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DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO EM MEIO À EPIDEMIA DE ZIKA COM RELAÇÃO AOS FETOS COM MICROCEFALIA

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DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO EM MEIO À EPIDEMIA DE ZIKA COM RELAÇÃO AOS FETOS COM MICROCEFALIA
INTRODUÇÃO
 
O Brasil está em alerta porque em 2015 a Secretaria de Vigilância em Saúde do governo federal, órgão vinculado ao Ministério da Saúde foi notificada de 3.530 casos suspeitos de microcefalia, identificados em 720 municípios de 21 Estados Brasileiros, número bem maior do que os anos anteriores. A Microcefalia, segundo cartilha de Protocolo de Atenção à Saúde a qual foi formulada em resposta ao aumento da ocorrência de Microcefalia e supostamente relacionada à Infecção do Zika vírus, consiste em uma malformação genética de bebes com massa cefálica e volume em tamanho menor do que o normal.
A gravidade deste quadro mobilizou os entes governamentais e toda a comunidade científica passou a investigar as possíveis causas desse aumento vertiginoso. Dentre inúmeros testes em reagentes diversos, alguns cientistas apontaram como possível causa a contaminação nas gestantes pelo vírus Zika, transmitido pelo mosquito Aedes Egiptyo mesmo vetor responsável pela transmissão do virús da Dengue. Ocorre que o noticiado aumento dos casos de Microcefalia no país reacendeu um antigo e polêmico assunto: o aborto legal.
É sabido que existem previsões de aborto legal no Brasil, entretanto, o último precedente da Suprema Corte brasileira, a qual mudou seu entendimento permitindo a prática de aborto por gestantes em casos de fetos anencefálicos havia instalado na época contemporânea de seu julgamento intensos debates.
Na ocasião da citada decisão o Ministro Marco Aurélio de Melo concordou com a interrupção da gravidez e permitiu o aborto de fetos anencéfalos o que fato que causou controvérsias em todo o país, imprimindo diversos segmentos da sociedade, trazendo à tona, implicações outras, muito mais do que legal, mas de cunho religioso, ético, moral e social. 
Diante desse precedente e do aumento dos casos de microcefalia em gestantes questiona-se: seria possível, nos casos de aborto legal, se fazer analogia aos casos de abortos permitidos aos bebes anencéfalos, estendendo aos microcéfalos? Caberá ao judiciário ser acionado para dirimir este conflito jurídico-social? Estaríamos diante de mais caso de Ativismo Judicial? Quais dos poderes (Legislativo ou Judiciário) teriam competência ou atribuição para apreciação destas questões?
DO ABORTO LEGAL 
O cometimento do aborto não era tipificada como ilícito penal, na antiguidade o direito não tinha interesse nesse instituto porque o feto era considerado como simples anexo ocasional do organismo materno, sendo que cabia à mulher livremente decidir seu destino. Na Roma antiga, por exemplo, o aborto não era punido. A partir do momento em que em Roma foi se levando em consideração o direito do pater familia em sua defesa, passou o direito romano a incorporar a penalização do aborto, porque negava ao pai ter um descendente frustrando sua esperança.
Em Roma, não cuidavam do aborto as XII Tábuas e as leis da República. Considerava-se o produto da concepção como parte do corpo da gestante, e não como um ser autônomo. Ensinava a escola estóica que partus antequam edatur mulieris pars est ve viscerum, de modo que a mulher que abortava nada mais fazia do que dispor de seu próprio corpo, no exercício de irrecusável jus in se ipsa. Tornou-se o aborto, por isso mesmo, comuníssimo.
Com relação à isso Nélson Hungria relata que  mesmo entre os hebreus, foi depois da Lei de Moisés que foi considerada lícita a interrupção da gravidez, e conclui “até então só era punido o aborto ocasionado, ainda que involuntariamente, mediante violência”.
O aborto, entretanto é tipificado como crime no ordenamento pátrio. A lei Penal brasileira tipifica como crime o ato praticado pela gestante bem como o ato praticado por terceiros, mediante auxílio do gestante, como por exemplo, o médico a pratica o aborto, consentindo a grávida ou não, sendo que as penas cominadas variam entre 1 a 10 anos, conforme redação do Código Penal em seus artigos 124 a 126.
As exceções legais, ou seja, a não punição ocorre apenas nos casos de aborto necessários para salvar a vida da gestante, e quando a gestação resultar de conjunção carnal mediante estupro (art.128). Os casos ressalvados para realização do aborto, previstos no artigo 128, dizem respeito apenas nas hipóteses de risco para a vida da gestante, denominado pela doutrina como aborto necessário e de gravidez quando essa for resultante de violência sexual (estupro), este último recebeu a denominação da doutrina de aborto humanitário ou sentimental.
Salta aos olhos que a justificação do aborto em gravidez resultante de estupro visa uma preservação que não se relaciona em absoluto com o bem jurídico que é a vida e nem obedece qualquer critério médico. Na verdade, trata-se da preservação da honra subjetiva da parturiente ou até mesmo de sua sanidade psicológica mediante o sacrifício de uma vida em gestação.
Da análise ainda que precoce da dos dispositivos legais venha que a nossa permissiva do aborto é restrita não abarcando outros casos senão estes poucos pontuais e excessivos. Não há existindo previsão legal que permita o aborto, ainda que documentalmente comprovados, com laudos médicos da microcefalia, ou qualquer outra anomalia fetal.
Importante salientar que a redação do anteprojeto de, a qual ainda está em tramitação (Projeto de Lei 236/2012), e aguarda manifestação do relator, aludido instrumento traz importantes possibilidades de inovação, que seria acrescentar mais hipóteses de aborto legal ao artigo 128, trazendo os incisos III e IV, no primeiro o a hipótese de anencefalia ou no caso do feto for diagnosticado com anomalias que o levariam ao óbito, sendo para tanto indispensável os laudos médicos ou na hipótese da gestante não dispuser de condições psicológicas para assumir o encargo de cuidar da criança.
As propostas de acréscimo no art.128, subsumi de um possível diagnóstico médico da microcefalia, mas desde que estiver à gestação já alcançar no mínimo de 16ª semanas, ou a alternativa de se tolerar à 12ª semana. Nos sobraria então uma terceira e última de anomalia grave incurável, desde que seja atestada por dois especialistas.  Entretanto, o projeto ainda depende de aprovação, mas não deixa de exteriorizar a demanda da sociedade no sentido de o aborto ser insuficiente. 
Assim, no âmbito penal convém demarcar duas premissas básicas que, a priori parecem estar orientadas ao problema. A primeira refere-se à aflição psicológica a que a gestante que constata que gera um anencéfalo é acometida, a qual parece ser permanente e crescente na medida em que se aproxima o traumático final de gestação. Isso implica em uma aflição de ordem moral comparável ou até superior a outras causas de justificação albergadas pela legislação brasileira. Insta que se trate então, da possibilidade de reconhecimento de uma causa de justificação, ainda que supralegal. A segunda refere-se à adoção, própria de um regime democrático, de um Direito penal mínimo, que obriga a pensar na proteção seletiva de bens jurídicos. É necessário cogitar se a vedação da interrupção da gestação de um anencéfalo efetivamente constitui uma ofensa grave a um bem jurídico importante para o desenvolvimento de um indivíduo na sociedade e, por via de conseqüência, se existe, neste caso, tipicidade material. 
A gestante que diagnosticar em seu bebe a microcefalia e quiser interromper a gravidez terá que buscar autorização judicial, em que será feita a análise do caso concreto, apresentando a contextualização com a atual crise epidemiológica e invocando a analogia com as hipóteses de aborto legal.
A prática de acionar o judiciário para solucionar os casos concretos como esse, trata-se de ativismo judicial no melhor magistério de CARVALHO FILHO, 2016 diante da omissão legislativa a respeito de outras hipóteses que legitimariam a interrupção voluntária da gravidez, com fundamento em direitos fundamentais que a Constituição prevê, essa pauta tem sido judicializada.
Nesta linha de raciocínio, pensar o aborto via ativismojudicial em  comparação com o aborto necessário suscita a questão da viabilidade fetal, da vitalidade, da expectativa e probabilidade de vida do feto, e no aborto humanitário, há a circunstância de que se autoriza a interrupção da gravidez mesmo sem nenhuma anomalia fetal. 
DO PRECEDENTE DE CONSTITUCIONALIDADE DO STF NO CASO FETOS ANENCÉFALOS
A ordem jurídica brasileira é baseada no constitucionalismo democrático e é pautada pelo princípio da proteção à dignidade da pessoa humana e por isso, no entendimento do professor Canotilho, impossível considerar legítimo o abortamento, sobretudo quando o mesmo for motivado por critérios artificiais de seleção, o dito aborto eugênico.  Por isso no Brasil cujo objetivo fundamental da sua base jurídica é pautado pela ordem solidária, humanitária, coíbe a prática do aborto.
Apesar disso sabemos que a sociedade é um complexo organismo de mutações sociais constante e o obviamente o direito não é genérico, não podendo desse modo punir o aborto genericamente. Por isso o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 54 foi provocado a se manifestar sobre a temática da interrupção da gestação de fetos com anencefalia – má-formação que inviabiliza a vida extra-uterina.
No julgamento desta ação a Corte firmou o entendimento no sentido de ser inconstitucional interpretação restritiva do Código Penal que criminalize a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e desde seu julgamento criuou-se uma nova possibilidade lícita, permissiva judicial de interrupção da gravidez no país: o aborto de fetos anencefalicos. Os ensinamentos do professor BUSATO sobre o objetivo da ação pretendia a referida ação, que o Tribunal Constitucional do país reconhecesse expressamente o direito da mulher de interromper a gestação em situações desta natureza, que se estendesse às hipóteses de anencefalia do produto da concepção, as causas de justificação para o aborto especificadas no Código penal.
Neste processo histórico o relator, o Ministro Marco Aurélio Melo quando concedeu entendeu que dar continuidade em uma gestação nestas condições, comprovadamente perigosas no sentido de causar danos à saúde do bebe bem como vida da gestante seria desarrazoado.
O Ministro reconheceu “a lógica irrefutável da conclusão sobre a dor, a angústia e a frustração experimentadas pela mulher grávida ao ver-se compelida a carregar no ventre, durante nove meses, um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá a discussão entre uma patologia e outra, penso tem seu ponto central na questão da possibilidade vital, visto que enquanto a anencefalia consiste na má-formação do tubo neural, o que ocasionada a ausência parcial do encéfalo bem como da calota craniana, com baixa expectativa de vida extra-uterina. Ao passo que a microcefalia caracteriza-se pelas dificuldades cognitivas, motoras e não é letal como regra.
Outra perspectiva do debate é com relação ao lapso temporal que uma ação desta natureza demora a ter uma conclusão. Ora, o STF demorou 8(oito) anos para findar o julgamento da ADPF 54, o qual ocorreu aos 12/04/2012, isto foi em relação aos fetos anencefálicos, que entendeu não caracterizar crime, por inexigibilidade de conduta diversa.
Quanto à manifestação do STF, não é razoável esperar por um novo entendimento em relação especificamente à microcefalia, considerando que no julgamento da ADPF 54 demorou quase uma década, mesmo reconhecendo a importância de que um posicionamento da suprema corte traria a uniformização do debate e assim isso viria a se refletir nas decisões das instâncias inferiores.
Ademais, nesta linha de pensamento, sob a perspectiva da vida intra-uterina, entendo que a melhor construção da jurisprudência nos nossos tribunais seria a partir da análise dos casos concretos, quando poderá ou não se aplicar a analogia para as hipóteses de anomalia fetal, lógicamente e apenas quando tal anomalia vier a comprometer a viabilidade da vida extra-uterina, não se esquecendo também e pensando na saúde da gestante, diante de tantas distinções e conseqüências das anomalias letais, visto que a microcefalia não se trata de uma anomalia letal.
DA POSSÍVEL APLICAÇÃO ANALÓGICA AOS CASOS DE MICROCEFALIA
A microcefalia não é uma patologia nova, possui Código de Classificação Internacional de Doenças – CID 10:Q02, a qual segundo os  médicos neurologistas J.J García Peñas e F. Romero Andújar, Hospital Infantil Universitário Niño Jesús e Servicio de Pediatría do Hospital San Rafael da Cidade de Madrid, consiste na  malformação congênita, em que o cérebro não se desenvolve de maneira adequada, onde, nestes casos, os bebes nascem com perímetro cefálico menor do que o normal. Ocorre que essa malformação pode ser efeito de uma série de fatores diferentes origens como substanciam químicos e agentes biológicos, como por exemplo, bactérias, vírus e radiação.
Trazer o conceito desta patologia seria insuficiente para o debate, seria no magistério de FAGUNDEZ (2009, p.163) entender que “Conceituar não é apenas definir, vale dizer, clareza e exatidão o significado de um termo. É ir além da definição, é buscar a reflexão a respeito de determinado tema”.  Deste modo optei por trazer o conceito de Microcefalia adotado pelos órgãos governamentais no protocolo Nacional do Ministério da Saúde no Brasil:
As microcefalias, como as demais anomalias congênitas, são definidas como alterações de estrutura ou função do corpo que estão presentes aos nascimentos e são de origem pré-natal (1). Segundo a Organização mundial da Saúde (OMS) e literatura científica internacional, a microcefalia é uma anomalia em que o Perímetro Cefálico (PC) é menor que dois (2) ou mais desvios-padrão (DP) do que a referência para o sexo, a idade ou tempo de gestação (1-7). A medida do PC é um dado clínico fundamental no atendimento pediátrico, pois podem constituir-se na base do diagnóstico de um grande número de doenças neurológicas e para isso os médicos e ouros profissionais de saúde devem estar familiarizados com as doenças mais freqüentes que produzem a microcefalia e devem conhecer os padrões de normalidade para o crescimento do crânio.
No mais, pesquisas realizadas peça Organização Mundial de Saúde apontam que quase a maioria dos casos das microcefalias sempre se associa com causas de retardo mental, cabendo exceções que tem origem hereditária e genética, onde poderão nestes casos desenvolvimento cognitivo normal.  
E ainda, consta do Protocolo do Ministério da Saúde do Estado do Espírito Santo que: as malformações congênitas, dentre elas a microcefalia, têm etiologia complexa e multifatorial, podendo ocorrer em decorrência de processos infecciosos durante a gestação. As evidências de microcefalias. No entanto, não há como afirmar que a presença do vírus Zika durante a gestação leva, inevitavelmente, ao desenvolvimento de microcefalia no feto. A exemplo de outras infecções congênitas, o desenvolvimento dessas anomalias depende de diferentes fatores, que podem estar relacionadas a carga viral, fatores do hospedeiro, momento da infecção ou presença de outros fatores e condições desconhecidos até o momento. Por isso, é fundamental continuar os estudos para descrever melhor a história natural dessa doença.
Diante desses dados a comunidade científica inclinou-se majoritariamente na pesquisa cruzando os dados da incidência de casos da doença no ano de 2015 e que indicando como hipótese principal que a infecção do vírus Zika Vírus está associada às microcefalias.   
A falta de um tratamento contra a microcefalia indica que existem meio e formas de tratamento que muitas vezes auxiliam no desenvolvimento normal do bebe, e este aliado é que preceitua os protocolos de tratamento do Sistema Único da Saúde. A complicação tem diferentes aparições de uma criança para outra, estás vão desde problemas respiratórios, neurológicas até motoras e respectivamente caso a caso deverá ser acompanhado por médico especialista específico e aí reside a grau de evolução das funções que são comprometidas.
No mesmo sentidoe preocupação é o tratamento em relação ao Zika, posto que não exista tratamento específico, o tratamento recomendado pelo SUS é no sentido de combater os sintomas, ou seja, paliativos e baseado no uso de analgésicos para o controle da febre e manejo da dor.
A complexidade do problema e a precariedade da cura de tais doenças trouxeram uma demanda nova e que foram recentemente divulgadas na mídia, redes sociais e internet, as quais veicularam a articulação de grupos envolvendo juristas, ativistas e acadêmicos que objetivavam ajuizar ação constitucional no Supremo Tribunal Federal onde o pedido consistia na não incriminação, no reconhecimento da antijuridicidade da prática de aborto em fetos com microcefalia. Hipoteticamente o Judiciário seria em tese e em breve acionado sobre a questão em controle abstrato de constitucionalidade, sem prejuízo das ações de demandas individuais em concreto nas instancias ordinárias.
Neste caso, a utilização de recorrer ao Poder Judiciário para solucionar o desfecho de questão social como, por exemplo, estas tão sensíveis como as relacionadas ao aborto suscita a questão de saber se compete à Justiça analisar essa.
Legalmente e incontroverso é a legislação pátria não há previsão expressa de autorização da realização do aborto para os casos de feto com microcefalia e nem com outro tipo de anomalia, ou seja, prevalece a regra geral que coíbe, quando não estiver dentro das exceções legais.
Do mesmo modo a gestante que diagnosticar em seu bebe a microcefalia e optar pela interrupção da gestação será necessário pleitear a autorização pela via judicial, onde a feitura do caso concreto será analisado levando em consideração todo contexto contemporâneo inclusive a atual crise sanitária, e por fim, fundamentando como caso de analogia com as hipóteses de aborto legal. Típico caso de ativismo judicial.
CONSTITUCIONALIDADE, LEGALIDADE OU MORALIDADE
Antes de enfrentar os dilemas moral e jurídico do abortamento eugênico, busco trazer a expressão semântica da expressão abortamento, que significa a interrupção do processo fisiológico gestacional, que resulta no evento morte do feto, considerado pela doutrina e jurisprudência “vida humana intra-uterina”.
O aborto eugênico, conceito elaborado por Francis Galton, se relaciona com controle social dos fatores capazes de aprimorar e denegrir as características especiais, tanto físicas como psíquicas das futuras gerações, o que significa é promover a reprodução entre pessoas saudáveis.
O debate entorno do tipo penal aborto traz mobilizações sociais de contornos diversos, desde a temática em torno do direito de escolha da gestante, que abarca o exercício da Liberdade em sentido amplo, até o direito à saúde e dignidade.  
Alguns segmentos, principalmente os de cunho religioso destacam também o "direito à vida do feto", e trazem a reflexão da contraposição de direitos constitucionais da gestante e do feto, que a doutrina chega a fundamentar até no exercício regular de um direito constitucional, ainda que com o sacrifício de outro direito também previsto constitucionalmente.
Por trás da discussão técnica processual, late uma questão muito mais importante: os aspectos morais e jurídicos implicados na causa e que, certamente, ainda que não enfrentados neste momento pelo STF, já despertaram a atenção de diversos segmentos de nossa sociedade. Ocorre que nosso Estado, ainda que laico, abriga uma vasta gama da população vinculada aos dogmas religiosos, em especial os do catolicismo. A interrupção da gestação é tratada pela religião católica de forma bastante rígida. A expressão legislativa relacionada ao aborto é evidente fruto desta influência.
A complexidade da temática sob qualquer perspectiva trará, segundo professor BORGES, 2016 “seqüelas e perdas permanentes, para quaisquer das subjetividades contempladas no caso concreto”.
A priori a gestante é ser humano dotado de vontade livre e sob essa perspectiva deve ser levada e protegida como principio fundamental, ou seja, garantindo a liberdade de escolha de gerir ou não, que alguns autores chamam de antecipação terapêutica do parto, para afastar o estigma atribuído ao termo aborto. 
Apontamos aqui alguns exemplos, o da anencefalia, não obstante existem outras anomalias que tornam a vida extra-uterina inviável e nestes casos o Poder Judiciário brasileiro vem autorizando a realização do aborto que a doutrina denomina como aborto eugênica, utilizando por analogia o disposto no artigo 128, inciso II, do atual Código Penal.
Sob o argumento de que é um caso de ausência de regulamentação legal, preceituado no na Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 4º (casos em que a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia…), nestes casos então é que diz a gestante fará escolha pelo abortamento de feto diagnosticado com microcefalia, deverá analisar, o juiz minuciosamente e imprescindível o laudo médico indicativo porque em regra a microcefalia  não é letal, admitindo como vimos anteriormente diferentes níveis de desvio padrão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia de Zika Vírus associada à malformação genética de fetos que desencadearam um aumento de microcefalia reacenderam a polêmica do aborto eugênico no país. O aborto é previsto como tipo penal no ordenamento jurídico brasileiro e dentre as exceções, ou seja, os abortos legais não se vislumbram a possibilidade de abarcada no caso de Microcefalia fetal.
A discussão está fervorosa no seio da sociedade que e desembocou no judiciário, visto para alguns autores como CARVALHO FILHO trata-se de mais um caso judicializado como Ativismo Judicial ou sob a perspectiva de BORGES como sendo um problema de saúde pública.
O instituto do aborto formou e dividiu opiniões contrárias e distantes, entretanto todas elas guardam preceitos constitucionais válidos, de modo que eles devem ser protegidos e resguardados na sua totalidade no organismo social. Estamos diante de clássico exemplo de colisão de direito e ainda de um “desacordo moral razoável”, que fatalmente acaba desembocando na esfera judicial ao invés da esfera na legislativa. Pensamos que o ato de transferir essa discussão à jurisdição constitucional a uma instituição que não detém legitimidade para o enfrentamento de questão tão delicada, configura manifesto ativismo judicial. 
Firmo o entendimento que a jurisdição constitucional deve ser curvar aos preceitos direitos fundamentais que servem como proteção contra uma tirania da maioria. O detalhe é que não é o caso do aborto, onde qualquer decisão seja ela favorável ou contrária à tipificação desta prática estará de alguma forma efetivando a proteção de direitos fundamentais, seja a dignidade da pessoa humana e a autodeterminação da mulher, seja o direito à vida do nascituro.
Por fim, a omissão legislativa específica direcionada ao abortamento de fetos com má-formação genética será pauta de competência órgão legiferante, que, sendo conforme a Constituição deve ser respeitada, pois o Poder Judiciário não é instância de deliberações para pautas de natureza política. 
Por todo o exposto e considerações reconhecemos que é necessário reconhecer a razoabilidade do desacordo social acerca do aborto e, respeitando, como conseqüência decisões políticas da maioria sobre o assunto, entendo que o aborto de fetos com malformação, seja microcefalia ou outra patologia não seria atribuição do Supremo Tribunal Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORGES, Paulo César, GARMES, Maristela Garmes. Microcefalia: professor analisa legislação sobre o aborto. Podcast e Portal Unesp. Entrevista em 19/02/2016. Site: http://podcast.unesp.br/radiorelease-15022016-especialista-da-unesp-analisa-legislacao- acesso: 20.03.2016.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Aborto de fetos com microcefalia não é tema para o STF.   Conjur: http://www.conjur.com.br/2016-fev-29/observatorio-constitucional-aborto-fetos-microcefalia-nao-tema-stf acesso: 30.03.2016.
BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte especial, Tomo IV. Rio de Janeiro: Forense, 1966.
FRAGOSO,Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. vol. 1, PG, 15ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 1958.
MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. A dor a mais. Folha de São Paulo. Ed. do dia 29 de outubro de 2004.
NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1987-1988.
ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema de Direito penal. Trad. de Luís Greco, Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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