limiares voltam normalmente para o nível de audição normal a perda leve. Este tipo de perda permite a identificação de alguns ruídos, podendo chegar até 4 e 5 anos de idade sem aprender a falar. A compreensão verbal depende da aptidão para utilizar a percepção visual e para observar o contexto das situações. Através da amplificação, somente alguns individues atingem os níveis inferiores da audição normal, a maioria deve atingir o grau de uma perda leve à moderada. Normalmente o indivíduo reconhece sons ambientais e detecta fonemas da fala com o a.E._arelho. Privação das informações auditivas para perceber e identificar a voz humana. As perturbações da função auditiva estão ligadas tanto à estrutura básica quanto à identificação simbólica da linguagem. O uso de prótese é importante na percepção da presença/ ausência da voz, entonação das sentenças, na discriminação de alguns sons e na inserção do indivíduo ao mundo sonoro. É possível conseguir uma audição, com amplificação, no túvel de uma perda leve, moderada ou moderadamente severa. Adaptado de PASETTO, 2004, p.40 20 Além dos fatores citados, outro critério que merece atenção é relacionado à época de aparecimento das lesões. Se a lesão manifesta-se antes da aquisição da linguagem, ou seja, do nascimento até o primeiro ano de vida, fica caracterizada a surdez pré-lingual. Em outros casos ocorre a surdez pós-lingual, que é causada por lesões que aparecem após o segundo ano de vida (LUIZ, 2008, p. 28). Com base nos conhecimentos relacionados acima, o profissional que lida com surdos pode melhorar sua compreensão das particularidades dessa população e aprimorar o planejamento de suas aulas. É importante ressaltar que as classificações são apenas um fator dentre vários que compõem essa relação do educador ouvinte com o público surdo. 3.2. A relação professor-aluno surdo Numa classe comum, o professor tem como objetivo repassar o conhecimento e fazer os alunos compreenderem o que lhes foi explanado. Quando se fala do processo de educação de surdos os objetivos não são diferentes, sendo que as maiores mudanças ocorrem no como fazer. As adaptações dizem respeito aos meios que o professor utilizará para conseguir se comunicar com os deficientes auditivos e os métodos que serão usados para transpor as barreiras da linguagem verbal. Historicamente, a educação dos surdos foi realizada de acordo com algumas correntes. A primeira foi o gestualismo, baseado na metodologia criada pelo abade de l'Epée, que utilizava a linguagem de sinais como meio de ensinar leitura e escrita para surdos. Esse método reconhecia que a linguagem gestual era a língua natural dos surdos e deveria ser incorporada ao processo educativo. Com a utilização dos chamados "sinais metódicos", l'Epée fundou a primeira escola de educação especial para surdos em 1775 (MOURA, 1996 apud SILVA, 2000, p. 30). Outra corrente que despontou no cenário mundial no século XIX foi o oralismo. Esse método de ensino baseava-se na premissa que a fala era o meio de inclusão do surdo na sociedade ouvinte. Ou seja, dever-se-ia ensinar o surdo a falar para que ele não fosse mais visto como deficiente. O debate entre oralismo e gestualismo se instaurou, confrontando as duas correntes que regiam a educação dos surdos. "No decorrer do século XIX continuaram as posições divergentes em relação à concepção de surdo e de educação para surdos. Aqueles que defendiam a oralização partiam do princípio de que, se o surdo falasse, ficaria 'igual' aos outros e assim poderia se 21 integrar na sociedade. É como se o fato da pessoa surda falar acabasse com a surdez." (SILVA, 2000,p. 31) Luiz (2008, p. 33-34) cita o Congresso de Milão em 1880 como um marco na educação para surdos. Esse evento foi o ápice das disputas entre oralismo e gestualismo, onde foram tomadas decisões que influenciariam permanentemente os métodos usados no processo educativo de surdos. Durante o congresso, definiu-se que o oralismo deveria ser o método oficial, suprimindo o gestualismo ou qualquer outro método que também usasse a linguagem de sinais. No entanto, com o desenrolar dos estudos científicos sobre os surdos e a linguagem, o monopólio oralista foi abalado. Cada vez mais eram apontadas falhas no método, culminando com a criação de uma nova linha de trabalho educacional: a comunicação total. A comunicação total foi amplamente difundida durante a década de 70, que utilizava quaisquer meios para estabelecer diálogo com os surdos. "Este tipo de comunicação viabilizou o uso de qualquer aparato ou combinação, permitindo o uso de sinais, gestos, oralização, leitura orofacial, desenhos, linguagem escrita e o alfabeto dactilológico." (LUIZ, 2008, p.36). Ou seja, o aprendiz surdo era exposto a diversos meios e utilizava aquele que melhor se adequasse a si próprio e ao interlocutor (SILVA, 2000, p.35). Todavia, de acordo com Lodi e Moura (2006) apud Luiz (2008, p. 37) o movimento mundial que vem se fortalecendo desde a década de oitenta é o modelo educacional bilíngüe. Nesse processo, os surdos aprendem a linguagem de sinais como sua primeira língua, deixando-os aptos a se comunicar com seus iguais. Num segundo momento as particularidades e conceitos culturais da linguagem de sinais são usados para ensinar aos surdos os fundamentos de leitura e escrita do idioma falado em seu país de origem, iniciando o aprendizado de uma segunda língua. Porém, ainda que o método bilíngüe seja o mais novo, ele também apresenta algumas limitações e não suplantou por completo o uso de outras abordagens educacionais. Diante desse panorama é possível constatar que, de alguma maneira, as três principais abordagens de educação de surdos ( oralista, comunicação total e bilingüismo) coexistem, com adeptos de todas elas nos diferentes países. Cada qual com seus prós e contras, essas abordagens abrem espaço para reflexões na busca de um caminho educacional que de fato favoreça o desenvolvimento pleno dos sujeitos surdos, contribuindo para que sejam cidadãos em nossa sociedade (LACERDA, 1998). Com a elaboração de métodos de ensino que apresentaram relativo sucesso ao longo do tempo, vemos que as dificuldades que permeiam a relação entre o professor 22 ouvinte e a população surda são grandes, mas superáveis. Pelo fato de nossa sociedade utilizar majoritariamente a comunicação oral, o convívio social dos surdos é muito afetado. Como as práticas educacionais, afetivas e cognitivas são feitas por meio da oralidade, o surdo geralmente não tem facilidade para aproveitar ou compreender essas ações, sendo visto muitas vezes como menos inteligente que os ouvintes (SILVA, 2000, p. 18). Precisa-se entender que o surdo não é um ser isolado, existe uma comunidade surda com características próprias que devem ser observadas e entendidas para que haja sucesso nas relações entre ouvintes e surdos, com destaque para a relação educacional. Lacerda (1996, p. 135) afirma que num grupo de alunos surdos, não se notou diferença significativa na capacidade de aprendizado entre os alunos que tinham freqüentado escolas (especiais e regulares) e outro que não tivera contato anterior com a escola. Dessa maneira, isso leva a crer que não houve compreensão das necessidades dos surdos e, portanto, eles tiveram experiências escolares irrelevantes. O contato do surdo com a sociedade geralmente é um processo árduo. Devido aos estereótipos e preconceitos já formados, a interação dos surdos com a maioria ouvinte é muito inconstante. Quanto a isso, Lane (1992) apud Silva (2000, p.21) afirma que os relatos existentes na literatura sobre o perfil psicológico do surdo são inconsistentes, dando ênfase para comportamentos considerados negativos, como irritabilidade e agressividade. Observa-se então que mesmo dentre aqueles que procuram soluções ainda existem problemas básicos. Deve-se dar a devida atenção ao fato que "[ ... ]a identidade social do surdo não lhe é dada pelo fato de ter nascido surdo, mas é uma construção histórica, transmitida e não generalizável" (LUIZ, 2008, p. 52). 3.3. Educação Física e Surdez Dentre as formas de comunicação inerentes aos surdos, a que recebe mais destaque é a linguagem de sinais, porém, não se pode esquecer a linguagem corporal. Dada a grande dificuldade de uso da oralidade, os surdos, além dos sinais, utilizam seus corpos para estabelecer diálogos com o meio. Portanto, durante o processo educacional "é importante oferecer à criança surda, além de uma abordagem lingüística adequada à sua realidade, o máximo de atividades motoras que possibilitem aprimorar sua capacidade de comunicação corporal com o mundo" (NAZARETH, 2001, p. 14). Todavia, o desenvolvimento motor dos surdos acontece geralmente num ritmo mms lento que o dos ouvintes, geralmente como conseqüência da surdez neuro- 23 sensorial, que compromete o equilíbrio e o tônus labiríntico, podendo também afetar a coordenação geral (PASETTO, 2004, p.46; LUIZ, 2001, p.37). De acordo com Martins (2009, p. 276) o programa de atividades físicas para portadores de transtorno neurogênico (a surdez é um transtorno neurogênico sensorial não- progressivo) deve constituir-se primeiramente de uma abordagem terapêutica, visando reabilitação e desenvolvimento de capacidades funcionais. Num segundo momento, deveria ser dado um enfoque mais educacional, onde seria incluída a prática esportiva. A abordagem terapêutica em surdos visa promover o condicionamento cardiorrespiratório e estimular a coordenação motora através de exercícios ativos-livres (não há auxílio externo para realização do movimento). Com isso, visa permitir ao surdo a aquisição de um repertório mínimo de habilidades motoras que permita a prática de atividade fisica e desporto adaptado (MARTINS, 2009, p. 277). A abordagem secundária diz respeito ao caráter educacional do esporte, quanto a isso, Araújo (1997, p.6) nos remete ao fato que o Desporto Adaptado atua também como uma forma de expressão motora. Ele ainda afirma que através do desporto a pessoa com deficiência estabelece uma relação dinâmica com o meio, com o objetivo de explorar suas capacidades remanescentes, visando um rendimento seguro e desejado de acordo com sua individualidade. Portanto, a prática de atividade fisica é entendida como um beneficio para o desenvolvimento social dos surdos. Miron (1995) e Verardi (1998) apud Nazareth (2001, p.15) apresentaram estudos que expunham a capacidade satisfatória dos surdos executarem gestos esportivos, e que eles, ao perceberem suas potencialidades, sentiram-se incentivados a aumentar seus contatos sociais por meio da participação em outras modalidades esportivas. Martins (2009, p. 277) sugere a natação adaptada como um dos esportes a ser utilizado na atividade física para surdos, tendo como objetivo a inclusão social, autoconhecimento das potencialidades e desenvolvimento fisico, cognitivo, afetivo e social. Percebe-se então o contexto no qual se enquadra esta pesquisa, visando melhorias nos instrumentos de adaptação utilizados no treinamento de natação para surdos e, portanto, colaborando para que os surdos alcancem os beneficios promovidos pela prática esportiva. 24 4 Natação adaptada e sua abrangência 4.1. Breve histórico da natação adaptada Dentre os desportos adaptados, a natação é um dos que abrange maior público. Existem diversas categorias, divididas de acordo com o tipo e grau de lesão, que habilitam pessoas com variados tipos de deficiência a participarem das atividades aquáticas. Deficientes físicos, cegos, surdos,portadores de síndromes, todos esses são capazes de praticar natação contanto que seja dada a devida instrução aos professores. Oficialmente, há divisões organizacionais e nem todas as deficiências estão incluídas no desporto paraolímpico. A população surda, por exemplo, não está habilitada a participar dos Jogos Paraolímpicos, mas por outro lado ela organiza as Olimpíadas dos Surdos, que dão oportunidade para os atletas deficientes auditivos demonstrarem suas habilidades esportivas. É interessante citar que segundo o Comitê Paraolímpico brasileiro, a classificação funcional dos atletas de natação analisa resíduos musculares e realiza testes motores dentro e fora da água, sendo uma proporção inversa entre o número da classe e o grau de comprometimento motor (quanto maior a deficiência, menor o número de classe). O padrão estabelecido para natação utiliza sempre a letra S no início de cada categoria, representando a palavra swimming (natação, em inglês), podendo ser realizadas classificações diferentes para o nado peito (SB) e medley (SM). Para melhor compreensão das classificações funcionais da natação paraolímpica, veja o esquema abaixo. Quadro 3 - Categorias funcionais da natação paraolímpica Classe Tipo de deficiência SI aSJO/SBJ aSB9/SMJ aSMJO Nadadores com limitações físico-motoras. SJJ, SBJJ, SMJJ S12, SB12, Nadadores com deficiência visual (a SM12,S13, SBJ~SM13 classificação neste caso é a mesma do judô e futebol de cinco) 25 Sl4, SB14, SM14 Nadadores com deficiência mental Fonte: Comitê Paraolímpico Brasileiro, 20 I O. A presença da natação é tão marcante no desporto adaptado que ela foi um dos esportes pioneiros a ser praticado por deficientes. Desde o início dos Jogos Anuais de Stoke Mandeville, em 1952, a natação faz parte do programa das grandes competições de desporto adaptado e hoje, mesmo com a evolução organizacional que permitiu a criação das Paraolimpíadas, a natação ainda tem seu espaço garantido (FREITAS & CIDADE, 2002, p.22). Os surdos, porém, organizaram-se ainda antes da iniciativa pioneira de Stoke-Mandeville e em 1924, em Paris, realizaram os Jogos Internacionais do Silêncio, contando somente com a presença de cerca de seis países europeus. A natação foi um dos esportes que compôs esse torneio, estabelecendo-se como uma das modalidades mais praticadas pelos surdos. Posteriormente esses jogos se transformariam nos Jogos Olímpicos dos Surdos (Deaflympics), cujo programa esportivo não é alterado e tem apenas leves adaptações (a única diferença é o uso de bandeiras e luzes ao invés de apitos e tiros de partida) e segue o padrão das Olimpíadas (LAUFF, 2007, p.37). Podemos ver que, apesar da menor popularidade, as práticas competitivas promovidas pela comunidade surda são mais antigas e tradicionais que os campeonatos de outros desportos adaptados. A natação se estabelece historicamente como um desporto tradicional entre as pessoas com deficiência em geral, especialmente os surdos. É notável também que a organização das competições entre os surdos está numa constante evolução, como conseqüência, os métodos de treinamento e preparação esportiva devem acompanhar esse progresso. É nessa perspectiva que está contido este estudo, buscando meios de aprimorar a relação treinador-atleta surdo, visando uma melhoria no treinamento esportivo para surdos em consonância com o desenvolvimento institucional. 4.2. Treinamento de natação A natação é um esporte bem estruturado no qual os avanços tecnológicos já exercem grande influência. O aumento do conhecimento nos mais diversos aspectos da natação (infra-estrutura, anatomia, fisiologia, equipamentos, etc.) permitiu que houvesse evoluções consistentes em pontos essenciais desse desporto: no treinamento, no desempenho competitivo e nas avaliações esportivas. 26 A ciência do treinamento de natação vem sofrendo algumas mudanças, ainda que não hEtia um padrão geral. Atualmente, os treinadores buscam cada vez mais conciliar quantidade e qualidade, explorando ao máximo as potencialidades dos atletas sem que haja um desgaste excessivo causado pelo volume de treino. Além disso, a infra-estrutura necessária para sucesso de um programa de natação também evoluiu. Cronômetros cada vez mais sofisticados, piscinas cada vez mais modernas e um número cada vez maior de profissionais qualificados fazem com que o treinamento seja mais eficaz a cada dia. Os resultados competitivos, principalmente os de alto nível, foram os que mais sofreram influências nos últimos anos. Houve evolução dos placares eletrônicos, das raias anti-marola e até mesmo dos blocos de partida. Porém, a mudança mais significativa ocorreu com a utilização dos conhecidos "trajes tecnológicos", que utilizavam materiais emborrachados para aumentar a flutuabilidade do atleta. Esses trajes iniciaram uma revolução nos desempenhos esportivos, fazendo com que a quantidade de recordes mundiais batidos entre 2007 e 2009 fosse tão assustadora que a FINA decidiu banir esse tipo de traje das competições oficiais. Apesar das repercussões controversas dessa decisão, o que permanece como fato é a influência da tecnologia no esporte. Outro campo que também evoluiu foi o da metodologia de avaliação esportiva aplicada à natação. Softwares de análises biomecânicas, instrumentos para mensuração de força dentro da água, medidas de variáveis antropométricas e desportogramas são alguns dos elementos que refletem o progresso obtido na ciência da avaliação fisica. Como conseqüência, os testes são cada vez mais elaborados visando obter valores mais específicos e exatos das variáveis que estão sendo avaliadas. Se formos procurar um teste que avalie especificamente a variável ritmo na natação, provavelmente não serão encontrados muitos testes para essa habilidade esportiva. Entretanto, Luiz (2008, p. 67) nos remete a algumas das facetas do ritmo no movimento humano. Todo movimento natural e total não possui as mesmas qualidades de movimento (intensidade, velocidade, amplitude, entre outros) no decorrer de toda a sua trajetória. Ele cresce e decresce, contrai e descontrai-se, acelera ou retarda, eleva-se ou cai. Embora as manifestações do ritmo estejam vinculadas à forma, tempo, força e espaço e constituam uma unidade, em cada uma delas pode-se perceber a qualidade rítmica do movimento. Observa-se então que, ainda que se tente estabelecer uma velocidade de movimento para ser mantida durante um longo tempo, haverá oscilações rítmicas que tenderão a acelerar ou frear o movimento. Na natação, existem alguns testes que preconizam a manutenção de uma mesma velocidade para estimar a capacidade aeróbica do indivíduo. 27 A premissa básica desses testes é a manutenção de um mesmo ritmo de nado durante um intervalo de tempo pré-determinado. Segundo Moraes (2008, p. 118) entre os testes referenciados na literatura, os mais válidos para determinação do limiar anaeróbico são o T30' e o teste de lactato mínimo, pois, segundo ele, testes mais longos são os que apresentam maior correlação com o LAn. O autor nos traz a informação de que o ritmo de testes curtos é mais rápido e tende a superestimar a capacidade aeróbica dos nadadores. Com base nos dados obtidos na pesquisa de Moraes, fica nítido que as variações rítmicas influenciam diretamente a mensuração de outras variáveis. Podemos hipotetizar que o ritmo varia mais no início da atividade e depois essas variações ficam reduzidas, portanto, é nos testes mais longos que o ritmo aproxima-se mais de um valor constante e com isso permite maior acurácia na mensuração das variáveis. Outra variável que pode ser relacionada indiretamente à capacidade rítmica de um atleta é a velocidade crítica. Velocidade crítica (VC) é compreendida como a velocidade máxima que uma pessoa pode manter por um tempo indeterminado (GRECO et ai., 2003). Ou seja, subentende-se que a manutenção da velocidadeocorre por meio da percepção rítmica do atleta e dessa forma o ritmo acaba sendo uma variável extra nesse tipo de teste. A relação entre distância e ritmo de nado é inversamente proporcional, e isso acaba afetando a mensuração da velocidade crítica. Machado et al.(2009, p. 193) relata que os protocolos que utilizam distâncias mais curtas tendem a elevar o valor da VC, ao contrário do que acontece quando são exigidas distâncias maiores. O ritmo de nado é um componente do treinamento de natação muito importante para o sucesso competitivo. Nadar com um ritmo adequado é evitar pausas ou pontos mortos durante a braçada, movendo-se continuamente de uma braçada para outra. Para estabelecer um bom ritmo de nado é necessário conciliar da melhor maneira possível o comprimento e a freqüência das braçadas. Uma amplitude grande de braçada é resultado de uma boa propulsão, da diminuição do arrasto e do deslize do atleta na água. Porém, se essa amplitude for excessiva, o deslize acaba sendo muito grande e a fluidez do movimento acaba sendo comprometida. Quando analisamos a situação inversa, vemos que braçadas muito curtas também são prejudiciais para a boa execução do nado, geralmente sendo conseqüência da posição errada do corpo na água e da baixa propulsão gerada na braçada. Por isso, não se deve tentar obter o máximo da freqüência ou do comprimento das braçadas, e sim um ponto ótimo entre os dois. A continuidade do nado é possível de ser mensurada através do Índice de Coordenação (IC) que quantifica a coordenação dos braços, sendo definido como o lapso de 28 tempo existente entre o fim da propulsão de um braço e o começo da propulsão do outro. Esse índice é mensurado com base na análise de vídeo subaquática e por meio dele é possível verificar se o padrão de braçada é de alcance (há um atraso entre as fases de propulsão de cada braço), de oposição (a propulsão de um braço começa exatamente no fim da fase propulsiva do outro) ou de sobreposição (as fases propulsivas se sobrepõem) (SEIFERT, CHOLLET & BARDY, 2004). Apesar do IC ser muito importante para análise da execução dos nados, não mensura a capacidade do nadador manter sua coordenação ao longo do tempo. Portanto, apesar de apresentar alguns pontos essenciais para idealizar uma análise rítmica na natação, não é um método que mensure o ritmo de nado por si só. Talvez devido à natureza ouvinte da maioria dos nadadores, a avaliação do ritmo de nado não tenha sido tão pesquisada e apresente-se ainda pouco desenvolvida. Ainda que os métodos de avaliação não atendam todas as necessidades específicas da comunidade surda, a metodologia do treinamento de natação para surdos assemelha-se em grande parte à dos ouvintes. É necessário observar que algumas diferenças que parecem sutis à primeira vista constituem passos importantes e que devem ser respeitados no trabalho voltado ao público surdo. Pasetto (2004) nos apresenta a importância do apelo visual durante o processo de ensino de natação para surdos, identificando as dicas visuais como um caminho bastante viável na abordagem a essa população específica, principalmente se o individuo ainda não for alfabetizado. As particularidades dos surdos, além de serem importantes durante o treinamento, devem ser corretamente levadas em consideração durante as avaliações. Por exemplo, os surdos, devido ao seu comprometimento auditivo, apresentam maior dificuldade em atividades que exigem habilidades de equilíbrio e ritmo. Os testes de equilíbrio realizados fora da água podem ser válidos para a natação, todavia, o ritmo dos movimentos terrestres é diferente do ritmo aquático. A cadência estabelecida enquanto se realizam atividades motoras na água é influenciada pela maior resistência do meio aos gestos e pela diferente sensibilidade durante a execução dos mesmos. Comparativamente, os métodos de avaliação do equilíbrio estão um passo à frente dos de avaliação rítmica. Por exemplo, como formas de mensurar o equilíbrio, temos o teste idealizado por Rosa Neto (2002) citado por Silveira et al.(2006), que apresenta tarefas de equilíbrio de dificuldade crescente, correspondentes às diferentes idades cronológicas. Abaixo segue a descrição das tarefas exigidas nos testes. 29 Os testes propostos foram: equilíbrio estático sobre um banco (2 anos), equilíbrio sobre um joelho (3 anos), equilíbrio com o tronco flexionado (4 anos), equilíbrio nas pontas dos pés (5 anos), equilfbrio em um pé só com olhos abertos (6 anos), equilíbrio de cócoras com olhos fechados (7 anos), equilíbrio com tronco flexionado nas pontas dos pés (8 anos), fazer um quatro (9 anos), equilíbrio nas pontas dos pés com olhos fechados (lO anos) e finalmente, equilfbrio em um pé só com olhos fechados (11 anos). O tempo em que as crianças deveriam permanecer em cada postura e o número permitido de tentativas variaram de teste para teste, seguindo o protocolo proposto por Rosa Neto. (SILVEIRA et ai., 2006, p. 68-69) Como uma fonna de mensuração do equilíbrio para paralisados cerebrais há o protocolo de Bobath (1984) citado por Ferrarezi & Guedes (2000). Descrito como o tempo que o sujeito consegue ficar em pé em cima de uma plataforma oscilante, de olhos abertos e sem apoio nenhum, observando-se as reações de equilíbrio realizadas pelo indivíduo. Observa-se que das duas habilidades que mais comprometem os surdos, a avaliação rítmica ainda é pouco desenvolvida em relação aos métodos de mensuração do equilíbrio. É por isso que tentamos abrir uma nova perspectiva de pensamento na área e propor uma avaliação que possa estimar a capacidade de percepção rítmica dos nadadores. Tomando por base o trabalho de Luiz (2008) para determinar valores de ritmo com base na dança, será elaborada uma proposta com objetivo de avaliar o ritmo de nado de nadadores surdos. 30 5 Descrição do estudo piloto e apresentação da proposta de avaliação rítmica 5.1. Descrição do Estudo Piloto 5.1.1. Sujeito O estudo piloto foi feito com um nadador, diagnosticado com surdez profunda e praticante de natação há quatro anos antes do início do estudo. O individuo utiliza aparelhos amplificadores e no ano de realização da pesquisa completou 21 anos. A comunicação entre professor e aluno ocorreu principalmente através de leitura labial, mas também foram utilizados gestos e demonstrações dos exercícios dentro e fora da água. 5.1.2. Métodos O sujeito realizou treinos de natação com a equipe ouvinte cinco vezes por semana, com duração de uma hora. A intervenção feita pelo pesquisador foi posta em prática com freqüência de duas sessões semanais com duração de cinqüenta minutos, efetuadas antes das sessões regulares. A duração total da intervenção foi de três meses e meio, porém os dados coletados para a pesquisa correspondem apenas aos dois primeiros meses de trabalho. Para o treinamento de apropriação rítmica foi usado o software BPM Counter proposto por Luiz (2008). Esse software utiliza sinais visuais para viabilizar aos surdos a percepção de ritmo. Inicialmente, foram determinadas relações entre velocidades dispostas no BPM Counter e a freqüência de braçadas que o sujeito deveria executar nas diferentes intensidades exigidas no treinamento de natação. O exercício era feito fora da água, com o monitor do computador visível tanto para o pesquisador quanto para o nadador e consistia em bater nas pranchas ao fim de cada movimento de braçada, sendo que cada golpe na prancha deveria ser feito no ritmo visualizado no BPM Counter. Durante a tarefa, pesquisador e sujeito encontravam-se frente a frente, em pé, e as pranchas eram seguradas 31 pelo pesquisador de forma que ficassem na horizontal e permitissem que o nadador as acertasse ao fim do movimento de braçada. Além dos exercícios rítmicos, também foi realizado alongamento durante cerca de dez minutos a cada início de sessão, utilizando o método de FNP (facilitaçãoneuromuscular proprioceptiva). O trabalho de alongamento focou principalmente os grupos musculares do ombro, dorsais, anterior e posterior da coxa. Para o aprimoramento técnico do nadador foram realizados vários educativos, sempre voltados para a melhoria do nado crawl. Durante as sessões havia constantemente o diálogo entre treinador e aluno, buscando um duplo entendimento de onde estavam as origens dos erros técnicos. O treinador buscava sempre estimular a percepção tátil e a noção corporal do sujeito surdo, como estratégia de estimular a compreensão do gesto esportivo. O sujeito apresentava uma evolução maior quando realmente compreendia onde estava o erro, e quando era requerida a retomada cronológica de suas modificações técnicas, ele lembrava-se principalmente por ordem de relevância, ou seja, desde aquelas que ele tinha realmente compreendido e aperfeiçoado até as que tinham sido subjetivamente irrelevantes. Foi utilizada também uma série avaliativa para obter um controle básico do treinamento. A série consistia em quatro repetições de cem metros (4xl00m) no estilo crawl com saída a cada dois minutos e meio. Cada repetição era realizada em um percentual subjetivo de esforço (65%, 80%, 90% e 100%). As repetições de 100m foram realizadas a cada dois minutos e meio, intervalo proposto pelo pesquisador a partir de observações prévias durante o treinamento do sujeito da pesquisa. Durante esse intervalo o tempo médio de descanso seria de um minuto, suficiente para uma boa recuperação antes da realização do próximo esforço. Antes do teste, o sujeito foi ensinado a sentir o pulso, testando a contagem dos batimentos cardíacos duas vezes antes de começar a realização dos esforços. A FC foi mensurada durante o intervalo de seis segundos imediatamente após o término de cada execução de 1OOm. Os resultados foram comparados a cada mês para verificar a eficácia do treinamento. Entende-se, no entanto, que o teste não teve parâmetros de validade, fidedignidade e objetividade mensurados. A série avaliativa foi uma solução encontrada para mensurar primariamente o desenvolvimento esportivo usando componentes do treinamento que já eram familiares para o sujeito da pesquisa. Dentre os objetivos da avaliação definidos por Gorla (2008, p. 18) a série avaliativa utilizada neste estudo atingiu apenas alguns, como: determinar o progresso do aluno, motivar o atleta e promover experiência profissional. 32 Nos quadros abaixo estão apresentados os resultados dos testes: inicial, ao fim do primeiro e ao fim do segundo mês de trabalho. Quadro 4- Teste inicial Intensidade (%) Tempo (s) Alteração t( s) Frequência Alteração FC Cardíaca (bpm) (bpm) A1 (65-75%) 96.98 --- 130 --- A2(75-85%) 96.02 0.96 170 40 A3(85-95%) 91.11 4.91 200 30 Vmáx (100%) 86.98 4.13 250 50 ua ro - es e ao 1m o pnme1ro mes Qd5Tt fid Intensidade (%) Tempo (s) Alteração t(s) Frequência Alteração FC Cardíaca (bpm) (bpm) A1 (65-75%) 97.66 --- 130 --- A2(75-85%) 92.32 5.34 170 40 A3(85-95%) 85.80 6.52 200 30 Vmáx (100%) 81.45 4.35 230 30 Quadro 6- Teste ao fim do segundo mês Intensidade (%) Tempo (s) Alteração t(s) Frequência Alteração FC Cardíaca (bpm) (bpm) A1 (65-75%) 90.84 --- 140 --- A2(75-85%) 83.35 7.49 200 60 A3(85-95%) 80.99 2.36 230 30 Vmáx (100%) 80.44 0.55 250 20 Figura 1 - Gráfico de Evolução de rendimento na série controle 100 --- 95 -~-- -~- 90 - --------·-. ~----B5 ------ --- BO ~L1--------------~~--------------~--------------~Max 33 No entanto, o método de avaliação utilizado não apresentou um controle satisfatório das variáveis intervenientes, deixando o processo muito subjetivo e passível de equívocos. Nesse âmbito, observou-se que poderiam existir meios mais eficazes de avaliar o desenvolvimento rítmico dentro da água. Foi encontrado na literatura o método SABIO (PERSONA, 2006, p. 40), idealizado para nadadores ouvintes, mas que pode atender algumas das necessidades dos surdos no que diz respeito ao treinamento de natação. Esse sistema é composto de elementos de hardware e software, que são utilizados em conjunto para efetuar a análise biomecânica do nadador. De acordo com a autora, pode ser plenamente usado nos estilos de crawl, peito e borboleta, e parcialmente para o nado de costas, já que durante a execução desse nado não há visão do fundo da piscina, fato que impede a utilização dos recursos visuais planejados no programa e que serão explicados com maiores detalhes mais à frente. Esse instrumento não deve interferir na execução do nado para não alterar características técnicas cruciais e pode ser utilizado em quaisquer piscinas de 25 metros. Um dos componentes de hardware do instrumento é o Sistema de Estímulo Visual Microcontrolado, que visa determinar o ritmo de nado do atleta (PERSONA, 2006, p. 44). Ainda que projetado para ouvintes, esse tipo de estímulo é ideal para ser usado na avaliação de indivíduos com surdez, haja vista que estes dependem muito da visão. Com a utilização desse aparelho, toma-se possível para o profissional treinar um dos maiores obstáculos para os atletas surdos, o ritmo. Luiz (2008, p.94) propôs um protocolo de testes rítmicos que utiliza softwares que dão estímulos visuais ou táteis para avaliar o nível de apropriação rítmica dos surdos. Com o uso do sistema microcontrolado desenvolvido por Persona (2006, p. 44) apresenta-se uma possibilidade de realizar uma pesquisa semelhante na área da natação desportiva, aferindo a capacidade do nadador executar seus movimentos em ritmos pré- determinados. 5.2. Proposta metodológica de avaliação rítmica 5.2.1. Descrição do Sistema de Estímulo Visual Microcontrolado O equipamento proposto para a avaliação rítmica dos nadadores constitui-se de: mangueira, blocos de peso, lâmpadas automotivas, fios condutores e circuito com microcontrolador (PERSONA, 2006, p.59). 34 - Mangueira: usada para proteger os fios e as lâmpadas automotivas, ela deve ficar posicionada ao longo do fundo da piscina em linha reta e no centro da raia. Deve ser transparente, com 5cm de diâmetro e 30m de comprimento. - Blocos de peso: são blocos de concreto com o objetivo de impedir que a mangueira flutue devido ao volume de ar dentro dela. As dimensões dos blocos são 30cm de comprimento, 20cm de largura e 15cm de altura, sendo que na base inferior das estruturas encontra-se um semicírculo de Sem de diâmetro por onde passa a mangueira. - Lâmpadas Automotivas: dez lâmpadas de cor vermelha (para melhor visualização) posicionadas a uma distância de 2m entre elas, sendo que a primeira e a última lâmpada ficam a 3,5m das bordas da piscina. Para fornecer energia às lâmpadas são usados fios condutores e uma bateria automotiva. -Fios condutores: são individuais, sendo necessários, portanto, onze cabos: um para cada lâmpada e um para o terra. Cada cabo apresenta um tamanho. referente à posição da lâmpada no sistema. Deve-se levar em conta que a extensão dos fios deve exceder as dimensões da piscina para ligar-se ao circuito fora da água. - Circuito com Microcontrolador: é composto basicamente por um display e um teclado. No display são apresentadas as variáveis de entrada: velocidade. tempo e número de voltas. O teclado permite programar as variáveis, definindo os parâmetros que o nadador deve obedecer durante a tarefa, ou seja, o nadador irá acompanhar a velocidade de acendimento das lâmpadas durante um detenninado tempo ou número de voltas. Figura 2 - Descrição dos componentes do Sistema de Estímulo Visual Microcontrolado Adaptado de Persona (2006), p. 60 35 5.2.2. Descrição dos procedimentos de avaliação A proposta elaborada neste estudo baseou-se no estudo de Luiz (2008) que utilizou sinais visuais para marcação dos tempos fortes em diferentes ritmos pré-determinados (rápido e lento). O instrumento utilizado na pesquisa citada foi o BPM Counter, que é constituídopor 8 quadrados dispostos em sequência na tela do computador, mais uma caixa em branco que permite ao usuário selecionar o número de batidas por minuto (bpm). ajustando ao ritmo de sua preferência. Assim que as bpm são determinadas, o usuário pressiona o botão " start" para iniciar o acendimento dos quadrados no ritmo desejado. O botão ·•stop" pausa o programa e permite que o ritmo em bpm seja escolhido novamente. Figura 3 -lnterface gráfica do BPM Counter bpm: '7 0 1 r Start 1 Stop O protocolo utilizado por Luiz (2008) foi o Teste de Padrão Rítmico (TPR). e quanto a esse método de avaliação, a autora citada afirma: Para avaliar os padrões rítmicos seriam necessárias as observações de alguns movimentos com ações inter-relacionadas com o estímulo externo ( ... ). A análise dos critérios de performance para cada habilidade observou a relação espaço-temporal de partes da habilidade associada ao ritmo externo proposto. O TPR de BUONO LUIZ conjuga. desta forma, as habilidades do andar, do salto sk.ip (salto com alternância das pernas), o deslocamento lateral, a elevação alternada dos joelhos. e a marcha estática na execução de diferentes parâmetros no ritmo real (LUIZ, 2008, p.88). Percebe-se então que no TPR verifica-se a relação de algumas habilidades motoras básicas com estímulos externos, que acabam sendo estímulos visuais. se considerarmos que o BPM Counter está sendo utilizado. Entretanto, é necessário algum modelo mais específico para buscar a avaliação rítmica dentro do esporte. No caso dos movimentos específicos da natação, o nado "crawl" seria considerado a habilidade básica por ser o estilo de natação mais utilizado nas rotinas de 36 treinamento. Fazendo uma analogia ao conceito rítmico de tempo, o tempo forte sena determinado como o momento da entrada da mão na água durante a execução do nado "crawl". A seguir será descrita detalhadamente a metodologia elaborada pelo autor do presente estudo. O teste rítmico de natação consiste na execução de 4 repetições de 1 00 metros, com intervalo recuperativo de 3-5 minutos. A variação do intervalo se deve ao aumento do ritmo ao longo do teste. A primeira execução seria feita com intensidade leve (50- 60% do máximo), a segunda seria moderada (70-80%), a terceira forte (85-95%) e a última em esforço máximo. Durante as repetições o nadador terá que acompanhar os sinais do Sistema de Estímulo Visual Microcontrolado, acertando a entrada da mão no momento em que a lâmpada acendesse. O controle da intensidade será estimado de acordo com o tempo necessário para cada distância, pois, uma vez determinada a velocidade de disparo das lâmpadas e sabendo a distância (1OOm) seria possível determinar o tempo de chegada. O quadro abaixo apresenta alguns exemplos de velocidades e os tempos aproximados para completar 1OOm. Quadro 7- Tempos de chegada e suas respectivas Velocidades Médias Velocidade Média Tempo para 100 metros 1 m/s 1min40seg 1.1 m/s 1min31seg 1.2 m/s 1min23seg 1.3 m/s 1min16seg 1.4 m/s lmin11seg 1.5 m/s lmin6seg A avaliação rítmica será contada como o número de acertos durante cada repetição de 100 metros. De acordo com a antropometria e/ou habilidade desportiva do sujeito seria definido se o sujeito deveria acertar a entrada sempre com a mesma mão ou alternadamente. Uma vez definido o padrão, o sujeito deveria utilizá-lo em todas as velocidades. Para verificação do padrão de acerto da braçada (único ou alternado) seria realizada uma simulação do teste, evitando problemas durante a realização da avaliação rítmica. 37 As anotações dos acertos serão feitas numa ficha de testes padronizada, exemplificada no Anexo A. Nela aparecem espaços para anotar os acertos de cada lâmpada a cada 25 metros, por isso há quatro colunas com dez espaços para cada intensidade. O quadrado correspondente só será marcado se o nadador acertar o movimento de entrada quando a lâmpada acender e ficará em branco caso ele erre. Com isso, quanto maior for sua pontuação, melhores noções rítmicas o nadador avaliado terá apresentado. 38 Considerações Finais No contexto do desporto para surdos, a natação sempre teve uma participação efetiva. Com a evolução do esporte adaptado como um todo, a natação para surdos também deve se desenvolver e alcançar patamares de rendimento cada vez mais altos. Esta pesquisa procura atuar como mais uma ferramenta no processo de aprimoramento do esporte adaptado, em específico a natação para surdos. O estudo realizado contou com dois focos principais: o trabalho piloto e a proposta de avaliação rítmica para nadadores surdos. Primeiramente abordaremos os pontos importantes constatados durante as sessões do trabalho piloto discorrendo também sobre a metodologia de avaliação proposta e possíveis melhoras que podem ser implantadas. A princípio, o trabalho piloto iniciado com o nadador surdo tinha por objetivo somente aprimorar as noções de ritmo necessárias para o sucesso do treinamento de natação, haja vista que o ritmo é um dos principais empecilhos para o desenvolvimento coordenativo-motor da população surda. Porém, com o decorrer da intervenção notou-se a fragilidade dos métodos de avaliação da apropriação rítmica do indivíduo. A partir dessas dificuldades, todo o planejamento das sessões foi reunido e colocado como um exemplo de trabalho. Houve também uma modificação no foco central da pesquisa, que acabou sendo voltada para a formulação de uma proposta metodológica para avaliar o ritmo em nadadores surdos usando situações reais do esporte. Durante a intervenção, o sujeito apresentou melhoras significativas na execução do nado "crawl", fazendo com que os outros técnicos e companheiros de treino reconhecessem seu esforço e a evolução de seu rendimento esportivo. O trabalho de ritmo dentro da água acabou tendo um viés mais técnico pois haviam muitas deficiências técnicas que, quando corrigidas, facilitariam uma maior fluidez durante o movimento e, portanto,um ritmo melhor. No decorrer das sessões, o sujeito da pesquisa apresentou-se cada vez mais motivado em continuar treinando devido à sua percepção da evolução que estava tendo no esporte. Além disso, motivou-se também pelo fato de ter um trabalho mais individualizado e adequado às suas necessidades, ainda que somente duas vezes na semana. No entanto, mesmo com a evolução geral do rendimento, ainda havia muitas oscilações rítmicas durante a 39 realização das tarefas exigidas nos treinos. Por exemplo, num exercício de 5xl00m, ele não conseguia manter uma média de tempo de chegada, fazia geralmente os dois primeiros para o mesmo tempo, depois acabava chegando de 3-5 segundos mais rápido ou mais lento, comprometendo a tarefa. Logo, a partir das observações feitas durante o trabalho piloto foi possível verificar alguns pontos que podem ser melhorados no treinamento de natação para surdos, como: melhoras de comunicação; estruturação de um trabalho um pouco mais individualizado, ainda que o(s) surdo(s) esteja numa turma de ouvintes; desenvolvimento do processo de avaliação dessa população. A pesquisa foi estruturada com o objetivo de atender esse último item, formalizando uma proposta de avaliação rítmica que conta com gestos esportivos da natação. Buscou-se organizar as tarefas com a maior fidedignidade possível ao que é exigido na atuação esportiva. Porém, a proposta só se provará eficaz se for corretamente validada no meio científico. Para isso, serão necessários futuros estudos que possam aprofundar o conhecimento abordado nesta pesquisa. Enfim, espera-se que este trabalho possa dar impulso ao processo de avaliação direcionado especificamente à população surda, não somente na natação, mas em quaisquer outros esportes. Afinal, apesar de apresentarem o desenvolvimento coordenativo- motor semelhante aos ouvintes, os surdos têm algumas particularidades que não podem ser ignoradas durante aavaliação de suas habilidades esportivas. 40 Referências ARAÚJO, P. F. Desporto Adaptado no Brasil: origem, institucionalização e atualidade. Tese de Doutorado, UNICAMP: Campinas, 1997. COMITÊ PARAOlÍMPICO BRASILEIRO. Classificação funcional de natação. Disponível em: <http://www.cpb.org.br/area-tecnica/classificacao-funcionallnatacao> Acessado em: 31/01/2010 FERRAREZI, K. C. & GUEDES, J. P. O uso de técnicas para auxiliar a flexibilidade e equilíbrio em adolescentes portadores de paralisia cerebral: o relato de três casos. Acta Scientiarum, v. 22, n. 2, p. 625-629, 2000. FIALHO, K. L. L. 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Disponível em: <http://english.2009deaflympics.org/files/625-1 027-28598.php> Acessado em 27/01/2010 42 43 ANEXOS 44 ANEXO A: Ficha de Avaliação Rítmica de Nadadores Surdos Nome: ld~de: Sexo: Leve 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 4 4 4 4 5 5 5 5 6 6 6 6 7 7 7 7 8 8 8 8 9 9 9 9 10 10 10 10 Moderado 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 4 4 4 4 5 5 5 5 6 6 6 6 7 7 7 7 8 8 8 8 9 9 9 9 10 10 10 10 Forte 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 4 4 4 4 5 5 5 5 6 6 6 6 7 7 7 7 8 8 8 8 9 9 9 9 10 10 10 10 Máximo 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 4 4 4 4 5 5 5 5 6 6 6 6 7 7 7 7 8 8 8 8 9 9 9 9 10 10 10 10 45 APÊNDICES 46 APENDICE A: Cronograma de atividades no projeto piloto. - Apresentação dos 4 ritmos que irão ser trabalhados (60, 90, 120, 135 bpm) -Bater alternadamente com as mãos nas Dia 1 pranchas, cada batida deve corresponder à uma mudança de quadro no BPM Counter -Idem ao anterior, mas sem olhar a mudança de quadros -Trabalho com o ritmo Al (60 bpm) tentando imitar o movimento da braçada - Correções técnicas dentro e fora da água Dia2 -Dica: toque na cabeça para melhorar o posicionamento dela - Explicações sobre a importância do rolamento do tronco -Alongamento FNP (Ombro, paravertebrais e posteriores da coxa) - Ritmos feitos com a execução completa da Dia 3 braçada antes de bater nas pranchas - Limitação lateral dos movimentos para igualar o movimento dos lados opostos - Coordenação com um braço para baixo e um para cima -Alongamento FNP (Ombro, paravertebrais e posteriores da coxa) - Percepção técnica: perceber o movimento do quadril; perceber a direção de saída da Dia4 mão da água; olhar para a mão durante a recuperação -Dica: tocar no cotovelo esquerdo para corrigir a braçada esquerda que estava muito aberta 47 - Alongamento FNP -Filmagem não-formal com feedback imediato Dia 5 -Educativo: Recuperação arrastando a ponta do dedo na água - 4x25m ritmo crescente AI, A2, A3 e 100% -Alongamento FNP (Ombro, posteriores da coxa e tornozelo) - Reforço na diferenciação dos ritmos A3 e Dia 6 100% -Educativo: arrastar a ponta do dedo na água - Percepção técnica: atenção ao movimento do quadril - Alongamento FNP -Repetição dos ritmos A3 (120 bpm) e 100% (135 bpm) no BPM Counter Dia 7 - Repetições de 25m diferenciando os ritmos A3 e 100% -Educativo: Sem braçadas, segurar a prancha à frente com uma mão, liberando o lado oposto para treinar a respiração -Nado com palmar e flutuador para aumentar a sensibilidade na fase submersa da Dia 8 braçada -Percepção técnica: perceber que está finalizando a braçada de forma deficiente Dia 9 - Alongamento FNP - Série avaliativa - Alongamento FNP - Percepção técnica: centralizar mais a fase Dia 10 submersa da braçada para diminuir a movimentação do quadril - Trabalho com flutuador para melhorar a 48 sensibilidade na finalização - Percepção técnica: movimento muito acentuado do joelho durante a pernada -Educativo: 4 pernadas para cada braçada, Dia 11 para melhorar a coordenação entre braços e pernas - Pernada com flutuador para limitar o movimento do joelho - Trabalho de breakout, aproveitar o impulso da borda ao iniciar o nado Dia 12 -Percepção técnica: posição do corpo mais horizontalizada após o impulso da borda -Educativo: ritmo de pernada crescente a cada novo impulso da borda - Alongamento FNP - Exercício rítmico: tiros de 25m, tentando manter o tempo sem saber quanto está Dia 13 fazendo a cada repetição - Correção da posição do pé no movimento de saída (agarre dos dedos) - Percepção técnica: posição do corpo no momento de entrada na água -Exercício rítmico: tiros de 50m dentro de tempo pré-determinados para os 4 ritmos, porém, a ordem dos ritmos era aleatória, forçando o nadador a modificar o ritmo de acordo com a necessidade Dia 14 - Treino de saídas: foco na entrada na água e na transição para o nado (breakout) - Percepção técnica: cotovelo entrando na água antes da mão no fim da
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