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PAISAGEM INDUSTRIAL, ESPAÇO URBANO E SOCIEDADE NA CIDADE DE FORTALEZA: UM ESTUDO SOBRE AS OFICINAS DO URUBU, NA ANTIGA ZONA INDUSTRIAL DA FRANCISCO SÁ

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5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 
Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018 
 
PAISAGEM INDUSTRIAL, ESPAÇO URBANO E SOCIEDADE NA 
CIDADE DE FORTALEZA: um estudo sobre as Oficinas do 
Urubu, na antiga Zona Industrial da Francisco Sá 
FAÇANHA, TAINAH RODRIGUES 
 
Arquitetura e Urbanismo 
facanhatainah@gmail.com 
 
 
RESUMO 
Nas cidades, histórias e memórias se unem ao espaço tátil e visível que é habitado pelas 
pessoas, essa mistura aparece nos nossos costumes, fazeres, ruas e edificações. Mas, as 
transformações da modernidade e da contemporaneidade foram e continuam sendo tão 
velozes que dificultam a preservação de muitos desses registros, e a cidade se torna lugar de 
esquecimento. Muitas metrópoles brasileiras sofrem com a desmemória, a descaracterização 
de paisagens culturais e o abandono de edificações antigas, e nesse trabalho identificaremos 
em Fortaleza, capital do Ceará, o que sobrou de algumas paisagens e edificações que resistem 
à obsolescência de seus usos. Falaremos mais especificamente de uma atividade que nos 
últimos séculos legou aos espaços citadinos grandes estruturas que entraram em desuso, 
como é o caso da “Zona Industrial da Francisco Sá”, na região oeste de Fortaleza, onde no 
lugar das antigas indústrias encontramos, nos dias atuais, novas construções ou uma sucessão 
de muros encobrindo edificações abandonadas ou subutilizadas. O tempo e o descaso levaram 
a história desses lugares e da população que ali viveu, trabalhou, e construiu as características 
daquele espaço urbano ao esquecimento. Questionemos então: o que acontece dentro e fora 
dessas edificações industriais e como elas poderiam estar a serviço da sociedade? 
Palavras-chave: Memória; Paisagem Industrial; Fortaleza; Zona Industrial da Francisco Sá; 
Oficinas do Urubu. 
5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 
Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018 
 
Introdução – as cidades e suas memórias 
Ao pensar naquilo que fundamentalmente constrói uma cidade ao longo do tempo, 
encontramos no livro Cidades Invisíveis, a atuação da memória na construção desse 
espaço quando o autor, Ítalo Calvino (2017, p.15), diz que “a cidade é feita das 
relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado”. Mas, se 
as cidades não têm o dom das palavras ditas ou escritas, então como contam sua 
história?1 Por vezes, através do espaço, onde se materializam as ações da sociedade, 
lembranças das práticas e dinâmicas sociais ali vividas. 
A relação entre a memória, o espaço e a sociedade como um todo, está repleta de 
valores materiais e imateriais. Dessa forma, o patrimônio cultural construído evidencia 
historicidade, não apenas pelo seu aspecto ou conteúdo físico, mas também por suas 
significâncias, pois criamos relações de intimidade2 com o espaço ao redor. Como 
disse Raquel Rolnik (1995, p. 9), “a arquitetura, esta natureza fabricada, na 
perenidade de seus materiais tem o dom de durar, permanecer, legar ao tempo os 
vestígios de sua existência”. 
No entanto, nos deparamos com a destruição e descaracterização do patrimônio 
construído, cada vez mais atuantes na contemporaneidade. Como resultado, 
percebemos a ausência de relação entre as pessoas e a história das cidades onde 
vivem. Quando esse espaço é constantemente desconstruído perdemos com ele 
nossa essência, abdicamos de nossas identidades. Torna-se uma tarefa árdua 
preservar memórias. 
“Na contemporaneidade, na qual o transitório rege a dissipação e a 
velocidade, a cidade persiste em descartar suas identidades. Nos 
esquecimentos e ruínas, que resultam das sucessivas camadas de 
apagamento e reconstruções, podem-se perceber a intensidade do 
descuido e o significado dos contínuos processos paliativos de 
modernização. A cidade, pela força humana, torna-se espaço de 
intolerância, de fragmentação e de esquecimento”. (MIRANDA, 2013 
in: VAINER; FERRAZ, 2013, p.5) 
Em Fortaleza, capital do Ceará, convive-se diariamente com o esquecimento e com o 
estranhamento das pessoas em relação aos espaços de memória da cidade. O 
encontro com antigos galpões industriais na avenida Francisco Sá, conhecidos como 
 
1 I. Calvino, Cidades Invisíveis, p.16, descreve poeticamente como as cidades contam sua histórias: “[...] a 
cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas 
grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras, 
cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras”. 
2 G. Bachelard, A Poética do Espaço, p. 145. 
5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 
Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018 
 
Oficinas do Urubu e, por vezes, a ausência de identificação da população com a 
história que é contada no seu próprio bairro, levou à aproximação com essa região e a 
tentativa de entender a vida e a morte das edificações industriais na cidade. Trata-se 
de um extenso e antigo complexo industrial localizado no bairro Álvaro Weyne, que 
surgiu através da ocupação dos trabalhadores nos terrenos próximos às oficinas. 
Falamos de áreas tomadas pela obsolescência de suas atividades3, que, sem 
orientação prévia para sua inserção no espaço urbano, resultaram em vazios urbanos, 
áreas ociosas ou cujo potencial é pouco aproveitado, edificações abandonadas ou 
subutilizadas que reproduzem a degradação do ambiente em seu entorno, enquanto a 
população da cidade carece de espaços públicos de convívio que estimulem o 
desenvolvimento de trocas e sociabilidades. Em meio a esse cenário, há uma 
arquitetura que sobrevive. 
Esse trabalho, portanto, busca provocar uma reflexão sobre o patrimônio industrial, 
que até algumas décadas atrás era uma temática pouco discutida, repensando a 
preservação e o uso dessas áreas hoje tão degradadas e/ou subutilizadas. Sugerimos 
questionar a relação entre o patrimônio industrial e o espaço urbano. O que acontece 
dentro e forra dessas estruturas industriais hoje? E, por que não abordar o patrimônio 
industrial, como patrimônio histórico, cultural e também urbano? 
Primeiramente, abordaremos de forma breve a questão do patrimônio industrial para 
assimilarmos o tema, e em seguida, no capítulo “As memórias industriais da cidade de 
Fortaleza”, buscamos uma aproximação com Fortaleza, sua antiga Zona Industrial da 
Francisco Sá e, mais especificamente, com as Oficinas do Urubu e o bairro Álvaro 
Weyne, compreendendo as relações que se dão entre esse exemplar remanescente 
da atividade industrial, o entorno e sua população. 
 
 
 
 
 
3 L. Amorim, Obituário Arquitetônico Pernambuco Modernista, p. 62: “a obsolescência de certas 
atividades, e com ela a da estrutura social e material que lhes dá suporte, é responsável pela morte de 
tipos edilícios que emergiram nos dois últimos séculos, e que caracterizam, por sua abrangência, a 
arquitetura do século XX. Dos mais interessantes, por vida e morte, são as salas de cinema, os estúdios e 
transmissores de rádio e TV, e os edifícios industriais”. 
5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 
Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018 
 
A questão do patrimônio industrial 
Nos últimos dois séculos, o amadurecimento das discussões sobre o que constitui o 
patrimônio cultural, tem ampliado a compreensão sobre o espaço construído e os 
valores que lhes são atribuídos. Nesse contexto, as paisagens urbanas e os resquícios 
dos períodos industriais revelam suas significâncias. Adquirimos conceitos e 
conhecimentos que chamam a atenção sobre as especificidades e complexidades de 
cada paisagem, seja ela natural ou resultado de ações e intenções antrópicas, e que 
levam à sua caracterização cultural. 
Segundo Beatriz Kühl (2008, p. 38), a preocupação com a paisagem cultural urbanae 
o patrimônio industrial ganhou destaque e atraiu a atenção de um público mais amplo 
principalmente a partir do início dos anos 1960, quando importantes testemunhos 
arquitetônicos do processo de industrialização foram demolidos, “eram edifícios, ou 
inteiros complexos, que estavam (e estão) sob constante ameaça pela sua 
obsolescência funcional, pelo crescimento das cidades e pela pressão especulativa 
imobiliária”. 
“No que tange a arquitetura, um ponto a ser notado é que os 
‘monumentos da industrialização’ se referem não apenas à 
arquitetura dos edifícios relacionados com as unidades de produção, 
mas se volta a todo o complexo de edifícios que pode compor um 
conjunto industrial - fabrica, residências, enfermaria, escola etc. (...) 
trata-se, porém, sempre de monumentos históricos decorrentes do 
processo de industrialização”. (KUHL, 2008, p. 45) 
O debate surge e consequentemente, o interesse preservacionista também. Françoise 
Choay (2001), relata que o interesse voltado para conjuntos urbanos e diversos 
processos de revitalização se espalharam pela Europa a partir dos anos 1980, 
especialmente pelos seus centros antigos, áreas que atravessaram um processo de 
declínio econômico e consequente deterioração de seus espaços. Odete Dourado 
(2003) também ressalta que, nas últimas décadas passamos a testemunhar um 
grande número de intervenções em cidades tradicionais, com o objetivo de 
requalificar4. 
Mas, qual é a importância da indústria no âmbito patrimonial? Segundo Choay (2001, 
p. 179) “a conversão da cidade material em objeto de conhecimento histórico foi 
 
4 Segundo O. Dourado, Por um restauro urbano: novas edificações que restauram cidades monumentais, 
p. 8, ressignificar significa: “[...] atribuir qualidade, enobrecer bairros inteiros, outrora industriais, antigas 
zonas portuárias agora obsoletas, ou até mesmo áreas periféricas que, em razão da dinâmica urbana 
contemporânea e apesar de dotadas de uma ainda que precária infraestrutura urbana – água, esgoto, luz 
transportes etc. -, encontram-se inertes, esvaziadas ou em plena decadência”. 
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Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018 
 
motivada pela transformação do espaço urbano que se seguiu à revolução industrial: 
perturbação traumática do meio tradicional, emergência de outras escalas viárias e 
parcelares”. 
Com efeito, o advento da era industrial como processo de transformação – mas 
também de degradação – do meio ambiente contribuiu, ao lado de outros fatores 
menos importantes, para inverter a hierarquia dos valores atribuídos aos monumentos 
históricos e privilegia, pela primeira vez, os valores de sensibilidade, principalmente 
estéticos (IBIDEM, 2001). É necessário compreender o papel que o processo de 
industrialização desempenhou na verdadeira história do espaço urbano, e os valores 
que surgiram a parti de então. 
“A revolução industrial, como ruptura em relação aos modelos 
tradicionais de produção abria um fosso intransponível entre dois 
períodos da criação humana. Quaisquer que tenham sido as datas, 
que variam de acordo com cada país, o corte da industrialização 
continuou sendo, durante toda essa fase, uma linha intransponível 
entre um antes, em que se encontra o monumento histórico isolado, e 
um depois, com o qual começa a modernidade. Em outras palavras, 
ela marca a fronteira que limita, a jusante, o campo temporal do 
conceito de monumento histórico – este pode, ao contrário, estender-
se indefinidamente a montante, à medida que avançam os 
conhecimentos histórico e arqueológico”. (IBIDEM, 2001, p. 127) 
Além de ter sido um fenômeno que delimitou diferentes períodos históricos da 
humanidade, a revolução industrial e sua configuração no ambiente urbano resultou 
em diversas relações que se enredam entre espaços construídos, relevâncias 
estéticas e características sociais que se conectam a paisagens corpóreas, mas 
também subjetivas. Assim, identificando os reais valores atribuídos às parcelas 
urbanas e industriais, podemos compreendê-las como bens culturais5 que legam 
histórias e memórias aos lugares e pessoas, mesmo com o passar do tempo. 
Há, no entanto, grande dificuldade em compreender os significados das antigas áreas 
industriais, talvez por serem frutos de discussões mais recentes. Segundo Rufinoni 
(2009, p. 16), tem sido colocada de lado “a caracterização de grande parte desses 
edifícios e sítios industriais como patrimônio cultural”. Se a atividade industrial já não 
se adequa à determinadas localidades da cidade, não podemos descartar que 
herdamos desta “atributos documentais, estéticos e memoriais das preexistências 
industriais”. 
 
5 B. Kuhl in: M. Rufinoni, Preservação e Restauro Urbano: teoria e prática de intervenção em sítios 
industriais de interesse cultura, p. 13: “o bem cultural (aí incluídas áreas urbanas, cidades e porções do 
território) não é visto como um monólito isolado e perenemente estável, mas como parte de ciclos de 
marés entrecruzadas, sempre em movimento, que comportam, sem dúvida, transformações, mas também 
permanência significativas”. 
5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 
Belo Horizonte/MG - de 26 a 28/09/2018 
 
Ainda segundo a autora (2009, p. 20), o patrimônio urbano e industrial não é apenas 
uma mera extensão de terreno livre isento de qualquer valor estético ou funcional, mas 
sim um “organismo urbano” e um “sistema historicamente construído”, nos permitindo 
ainda entender que a cidade é um “processo contínuo de assimilação e reelaboração 
(de formas construídas, expressividades estéticas, vivências cotidianas), e não de 
sucessivas anulação e reconstrução”. Rufinoni dirá que as áreas industriais são: 
“[...] conjuntos ali construídos que evidenciam traçados urbanos, 
massas edificadas, percursos e cotidianidades de inegável 
importância na configuração de paisagens únicas. Em um cenário de 
grandes oportunidades de transformação urbana, essas 
estratificações históricas e as urbanidades e paisagens por elas 
geradas acabam por ser obscurecidas ou até mesmo apagadas por 
completo”. (RUFINONI, 2009, p. 16) 
Outra questão que ainda demanda muita reflexão é o fato de que, muitas vezes, não 
possuímos conhecimento suficiente e somos inábeis para lidar com espaços tão 
complexos. A incompreensão do caráter patrimonial desses ambientes onde outrora 
aconteciam as atividades industriais tem resultado em propostas que esquecem seu 
valor de uso6, dentre outras atribuições, e que privilegiam aspectos mais superficiais. 
“[...] as propostas projetuais (...) evidenciam estratégias de 
apropriação urbana bastante agressivas, repercussões diretas dos 
modos e métodos predominantes de produção da cidade 
contemporânea. Ao lado do mercado imobiliário privado, também o 
poder público tem demonstrado interesse nessas áreas e em seu 
evidente potencial fundiário e econômico para o desenvolvimento de 
grandes projetos urbanos”. (RUFINONI, 2009, p. 15) 
Por fim, esperamos suscitar o pensamento sobre essas grandes áreas que hoje estão 
desativadas ou subutilizadas, vítimas do descaso, do abandono e da falta de uma 
política de preservação, pois configuram a paisagem urbana e são indissociáveis do 
seu entorno. Ao compreendê-las como uma das muitas ramificações do patrimônio 
cultural, temos a obrigação não só de preservar, mas saber como ressignificar 
espaços degradados e inseri-los no cotidiano das pessoas. 
 
 
 
 
6 F. Choay, A Alegoria do Patrimônio, p. 169: “ao lado do transcendente ‘valor artístico’, Riegl coloca, com 
efeito, um valor terreno ‘de uso’, relativo às condições materiais de utilização prática dosmonumentos. 
Consubstancial ao monumento sem qualificação, segundo Riegl, esse valor de uso é igualmente inerente 
a todos os monumentos históricos, quer tenham conservado seu papel memorial original e suas funções 
antigas, quer tenham recebido novos usos, mesmo museográficos”. 
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As memórias industriais de Fortaleza 
A Zona Industrial da Francisco Sá 
Contextualizando o surgimento e desenvolvimento da atividade industrial e suas 
edificações na cidade de Fortaleza (mapa 01), Flávio Viana (2014) conta que o 
primeiro processo industrial nasceu e se desenvolveu nos momentos mais ricos da 
cidade, a indústria têxtil foi a primeira a se instalar com a Fábrica Pompeu & Irmão 
(1883), localizada na rua Dr. Antônio Pompeu com rua Princesa Isabel, que iniciou a 
produção de fios e tecidos de algodão, em seguida foi inaugurada a Fábrica de 
Tecidos Progressos. 
Com a expansão da cidade, Lima (1971 in: Lima, 2014) fala que, na década de 1920, 
ocorreu a concentração de fábricas oriundas do setor secundário na avenida Francisco 
Sá, dando preferência ao eixo viário em direção à região oeste da cidade, entre o 
centro e as proximidades da Barra do Ceará. Segundo Lima (1971) apud Pereira 
Júnior (2015), a concentração de indústrias nessa área ocorreu de forma espontânea 
e foi impulsionada pelos baixos valores dos terrenos e proximidade de bairros onde 
predominavam população de baixa renda. 
Essa localidade da cidade passou a se chamar “Zona Industrial da Francisco Sá”, 
Lima explica que o conceito de zona industrial para esse conjunto de bairros, se 
baseia na presença histórica de fábricas de grande e médio porte, atendidas por 
transportes rodoviário e ferroviário, e também pela formação de conjuntos e/ou 
aglomerados habitacionais de trabalhadores. 
Algumas das fábricas que surgiram no sentido oeste da cidade foram: Siqueira Gurgel 
(1919); Industria Têxtil José Pinto do Carmo (1927); Fábrica São José (1928), que 
pertencia a Pedro Philomeno Ferreira Gomes e Francisco Otávio Ferreira Gomes e 
deu origem a Vila Operária São José. Localizavam-se no bairro Jacarecanga, foram 
demolidas e substituídas por novas construções. 
Na avenida Francisco Sá, ainda resistem as estruturas de alguns conjuntos industriais, 
citaremos aqui as Oficinas do Urubu (1930), que atualmente é utilizada pela 
Transnordestina Logística S.A.; e a Brasil Oiticica S.A. (1934), que fechou em 1987, 
quando foi decretada sua falência, e hoje está abandonada. 
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Mapa 01: localização de algumas edificações industriais remanescentes ou demolidas na 
região oeste de Fortaleza. Fonte: elaborado pela autora, 2017. 
Na década de 1960, a indústria recebeu incentivos da política regional da 
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o que resultou em 
investimentos industriais em outros bairros da cidade e também fora do perímetro 
urbano, devido ao congestionamento oriundo da circulação de pessoas e produtos 
(LIMA, 1971 apud PEREIRA JÚNIOR, 2015). Esse momento coincidiu com a 
saturação da Zona Industrial da Francisco Sá, que teve seu uso reduzido, contribuindo 
para a decadência de seu entorno e subutilização de algumas estruturas edificadas. 
“Na atualidade, a paisagem é outra. No roteiro do principal eixo da 
Zona, em lugares das fábricas, encontramos uma sucessão de 
muros, cercando prédios abandonados ou de uso comercial, depósito 
de sucatas de veículos, estacionamento de lojas etc. Encontramos, 
ainda, em suas antigas áreas, conjuntos habitacionais, lojas de 
miudezas e indicação de projetos de empreendimento de multiuso”. 
(LIMA, 2014, p. 16) 
 
5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 
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Hoje, muitas das antigas fábricas foram substituídas por novos edifícios ou estão 
abandonadas e reproduzem um cenário citadino pouco positivo para a população. O 
tempo e o descaso têm levado ao esquecimento da história desses lugares e da 
memória da população que ali viveu, trabalhou, e muito contribuiu nas características 
daquele espaço urbano. 
O diálogo entre as Oficinas do Urubu e o bairro Álvaro Weyne 
Decidimos explorar as características das Oficinas do Urubu e a realidade do bairro 
Álvaro Weyne, onde se localizam (mapa 02). A escolha de estudar essa área, na 
região oeste da cidade de Fortaleza, procura desviar o foco dos bairros privilegiados e 
compreender o valor de outros lugares da cidade. Esta região se desenvolveu a partir 
da atividade industrial e da ocupação dos territórios pelas famílias que trabalhavam 
nas indústrias. 
 
Mapa 02: localização das Oficinas do Urubu no bairro Álvaro Weyne. Fonte: elaborado pela 
autora, 2017. 
5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 
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Um dos lugares mais interessantes que visitamos, foi a União dos Moradores de Luta 
do Álvaro Weyne (UMLAW), onde tivemos acesso a reportagens muito antigas, do 
projeto “O Povo nos bairros”, realizado em 1994, onde registraram características e 
problemas do bairro. Chama atenção a ênfase das matérias sobre a desigualdade do 
bairro, o alto índice de indústrias, a presença de uma população de artesãos e artistas, 
a falta de apoio cultural e a perda da memória do bairro, já notável nos anos 1990. 
Segundo o jornal O Povo (1994), a população do bairro contava na época com cerca 
de 60 mil habitantes, e era na sua grande maioria, de classe média baixa e de 
moradores carentes. No bairro, consolidaram-se muitas favelas como o Reino, 
construído por ocupações nas terras que durante os anos de 1929 até a década de 
1980 pertenceram a Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Em uma das reportagens do 
jornal está registrado um comentário de Arão Alves de Garcês, um dos fundadores do 
bairro, que dizia ter tido muita luta para a permanência do Reino, que sofria constantes 
ameaças de remoção das casas ali construídas. 
Descobrimos que o movimento comunitário expressivo do bairro, é antigo. E além da 
UMLAW, existe o Conselho Comunitário São José do Reino, fundado em 2 de agosto 
de 1964, que reúne diversas lideranças para reivindicar melhorias para a comunidade 
do Álvaro Weyne, e sobretudo do Reino. 
Também se destaca nas reportagens a falta de patrocínio e apoio de instituições 
governamentais como um dos problemas enfrentados pelos artistas do Álvaro Weyne 
e bairros adjacentes, como Presidente Kennedy, Jardim Iracema, Carlito Pamplona e 
Colônia. E que, apesar das dificuldades existentes, esses bairros contavam com um 
rica e diversificada produção cultural, como poetas, compositores e grupos de teatro. 
Além da grande qualidade de seus artesãos, costureiras e cozinheiras. Hoje, 
conversando com os moradores, percebemos que essa ainda é uma característica 
forte da população. 
Identificamos também a preocupação com as necessidades históricas do bairro, 
quando em 1994, moradores já apontavam que, apesar de jovem, o bairro Álvaro 
Weyne possuía pouca memória, relembrada apenas pelos moradores mais antigos, e 
as associações reclamavam sobre descaracterização da área e dos prédios antigos. 
Além da sua própria história, o bairro Álvaro Weyne conta também a história da 
ferrovia do Ceará, precisamente na avenida Francisco Sá, onde funcionava o Museu 
da Ferrovia, inaugurado no dia 10 de setembro de 1982. A ideia do museu surgiu em 
1978, com objetivo de resgatar a história da RFFSA cearense, devido a demolição das 
5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 
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casas da ferrovia e da estação do bairro. O prédio, de 1925, em estilo colonial com 
telhado francês, foi construído fazendo parte do complexo que abrigaria as Oficinas doUrubu. 
De acordo com os registros, no museu haviam quadros, telas, painéis, peças 
mecânicas, réplicas de estações ferroviárias, fotos e documentos impressos, na sala 
de entrada havia um locomóvel, guindaste antigo movido a lenha de fabricação 
americana com mais de 100 anos de idade. Nos dias de hoje, o prédio já não é mais o 
Museu Ferroviário, e abriga a diretoria da empresa Transnordestina, que utiliza 
temporariamente o terreno das Oficinas do Urubu. 
Alguns moradores do Reino, na rua Joaquim Pinto, a qual chamam de “rua do pé do 
muro”, contam que a favela surgiu com a instalação das Oficinas do Urubu, os 
trabalhadores foram construindo barracos atrás da empresa, que foram se 
consolidando até formar a comunidade. Alguns moradores demonstram pouca relação 
com a localidade das Oficinas do Urubu, que por vezes se dá de forma imparcial e 
indiferente. Um dos moradores disse na porta de sua casa, de frente para o muro das 
Oficinas “pra mim eu não tenho nem o que dizer, daí pra lá é deles, eu não posso dizer 
nada né, daqui pra dentro é meu”. 
Para outros que moram no bairro há muitos anos, o local das antigas Oficinas do 
Urubu, é até hoje uma referência. Seu Bigode, morador da rua Dr. Hugo Rocha há 
muitos anos, diz que “se me perguntam onde eu moro, digo logo que ‘perto das 
oficinas do urubu’, é conhecido”. Ainda resta para alguns moradores uma relação 
afetiva com a memória das Oficinas, mas que já não faz parte da vida de muitos 
outros. Seu Bigode também mora de frente para o muro das oficinas, onde plantou 
árvores, o nos leva a uma característica peculiar da população: o muro que os 
segrega, se torna uma extensão de suas casas, onde estendem roupas, estacionam 
carros, pintam anúncios, etc. (figura 01). 
5º Colóquio Ibero-Americano: Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 
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Figura 01: relação entre os moradores e o muro. Fonte: acervo pessoal, 2017. 
Atualmente, o que percebemos no Álvaro Weyne é que o bairro teve melhorias quanto 
sua infraestrutura, conta com a presença de vários equipamentos públicos, como 
creches, escolas e hospitais. Também permanece com movimentos comunitários e 
uma população criativa. Entretanto, muitas industrias fecharam as portas, deixando um 
cenário urbano pautado em vazios e subutilizados, os mais jovens, parecem não ter 
muito contato com a história do bairro, além da quantidade expressiva de 
assentamentos informais, onde moradores vivem a questão de insegurança de posse, 
pois não possuem regulamentação dos terrenos, que pertencem à União. 
É importante compreender também em que condições legislativas o bairro se 
encontra, segundo Plano Diretor Participativo de Fortaleza, lei complementar nº 062 
de 02 de fevereiro de 2009, o bairro Álvaro Weyne está inserido em uma Zona de 
Requalificação Urbana7 - ZRU 1, e há a presença de várias Zonas Especiais de 
Interesse Social8 - ZEIS. Significa dizer que a legislação reforça a necessidade de 
intervenções em prol da sociedade que reside na área, como equipamentos coletivos, 
melhorias habitacionais, dentre outras intervenções. A área necessita de melhor 
aproveitamento do seu uso do solo e investimentos de cunho social que atendam a 
 
7 Plano Diretor Participativo de Fortaleza, Art. 91: “a Zona de Requalificação Urbana (ZRU 1) se destina à 
requalificação urbanística e ambiental, à adequação das condições de habitabilidade, acessibilidade e 
mobilidade e à intensificação e dinamização do uso e ocupação do solo dos imóveis não utilizados e 
subutilizados”. 
8 Plano Diretor Participativo de Fortaleza, Art. 123: “as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são 
porções do território, de propriedade pública ou privada, destinadas prioritariamente à promoção da 
regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e 
consolidados e ao desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social e de mercado popular 
nas áreas não edificadas, não utilizadas ou subutilizadas, estando sujeitas a critérios especiais de 
edificação, parcelamento, uso e ocupação do solo”. 
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população de baixa e renda e demais moradores do bairro. E as ZEIS, estabelecidas 
desde 2009, devem ser regulamentadas, pois também são uma forma de assegurar 
que essa população permaneça residindo no bairro, consolidando assentamentos e 
promovendo melhorias urbanísticas que estimulem interação e inserção social. 
As Oficinas do Urubu: passado, presente e futuro 
A construção das Oficinas do Urubu ocorreu a pedido do diretor da Rede de Viação 
Cearense (RVC), na época, Demóstenes Rockert, para dar um maior suporte à 
empresa ferroviária cearense, que antes possuía como oficinas galpões precários 
erguidos em 1878 na área central de Fortaleza. As terras para a construção das 
oficinas foram doadas por Antônio Joaquim de Carvalho, em 1920, possuíam 44 Ha e 
situavam-se à margem da chamada Estrada do Urubu (posteriormente avenida 
Demóstenes Rockert, e hoje avenida Francisco Sá) pavimentada em 1928, para servir 
de acesso tanto as oficinas, como aos hidroaviões que desembarcavam no Rio Ceará 
(CASTRO, 1989). 
Segundo Castro (1989), o engenheiro Otávio Bonfim traçou o estudo preliminar do 
projeto de acordo com as necessidades da RVC, compreendendo oito pavilhões onde 
funcionavam: oficina de montagem e reparação de locomotivas; oficina de reparação 
de carros e vagões; oficina de pintura de carros e vagões; oficina de fundição; oficina 
de ferraria; usina de força (termoelétrica); almoxarifado; e administração. O 
responsável pelo projeto executivo foi o engenheiro Emílio Henrique Baumgart (1889 - 
1943). As Oficinas do Urubu foram inauguradas no dia 4 de outubro de 1930 (figura 
02). 
Castro (1989) descreve que os dois primeiros pavilhões, destacavam-se perante os 
outros pelo tamanho, o primeiro pavilhão, oficina de montagem e reparação de 
locomotivas, era o maior possuindo 5.250 m² divididos em três naves, a nave central 
com 18 m e as duas outras com 14 m. O segundo pavilhão, a oficina de reparação de 
carros e vagões, tinha um vão de 31 m e uma ponte rolante que suportava até 30 
toneladas. 
As Oficinas do Urubu constituem uma estrutura edificada de importante valor histórico, 
representam um marco da arquitetura industrial pelo uso do concreto armado ainda 
nas primeiras décadas do século XX. Segundo Diógenes (2006, p. 07) “[...] a obra, por 
seu arrojo, leveza e originalidade, comparava-se às grandes realizações nacionais ou 
mesmo internacionais e, na época, distinguia-se de modo geral das construções 
executadas com concreto armado em Fortaleza”. 
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Figura 02: Oficinas Modelo da Rede de Viação Cearense. Diário Carioca, RJ, 8 de novembro 
de 1931, Ed. 01035, p. 8-9. Fonte: Biblioteca Digital Nacional (online). 
Atualmente, nas Oficinas do Urubu, funciona a Ferrovia Transnordestina Logística 
(FTL), pertencente a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Como descreve a CSN, 
a FTL é uma empresa privada que transporta cargas ferroviárias há 18 anos, tendo 
concessão da Malha Nordeste da antiga Rede Ferroviária Federal S.A. que foi 
privatizada em 1997. Segundo os funcionários que hoje trabalham nos antigos galpões 
das Oficinas, o terreno está em uma concessão de duração de 30 anos, que teve 
início no final da década de 1990. 
O acesso interno das oficinas é bastante controlado, mas as visitas técnicas realizadas 
ao local em 2016 e em 2017, na companhia de funcionários da empresa, foram muito 
relevantes para a reflexão do patrimônio industrial da região. Logo na entrada (figura 
03), na avenida Francisco Sá, o prédio que incialmente foi diretoria da RVC, e 
posteriormentefuncionou como museu ferroviário preservando as memórias 
industriais, voltou a ser utilizado como diretoria, agora da FTL, e dentro do terreno, as 
grandes estruturas de concreto são utilizadas para o conserto e manutenções de 
vagões da FTL. 
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Figura 03: antigo Museu Ferroviário. Fonte: acervo pessoal, 2017. 
Na visita de 2016 percebemos o descuido e a falta de preservação com a estrutura 
edificada, apresentando problemas estruturais, janelas quebradas, novas estruturas 
acrescidas às edificações originais, que se confundem com as construções existentes. 
Em 2017, já foi mais preocupante a descaracterização das edificações (figura 04) que 
sofreram intervenções de manutenção sem orientação sobre como intervir em uma 
construção histórica. As intervenções que descaracterizam a edificação construída, 
deixam de transmitir às gerações futuras aspectos originais de um período marcante 
da história da cidade. 
 
Figura 04: galpões industriais descaracterizados. Fonte: acervo pessoal, 2017. 
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Identificamos e reforçamos a beleza dos galpões, o potencial paisagístico da área, 
elementos históricos que fazem parte de uma história, como os antigos trilhos, caixas 
d’água, materiais de trabalho e a presença de antigos vagões da RFFSA. Mas, ficou 
também evidente a falta de cuidado com a estrutura edificada, o pouco aproveitamento 
de um terreno tão extenso, e a ausência de relação e conexão com o entorno, já que 
são áreas inacessíveis à população que está de passagem ou que mora nas 
proximidades. 
Com isso, questionamos: será que a finalidade para a qual as Oficinas do Urubu, e 
diversas outras estruturas remanescentes do processo de industrialização da cidade, 
tem sido adequada e tem proporcionado relações benéficas para o cenário urbano e 
moradores do entorno? Considerando as necessidades da população e as 
possibilidades de adaptação e conversão de uso das estruturas edificadas e dos 
espaços livres, não haveriam formas mais adequadas de contornar o cenário de 
degradação destas áreas da cidade, através de espaços e equipamentos públicos que 
promovam a continuidade urbana e a diversificação de usos e usuários? 
Talvez possamos ainda dizer que, as Oficinas do Urubu, constituem hoje um espaço 
urbano subutilizado, que segundo as definições de Sousa (2010, p. 71-77) são 
“espaços que atualmente ainda têm uso e/ou ocupação, mas que já entraram em 
processo de obsolescência” e que “tem potencial para um uso/ocupação mais eficaz e 
eficiente no tecido urbano enquanto um todo (...) se tratam de estruturas ativas, 
mesmo que do ponto de vista da cidade, pouco viáveis”. 
Quanto ao futuro das Oficinas, achamos relevante citar algumas das iniciativas já 
mencionadas para a área. Uma delas configurava uma ameaça, solicitando parte do 
terreno para construção de uma usina de asfalto. A segunda, trata-se de uma menção 
nos planos do Fortaleza 2040, um planejamento para implementação de estratégias a 
curto, longo e médio prazo para melhorias na cidade de Fortaleza. 
Em novembro de 2015, a Comissão Permanente de Avaliação do Plano Direto – 
CPPD, apresentou um projeto para construir uma Unidade Móvel de Usinagem de 
Asfalto, na área das Oficinas do Urubu, mas especificamente em uma parte do 
terreno, localizada na esquina da avenida Dr. Theberge com rua Joaquim Pinto, 
ocupando uma área de aproximadamente 25.072,96 m². 
Alguns setores da sociedade questionaram o projeto, dentre eles professores da 
Universidade Federal do Ceará (UFC), representantes da Federação de Bairros e 
Favelas de Fortaleza (FBFF). Segundo o Professor da UFC, Renato Pequeno, citado 
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na ata da CPPD, trata-se de uma área de evidente expansão imobiliária, e a 
implantação de um empreendimento desse tipo poderia gerar uma desvalorização da 
área9. O representante da FBFF, também citado na nota, questionou quais seriam os 
benefícios do empreendimento para a comunidade local, e as contrapartidas nas áreas 
de educação, saúde, habitação e cultura. 
Há outra menção a área, no Plano Mestre Urbanístico e de Mobilidade Fortaleza 2040 
(31 de julho de 2016), trazendo novas perspectivas10 para algumas áreas da cidade, 
que podem fomentar algumas reflexões, mas que ainda são pouco discutidas com a 
população da cidade. Em um item que se refere às antigas Oficinas do Urubu, fala-se 
sobre o reuso das estruturas construídas e da reurbanização do contexto circundante, 
tecendo as seguintes considerações: 
“A estrutura, ao final decisivo do desenho da proposta dos Corredores 
de Urbanização Orientada pelo Transporte Público, ficou 
excelentemente conectada com as demais zonas dos bairros 
circundantes e deverá ser beneficiada em suas novas ligações com a 
parte sul da região urbana, a partir da transformação da linha 
ferroviária em sistema BRT em Corredor, com a consequente 
remoção da muralha bloqueadora. (...) confere oportunidade para 
receber o estabelecimento de um Coração de Bairro e além disto 
influir no processo de reurbanização com construção de estoques 
habitacionais e de usos mistos na região urbana de capilaridade de 
efeitos gerados por sua inserção. Ainda no bloco principal da gleba, 
jardins, exposições, esporte, aproveitamento funcional de velhos 
vagões, parques, serviços, teatro, escola profissionalizante e outros 
usos comunitários convergentes em escala de Região Urbana.” 
(FORTALEZA, p. 26, 2016) 
Analisando qualidades históricas, aspectos presentes e possibilidades para o futuro, 
que relação nós, habitantes da cidade, travamos com as antigas Oficinas do Urubu, ou 
melhor, que relação poderíamos fortalecer, se houvesse a possibilidade de conviver 
com esse espaço que está isolado em meio a malha urbana de Fortaleza? Qual é e 
qual poderia ser a significância das Oficinas do Urubu para a sociedade urbana? 
 
9 Em uma nota data de 12 de novembro de 2015, o Laboratório de Estudos da Habitação da UFC 
(LEHAB), explicou que se trata de uma região em processo de desindustrialização desde os anos 1980, e 
que o terreno escolhido se situa em uma ZEIS de vazio, o que se espera dessas zonas, são benefícios 
para a região e para os seus moradores, o que vai de encontro com o projeto proposto. Seria então um 
retrocesso que se continue a estimular usos industriais naquela área, visto que a população aumenta, e 
os moradores precisam de uma área salubre, com abrangência de equipamentos públicos, além de 
opções de lazer e entretenimento. 
10 Plano Mestre Urbanístico e de Mobilidade Fortaleza 2040, p. 19: “as intervenções (...) dizem respeito ao 
propósito urbanístico de apoiar os arranjos de usos existentes com novos usos, substituir usos, de reusar 
áreas de desenvolvimentos inconclusos e outras oportunidades que demonstradamente venham a 
favorecer a melhoria da eficiência urbana. Procedimentos deste tipo podem conseguir: articular usos 
desarticulados; reabilitar áreas com usos inadequados se comparados às suas potencialidades; corrigir 
usos de impactos inaceitáveis; e liberar zonas com localizações bloqueadas, porém de grande valor 
estratégico (...)”. 
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Algumas pessoas que vivem em suas proximidades desconhecem aquele espaço, 
desconhecem as estruturas edificadas, os trilhos, os vagões, a história e o porquê da 
sua inserção naquela área. Como podemos preservar e eventualmente tombar essas 
edificações tão relevantes, se a própria população não tem a possibilidade de conviver 
e ter uma relação de identidade com esse espaço e com a história do bairro?Nos 
parece que a melhor forma de transformá-lo em lugar de vivência e de significados 
seria conectá-lo às vidas dos moradores. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Conclusão 
Como foi discutido nesse trabalho, a obsolescência de determinados usos apenas 
promove a degradação de seu entorno, será que essas atividades fabris ainda se 
adequam a região em questão? Observando a inserção das Oficinas do Urubu na 
cidade compreendemos que o uso atual que isola a área do seu entorno, acaba 
configurando uma grande barreira no cenário urbano, além de impossibilitar o contato 
das pessoas com edificações que contam a história da avenida Francisco Sá, do 
bairro e da cidade. A relação de memória pertence apenas aos poucos moradores que 
outrora trabalham na RVC. 
Aqui tratamos mais especificamente da preservação e do contato com a paisagem 
urbana industrial. As estruturas que remetem ao desenvolvimento industrial pertencem 
à memória da cidade e exercem um papel simbólico para sua comunidade. São 
relevantes pelas suas formas e funções que ali foram exercidas e representam um 
patrimônio da história da arquitetura, engenharia e da modernização do trabalho 
humano. Ainda, o potencial desse patrimônio em termos urbanísticos e sociais é 
significativo e pode ser aproveitado para diversos usos. 
São as relações e experiências vividas no espaço, as necessidades comuns dos 
habitantes, os usos e também os elementos físicos, que o tornam lugar dotado de 
significado e valor, identidade e que também fortalece sua preservação ao longo do 
tempo. Entendemos que a área onde se encontram as Oficinas, está aquém do que 
desejamos em termos de urbanidade11. 
Com isso, concluímos que o atual uso das Oficinas do Urubu pouco colabora com a 
preservação da estrutura edificada, contribuindo para sua descaracterização, e 
tampouco traz benefícios para a população do bairro. Estamos falando de uma 
paisagem industrial, um espaço urbano e uma população diretamente afetada pelo 
que ali se reproduz. Devemos pensar em oferecer aos transeuntes e/ou 
frequentadores do espaço público o desdobramento de novos espaços e lugares e 
antigos significados. 
 
11 D. Aguiar, Urbanidade e qualidade da cidade, diz que “o conceito de urbanidade, aqui focalizado, se 
refere ao modo como espaços da cidade acolhem as pessoas. Espaços com urbanidade são espaços 
hospitaleiros. O oposto são os espaços inóspitos ou, se quisermos, de baixa urbanidade. Vivemos em 
cidades onde o espaço público é cada vez mais inóspito, marcado por grades nas fachadas de prédios, 
extensos muros contornando introvertidos condomínios, mega shopping-centers / mega estacionamentos 
(...). A urbanidade é composta, portanto por algo que vem da cidade, da rua, do edifício e que é 
apropriado, em maior ou menor grau, pelo corpo, individual e coletivo”. 
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Finalmente, compreendemos e tentamos transmitir o quão importante é preservar as 
memórias de uma sociedade. Um lugar sem história é lugar de vulnerabilidade, 
desconectado do tempo e das civilizações que por ali viveram. No livro 1984, distopia 
escrita por George Orwell, onde o esquecimento e as memórias forjadas mantêm a 
sociedade inerte e fragilizada, o personagem Winston já questionava (p. 185): “você se 
dá conta de que o passado, a partir de ontem, foi abolido? Se sobrevive em algum 
lugar, é em um ou outro objeto sólido, sem palavras associadas (...)”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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