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ASSUNTO -FUNDAMENTOS SOCIOANTROPOLOGICOS DA SAUDE (2)

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FUNDAMENTOS SOCIOANTROPOLOGICOS DA SAUDE
AULA 1
Ao final desta aula, o aluno será capaz de:
1- Entender o lugar da ciência e do pensamento científico;
2- Conhecer os determinantes sócio-históricos para o surgimento das Ciências Sociais;
3- Avaliar possíveis relações entre as Ciências Sociais e as demais ciências;
4- Relacionar os achados das Ciências Sociais com os eventos de natureza física e de saúde.
NO INICIO NÃO ERA CIÊNCIA
Como sabemos, a ciência (ou o pensamento científico) nada mais é que uma das maneiras de conhecermos o mundo do qual participamos. Não é a única forma de conhecer o mundo, nem a primeira. O homem sempre produziu saber sobre suas experiências. Este saber reflete crenças e valores que se tem sobre os eventos. O senso comum, a religião e a filosofia são fontes de produção de conhecimento e procuram compreender os eventos humanos (ou supra-humanos) a partir de uma lógica que lhe é própria. Cada um do seu jeito, os diversos tipos de conhecimento têm por finalidade explicar determinados conjuntos de eventos.
Mas estamos em uma Universidade. Ainda que o senso comum, a religião e a filosofia nos forneçam respostas e explicações sobre os problemas humanos, é para o conhecimento científico que devemos focalizar nossa atenção. Temos claro, entretanto, que esta é uma forma possível de conceber a realidade e que estabelece relações com as demais formas de pensamento.
 Sabemos que a lógica científica é resultado de um longo processo de transformação do pensamento humano. Baseada em metodologias específicas (científicas), e orientada por diretrizes racionais e com pretensões à universalização dos achados, a ciência objetiva superar outras formas de compreensão da realidade, investigando e construindo teorias e leis que explicam o funcionamento do mundo.
O homem e o conhecimento do homem 
Podemos observar que o mundo animal apresenta regularidades. Quando atentamos para a forma de organização de um formigueiro, por exemplo, podemos ver que existem padrões de comportamentos (sociais) que se repetem e permitem o bom funcionamento do grupo.
O ser humano também é parte do reino animal e, como tal, seu mundo também deve possuir regularidades: respiramos, andamos de forma bípede, nos comunicamos com outros humanos, vivemos em grupo, dividimos o trabalho etc. Parece que estas regularidades têm como objetivo aprimorar e preservar a espécie.
Se homens e animais têm em comum um repertório de regularidades que objetivam garantir sua própria sobrevivência, por que nos tornamos tão diferentes de outras espécies? O que há de diferente em nós, ou o que nos torna diferentes de outras espécies animais?
Ora, diferentemente de outros animais, nosso arsenal genético, nossa bagagem hereditária não nos garante a sobrevivência. As formas “instintivas” dos seres humanos não são suficientes para lhes garantir a humanidade. Outras habilidades, além daquelas herdadas, têm de ser desenvolvidas. Mais do que da genética, dependemos de aprendizado.
Aprendendo a ser humano
Vimos então que, diferentemente de outras espécies animais, os seres humanos não nascem prontos; dizemos que os seres humanos nascem prematuramente, em termos de habilidades e disposição para a sobrevivência . Para sobreviver nos ambientes físicos e sociais, os indivíduos da espécie humana precisam aprender a ser humanos.
Embora algumas lendas – Rômulo e Remo, heróis míticos fundadores de Roma; Mogli etc. – falem de indivíduos que sobreviveram em condições adversas (Rômulo e Remo teriam sido, segundo a lenda, alimentados por uma loba) e se tornaram figuras especiais, sabemos da impossibilidade de tais feitos, salvo no âmbito da fantasia e da ficção.
Assim, como você viu, podemos dizer que o que distingue homem do animal é menos a organização social (que nos animais também pode estar vinculada a sexo, faixa de idade, divisão de trabalho etc.), a sociabilidade ou mesmo um pensamento ou a comunicação do que a troca de símbolos. O homem é o único capaz de criar símbolos!
Os símbolos e as culturas
Da mesma forma que existe um pensamento e uma linguagem nos animais (isso não é mais sequer discutido hoje), existem sociedades animais e até formas de sociabilidade animal que podem ser regidas por modos de interação antagônicas ou comunitárias, bem como de modos de organização complexos (em função das faixas de idade, dos grupos sexuais, da divisão hierarquizada do trabalho etc .).
 Indo até mais adiante, existe o que hoje não se hesita mais em chamar de sociologia celular. Assim, o que distingue a sociedade humana da sociedade animal, e até da sociedade celular, não é de forma alguma a transmissão das informações, a divisão do trabalho, a especialização hierárquica das tarefas (tudo isso existe não apenas entre os animais, mas dentro de uma única célula!), e sim essa forma de comunicação propriamente cultural que se dá através da troca não mais de signos e sim de símbolos, e por elaboração das atividades rituais aferentes a estes.
O homem projeta, ordena, prevê e interpreta, vive em grupo e estabelece com o mundo relações dotadas de significado e avaliação. O conhecimento advindo desta relação (organizado, comunicado e compartilhado) transforma-se em cultura.
Você sabe por que as culturas ao redor do planeta apresentam formas tão diferentes?
• Como explicar as diferenças entre as culturas?
• Por que um grupo humano se alimenta exclusivamente de frutos e é politeísta (acredita em várias divindades), enquanto outro se alimenta de animais e é monoteísta?
• Estamos frente a diferenças de qualidade entre os diferentes grupos?
NÃO
As formas culturais diversas não são frutos de uma estrutura genética da espécie, mas da experiência particular de um grupo de homens.
“Uma vez que cada cultura tem suas próprias raízes, seus próprios significados e características, todas elas são qualitativamente comparáveis. Enquanto culturas, todas são igualmente simbólicas, fruto da capacidade criadora do homem e adaptadas a uma vida comum em determinado espaço e tempo nesse contínuo recriar, compartilhar e transmitir a experiência vivida e aprendida” (COSTA, 1997, p. 3).
“Todas as culturas apresentam padrões igualmente abstratos e significativos” (COSTA, 1977, p. 4): as culturas humanas estão diretamente relacionadas à especificidade das condições de vida de cada grupo; assim, as diferenças entre as culturas não são de qualidade nem de nível, mas estão relacionadas às condições particulares que a geraram.
"E as sociedades ágrafas , elas têm cultura? Sim! Todas as sociedades humanas produzem cultura. “A capacidade simbólica e os padrões de todas as culturas humanas são igualmente abstratos e significativos e dão respostas úteis aos problemas de compreensão do mundo” (COSTA, 1977, p. 5).
A ciência e as ciências sociais
Fruto da evolução do pensamento humano, a invenção da ciência marca a passagem de uma relação imediata com a realidade – no encontro de soluções para problemas cotidianos – para o entendimento do conhecimento como um fim em si mesmo.
 Desde a Antiguidade o homem produz saberes sobre o mundo, formulando conhecimentos sobre geometria e filosofia. Entretanto, neste momento o conhecimento ainda está vinculado a explicações religiosas ou sobrenaturais.
1
Com os gregos, através da filosofia, o conhecimento humano se distancia do pensamento mítico-religioso e passa a ser concebido por meio da abstração dirigida pela razão: temos aí o chamado milagre grego.
 Ao longo do tempo, temos o fortalecimento do pensamento racional, do crescimento da consciência individual e da percepção do homem como indivíduo dotado de razão e capaz de realizações próprias. Também temos expansão comercial e colonizadora que permite o contato com outras culturas, o estabelecimento da escravidão, criação de leis etc.
2
Com o florescer do Império Romano, permanece uma sociedade comercial e manufatureira desenvolvida pelos gregos: a razão está a serviço do homem e da sociedade.
 Queda do Império Romano: A Europa retorna a uma estrutura de sociedade agrária e teocrática: a razão e a filosofia são submetidasà teologia.
3
Idade Média (da queda do Império Romano, no séc. V, até a queda de Constantinopla em 1453):
- Grande poder da Igreja Católica: a razão é um instrumento auxiliar da fé; ela é usada pela Igreja como forma de manter seu poder e divulgar a fé;
- A fé passa a condicionar e explicar o comportamento do homem e da sociedade;
- O conhecimento de textos de filosofia, geometria e astronomia é propriedade exclusiva de ordens religiosas e mosteiros;- A população laica (os não religiosos) não tem mais acesso a este saber.”
	
4
Renascimento: Movimento intelectual que no séc. XV buscou recuperar os valores e modelos da Antiguidade greco-romana, contrapondo-os à tradição medieval ou adaptando-os a ela. Renovação das artes, da arquitetura e das letras. Reorganização política e econômica da sociedade: retomada dos textos antigos e da forma “grega” de pensar.
 A partir daí, e especialmente a partir do século XVII, há um grande progresso do conhecimento científico, que objetiva descobrir as relações entre as coisas, as leis que regem o mundo natural etc.
 A sociologia nasce em meio às grandes transformações e ideias do século XIX, significando o “aparecimento da preocupação do homem com o seu mundo e a sua vida em grupo, numa nova perspectiva, livre das tradições morais e religiosas” (COSTA, 1977, p. 7). Como ciência, busca descobrir as regras que organizam a vida social. Estas regras podem ser descobertas através de observações e medidas, capazes de dar explicações plausíveis, e a razão humana é a única forma capaz de alcançar a verdade.”
Fruto da Revolução Industrial e das Revoluções Burguesas, o pensamento sociológico científico procurará então responder como e por que a vida em sociedade é possível, buscando prever e controlar os fenômenos sociais.
Positivismo: primeira corrente do pensamento sociológico moderno
O positivismo foi um sistema de pensamento (filosófico) desenvolvido por Auguste Comte (1798-1857), discípulo de Saint-Simon, e continuado por diversos seguidores. Comte acreditava que, através do método característico das ciências naturais (biologia, física, química, astronomia), seria possível ordenar as ciências experimentais, considerando-as o modelo por excelência do conhecimento humano, em detrimento das especulações metafísicas ou teológicas.
 Ele pretende aplicar o mesmo rigor das ciências naturais experimentais aos eventos sociais. Considerado o fundador da sociologia, Comte nomeia a nova disciplina de física social; somente mais tarde ela seria rebatizada com o nome atual.
 Contemporaneamente, a sociologia compõe as chamadas ciências sociais, juntamente com a antropologia e a ciência política.
As ciências sociais e as demais ciências
Você viu que a preocupação das ciências sociais é explicar a estrutura e o funcionamento das sociedades. Assim, como disciplina voltada para a compreensão dos inúmeros fenômenos presentes na vida em sociedade, as ciências sociais estabelecem relações importantes com outras ciências humanas e naturais. 
Na verdade, senão a totalidade, a maioria dos fenômenos humanos é de natureza social ou, pelo menos, são direta ou indiretamente influenciados por determinantes sociais.
Como veremos ao longo de nossa disciplina, sociedade e cultura estão presentes em todos os momentos de nossa vida, e mesmo antes de nascermos. Nascemos em uma sociedade organizada de uma determinada forma, com crenças, hábitos, costumes e valores específicos. Aprendemos a entender o mundo que os rodeia a partir do que nos é disponibilizado pelos grupos dos quais fazemos parte.
 
Saúde, cultura e sociedade estão intimamente relacionadas. Não podemos desconsiderar estas relações, ou não conseguiremos compreender claramente nosso universo acadêmico e profissional.
AULA 2
Ao final desta aula, o aluno será capaz de:
1- Aprender o significado de alguns dos principais conceitos em sociologia e antropologia;
2- Reconhecer nos eventos sociais os enunciados conceituais das ciências sociais;
3- Entender a relação complementar entre Natureza e cultura.
Principais conceitos das ciências sociais
A clarificação dos conceitos de uma ciência permite que se compreenda boa parte de seus achados e explicações. Os conceitos devem ser definidos de forma simples e clara, a fim de facilitar a compreensão e aplicação.
Vamos apresentar alguns dos conceitos fundamentais da sociologia e da antropologia e procurar “descobri-los” no mundo real.
Se estamos falando de ciências sociais e, como vimos, as disciplinas que a compõem (sociologia, antropologia e ciência política) têm como ponto de partida as sociedades humanas, nada mais natural que comecemos pelo conceito de sociedade.
o que caracteriza uma sociedade?
-Um conjunto de indivíduos organizados. A característica de organização é fundamental para que se defina o grupo como social;
 - Conjunto ou rede de instituições sociais.
De qualquer forma, o que nos interessa no momento é pensar as sociedades humanas e a sociologia humana (poderíamos pensar em uma sociologia animal também). Então, podemos dizer que sociedade (humana) é um conjunto de indivíduos organizados em grupos, formando as instituições sociais.
 É a partir da definição de sociedade que as ciências sociais constituem seus demais conceitos. A sociologia, assim, será a ciência que estuda a estrutura das sociedades, ou dos homens organizados em grupo.
GRUPO SOCIAL
Refere-se a um “conjunto de indivíduos que agem de maneira coordenada, autorreferida ou recíproca, isto é, numa situação na qual cada membro leva em consideração a existência dos demais membros do grupo e em que o objetivo de suas ações é, na maior parte das vezes, dirigido aos outros” (COSTA, 2005, p. 394).
 Vemos que a definição de grupo social permite pensar em outros grupos além do humano. Entretanto, a capacidade que o homem tem de ter consciência de pertencimento a um grupo faz com que se diferencie das demais espécies. Os grupos sociais são classificados em:
 Primários (família, vizinhança), onde há forte vínculo emocional;
Secundários (trabalho, exército etc.), mais formais e menos íntimos;
De referência, que servem de modelo para ações individuais.
SOCIALIZAÇÃO
Processo pelo qual o indivíduo assimila os valores, as normas e as experiências sociais de um grupo ou de uma sociedade” (COSTA, 2005, p. 405). Como um processo de aprendizagem, através da socialização, nos tornamos efetivamente humanos, à medida que aprendemos como nos relacionar com os demais membros do grupo e da sociedade.
Divide-se em socialização
 primária, onde a transmissão dos valores e da cultura é feita pela família; e em socialização 
secundária, onde a transmissão é assumida por outros grupos, como a escola e os grupos de referência.
Em antropologia, um conceito semelhante à socialização é endoculturação. Por este conceito, entende-se que o comportamento dos indivíduos depende de um processo de aprendizagem. Assim, se um menino e uma menina agem de forma distinta, isto não acontece em função de seus hormônios, mas é resultado de maneiras diversas de educação.
NORMAS SOCIAIS
“São mecanismos que asseguram a regularidade da vida social e a existência de suas instituições...” (COSTA, 2005, p. 402). As normas sociais são aprendidas (introjetadas) pelos indivíduos ao longo de seu processo de socialização. Não é possível a existência de uma sociedade sem normas sociais. A ausência de normas e regras sociais, ou o não reconhecimento delas, chama-se anomia.
Para que as normas sociais possam ser introjetadas e a socialização ocorra, é necessária certa “pressão” da sociedade sobre os indivíduos. Esta pressão é exercida por diversos dispositivos sociais e resume-se no conceito de coerção social. 
 É importante notar que a coerção social não é, a princípio, algo ruim ou negativo, como poderíamos pensar, mas a possibilidade de existência e manutenção da sociedade. Através dos vários sistemas coercitivos, a sociedade se mantém coesa, isto é, unida e funcionando adequadamente. Já pensou se cada indivíduo resolvesse fazer o que bem lhe viesse à cabeça, sem qualquer regulaçãoou controle externo (ou interno)?
PAPEL SOCIAL
"Conjunto de normas, direitos, deveres e expectativas que envolvem uma pessoa no desempenho de uma função junto a um grupo ou dentro de uma instituição” (COSTA, 2005, p. 403). Assim, através dos papéis sociais, que podem ser atribuídos, ou seja, designados aos indivíduos independentemente de sua escolha (filho, por exemplo) ou conquistados (escolhido ou decidido pelo indivíduo), nos localizamos e desempenhamos ações nos grupos sociais.
 Na aprendizagem e exercício dos diversos papéis sociais que desempenhamos na sociedade, vamos construindo e desenvolvendo valores. Organizando o sentido das ações humanas, os valores “são os juízos e as avaliações que os indivíduos desenvolvem por si mesmos e em grupos e que lhes permitem julgar, escolher e orientar seu comportamento. [...] Os valores sociais se traduzem na conduta humana por preferências, gostos e atitudes pelos quais os agentes sociais manifestam uma apreciação da realidade. São elementos dos mais importantes no processo de socialização pelo qual um indivíduo é assimilado a uma cultura” (COSTA, 2005, p. 407-408).
Conceito de cultura
Inicialmente concebida de forma mais concreta, cultura relaciona-se a hábitos, costumes e formas de vida que diferenciam um grupo de outro. Também pode referir-se às produções materiais como ferramentas, técnicas, alimentos etc.
Hoje, pensa-se que a cultura como “um conjunto de interpretações da realidade” (Clifford Geertz apud COSTA, 2005, p. 391). De tudo isto, devemos ter claro que a cultura é fruto do pensamento humano e que todos os grupos humanos são produtores de cultura, nenhuma sendo melhor ou superior a outra.
 O etnógrafo Edward Tylor (1832-1917) define cultura como “(...) todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (apud LARAIA, 2003, p. 25).
Etnocentrismo
Quando entramos em contato com grupos ou pessoas diferentes de nós, tendemos a avaliá-los de acordo com nossa perspectiva cultural. Assim, o etnocentrismo pode ser definido como uma “visão de mundo na qual o centro de tudo é o próprio grupo a que o indivíduo pertence; tomando-o por base, são escalonados e avaliados todos os outros grupos” (SUMMER, 1906, p. 13, apud Dicionário de Ciências Sociais, 1987. p. 437). 
No etnocentrismo, temos a identificação pelo indivíduo com a cultura do seu grupo e a suposição de que os padrões por ele exibidos são os melhores e os mais corretos. Embora possa ser entendido com uma atitude “natural” dos sujeitos no processo de relacionamento com o outro, pelo menos em uma primeira aproximação, traz consequências negativas importantes, quando não permitem que o outro seja positivamente reconhecido. 
Que importância esse conceito adquire na vida real e, especialmente na área da saúde? Já pensou nas consequências de não considerar positivas as diferenças sociais e culturais? Lembra-se das definições de cultura? Existe alguma cultura superior ou mais verdadeira do que outra?
Evolucionismo cultural
A lógica evolucionista (cultural) supõe que existam grupos humanos mais evoluídos, social e culturalmente, que outros, “justificando” a intervenção nas culturas e sociedades julgadas inferiores. Desde muito sabemos que não existem culturas superiores ou inferiores. Cada grupo humano apresenta padrões que lhes são próprios e que estão em função de sua história e interesses. 
Se os conceitos de etnocentrismo e evolucionismo cultural não permitem compreender corretamente as diferenças entre os grupos humanos, como explicar a diversidade sociocultural?
O que isto Tem a ver com saúde?
Que saúde e doença não estão apenas referidas a uma dimensão orgânica ou fisiológica. Mais do que isso, estão intimamente relacionadas com a forma como os grupos humanos e a sociedade significam suas vivências.
Podemos ver com clareza que o que é considerado doença (ou sinal de saúde) em uma sociedade, pode não ser em outra. 
Uma criança gordinha pode representar, para um grupo, sinal de bons cuidados e boa nutrição, ao passo que, para outro, pode indicar descontrole ou alimentação inadequada.
Outro exemplo poderá esclarecer melhor este pensamento: até muito pouco tempo atrás, o que hoje é chamado de “síndrome de tensão pré-menstrual” (TPM) não era reconhecido como disfunção ou doença. 
As mulheres que tinham seu humor alterado no período que antecedia a menstruação eram vistas como “nervosinhas”, e suas queixas sobre sintomas somáticos e psicológicos avaliados como “frescura”. 
Em dado momento, por conta de um novo olhar sobre este evento, o que não passava de simples queixa injustificada passa a ser considerado motivo de atenção em saúde, justificando, por exemplo, dispensa médica.
Temos aqui não apenas uma questão de compreensão dos processos orgânicos, mas uma forma de significação social e cultural de um determinado fenômeno.
Apesar de se admitir hoje a TPM como um evento de saúde, ainda é considerada em diversos grupos nada mais do que “frescura”. Este raciocínio serve para praticamente todos os eventos em saúde. Pense nisso.
Faça um exercício de reflexão e busque exemplos que demonstrem a relatividade da compreensão dos processos saúde-doença utilizando grupos sociais diferentes.
VOCÊ TEM CULTURA?
Esta pergunta, que ouvimos com frequência, subentende que existem pessoas que não têm cultura. Ou – o que é mais ou menos a mesma coisa – considera que algumas pessoas possuem conhecimentos que são reconhecidamente marcas da cultura e outras cujos conhecimentos que possuem não são considerados cultura. Temos aí uma grande confusão sobre o que é cultura.
Como vimos anteriormente, cultura é tudo que se produz socialmente, material e imaterial, fruto do exercício do convívio social e do pensamento humano. Podemos classificar as produções culturais em eruditas ou populares, por exemplo, mas isto não implica em valoração, isto é, não significa que uma seja melhor do que a outra ou que uma seja cultura e a outra não.
 Escolarização ou conhecimento acadêmico é uma forma possível de produção cultural, o que não exclui outras formas de conhecimento. Dona Maria, mesmo sem ter participado um dia sequer das aulas em uma escola, possui tanta cultura quanto um doutor com diploma universitário.
AULA 3
Ao final desta aula, o aluno será capaz de:
1- Problematizar o conceito de saúde;
2- Reconhecer a saúde como fenômeno multideterminado;
3- Identificar os principais determinantes da saúde;
4- Compreender a saúde como diferente de ausência de enfermidade.
Aula 03: A saúde como fenômeno multideterminado: problematizando um conceito
Saúde e doença não são estados ou condições estáveis, mas sim conceitos vitais, sujeitos a constante avaliação e mudança” (ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2012, p. 1). 
O que significa esta afirmação?
Se saúde e doença são conceitos “sujeitos a constante avaliação e mudança”, significa que não são absolutos, isto é, que são passíveis de alterações.
E o que possibilita tais alterações?
Conceito
São as transformações nas condições sócio-históricas, tecnológicas, políticas, econômicas etc. que permitirão lançar novos olhares sobre questões que envolvem os processos de saúde e doença:
“... A presença ou ausência de doença é um problema pessoal e social. É pessoal, porque a capacidade individual para trabalhar, ser produtivo, amar e divertir-se está relacionada com a saúde física e mental da pessoa. É social, pois a doença de uma pessoa pode afetar outras pessoas significativas (ex.: família, amigos e colegas)” (ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002, p. 1).
Concepções sobre doença
Para Albuquerque e Oliveira (2002), existem duas concepções fundamentais sobre a doença e, consequentemente, a saúde: a concepção fisiológica e a ontológica.
Concepção fisiológica
Iniciada por Hipócrates, a concepção fisiológica sustenta que as doenças têm origem em um desequilíbrio entre as forças da natureza. Estas forças estão dentro e fora do indivíduo. Temos aqui uma perspectiva centrada no paciente.
Considera-seo sujeito como um todo, bem como seu ambiente. A doença é algo que fala de uma totalidade e não de particularidades, como órgãos corporais específicos.
Concepção ontológica
Diferente da concepção fisiológica, a concepção ontológica “defende que as doenças são ‘entidades’ exteriores ao organismo, que o invadem para se localizar em várias das suas partes”.
 Os significados destas “entidades” não são sempre os mesmos: poderão ser consideradas processos mágico-religiosos ou castigos divinos, ou ainda vírus.
 A concepção ontológica busca um diagnóstico preciso, relacionando órgãos corporais e agentes perturbadores. Para nossa discussão, é importante notar que tal concepção, embora frequentemente utilizada, é reducionista. Isto porque não considera outras dimensões presentes no processo, tais como personalidade, modo de vida, constituição física etc. Seu objetivo é identificar os órgãos perturbados.
A evolução dos conceitos de saúde e doença
Ribeiro identifica quatro períodos que permitem entender a evolução dos conceitos de saúde e doença.
• Período pré-cartesiano;
• Período científico ou biomédico; 
• Primeira revolução da saúde; 
• Segunda revolução da saúde.
• Agora veremos de forma mais aprofundada cada período.
Período pré-cartesiano
Marcado pela insistência no distanciamento das práticas médicas de concepções mágico-religiosas típicas da Mesopotâmia e do Egito. 
A Grécia Antiga é o berço da ciência médica ocidental. Com Hipócrates, as lógicas do racionalismo e do naturalismo, características dos filósofos da época, são postas a serviço da compreensão dos processos de saúde e doença. Para ele, os procedimentos terapêuticos têm como objetivo os efeitos nocivos das forças naturais.
Para compreender os estados de saúde, deve-se considerar as influências do ar, da água, do ambiente e da alimentação.
Lembra-se da famosa frase “mente sã em corpo são”? 
Pois é, na verdade, não está associada a exercícios físicos ou “malhação”, mas à ideia do equilíbrio necessário entre o estilo de vida e as leis naturais. A medicina hipocrática apoia-se na concepção de que a natureza é formativa, construtiva e curativa: “O corpo humano tende a curar a si próprio”.
Assim, não fazer mal é o princípio fundamental no tratamento das doenças. Este é um dos quatro princípios fundamentais (o da não maleficência) da mais conhecida teoria bioética, chamada principialismo.
Período científico ou biomédico
Inspirado em filósofos como Galileu, Descartes, Newton, Bacon, dentre outros, apresenta uma concepção do mundo, inclusive o mundo humano, como uma máquina, funcionando mecanicamente, a partir de leis próprias da física.
Características do modelo biomédico
Os seres vivos são constituídos e funcionam de forma semelhante às máquinas, das quais o relógio é o grande modelo: formados por peças que se encaixam e podem ser decompostas, cada uma delas com uma função própria e observável.
Para Ribeiro, o modelo biomédico permitiu grande progresso na teoria e na prática médica, apresentando três características principais:
1. “Tendência a reduzir os sistemas a pequenas partes, podendo cada uma delas ser considerada separadamente” (p. 4). Esta perspectiva se opõe ao caráter totalizante do modelo pré-cartesiano;
2. “O indivíduo, com as suas características particulares e idiossincráticas, deixou de ser o centro da atenção médica, sendo substituído pelas características universais de cada doença” Oftalmologia, Cardiologia, Gastroenterologia, Ortopedia.
3. “Um forte materialismo substitui a tendência anterior de considerar significativos os fatores não ambientais (morais, sociais, comportamentais)” (p. 4). Trabalha-se com uma perspectiva objetiva na busca de “consertar” a “máquina defeituosa”.
A saúde como fenômeno multideterminado: problematizando um conceito
Primeira revolução da saúde 
É um desdobramento do modelo biomédico marcado pelo início da atenção à saúde pública.
Desde a Revolução Industrial, no século XVIII, que o mundo moderno passou por inúmeras transformações no âmbito da saúde, precipitadas por desequilíbrios ecológicos e sociais: epidemias, insalubridade, alterações no sistema de produção, êxodo do campo para as cidades.
Para Ribeiro, o modelo biomédico aplicado à saúde pública, que se estende até a década de 1970, é marcado pelo reconhecimento de que:
1 ...as doenças infecciosas eram difíceis, senão impossíveis de curar e, uma vez instaladas no adulto, o seu tratamento e a sua cura eram dispendiosos;
2...os indivíduos contraíam doenças infecciosas em contato com o meio ambiente físico e social que continha o agente patogênico;
3...as doenças infecciosas não se contraíam, a não ser que o organismo hospedeiro fornecesse um meio favorável ao desenvolvimento do agente infeccioso”.
A evolução da compreensão dos processos saúde-doença, neste momento, permite o desenvolvimento de estratégias capazes de barrar o avanço e disseminação de agentes patogênicos.
Por exemplo, através de medidas sanitárias como esgotamento e distribuição de água potável, bem como, já em pleno século XX, na utilização de vacinas ou a utilização de antibióticos.
 Podemos ver que, aos poucos, os conceitos de saúde e doença vão se encaminhando rumo à consideração de fenômenos multicausais, isto é, deles participando uma série de agentes e determinantes.
Segunda revolução da saúde
Termo utilizado em 1979 por Julius Richmond, sublinha as mudanças necessárias para responder às novas exigências no campo da saúde.
Conforme ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002, p. 5
“Globalmente, pode afirmar-se que o desenvolvimento do modelo biomédico se centrara na doença, que a primeira revolução da saúde se centrara na prevenção da doença, e que a segunda revolução da saúde se centra na saúde”.
AULA 4
Ao final dessa aula, você será capaz de:
1- Problematizar o conceito de saúde;
2- Entender a importância das discussões da OMS;
3- Compreender os objetivos e consequências da 8ª Conferência Nacional de Saúde e da Constituição Federal de 1988
Aula 04: O conceito ampliado de saúde: a OMS e o conceito de saúde
O conceito ampliado de saúde
Ampliar o sentido dos processos de saúde e doença é passar a considerá-los algo mais complexo e diretamente relacionado a fatores sociais, políticos, econômicos, ideológicos e de representação social.
Ao fazer isso, a saúde deixa de ser compreendida a partir de uma perspectiva médica curativa, e passa a ser concebida como um processo que envolve promoção e prevenção.
 Assim, entende-se que “processo saúde-doença é um processo social caracterizado pelas relações dos homens com a natureza e com outros homens num determinado espaço geográfico e num determinado tempo histórico” (SAÚDE E CIDADANIA, 2011).
Para melhor compreendermos o processo de ampliação do conceito de saúde, vamos analisar brevemente três importantes documentos: a Declaração de Alma-Ata, a Carta de Ottawa e, para o Brasil, a Constituição Federal de 1988.
A OMS e o conceito de saúde
A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi fundada em abril de 1948, com a finalidade de desenvolver o nível de saúde da população mundial, através do planejamento e patrocínio de programas e ações em saúde. 
Hoje a OMS conta com 192 Estados membros e dois membros associados. O Brasil faz parte dos Estados membros.
A definição de saúde da OMS tem sido considerada problemática por alguns pensadores, à medida que é vista como utópica. Afinal, que indivíduo ou grupo humano apresenta “completo bem-estar” físico, mental ou social? Assim, a definição apresenta a saúde como algo mais ideal do real; sua proposta é, na realidade, inatingível.
A OMS promove uma série de encontros e discussões que têm como objetivo discutir e propor acordos e ações na área da saúde em âmbito mundial.
 Em 1978, como resultado da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata, no Cazaquistão, a Declaração de Alma-Ata expressa as necessidades dos governos e das organizações que trabalham no campo da saúde que centrem seus esforços no sentido de promoção da saúde para todos os povos do mundo.
1 O item I reafirmaa definição de saúde elaborada pela OMS e reafirma ser a saúde um direito humano fundamental.
Item IV: “É direito e dever dos povos participar individual e coletivamente no planejamento e na execução de seus cuidados de saúde”.
Item V: (...) “todos os povos do mundo, até o ano 2000, atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida social e economicamente produtiva. Os cuidados primários de saúde constituem a chave para que essa meta seja atingida, como parte do desenvolvimento, no espírito da justiça social”.
Carta de Ottawa
Outro importante documento relacionado à ampliação do conceito de saúde é a Carta de Ottawa. 
Resultado da I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em novembro de 1986, em Ottawa, Canadá, baseia-se nos progressos das discussões de Alma-Ata.
É uma carta de intenções que tem por objetivo contribuir com as políticas de saúde desenvolvidas pelos países envolvidos na Conferência.
Na Carta de Ottawa, o ponto central é a ideia de promoção da saúde. Aqui também vemos o sentido ampliado do conceito de saúde. 
São condições e recursos para a saúde: paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade (OPAS, 1986).
“Processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social, os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente” (OPAS, 1986).
A 8ª Conferência Nacional de Saúde e da Constituição Federal de 1988
O Brasil teve, ao longo de sua história, oito Constituições, sendo a primeira em 1824 e a última, em 1988. Cada um desses documentos expressa transformações e avanços na estrutura da sociedade brasileira e na consolidação da cidadania. 
Direitos civis, políticos e sociais vão, aos poucos, sendo conquistados, não sem muita luta e sacrifício. Podemos dizer que ainda estamos longe da pretendida cidadania plena. Entretanto, inegáveis mudanças podem ser observadas.
No campo da saúde, uma série de transformações vai sendo operada desde o final do século XIX e início do século XX. Assim como ocorreu em outros países, o Brasil adotou modelos de saúde semelhantes aos desenvolvidos internacionalmente. 
Embora na virada do século já houvesse alguma discussão sobre a necessidade de uma concepção mais ampliada de saúde – por exemplo, a adoção de políticas sanitárias –, a ênfase ainda recaía nas ações curativas e individualistas.
O modelo predominante de atenção à saúde é o modelo hospitalocêntrico, no qual o hospital figura como personagem principal. Este modelo, que ainda não foi totalmente superado, privilegia as ações curativas e reabilitadoras em detrimento da atenção básica, da prevenção e da promoção da saúde. 
Curiosamente, ainda que não tenhamos superado no exercício da prática esta lógica biologizante, fizemos consideráveis avanços no campo da reflexão e na definição jurídico-política.
A 8ª Conferência Nacional de Saúde
Em 1986, em Brasília (DF), foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde. Esta Conferência foi um marco na história das conferências de saúde no Brasil, à medida que, pela primeira vez, houve participação da população. Este importante evento é o resultado de movimentos populares e de profissionais da saúde, que exigiam mudanças estruturais na concepção e gerenciamento das ações e serviços de saúde no Brasil.
Da 8ª Conferência, participaram mais de quatro mil delegados. Como consequência do chamado Movimento da Reforma, os participantes propuseram alterações nas instituições de saúde que correspondessem ao conceito ampliado de saúde, isto é, que contemplassem a promoção, a proteção e a recuperação.
O relatório final da 8ª Conferência reafirma que “em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis da vida” (BRASIL, 1986, p. 4).
 As propostas da 8ª Conferência serão consideradas pela Constituição Federal de 1988 e pelas Leis Orgânicas da Saúde, que darão sustentação ao Sistema Único da Saúde (SUS).
Constituição Federal de 1988
Também chamada de “Constituição Cidadã”, foi promulgada em 5 de outubro de 1988. Esta Carta representa um avanço importante em direção à democracia, e contou com a participação da sociedade, que contribuiu para sua elaboração por meio de propostas, formuladas por cidadãos organizados em sindicatos e associações.
 O espírito das discussões da 8ª Conferência Nacional de Saúde é incorporado ao texto da nova Constituição. Os artigos 196 a 200 encerram as principais diretrizes sobre a saúde.
No Título VII, Capítulo II, Seção II - DA SAÚDE, Artigo 196, lemos: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (BRASIL, 1988). Os demais artigos, até o 200, detalham a estruturação das ações e serviços de saúde a serem implementados pelo Estado.
AULA 5
Aula 5: Aspectos sociológicos no mundo contemporâneo: políticas públicas em saúde
Ao final dessa aula, você será capaz de:
1- Entender a importância do planejamento de políticas públicas em saúde;
2- Entender os processos de implantação de programas e ações em saúde;
3- Analisar criticamente a efetivação e abrangência das políticas públicas em saúde;
4- Identificar a importância e abrangência das políticas públicas de assistência social.
ESTILO DE VIDA
· Por este conceito, o indivíduo, o ator social, passa a ser o centro das considerações sobre a saúde, já que é o principal agente no gerenciamento das atividades sociais. 
Através de decisões individuais que afetam sua vida e sobre as quais tem algum controle, o indivíduo torna-se mais ou menos saudável.
· As considerações sobre o estilo de vida são importantes na construção de respostas aos problemas que envolvem promoção, prevenção e atenção, influenciando a formulação das políticas públicas em saúde.
Políticas públicas e políticas públicas em saúde
As políticas públicas são formuladas levando em conta o interesse da coletividade. No caso específico das políticas públicas em saúde, a ênfase recai sobre seus principais determinantes: promoção, prevenção e recuperação.
Políticas públicas
“As políticas públicas podem ser definidas como conjuntos de disposições, medidas e procedimentos que traduzem a orientação política do Estado e regulam as atividades governamentais relacionadas às tarefas de interesse público. São também definidas como todas as ações de governo, divididas em atividades diretas de produção de serviços pelo próprio Estado e em atividades de regulação de outros agentes econômicos” (LUCCHESE, 2004).
Políticas públicas em saúde
“As políticas públicas em saúde integram o campo de ação social do Estado orientado para a melhoria das condições de saúde da população e dos ambientes natural, social e do trabalho. Sua tarefa específica em relação às outras políticas públicas da área social consiste em organizar as funções públicas governamentais para a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da coletividade” (LUCCHESE, 2004).
Políticas públicas de saúde no Brasil
A história das políticas públicas no Brasil permite localizar a Constituição Federal de 1988 como marco fundamental.
Vimos que, na Carta Magna do nosso país, saúde é definida como “direito de todos e dever do Estado”. 
A responsabilidade do Estado pelas condições de saúde de sua população é materializada nos princípios de universalidade, equidade e integralidade.
 “As políticas públicas se materializam atravésda ação concreta de sujeitos sociais e de atividades institucionais que as realizam em cada contexto e condicionam seus resultados. 
Por isso, o acompanhamento dos processos pelos quais elas são implementadas, e a avaliação de seu impacto sobre a situação existente, devem ser permanentes” (LUCCHESE, 2004).
O SISTEMA ÚNICO DE SAUDE
O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 e implementado pela Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90, de 19 de setembro de 1990, e dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.
 Além desta, a Lei nº 8.142/90, de 28 de dezembro de 1990, acresce uma característica fundamental do Sistema: a participação dos usuários (população) na gestão dos serviços, isto é, o controle social.
Três princípios organizam o SUS e têm relação direta com a compreensão ampliada de saúde, bem como com as preocupações sociais. 
São eles: universalidade, integralidade e equidade. 
Cada um destes princípios reafirma o caráter holístico, isto é, busca uma compreensão integral dos eventos e a dimensão social dos processos de saúde.
O SUS admite ainda diretrizes que permitem organizar e gerenciar o sistema, tais como a descentralização político-administrativa, resolutividade, direito à informação, regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde e participação da população, dentre outras.
Princípio da universalidade
O princípio da universalidade compreende a saúde como um direito de cidadania. Como vimos, a Constituição Federal define saúde como um direito de todos e um dever do Estado. 
Assim, considerando que o Estado tem o dever de prestar atendimento a toda população brasileira, este princípio garante acesso e atendimento nos serviços do SUS, independentemente de contribuição à previdência.
Princípio da integralidade
O princípio da integralidade garante o direito de atendimento de forma plena, através de um conjunto articulado e contínuo de ações preventivas e curativas, individuais e coletivas, nos três níveis de atenção ou complexidade:
 • Atenção primária ou básica, relativa à promoção e aos cuidados preventivos à saúde e agravos em doenças pré-existentes;
• Atenção secundária, voltada aos programas, sistemas e serviços de tratamento de média complexidade, como ambulatórios e consultórios;
• Atenção terciária, composta por ações de alta complexidade que objetivam reabilitar e promover a cura por meio de tratamentos, geralmente de custo mais elevado.
Princípio da equidade
O terceiro princípio do SUS é a equidade. Este é um princípio de justiça social que objetiva diminuir as desigualdades. 
Pode ser enunciado pela fórmula: tratar os iguais de forma igual e desigualmente os desiguais. 
Isto significa que, na distribuição de bens e serviços, deve-se levar em conta as necessidades, investindo mais onde a carência é maior.
· O artigo 1º da LOAS diz que a assistência social é “direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não contributiva, que prove os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (BRASIL, 1993).
· Coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o Sistema é composto e gerido pelo poder público e pela sociedade civil, e objetiva garantir ao indivíduo seus direitos sociais que, juntamente com os direitos civis e políticos, constituem a cidadania. Historicamente, os direitos sociais são os últimos a serem conquistados no Brasil e, ainda assim, apenas por uma parcela da sociedade
· Para Couto (2009, p. 41) a LOAS garantiu o direito à assistência social como política pública e possibilitou a construção de parâmetros civilizatórios sobre o campo da emancipação de parte significativa da população brasileira, retirando-a da indigência e da submissão ao assistencialismo e a caridade.
· O SUAS atua com dois serviços estatais fundamentais: os CRAS (Centros de Referência da Assistência Social), vinculados à proteção social básica; e os CREAS (Centros Especializados de Assistência Social), voltados à proteção social especial.
· A proteção social básica, oferecida pelos CRAS, busca o “fortalecimento dos vínculos familiares e da convivência comunitária” (COUTO, 2009, p. 49). 
Tem por objetivo prevenir situações de risco pelo desenvolvimento de potencialidades e novas habilidades, fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.
· Os CREAS se destinam à proteção social especial. Estão dirigidos a “indivíduos que se encontram em situação de alta vulnerabilidade pessoal e social, bem como a crianças e adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência nas várias situações caracterizadas como de risco pessoal” (COUTO, 2009, p. 50). Sua atenção está voltada para situações de maus tratos físicos e/ou psicológicos, abuso sexual, cumprimento de medidas socioeducativas, trabalho infantil e demais situações que fragilizam o indivíduo e sua relação com o grupo familiar.
As políticas públicas e suas consequências: os programas de saúde e de assistência social
Para concluir nossa aula, vamos enumerar alguns dos principais programas desenvolvidos na área das políticas públicas em saúde e assistência social. 
Aproveite para pesquisar e aumentar seus conhecimentos sobre estes trabalhos.
Programas de saúde:
 - Estratégia Saúde da Família (Programa Saúde da Família – PSF)
- Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)
- Farmácia Popular
- Programa Nacional de Hipertensão e Diabetes
- Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – saúde mental
- Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) – saúde mental
- Programa de Volta para Casa – saúde mental
- Programa de Atenção a Álcool e Outras Drogas – saúde mental
- Programa de Assistência Integral à saúde da Mulher (PAISM)
- Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa
Programas de assistência social:
 - Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF)
- Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (crianças, adolescentes, jovens e idosos)
- Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas
- Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI)
- Serviço de Acolhimento Institucional
- Serviço de Acolhimento em República
- Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora
- Serviço de Proteção em situações de Calamidade Pública e de Emergência
Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC) –  Um salário mínimo vigente ao idoso, com idade de 65 anos ou mais ou e a pessoa com deficiência ou qualquer outra situação que a impeça de participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, sem condição de garantir sua própria manutenção, nem tê-la provida por sua família.
Benefícios Eventuais – têm caráter suplementar e provisório, prestados aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.
Políticas públicas de saúde e de assistência social
Se retomarmos agora o conceito de saúde considerando sua perspectiva ampliada, podemos notar que políticas, programas e ações desenvolvidas pelos setores públicos levam em conta não só os estados de disfunção física ou fisiológica, como também as variações do mundo social e psicológico.
Temos, portanto, uma conjugação de esforços entre as políticas e programas de saúde e as políticas e programas de assistência social. 
Na verdade, temos uma relação complementar e indissociável entre estas esferas, apontando para a garantia do chamado Bem-estar social ou Welfare State.
Garantido pelo Estado como agente da promoção social, defendendo e protegendo a sociedade e os cidadãos, o estado de bem-estar social assegura a todo o indivíduo o direito à educação, assistência médica gratuita, auxílio em caso de desemprego, renda mínima e recursos adicionais para a criação dos filhos.
Embora as discussões sobre saúde pública enfatizem o caráter de promoção e prevenção, mais do que ocaráter de recuperação (ou curativo), o Brasil ainda não conseguiu, em vários campos, desenvolver mecanismos capazes de evitar o adoecimento. 
A charge estabelece uma crítica ao privilégio das ações de cura, representadas pelo aumento de horas de atendimento aos doentes de dengue. Se mais ações de promoção e prevenção fossem desenvolvidas, não haveria mosquitos disponíveis para fazer “atendimento”.
AULA 6
Cidadania e Globalização
Ao final dessa aula, você será capaz de:
1- Entender os conceitos de cidadania e de globalização e suas consequências;
2- Reconhecer as relações entre saúde e cidadania;
3- Identificar a importância da globalização para a avaliação dos estados de saúde e doença nas sociedades contemporâneas e a consolidação da cidadania.
A CONSTITUIÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL
Vimos, na aula anterior, que as políticas de assistência social têm por objetivo fundamental garantir os direitos sociais. Estes, juntamente com os direitos civis e os direitos políticos, constituem os direitos fundamentais do indivíduo em sociedade. 
Estes três direitos organizam o conceito de cidadania;
sua conquista faz do indivíduo um cidadão.
DIREITOS CIVIS + DIREITOS SOCIAIS + DIREITOS POLITICOS = CODADÃO
Para Camargo (2012), “A cidadania esteve e está em permanente construção; é um referencial de conquista da humanidade, através daqueles que sempre buscam mais direitos, maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas, e não se conformam frente às dominações, seja do próprio Estado ou de outras instituições”.
Ser cidadão, portanto, é ter, legalmente e de fato, direitos civis, políticos e sociais, o que permite participar de forma equivalente do mundo social.
Esses direitos, em geral, não são generosamente concedidos, mas conquistados.
O conceito moderno de cidadania admite duas categorias.
CIDADANIA FORMAL:
A cidadania formal diz respeito à maneira como a cidadania está descrita formalmente nos documentos e leis de um país, nas Constituições, e que garante direitos aos indivíduos. Estabelece uma relação de pertencimento de um indivíduo a um Estado Nação.
CIDADANIA SUBSTANTIVA
A cidadania substantiva (ou cidadania real) diz respeito à maneira como a cidadania é vivida na prática, no dia a dia. Relaciona-se à posse efetiva de direitos civis, políticos e sociais.
A categoria cidadania substantiva possibilita avaliar se um indivíduo, apesar de ter garantido legalmente seus direitos, tem de fato os direitos preservados no dia a dia. Podemos notar que nem todos os indivíduos em uma comunidade são iguais socialmente, apesar das garantias legais. Frequentemente há uma estruturação da sociedade que disponibiliza de maneira desigual os bens e serviços produzidos, gerando sofrimento, necessidade e preconceito a diversos segmentos.
ATENÇÃO
O termo cidadania deriva do latim civitas, que significa “cidade” e implica no reconhecimento de pertencimento de um indivíduo a uma comunidade organizada – um país, por exemplo –, que atribui aos indivíduos que dela participam um conjunto de direitos e obrigações, expressos em uma Constituição.
Cidadania e saúde
Se pensarmos nas políticas públicas de saúde, por exemplo, e lembrarmos um dos seus princípios – o da universalidade –, veremos que há um descompasso entre o que está formalizado e o que é praticado. Em temos legais, remetendo à cidadania formal, temos que todos os indivíduos têm direito à atenção à saúde, em todos os níveis de complexidade.
Certamente a cidadania “formal” foi conquistada; a lei garante acesso às ações em saúde a todos que delas precisarem. Entretanto, a cidadania “real”, “substantiva”, pode estar longe de ser atingida, uma vez que uma parcela significativa da população brasileira não tem à disposição um mínimo de atenção à saúde.
Ao considerarmos as relações entre cidadania e saúde, afirmamos que a primeira deve estar afinada com a saúde dos membros componentes da coletividade, isto é, os cidadãos. Não há como desenvolver uma cidadania positiva, implicada e ativa se o cidadão não estiver assistido de forma adequada em termos de saúde. Assim, uma sociedade moderna deve colocar a saúde no centro de suas preocupações, considerando seus cidadãos sujeitos de direitos e as ações votadas a eles, deveres garantidos pelo Estado.
LEITURA
Assim, vemos que “No Brasil ainda há muito que fazer em relação à questão da cidadania, apesar das extraordinárias conquistas dos direitos após o fim do regime militar (1964-1985). Mesmo assim, a cidadania ainda está distante de muitos brasileiros, pois a conquista dos direitos políticos, sociais e civis não consegue ocultar o drama de milhões de pessoas em situação de miséria, altos índices de desemprego, da taxa significativa de analfabetos e semianalfabetos, sem falar do drama nacional das vítimas da violência particular e oficial.” (CAMARGO, 2012).
Globalização
Ao contrário do que muitos pensam, o chamado fenômeno da globalização não é algo novo. Na verdade, ela está presente há muito tempo nas sociedades ocidentais capitalistas.
 Vemos que a vida em sociedade é marcada por uma espécie de “mundialização”. 
Utilizamos mercadorias produzidas para um mundo globalizado, sustentado pelo capitalismo mundial.
 LEITURA
Uma primeira definição de globalização dá conta de ser “um processo ainda em curso de integração de economias e mercados nacionais” (BRASIL ESCOLA, 2006). Entretanto, não se pode resumir a globalização a um fenômeno apenas econômico. Na verdade, é um processo de interdependência de países e pessoas em inúmeras áreas, apontando para uma espécie de uniformização de padrões também sociais e culturais. Assim, pode-se redefinir globalização como “um processo econômico, social e cultural que se estabeleceu nas duas ou três últimas décadas do século XX” (BUSS, 2007, p. 1576).
A globalização em fases
1450 Á 1850
A primeira fase, ou primeira globalização, de 1450 a 1850, é marcada pelas grandes navegações e pela expansão mercantilista. A procura de rotas marítimas para as Índias possibilitou o contato com novas civilizações e o estabelecimento de feitorias comerciais em novas terras. Juntamente com o comércio de especiarias, milhares de imigrantes atravessam o Atlântico e chegam às Américas. Formando colônias de exploração, os colonizadores se utilizam de mão de obra escrava africana ou indígena para as lavouras de café, açúcar, tabaco etc., ou para a extração de minérios.
 A forma brutal com que os colonizadores lidavam com população nativa provocou uma enorme catástrofe demográfica, marcada pela destruição cultural e pela disseminação de epidemias, principalmente por causa do contato com os europeus.
 Neste período, a globalização é caracterizada pelo comércio entre a Europa, África e América. Todo este processo possibilita ampliar a produção e o comércio de artesãos e industriais na Europa.
1850 Á 1950
A segunda fase (ou segunda globalização), de 1850 a 1950, é caracterizada pelo expansionismo industrial-imperialista e colonialista. Profundas transformações no campo tecnológico e político marcam a transição da primeira para a segunda fase: industrialização da Inglaterra, seguida da França, Bélgica, Alemanha e Itália; utilização da máquina a vapor nos transportes marítimos e terrestres; interesses da indústria e das finanças; ascensão da burguesia industrial e bancária.
 Diferentemente da primeira fase, onde a escravidão serviu de sustento para a exploração, na segunda fase ela se apresenta como impedimento à expansão do consumo.
 Esta segunda fase também é marcada pelas Grandes Guerras Mundiais e o fim dos impérios dinásticos. Após a II Guerra, restam apenas duas superpotências: os Estados Unidos e a União Soviética.
APARTIR DE 1989
A globalização propriamente dita (ou globalização recente) pode ser localizada a partir de 1989, marcada pelo enfraquecimento da União Soviética e pela queda do muro de Berlim, em 1989, o que possibilitou a reunificação da Alemanha, em 1990. Esta fase da globalização se estende até o presente, ainda que acrescida de novas características.Se na segunda fase duas potências disputavam o poder mundial, agora apenas os Estados Unidos figuram como superpotência. O sistema econômico mundial se rende definitivamente ao capitalismo e não há mais como deter a globalização.
“Enquanto na segunda fase da globalização vivia-se na esfera da libra esterlina, agora é a era do dólar, enquanto que o idioma inglês tornou-se a língua universal por excelência. Pode-se até afirmar que a globalização recente nada mais é do que a americanização do mundo” (BRASIL ESCOLA, 2006).
“Enquanto que no passado os instrumentos da integração foram a caravela, o galeão, o barco à vela, o barco a vapor e o trem, seguidos do telégrafo e do telefone, a globalização recente se faz pelos satélites e pelos computadores ligados à internet. Se antes ela martirizou africanos e indígenas e explorou a classe operária fabril, hoje utiliza-se do satélite, do robô e da informática, abandonando a antiga dependência do braço em favor do cérebro, elevando o padrão de vida para patamares de saúde, educação e cultura até então desconhecidos pela humanidade.” (BRASIL ESCOLA, 2006).
Vemos que a globalização está presente desde muito na história da humanidade. Entretanto, ainda que tenhamos inegáveis progressos em inúmeras áreas da vida social, não podemos dizer que estas transformações atuam da mesma forma em todos os espaços.
Há um descompasso entre os altos níveis de desenvolvimento tecnológico e as condições de vida de significativos segmentos sociais por todo o mundo. 
As gritantes diferenças entre indivíduos e grupos, entre pobres e ricos se expressa também na área da saúde. A pobreza está vinculada não só a aspectos econômicos, mas a fatores como saúde, nutrição e educação, bem como condições sanitárias, sociais e ambientais, representativas das iniquidades sociais e de saúde.
Lembra-se do princípio da equidade proposto pelo SUS?
Pois é, apesar de todos os avanços que a globalização pode trazer, ainda convivemos com profundas desigualdades.
LEITURA
Em conclusão, estes dados nos mostram que a globalização tem empobrecido países e ampliado a pobreza, a exclusão e as iniquidades econômicas e sociais. Estas, por sua vez, repercutem pesadamente sobre a saúde de indivíduos e da população como um todo” (BUSS, 2007, 1579).
Temos uma relação imediata entre mortalidade infantil, renda, educação da mãe, condições do domicílio, local de moradia e situação social da família, além de aspectos vinculados à cor ou à etnia. Isto é, temos uma série de fatores que concorrem para o adoecimento (ou saúde) da população.
Ainda que a globalização possibilite, pelo compartilhamento de tecnologias e informações, o desenvolvimento de ações em saúde em nível transnacional ou mundial também abre espaço para a disseminação de doenças antes restritas a locais específicos. Um exemplo disso é o aparecimento de doenças transmissíveis, novas ou reemergentes.
A facilidade com que nos deslocamos através de rápidas viagens internacionais também facilita o trânsito de agentes infecciosos, como microrganismos, de um país para o outro, através de alimentos, animais, insetos etc. Este fenômeno foi percebido através da difusão da SARS (síndrome respiratória aguda grave), do vírus da gripe aviária e da dengue, das febres Marburg e Ebola na África, do vírus da AIDS etc.
Também, em alguns lugares, vemos o ressurgimento de doenças como a febre amarela, a poliomielite, epidemia de cólera, tuberculose etc.
Podemos também considerar o aumento de problemas causados pelo turismo sexual: “A globalização do comércio sexual implica na disseminação de doenças sexualmente transmissíveis e os danos mentais e afetivos resultantes do abuso sexual contra crianças, adolescentes e, mesmo, pessoas adultas” (BUSS, 2007, 1581).
É evidente que a globalização não traz apenas problemas para as populações. A área da saúde é, em muito, beneficiada pelos esforços coletivos postos em andamento por inúmeros organismos internacionais.
Como sustenta Buss (2007):
“Na realidade, para transformar a equação globalização → pobreza e exclusão → piora nas condições de saúde na equação globalização → equidade e inclusão → saúde, não existe uma receita única. O que se tem certeza é que soluções globais devem ser articuladas com iniciativas nacionais e locais específicas para o enfrentamento da expressão concreta que tomam, nestes planos, a globalização, a pobreza e a situação de saúde-doença.”
No Brasil, diversas ações sociais (COMO O BOLÇA FAMILIA) têm por objetivo diminuir as desigualdades históricas. Mas ainda há muito que fazer para que o irreversível processo da globalização seja, de verdade, um dispositivo de aproximação e equivalência entre povos e culturas, promotor de bem-estar e felicidade.
Na próxima aula, você estudará sobre os assuntos seguintes:
· Pobreza;
· Exclusão social;
· Desigualdades sociais.
AULA 7
Aula 7: Pobreza, exclusão social e desigualdades sociais
Nesta aula, você irá:
1- Entender o lugar do sujeito na sociedade e sua relação com a vulnerabilidade no âmbito da saúde;
2- Relacionar pobreza, exclusão social e desigualdade social;
3- Entender como a desigualdade social, a pobreza e a exclusão social são determinantes nos estados de saúde ou doença;
4- Verificar as estratégias capazes de superar as dificuldades sociais presentes na sociedade brasileira.
A desigualdade como fenômeno humano
“Terá havido no mundo alguma sociedade realmente igualitária na qual as pessoas pudessem desfrutar de maneira semelhante os bens e as oportunidades da vida social?” (COSTA, 2005, p. 247).
Faz parte da natureza cultural humana a organização do espaço onde habita. Tal organização é o que permite a permanência do grupo, entendido como grupo social. No processo de organização do espaço, funções são atribuídas aos membros dos grupos, bem como formas específicas de ação( divisão do trabalho).
 A distribuição dos bens produzidos pelo grupo também se faz de acordo com algumas regras.(idade, sexo, classe)
Desta forma, a resposta à pergunta inicial é negativa. Parece que em todas as sociedades humanas sempre existiram formas de discriminar indivíduos ou grupos de indivíduos. Portanto, a discriminação faz parte do um processo humano de classificação, o que permite a organização e a sobrevivência das sociedades.
Se a resposta à pergunta inicial é tão óbvia como nos faz parecer, por que insistimos nela e por que está atrelada às ideias de pobreza e exclusão?
 Na realidade, o problema fundamental não é a discriminação no sentido classificatório, mas as consequências destas classificações. A questão se torna, de fato, um problema quando distinção e discriminação se tornam inequivalências.
Ao fenômeno da discriminação soma-se a função valorativa expressada pelo sentido de equivalência ou inequivalência atribuído a um elemento do sistema social. Ao que parece, à medida que as sociedades se tornam mais complexas, as fronteiras da igualdade pretendida vão se tornando cada vez mais distantes.
Por que a pobreza choca e incomoda?
Se, como vimos, não há sociedade (humana e não humana) sem organização, o que implica distinção e discriminação, por que algumas posições na estrutura da sociedade nos causam desconforto?
Se distinção e discriminação implicam em acessos desiguais aos bens produzidos pelo grupo, se são fenômenos presentes desde sempre nas sociedades humanas, por que nos incomoda ou nos choca a constatação de que parcelas da população não têm acesso a estes bens?
Todos os habitantes do planeta pertencem à família humana e, como tal, devem ser assistidos de forma igualitária ou equivalente. Devem ter acesso aos bens e serviços produzidos pelas sociedades.
As desigualdades são resultantes do não acesso aos bens e da aquisição do mínimo necessário para sua reprodução e manutenção biológica, social e emocional. Nas sociedades modernas e contemporâneas, a desigualdade é sinônimo de privilégio de alguns e de pobreza ou carência absoluta de outros. É este descompasso, que nega a família humana, que choca e incomoda.
Curiosamente, a quantidade de bens produzidosno planeta seria mais do que suficiente para garantir a manutenção de toda a população. Mais do que isto, ainda restaria excedente. Apesar destas teóricas evidências econômicas, o mundo assiste a uma crescente monopolização dos bens econômicos e sociais, gerando crescente concentração de renda.
 “É em meio à sociedade da abundância que a pobreza adquire um caráter contraditório e até paradoxal” (COSTA, 2005, p. 249).
A quantidade de bens produzidos pelas sociedades contemporâneas relaciona-se diretamente com seu caráter consumista. Pobreza e muito consumo convivem – sem contradição? – em nossas sociedades.
 
“Consumismo e abundância fazem parte desse ideário do bem-estar social no interior do qual as populações carentes não param de crescer” (COSTA, 2005, p. 249).
MEDINDO AS DESIGUALDADE
As desigualdades, a pobreza e a exclusão social não se resumem apenas à falta de bens materiais. Na verdade, uma série de elementos presentes na dinâmica das sociedades concorre para a caracterização de um grupo em certa categoria. Índices são criados a fim de medir e comparar características presentes em diferentes populações e grupos sociais.
 Assim ocorre com o IDH (INDICE DE DESEMVOLVIMENTO HUMANO) . Esta medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de desenvolvimento humano é composta por uma escala de 0 a 1 e serve para demonstrar e analisar a qualidade de vida e desenvolvimento sem considerar apenas índices econômicos.
A medida leva em conta a expectativa de vida a partir do nascimento, a educação e renda e padrão de vida – PIB (PPC) per capita. O índice foi criado em 1990, e é utilizado pela ONU desde 1993.
 Na listagem do Índice de Desenvolvimento Humano de 2011 divulgado pelo PNUD (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESEMVOLVIMENTO), o Brasil figura na 84ª posição entre os 187 países, registrando a escala de 0,718. A Noruega é o país com o maior índice de IDH, registrando a marca de 0,943 pontos, seguido por Austrália, Holanda, EUA e Nova Zelândia. Em último lugar, com o pior IDH, a República Democrática do Congo, com índice de 0,286.
 O IDH permite compreender o desenvolvimento humano dos países e grupos sociais, não só em relação a si mesmos, mas em comparação com outros países.
MULTIPLAS CARÊNCIAS
Podemos falar de diversas formas de pobreza ou despossessão: a psicológica, a social, a política. Cada uma delas, somadas às clássicas carências materiais e de sobrevivência, aprofundam as desigualdades e a vulnerabilidade social.
DESPOSSESSÃO PSICOLOGICA
A despossessão psicológica aponta para um sentimento de autodesvalorização das populações pobres em relação às ricas, ou de um país pobre em relação a um país rico.
DESPOSSESSÃO SOCIAL
A despossessão social relaciona-se à impossibilidade de parte da população de ter acesso a mecanismos que propiciem êxito social, permitindo a aquisição de prestígio e o desenvolvimento de relações sociais sólidas. Ela resume a exclusão de certos grupos sociais das escolhas e decisões na vida pública e nas ações políticas.
DESPOSSESSÃO TECNOLÓGICA
Ainda podemos acrescentar outra forma de “despossessão” ou pobreza produzida pelo mundo contemporâneo: a despossessão tecnológica. “Pessoas que não possuem ‘alfabetização digital’ estão excluídas dos mais diferentes espaços e da comunicação globalizada e, o mais importante, do mercado de trabalho também. A pobreza tecnológica aflige, envergonha e exclui” (COSTA, 2005, p. 251-152).
TEORIAS E EXPLICAÇÕES PARA AS DESIGUALDADES E A POBREZA : Sistema e Biologia.
Diversas são as formas de tentar explicar as causas das desigualdades, da pobreza e, consequentemente, da exclusão social. De um lado, pode-se argumentar a favor de uma teoria que conceba estes fenômenos como parte de estruturas sociais ou econômicas e das maneiras particulares como as relações entre os sujeitos e as formas de distribuição de bens sociais se dão.
 Por outro lado, pode-se pensar que as causas da pobreza e da exclusão estariam nos próprios sujeitos à margem, mais culpados de seu estado do que vítimas. Temos uma espécie de criminalização ou “culpabilização” dos sujeitos em condição de vulnerabilidade social.
Ora, ao que parece, estes dois modelos não são suficientes para fazer compreender a complexidade do fenômeno. Mas continuamos com interrogações. Por que, apesar de tantos avanços tecnológicos e mesmo sociais, a pobreza e a desigualdade permanecem, crescem e incomodam? Incomodam?
Dentre outras respostas possíveis, temos a ineficiência dos Estados em administrar racionalmente as produções e assistir de maneira equânime grupos e cidadãos.
Pobreza e criminalidade
Seriam os pobres criminosos? Esta pergunta retoma um pensamento importante (e incorreto) que tende a associar pobreza e criminalidade. Na verdade, pobreza e exclusão social são fenômenos que não estabelecem relação necessária com a criminalidade.
 Na verdade, à medida que é estigmatizada, a pobreza é vista por alguns como anomalia potencialmente capaz de fazer adoecer o restante da sociedade. Assim, é criminalizada, combatida com violência ou negada, escondida, mascarada.
ATENÇÃO
Criminalizar a pobreza é mais uma estratégia (ideológica) para mantê-la afastada e excluída do convívio social, livrando os responsáveis pelo gerenciamento das instituições sociais de suas reais obrigações. “A pobreza gera distanciamento social, alienação e discriminação dos pobres” (COSTA, 2005, p. 257).
Corresponsabilizar toda a sociedade pelos processos de discriminação e exclusão dos segmentos mais vulneráveis da sociedade talvez seja um passo importante para a construção de novas (e mais humanas) formas de lidar com o outro.
 Como lembra Costa (2005, p. 259), “Não podemos esquecer, entretanto, que a opção por um sistema político que favoreça uma integração maior da população em geral à sociedade ainda é a forma mais eficiente de combate à pobreza”.
 E o que os profissionais de saúde têm a ver com isto?
A DESIGUALDADE COMO FENÔMENO ESTRUTURAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA
Na aula anterior, vimos como o fenômeno da globalização provoca importantes mudanças nos grupos e sociedades. Atuando sobre diversos setores da sociedade ( ECONÔMICO, POLITICO, CULTURAIS, ETICOS-MORAIS E ETC.) a globalização aproxima grupos, intensifica a comunicação e o compartilhamento de informações, bens e serviços.
 Entretanto, a distribuição dos bens e serviços possibilitados pelo processo de globalização não se dá de forma igualitária entre os diversos grupos que compõem a sociedade.
 Mesmo antes da intensificação da aproximação dos mercados e economias, característico da globalização, os formadores da sociedade tinham acesso desigual aos produtos e serviços, bem como às políticas públicas.
Longe de estarem resolvidas, as desigualdades sociais são retroalimentadas pela pobreza e pelas diversas formas de exclusão (social, política, trabalho, digital, lazer, saúde etc.).
 As desigualdades e os antagonismos são sustentados e resultantes do intenso e abrangente desenvolvimento do capitalismo que força a movimentação de trabalhadores, principalmente em rota migratória do campo para as cidades em busca de terra, trabalho e condições de vida, além de garantia e direitos.
 O que tudo isto provoca? Como a sociedade se comporta? Que fotografia temos do nosso país quando o tema é a igualdade e desenvolvimento social?
Para Octavio Ianni, apoiado em um trabalho de Hélio Jaguaribe, de 1988, “Seriam duas sociedades superpostas, mescladas, mas diversas: ‘A característica fundamental da sociedade brasileira é seu profundo dualismo’. A um lado ‘encontra-se uma moderna sociedade industrial, que já é a oitava economia do mundo ocidental e acusa um extraordinário dinamismo’. No outro ‘encontra-se uma sociedade primitiva, vivendo em nível de subsistência, no mundo rural, ou em condições de miserável marginalidade urbana, ostentando os padrões de pobreza e ignorância comparáveis aos das mais atrasadas sociedades afro-asiáticas’” (IANNI, 2004, p. 106).
 É como se tivéssemos, pelo menos, “dois Brasis”: um da riqueza e outro da pobreza, da discriminação e da exclusão.Pobreza, exclusão social e saúde: conexões
Para encerramos esta aula, vale pensar em algumas relações entre os estados de saúde-doença e as condições de pobreza, discriminação e vulnerabilidade.
 Diversos estudos apontam importantes relações entre mortalidade infantil e renda das famílias, nível de educação da mãe, as condições habitacionais, local onde se vive e situação social da família da criança.
Outros estudos estabelecem relações entre cor e mortalidade infantil; por exemplo: entre os negros, a mortalidade infantil média é de 34 óbitos por 1.000 nascidos vivos, contra 23 na população branca (BUSS, 2007, p. 1579).
Estas relações se multiplicam quando se considera escolaridade, região geográfica, acesso a serviços de saneamento básico e de saúde etc.
Podemos encerrar as discussões desta aula com um breve texto que nos coloca a responsabilidade de formular ações que minimizem as desigualdades e que promovam todos os seres humanos à categoria de cidadão incluídos, de fato, na chamada família humana.
 
“É muito importante a mobilização de profissionais de saúde em geral e de sanitaristas, em particular, de todo mundo na compreensão, crítica e luta contra a globalização injusta, a pobreza e a exclusão, contra a corrida armamentista e a violência, por um meio ambiente sustentável, pela equidade na saúde, pela paz e solidariedade entre todos os povos do mundo, para que alcancemos melhores condições de saúde e qualidade de vida não num futuro distante, mas hoje, aqui e agora!” (BUSS, 2007, p. 1588). 
Gabarito: O documentário mostra como, apesar do muito que se produz na sociedade brasileira, parte significativa da população ainda vive em estado de profunda miséria, postos depois dos animais na prioridade por escolha de alimentos. Destacando a pobreza e a exclusão social, o vídeo mostra a situação de vulnerabilidade a que estão submetidos certos segmentos da população brasileira.
 À medida que a saúde é compreendida como resultante de um complexo de ações e atenções votadas aos direitos fundamentais e ao acesso aos bens produzidos pela sociedade e administrado pelo Estado, vemos que a população da Ilha das Flores está desassistida e exposta a situações produtoras de adoecimento.
AULA 8
		Ao final desta aula, o aluno será capaz de:
1- Entender e distinguir as ideias de corpo físico e corpo social;
2- Identificar determinantes socioculturais nas representações dos estados de saúde e doença;
3- Entender a importância da cultura e dos processos subjetivos na avaliação de eventos que envolvem as noções de corpo, saúde e doença.
	
8: Corpo e saúde na visão antropológica - corpo, cultura e subjetividade
Preste atenção na história a seguir. Quem contou diz que é verídica, mas isso não importa.
Sr. Celio não consumia bebida alcoolica. O guia dele que consumia durante as consultas religiosas através dele.
Corpo físico, corpo social
Vamos começar perguntando o que é o corpo. Será o corpo uma evidência fisiológica, composta por células, tecidos, órgãos e sistemas? É o corpo uma expressão da natureza?
Sem dúvida, o corpo é – ou melhor, tem – uma evidência fisiológica, física ou orgânica, “natural”. Entretanto, esta característica universal do corpo não é suficiente para compreendê-lo quando consideramos a dinâmica social.
A influência da cultura
Na verdade, desde sempre, somos um corpo social, um corpo simbólico. Já nascemos entidades sociais. Diferentemente de outros animais, não nascemos simplesmente machos ou fêmeas; nascemos meninas ou meninos, que deverão atender às expectativas do grupo ao qual pertenceremos.
 Vestiremos rosa ou azul, brincaremos com bolas ou bonecas, usaremos este ou aquele acessório. Assim, nosso corpo será o portador e veículo de mensagens e disposições próprias de dada sociedade e dada cultura em certo contexto e momento historicamente determinado.
Ao apreendermos a cultura da sociedade da qual fazemos parte, construímos um entendimento de nós mesmos, dos outros e do mundo.
O corpo apresenta, portanto, duas realidades que se complementam: Ralidade Social e Realidade Fisica
Realidade social
A realidade social informa e localiza o sujeito na sociedade: seu papel, sua função, seu status, suas possibilidades e limitações como membro de um grupo. É uma realidade constituída pelas expectativas do grupo sobre o sujeito, a correta observância das regras e normas, limitações e privilégios vinculados à posição que ocupa na sociedade e pelo uso de distintivos que permitem classificar e reconhecer seus portadores (roupas especiais, adornos, marcas na superfície do corpo etc.).
Realidade fisica
Por sua vez, a realidade física funciona como suporte concreto para a (necessária) organização simbólica.
Nesse sentido, “O corpo é um reflexo da sociedade, não sendo possível conceber processos exclusivamente biológicos, instrumentais ou estéticos no comportamento humano” (FERREIRA, 1994, p. 101).
A cultura influenciando os sentimentos
Ora, se olharmos com um pouco mais de cuidado, veremos que, desde o início da vida, comportamentos e também afetos vão sendo modelados pela sociedade. Os sentimentos vão sendo “culturalizados” à medida que vão se expressando, ganhando significado e sentido.
 Por exemplo: quando dizemos à criança, que chora por ter caído e se machucado, que “não está doendo”, que “homem não chora” ou ainda que “é feio chorar”, nos colocamos como representantes dos valores da sociedade, reafirmando as expectativas do grupo com relação a determinado comportamento.
 Então, não estamos mais falando unicamente de um corpo individual ou privado, mas de um corpo social, necessário à vida em sociedade.
E a saúde, onde entra?
A delimitação das fronteiras simbólicas do corpo, externas e internas, influenciará de maneira decisiva na percepção e compreensão que têm de seus estados de saúde e doença.
 Para ilustrar essa relação entre cultura e representação dos estados de saúde e doença, temos o caso que Cecil Helman (2003, p. 31) nos apresenta da mulher que, casada com um encanador, e também filha de encanador, sendo diagnosticada de edema pulmonar, exibe um comportamento de vômito e incontinência urinária.
Para essa mulher, a “água nos pulmões”, que julgava ser a causa de sua doença, poderia ser “escoada” vomitando ou urinando em grande quantidade, tendo em vista as conexões que ligavam o tórax à boca e a uretra, através de “tubulações” e “canos”.
 Não resta dúvida de que exemplos como este são extremos e podem parecer raros ou cômicos. Entretanto, se observarmos nosso próprio grupo social, descobriremos uma infinidade de situações que irão corroborar estas relações. Sendo assim, consideramos que não se pode pensar o corpo sem levar em conta seus significados e usos sociais.
Saúde, doença e construção de sentidos
Os estados de doença exigem que sejam classificados e esclarecidos. Para tanto, na construção diagnóstica, o profissional de saúde (médico ou outro) deve levar em conta os sintomas descritos pelo paciente, e também os aspectos constatados objetivamente – os sinais. Assim, sintomas e sinais, de forma complementar, fornecem os elementos que dizem respeito à semiologia em saúde, organizadora de significações e sentidos.
 “As sensações corporais experimentadas pelos indivíduos e as interpretações médicas dadas a estas sensações serão feitas de acordo com códigos específicos a estes dois grupos” (FERREIRA, 1994, p. 102).
A observação da autora de O corpo sígnico é decisiva para a compreensão das relações que se estabelecem entre os profissionais de saúde e seus pacientes. Estão incluídos na categoria profissional de saúde: médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, fonoaudiólogos, educadores físicos, biólogos, dentre outros.
A NOÇÃO DE SAUDE SOCIAL
 Profissionais e usuários têm, ou podem ter, formas diferenciadas de significar suas experiências e compreender sinais e sintomas. Quanto maior a possiblidade de compreensão das significações e sentidos expressados por pacientes e profissionais, nos dois sentidos – isto é, do paciente para o profissional e do profissional

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