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Princípios do Direito do Consumidor

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Vulnerabilidade, 
hipossuficiência 
e boa-fé objetiva1
O que são princípios?
Não se pode negar que a técnica adotada pelo legislador responsável pelo CDC difere da seguida 
até então pelo direito privado brasileiro, posto que propõe a adoção de sistemas abertos, alcançados 
mediante a inserção de normas que não se limitam a ditar a exata conduta a ser seguida pelas partes, 
mas sim que dirigem por meio de critérios amplos, o comportamento das partes e a atividade do juiz, 
criando parâmetros para a valoração de comportamentos (TEPEDINO, 2000, p. 19).
É imperioso destacar mais uma vez que a leitura das relações de consumo deve partir do contido 
na Constituição Federal (CF), haja vista que a Lei Maior acabou assumindo o papel antes reservado ao 
Código Civil (CC) na proteção dos indivíduos enquanto seres humanos (NALIN, 2001, p. 101), pois, como 
aquela é o centro de todo o sistema jurídico, há de vincular a atividade do intérprete (SICCA, 1999, p. 20) 
impondo a este o dever de sempre buscar a solução mais justa para solucionar os problemas surgidos 
na esfera dos negócios efetuados sob a proteção do CDC.
Mesmo sem esquecer que o contrato é o mecanismo mais eficaz que se conhece até hoje para 
promover a circulação de riquezas, e que por conta disso, estimula toda a cadeia produtiva (ZINN, 2004, 
p. 141), há de se ter em conta que a vontade externada pelas partes ao ajustar seu conteúdo, não pode 
fugir aos ditames contidos no artigo 170 do texto constitucional (LÔBO, 1999, p. 107), que valoriza a 
defesa do consumidor.
1 Parte desta aula é fruto de duas pesquisas outrora realizadas pelo autor, pendentes de publicação, a primeira, junto à editora RT, na 
Revista de Direito do Consumidor, cujo título é: “A hermêneutica contratual no CDC”, e a segunda, também aguardando publicação no 
segundo volume da obra Repensando o Direito do Consumidor, organizada pela comissão de defesa do consumidor da OAB/PR, denominada: 
“Reflexões sobre a leitura dos contratos no CDC à luz de seus princípios”.
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28 | Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva
Resta claro que o CDC se inspirou na Constituição Federal (CF), de modo dúplice, pois absorveu 
valores contidos na Lei Maior, entre eles, a preocupação com a dignidade da pessoa humana e com a 
proteção do vulnerável, respeitando, desse modo, os direitos fundamentais assegurados aos indivíduos 
e, ao mesmo tempo, utiliza-se da mesma técnica legislativa, ao apresentar-se como um sistema aberto, 
recheado por diretrizes de natureza principiológica, previstas na lei sob a forma de cláusulas gerais.
Cumpre destacar que tais cláusulas impedem a proliferação de espaços em branco, sem expressa 
solução, que poderiam surgir com o passar do tempo e com a mudança de comportamento dos 
membros da sociedade. 
É importante neste ponto chamar a atenção para a quebra do paradigma interpretativo. Esse 
novo modelo determina que caberá ao juiz (CAVALIERI FILHO, 2000, p. 97-108), por conta do espaço 
deixado para o exercício de sua criatividade, ditar não apenas a consequência do ato praticado em 
desrespeito ao ordenamento, mas criar todo o comando normativo a ser observado pelos contratantes, 
por conta da necessidade de preencher a moldura prevista pela lei, mas que encontra-se desprovida 
de expressa sanção, ou seja, que está balizada de modo aberto, sem que exista pena prevista de modo 
expresso e anterior para a hipótese de sua violação.
A opção legislativa permite a aplicação dos princípios, permitindo ao julgador situar-se a uma menor 
distância dos cidadãos, em verdade, transformando-o em efetivo agente político quando lhe outorga 
poderes para promover justiça distributiva com fulcro em diretrizes preestabelecidas, o que parece 
bastante positivo em um Estado Democrático de Direito que apregoa o acesso à ordem jurídica justa.
Afere-se que o legislador mostrou-se sensível à realidade hoje vivida, optando por conceitos fle-
xíveis como os “usos do lugar”, “circunstâncias do caso”, “equidade”, “desproporção manifesta”, que entre 
outras expressões abertas, permitem ao intérprete descer ao plano do concreto (COSTA, 2003, p. 8), 
para decidir não mais com base na letra fria da lei, mas, sim, iluminado pelos valores que permeiam as 
relações sociais.
É inegável que o Direito do Consumidor, para além de ter sido construído enquanto sistema 
aberto se ampara em princípios que auxiliam no processo de interpretação e de concreção da norma 
jurídica, sendo relevante destacar, ainda que sucintamente, o que são princípios e qual sua importância 
no atual estágio de desenvolvimento da ciência do direito.
Miguel Reale (1977, p. 299) assevera que “princípios são verdades fundantes de um sistema de 
conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas”, ideia ratificada 
por Rui Portanova (1997, p. 14), ao afirmar que “princípios não são meros acessórios interpretativos [mas 
sim] enunciados que consagram conquistas éticas da civilização e, por isso, estejam ou não previstos na 
lei aplicam-se cogentemente a todos os casos concretos”. 
São assim, normas nascidas nas crenças e convicções da sociedade acerca de seus problemas 
fundamentais de organização e convivência (DÍEZ-PICAZO; GULLÓN, 1994, p. 145), concebidas como 
padrões vinculantes, que por conta de seu elevado grau de vagueza e indeterminação, necessitam de 
ações concretizadoras (CANOTILHO, 1999, p. 1086-1087) para que possam dar a melhor solução para 
cada caso concreto que seja levado à interpretação do magistrado, por conta do conflito surgido. 
Parece claro, a partir dessa noção, que os princípios devam ser vistos como fontes do direito, 
aplicáveis em qualquer procedimento interpretativo e, nesse contexto, qualquer reflexão que ignore 
ou mitigue a importância dos princípios para a ciência jurídica há de ser afastada, pois, muitas vezes, as 
regras (norma fechada dotada de conduta e sanção) têm nos princípios o ente que lhes dão essência e 
que lhes transmite a base necessária para sua justa aplicação diante do caso concreto. 
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29|Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva
Enfim, por meio dos princípios, mormente os consagrados na Constituição, deverá o intérprete, 
aferir se o negócio pactuado respeita a “valores existenciais” (LOEWENSTEIN, 1970, p. 390), para somente 
em momento posterior, e na necessária presença desse aspecto humanístico, julgar sua eficácia patri-
monial (NALIN, 2001, p. 36). 
Todo consumidor é vulnerável?
Durante muito tempo, o Estado Liberal amparou-se no pilar da igualdade formal, não se permi-
tindo ao juiz alterar o negócio pactuado em razão de eventual desequilíbrio na correlação de direitos e 
deveres assumidos pelas partes no contrato por elas ajustado, já que esse fazia lei entre as partes.
Rompendo com o paradigma da igualdade, o CDC prevê em seu artigo 4.º, I, que todo consu-
midor é vulnerável, criando-se, a partir dessa premissa, uma série de limites que balizam o exercício 
da autonomia privada, atuando ainda na busca do reequilíbrio das obrigações assumidas pelas partes 
quando necessário, em homenagem à igualdade material, posto que consumidor e fornecedor, como 
visto até aqui, são naturalmente desiguais.
Reafirma-se: todo consumidor é vulnerável, pelo menos, perante o microssistema vigente, e 
vulnerável porque faz parte de um grupo heterogêneo e pouco coeso, e que por conta disso, acaba 
por se sujeitar às práticas negociais impostas por fornecedores que atuam corporativamente, mesmo 
quando agem de modo autônomo, pois, nesses casos, em regra são bastante organizados. Em razão de 
tais fatos, a Lei 8.078/90 cria presunção legal (iure et iure) de vulnerabilidade, que segundo Cláudia Lima 
Marques (1998, p. 147) divide-se em três espécies: técnica, jurídica e fática. 
A vulnerabilidade técnica se explica em razãode o consumidor não possuir conhecimentos 
específicos do produto que está adquirindo; a jurídica, por não ter conhecimento jurídico, contábil ou 
econômico, que a situação exija; e a fática, nasce do confronto do poder econômico do fornecedor 
frente ao consumidor, impondo-lhe preços e condições manifestamente desfavoráveis (MARQUES, 
1999, p. 147).
A autora – citada no parágrafo anterior – parece ter razão na tripartição do princípio analisado, 
pois é bem provável que os usuários de telefonia celular ou de televisão a cabo não tenham a mínima 
ideia de como os dados são transmitidos, e mesmo dos demais detalhes de funcionamento de qualquer 
uma das empresas que atuem nos aludidos ramos, ou ainda, como um profissional liberal irá prestar o 
serviço contratado (vulnerabilidade técnica); sujeitam-se às cláusulas abusivas contidas em contrato 
celebrado por adesão e ainda no caso de litígio normalmente veem como representante do fornecedor 
um profissional altamente especializado (vulnerabilidade jurídica); e, por fim, não tem como lutar 
isoladamente contra os abusos praticados pelo mercado em razão da formação de monopólios ou 
cartéis (vulnerabilidade fática), dificuldade esta que pode manifestar-se em situações mais simples, 
como o caso de imposição implícita do foro competente para a apreciação do feito pelo fornecedor, 
situação que, aliás, poderá ser conhecida de ofício pelo juiz em razão da proteção dada pelo sistema 
ao polo mais fraco da relação negocial, seja porque as normas que compõe o CDC são consideradas de 
ordem pública, portanto não podem ser afastadas pela vontade das partes, seja por expressa disposição 
da atual redação do artigo 112 do Código de Processo Civil (CPC), que em seu parágrafo único dita que 
“a nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, 
que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”.
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30 | Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva
Um belo exemplo de reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é dado pela justiça 
mineira, ao decidir que não tem:
[...] qualquer validade ou eficácia a cláusula contratual estipulada em contrato de abertura de crédito em conta corrente, 
por adesão, a beneficiar a entidade financeira em prejuízo do cliente, desde que impossibilite ou dificulte o acesso 
desse à justiça [e havendo] desequilíbrio entre as partes, gerado pela cláusula de eleição de foro, tem-se a mesma como 
inexistente e, nessa hipótese, no lugar de tal cláusula, tem aplicação à regra especial de competência estabelecida pelo 
Código de Consumidor, prevalecendo a do domicílio do aderente [...]. (TAMG, Ai 218.224-9)
Fato é que pode até mesmo afirmar-se que a vulnerabilidade do consumidor é sua característica 
mais marcante, o que segundo um dos autores do anteprojeto do CDC justifica a existência dessa lei 
(BENJAMIN, 1992, p. 8), destacando-se, por fim, que vulnerabilidade não pode ser confundida com o 
conceito de hipossuficiência, também importante para as pretensões almejadas pelo microssistema, 
salientando-se que esse último conceito se sintetiza pela ampliação da noção do princípio estudado, 
por conta de características especiais do destinatário da lei. 
A hipossuficiência é assim, a manifestação ampliada da vulnerabilidade, ou uma situação de 
exceção que confere ainda mais proteção ao consumidor que se enquadra em tal conceito. Como 
exemplo de consumidor hipossuficiente, têm-se as crianças e idosos, esses últimos, muitas vezes, não 
resistindo a alguns apelos publicitários, como promoções na venda de medicamentos.
É por ser o consumidor vulnerável que se impõe ao fornecedor uma série de limites no que pertine 
ao conteúdo dos contratos de consumo, que se justifica a adoção da responsabilidade objetiva para as 
hipóteses de acidentes de consumo, como quer Flávio Tartuce (TARTUCE, 2006, p. 263), ou ainda, que se 
explica a possibilidade de ajuizamento de ações coletivas para tutelar seus interesses.
A tríplice função da boa-fé objetiva
A boa-fé objetiva é um dos princípios mais importantes no cotidiano das relações negociais, 
devendo rechear todos os negócios jurídicos nascidos da livre vontade manifestada pelas partes. No 
Brasil, embora de uso consagrado pela doutrina e jurisprudência, a matéria não encontrou lugar na 
codificação civil há pouco enterrada e sua aplicação explícita se deu inicialmente por força do artigo 4.º, 
III, e artigo 51, VI, do CDC, ideia hoje ratificada e ampliada pelos artigos 113, 187 e 422 do CC. 
Agir de boa-fé significa saber honrar compromissos assumidos, ou mais que isso, implica em um 
dever de fidelidade e coerência no cumprimento da expectativa alheia, independentemente da palavra 
dada ou do acordo firmado; sintetizando-se na atitude leal, proba e que é legitimamente esperada nas 
relações entre homens de bem (MARQUES, 1998, p. 106).
À ideia de boa-fé objetiva deve ser atribuída tríplice função: ela atua como critério hermenêutico 
integrativo no processo de interpretação dos negócios jurídicos; como limite ao exercício de direitos; e 
como fonte de deveres laterais de conduta (COSTA, 2000, p. 428; AGUIAR JUNIOR, 1995, p. 25), funções 
essas que merecem melhor análise.
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31|Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva
Inicialmente, a boa-fé objetiva impõe ao juiz, quando se defronta com contradições ou obscuri-
dades nas cláusulas negociais especialmente se estas estiverem inseridas em contratos por adesão, o 
dever de utilizá-la como parâmetro hermenêutico, imaginando como agiriam outros sujeitos em igual 
posição, aferindo-se qual seria o modelo de comportamento ideal.
O princípio em foco atua também como fator que impõe limites ao exercício de direitos subjetivos 
e potestativos, posto que visa preservar a integridade das partes, impedindo assim, abusos que possam 
desnaturar o equilíbrio entre as prestações, isso significa a aceitação da intervenção de elementos 
externos atuando na intimidade da relação jurídica entabulada, limitando os efeitos da vontade 
manifestada por cada uma das partes e o exercício dos direitos subjetivos daí derivados (AGUIAR JUNIOR, 
1995, p. 24), sendo que aparentemente é aqui que ingressa o comando previsto no artigo 4.º, III, do CDC 
na medida em que impõe limites ao exercício da autonomia privada, bem como o artigo 51 da mesma 
lei, quando em seu inciso IV afirma ser nula a cláusula que estabeleça obrigação iníqua, abusiva ou que 
seja incompatível com a boa-fé.
Desse modo, enquanto atua como norteadora das relações jurídicas, a boa-fé “limita, em certos 
casos, o exercício de direitos” (COSTA, 2002, p. 634), destacando-se que tal função é deveras importante, 
pois diante dos fenômenos da funcionalização e da massificação do contrato, instrumentalizados 
mediante a estandardização das cláusulas contratuais, fizeram-se necessárias novas formas de controle 
das cláusulas negociais que, em princípio, à luz da teoria clássica, não poderiam ser objeto de discussão 
pelo aderente (AMARAL JUNIOR, 1993, p. 29-30). Saliente-se que a boa-fé, nesse caso, atua ainda como 
fonte da teoria dos atos próprios, por exemplo, proibindo comportamentos contraditórios que ao 
frustrar a confiança do consumidor, traga prejuízo a este.
Quanto à tripartição do tema em estudo, mencione-se por fim que a boa-fé atua como fonte 
de deveres de conduta que se impõe às partes, posto que o princípio em questão é fonte dos deveres 
laterais de informação (ALTERINI, 1996, p. 13), de advertência, de conservação, de proteção e de custódia 
(TOMASETTI JUNIOR, 1995, p. 16), e ainda dos deveres de cuidado, de aviso e esclarecimento quanto 
ao adequado uso da coisa, de prestar contas, de colaboração e cooperação e omissão; que também 
poderão ser extraídos dos comandos previstos no CDC.
Como exemplos de deveres lateraispode ser pensado o dever do advogado em não divulgar 
dados sigilosos acerca de entrevista anteriormente promovida com cliente traído pelo cônjuge (sigilo), 
o imposto ao fornecedor quanto à adequada informação sobre o uso dos produtos comercializados 
(informação), o imposto ao credor no que pertine a não dificultar o adimplemento da obrigação (coo-
peração), o que sujeita o lojista a informar sobre problemas físicos no interior de seu estabelecimento 
comercial (aviso) e a providenciar o que for necessário para que seus clientes não se tornem vítimas de 
eventual acidente de consumo em suas dependências (segurança).
Os tribunais brasileiros têm valorizado dia a dia o papel da boa-fé enquanto fonte de deveres 
laterais, como pode ser visto neste julgado bastante didático: o cliente do estabelecimento comercial, 
que estaciona o seu veículo em lugar para isso destinado pela empresa, não celebra um contrato de 
depósito, mas a empresa que se beneficia do estacionamento tem o dever de proteção, derivado do 
princípio da boa-fé objetiva, respondendo por eventual dano (STJ REsp 107.211). 
Como se vê, o dever violado nesse caso foi o dever lateral de cuidado ou proteção, na hipótese, 
impondo-se à empresa o dever de reparar os danos suportados pelo consumidor.
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