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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO – UFTM História Medieval História 2018/2 Profa. Dra. Cláudia Bovo Discente: Ingrid Mara Souza Oliveira Tema escolhido para a dissertação: A Idade Média enquanto o fim do Império Romano: perspectivas historiográficas sobre a periodização. “A queda de Roma” Ao longo da História o fim do Mundo Antigo se mostrou um tema no mínimo curioso para alguns historiadores por ser ao mesmo tempo considerado um evento histórico “grandioso” e “decadente”, causando assim conflitos entre os que abordam o tema. “No dia 4 de setembro de 476, o chefe ostrogodo Odoacro depôs o imperador do Ocidente, Rômulo Augústulo. Em praticamente todos os manuais de história, esse acontecimento é chamado de ‘a queda de Roma’. Contudo, os historiadores sempre divergem ainda hoje, quanto ao significado dessa data. Para o historiador francês André Piganiol, quando os bárbaros entraram no Império Romano, ele não estava em decadência. (...) Tratar-se-ia, em suma, segundo Pigaminol, de um período de mutação e não declínio. Nos dizeres desse autor, a civilização romana não morreu de morte natural, ela foi ‘assassinada’ pelos povos que habitavam além das fronteiras do império, os bárbaros. (CÂNDIDO, Marcelo, p. 1)” De fato, uma das mais importantes civilizações da antiguidade encontrava sérios obstáculos à sua manutenção como uma estrutura integrada, sendo atingida por uma série de reveses políticos, econômicos e culturais internos, além de sofrer com problemas de ordem externa, como foi o caso das famosas invasões bárbaras, tidas por muitos como o principal fator responsável pela “queda” do Império Romano no período de vigência da Civilização Romana. Alguns historiadores tem uma tendência a se atribuir aos “bárbaros” uma maior responsabilidade nos acontecimentos que irão culminar com a desagregação do Império Romano, tratando o evento como um “assassinato”, conforme citado acima por Pigaminol. Entretanto temos historiadores que acreditam em uma “morte natural”, tal como o historiador francês Ferdinand Lot; “(...) De acordo com essas teses, os bárbaros teriam apenas consumado um destino que era inevitável: o fim do Império Romano do Ocidente. Um dos maiores expoentes dessa interpretação é o historiador francês Ferdinand Lot. Em seu livro intitulado O Fim do Mundo Antigo e o Princípio da Idade Média (1991; 1ª ed., 1927), o autor sustenta que no século IV, o Império Romano, sob uma aparência majestosa, não passava de um invólucro oco, desprovido de conteúdo. Não mais estaria em condições de resistir a um abalo. As invasões bárbaras teriam posto abaixo, sem muita dificuldade, essa imensa estrutura carcomida. Na visão de Ferdinand Lot, para se entender o que ocorreu no dia 4 de setembro de 476, seria preciso recuar no tempo e levar em consideração vários fatores que teriam debilitado de tal maneira o Império Romano a ponto de que um bando de bárbaros conseguiu pôr fim a ele. (CÂNDIDO, p. 3)” Na tese de “morte natural” as crises sociais, econômicas e políticas do século III teriam gerado uma nova resposta política assinalada por um Estado interventor, corrupto e burocratizado que substitui a antiga autoridade senatorial. A esta crise, da qual o Império Romano jamais teria se recuperado, também se somaria o novo tipo de organização militar onde os povos germânicos incorporados ao Império desempenhariam um papel cada vez mais destacado. Estes e outros processos são mostrados como os sintomas de um declínio. O que é significativo, de qualquer modo, é que nestas duas leituras, o Mundo Romano e o Mundo Medieval são mostrados um tanto como “planetas distantes”: um começa onde o outro já se foi, e são bastante minimizadas as interpenetrações entre estes dois mundos. Podemos refletir acerca das concepções historiográficas, a dicotomia que permeia a ideia de que o Império Romano morre como um indivíduo, ora assassinado, ora definhando como um idoso que ao final de sua vida vê esvair-se gradualmente a sua energia vital enquanto se desbotam os principais traços que lhe compunham a identidade. A ideia de um “acontecimento-ruptura” que teria presidido a morte do Império Romano através da violência dos povos germânicos se adapta, por exemplo, a uma historiografia que tem importantes desenvolvimentos no século XIX, e que anseia delimitar com precisão o “acontecimento”, situando-o por vezes em uma data bem definida, e de qualquer modo sempre enfatizando o acontecimento político. Ao mesmo tempo, na outra ponta da dicotomia, a ideia de “queda” ou de “declínio” amparasse em muitos casos, embora por um caminho distinto, nesta mesma velha história política que se orienta tendo como perspectiva central a ser analisada a capacidade de uma civilização manter ou não uma unidade imperial mais ampla. Perder a unidade política, deste ponto de vista, é morrer, envelhecer, decair em vigor. Os acontecimentos como o saque visigodo de Roma em 410 impactaram tanto os cidadãos do Império que, tão logo ocorreram, produziram imediatas interpretações sobre estes acontecimentos, a exemplo das inquietações expressas nas Epístolas de São Jerônimo, que ficaram para a posteridade. Muitas mudanças estavam acontecendo dentro do Império Romano, no âmbito cristão, inclusive, começavam a surgir algumas interpretações de cunho milenarista que queriam pressentir, nos surpreendentes acontecimentos que assolavam o Império, a proximidade do fim do mundo. Em contrapartida, havia os que enxergavam nas transformações religiosas do Império, consolidando-se na adoção do Cristianismo como religião única, a verdadeira origem das calamidades que agora se abatiam sobre a civilização romana, de modo que para salvar esta civilização seria preciso reverter ao paganismo. Por fim, havia os que viam as invasões germânicas e hunas como um brutal acontecimento que estava prestes a soterrar a civilização. Desta forma, diante das diversas avaliações produzidas na própria época sobre o fim do Império Romano como decorrente das invasões, e também das avaliações sobre o declínio do Império como decorrentes da corrupção dos costumes, ou mesmo diante da consideração de pretensos desdobramentos negativos que se julgava que deveriam ser creditados à adoção do Cristianismo como religião oficial do Império, pode-se dizer que estas interpretações produzidas na própria época não deixam de ser precursoras de posições historiográficas que se fortaleceriam depois. Conforme podemos analisar, as posições de que o fim do Império Romano esta relacionado ora às agressões e penetrações dos povos não-latinos, ora a fatores internos – que podiam ir desde aspectos sociais a religiosos – foram recorrentes em um longo período que principia à própria época dos acontecimentos mais marcantes que anunciaram a queda ou o declínio do Império Romano. Essas posições, de lado a lado, atingem os séculos XIX e XX com a célebre lamentação sobre o “assassinato” ou a “morte natural” do Império Romano. Mas conforme novos historiadores e novos estudos logo abririam espaço para outras proposições, mais tendentes a enxergar a transformação de um período em outro do que o fim taxativo de um grande período da História. Estas novas proposições, naturalmente, são beneficiadas precisamente pela multiplicação de novos campos históricos, para além da História Política tradicional. Acredito na emergência de campos históricos que enfatizem a Economia e as relações sociais, por exemplo, abrindo um certo conjunto de possibilidades e de novas leituras possíveis, inclusive permitindo novas periodizações. Uma História Econômica ou uma História Social do Império Romano, por exemplo, impõem cada qual o seu conjunto de recortes que em nada coincidirá com o conjunto de recortes produzidos pela História Política do tipo que era tradicionalmente realizado no século XIX. Seja no âmbito dos historiadoresmarxistas do século XX, seja no âmbito dos historiadores que são influenciados pela abordagem Econômica e Social da primeira fase dos Annales. Acredito que agora no século XXI poderá surgir novos modelos narrativos e analíticos que gerarão as suas próprias periodizações. REFERÊNCIAS • CANDIDO da SILVA, Marcelo. 4 de Setembro de 476. A queda de Roma. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006, p. 01-36. • AMALVI, Christian. Idade Média. In: LE GOFF, j. SCHMITT, J-C. Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru: Edusc, 2002, p. 537-552.
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