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O CDC E SUA APLICAÇÃO NOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS

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O CDC E SUA APLICAÇÃO NOS 
NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
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O CDC E SUA APLICAÇÃO NOS 
NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS 
 
 
DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES 
Segunda a Sexta das 09:00 as 18:00 
 
ATENDIMENTO AO ALUNO 
editorafamart@famart.edu.br 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
mailto:editora
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Sumário 
 
A importância do Código de Defesa do Consumidor ................................................ 4 
Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor .................................. 10 
Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva ................................................ 18 
Transparência, confiança e equidade ................................................................ 25 
Os direitos básicos do consumidor ................................................................... 31 
Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço ................................................. 38 
Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço ................................................ 46 
Da proteção à revisão contratual...................................................................... 55 
Cumprimento da oferta e regramento da publicidade.............................................. 62 
Contratos por adesão ................................................................................... 69 
Cláusulas abusivas e proteção do consumidor ..................................................... 76 
O CDC e os contratos imobiliários: compra e venda e compromisso de compra e venda ... 84 
O CDC e os contratos .................................................................................. 93 
O CDC e os contratos ................................................................................. 102 
Os Enunciados do Conselho ......................................................................... 115 
Referências .............................................................................................. 125 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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4 
 
 
A importância do Código de Defesa do Consumidor 
 
A experiência comum relata uma infinidade de casos em que o poder dos mais 
fortes se sobre- põe à fragilidade dos menos favorecidos, especialmente quando 
analisados os contratos que entre eles são pactuados, o que acaba por fazer que 
estes suportem prejuízos dos mais diversos em incontáveis situações cotidianas. 
Entre inúmeras hipóteses, pode-se lembrar que, antes do advento do Código 
de Defesa do Consumidor (CDC), quem fosse vítima de intoxicação alimentar, para 
ser indenizada, teria o dever de provar não só que comprou o alimento em 
determinado estabelecimento comercial, mas também, que o produto adquirido estava 
contaminado, pela bactéria salmonela, por exemplo, assumindo, consequentemente, 
mesmo diante do quadro patológico apresentado (efeitos causados pela ingestão de 
comida estragada), o ônus de pagar todas as despesas para produzir esta prova por 
meio da perícia a ser realizada durante o curso do processo judicial, além de muitas 
vezes, ter que provar a culpa do causador do dano, fato este que desestimulava a 
vítima de lutar por seus direitos. 
Em linhas gerais, pode ser lembrado ainda, o exemplo da compra de um 
eletrodoméstico com defeito, cujo prejuízo seria suportado em regra pelo comprador 
sob o argumento de que ele deveria ter olhado melhor o produto e mesmo solicitado 
que este fosse testado antes da entrega, e, a hipótese da aquisição de um terreno em 
longas parcelas mensais sucessivas, que poderiam ser perdidas totalmente, caso o 
adquirente não pudesse pagar o preço total do imóvel, por ter perdido o emprego ou 
porque alguém da família adoeceu, e não havia dinheiro para pagar os remédios e a 
prestação do terreno ao mesmo tempo. 
Como se observa facilmente, os inconvenientes oriundos do excesso de 
liberalidade no exercício do poder de contratar, bem como os abusos praticados de 
maneira cada vez mais constante em detri- mento dos consumidores, precisavam ser 
combatidos, o que de fato ocorreu, inicialmente por meio do processo denominado 
intervencionismo estatal, preocupação que é vista, por exemplo, na edição da Lei de 
Usura, em 1933, que limita o valor dos juros convencionados e da multa contratual 
devida em razão de atraso no pagamento dos empréstimos em dinheiro; do Estatuto 
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da Terra, em 1964, que fixa prazos mínimos de vigência dos contratos de 
arrendamento e parceria rural e determina o preço máximo a ser pago ao proprietário 
pelo arrendatário; e da Lei do Inquilinato, em 1991, que proíbe, por exemplo, que o 
proprietário do imóvel locado sem prazo determinado, reivindique o bem sem justo 
motivo, dentro dos primeiros 30 meses de vigência do contrato. 
Apesar da ativa participação do Estado, buscando reequilibrar o papel e os 
poderes de cada indivíduo no contrato, não se pode negar que tais avanços 
legislativos não foram suficientes para solucionar uma infinidade de problemas no 
âmbito dos negócios que, hoje, são conhecidos por relações de consumo, pois – em 
especial – após o fim da Segunda Guerra Mundial, o grau de organização e 
especialização das empresas cresceu muito mais rápido que o número de leis 
editadas visando à sua regulamentação, como se afere, por exemplo, em razão da 
oferta crescente de novos produtos, entre eles, os eletroeletrônicos; de serviços dos 
mais diversos oferecidos à coletividade, como ocorre com os contratos pactuados com 
um personal training ou com um provedor de internet, ou ainda, com o aparecimento 
de técnicas publicitárias agressivas, que passam a utilizar diversos mecanismos de 
mídia, entre eles, a televisão, e mais recentemente, o universo virtual. 
Visando solucionar uma grande parte dos conflitos de interesses que explodiam 
prolongadamente no seio social (FACHIN, 2005, p. 28) e respeitando a obrigação 
criada pouco antes no artigo 5.º, XXXII, da Constituição Federal (CF)1, o CDC foi 
aprovado em 1990, visando ser um instrumento de proteção da parte mais fraca nas 
relações de consumo: o consumidor explorado desde antes de seu nascimento, 
durante toda sua vida, e até mesmo, após a sua morte! 
De fato, por mais complexa que essa reflexão inicialmente possa parecer, 
merece destaque o fato de que muitas vezes, antes mesmo de sair do ventre materno, 
o ser que ali se encontra alimenta-se de produtos recheados de pesticidas, é vítima 
de diagnósticos equivocados durante exames de ultrassom; uma vez nascendo com 
vida, comprará alimentos, roupas, uma casa para morar, um veículo para ir ao trabalho 
e combustível, irá ao médico, à escola etc.; e mesmo após sua morte, pode ter sua 
imagem lesada pelo uso indevido de alguma fotografia que se perdeu durante a 
revelação, ou mesmo contratar a cremação de seu corpo e descobrir posteriormente 
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que o que fora queimado foram apenas algumas toras, e que seus restos mortais, 
foram vendidos para um laboratório de anatomia de uma escola qualquer. 
Enfim, não há dúvida de que o CDC é de importância vital, haja vista que no 
Brasil, antes dele, não havia mecanismo específico para tutelar os consumidores, 
sendo que os problemas deveriam ser solucionados pelo Código Civil (CC) de 1916, 
defensor da propriedade, do indivíduo egoísta, do poder absoluto da vontade e da 
força obrigatória dos contratos. 
 
A importância do Código de Defesa do Consumidor 
 
Resta, evidentemente, que o CDC surge para solucionar problemas como os 
destacados anterior- mente, entre tantos outros que precisam de respostas eficientes 
do sistema, pois somente um direito que tenha seu foco na pessoa humana, exigindo 
uma postura leal e ética de todos os sujeitos de direito, e que afaste pretensões 
egoístas em favor da proteção de interesses sociais será capaz de resolvê-los. 
Como se afere, e continuará a ser observado ao longo de todo este trabalho,o 
CDC abandonou a tradição individualista do direito clássico, que acreditava que todos 
eram verdadeiramente iguais e por isso, especialmente nas relações entre pessoas e 
empresas, naturalmente diferentes, não resolvia incontáveis problemas que hoje 
encontram solução naquele diploma legislativo. 
Salienta-se que o CDC surgiu em 1990, por meio da Lei 8.078, buscando a 
proteção do ser humano, e porque não, de toda a sociedade, tutelando o ser, o existir, 
em detrimento do ter, do possuir. Afastou-se assim do paradigma imposto pelo Estado 
Liberal que privilegiava a propriedade e o indivíduo egoísta, outrora analisado 
isoladamente, aproximando-se, por consequência, das premissas que informam o 
Estado Social, e isso se dá porque criou mecanismos que resolve os problemas 
ligados aos interesses das massas, dos grupos populacionais, já que o mercado, por 
si só, não possui nem nunca possuiu um mecanismo eficaz para a solução dos 
conflitos surgidos no cotidiano das relações entre fornecedores e consumidores. 
Cumpre destacar mais especificamente que as vantagens trazidas pelo CDC 
são notadas, por exemplo, no reconhecimento de que todo consumidor é vulnerável 
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7 
 
 
e, por isso, merecedor de especial proteção do Estado que, por consequência, entre 
outros, é titular ou detentor dos seguintes direitos: à revisão dos contratos assinados 
entre ele e o fornecedor, caso a economia sofra alguma alteração considerável; à 
informação clara e adequada sobre o funcionamento do produto que pretende 
comprar, bem como do preço à vista, e se a prazo, dos juros que incidirão sobre 
aquele; ao acesso a orçamento prévio e gratuito para o conserto de seu computador 
ou outro bem qualquer que necessite de reparos; à garantia de troca do produto ou a 
devolução do dinheiro pago no caso de vício no produto; à devolução de produtos 
comprados fora do estabelecimento comercial, caso o bem não lhe agrade etc. 
Observa-se que a importância do CDC na atualidade é inegável, em especial, 
por conta da ampli- tude das questões do dia a dia que são por ele regradas e 
solucionadas. 
 
Os diálogos com a Constituição Federal e o Código Civil de 2002: a tese 
do diálogo das fontes 
 
O fenômeno da constitucionalização do direito, conhecido também pela leitura 
constitucional do direito privado, deve ser compreendido como a interpretação das 
condutas previstas no CDC, e outras leis aplicáveis aos contratos privados, como é o 
caso do CC, a partir das premissas contidas no texto constitucional, especialmente 
quando estão em jogo questões ligadas à dignidade da pessoa humana ou à 
exploração dos menos favorecidos, pois parece evidente que se faz necessária à 
garantia de um patrimônio mínimo a todos os sujeitos, já que “entre a garantia 
creditícia e a dignidade pessoal, opta-se por esta, que deve propiciar a manutenção 
dos meios indispensáveis à sobrevivência” (FACHIN, 2001, p. 184). 
A leitura das relações de consumo a partir da CF assume especial relevância 
principalmente porque impõe limites ao poder de escolher o conteúdo das cláusulas 
contratuais, em razão do surgimento de ditames impositivos de conduta que não 
podem ser invocados apenas para suprir eventuais lacunas que surjam quando da 
criação da norma jurídica (NALIN, 2005, p. 102). 
O recurso ao texto constitucional, sempre necessário, mostra-se claro também 
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quando se pensa na tutela do polo mais fraco da relação jurídica, pois em um país 
formado por milhões de analfabetos em que em torno de 60 milhões de habitantes 
estão à margem da linha da miséria, não há como se sustentar que existe igualdade 
material (CATALAN, 2003, p. 376), sendo imperioso invocar o princípio constitucional 
da isonomia, que determina que todos são iguais perante a lei, reconhecendo assim, 
que as pessoas são diferentes entre si, e desse modo, ao tratar os desiguais de modo 
desigual, as diferenças existentes são respeitadas, garantindo a manutenção do 
equilíbrio das relações jurídicas e permitindo, para além do desenvolvimento 
individual, que se atinja o escopo de redução das desigualdades sociais. 
É importantíssimo, nesse contexto, destacar o papel exercido pelas diretrizes 
elevadas à condição de fundamentos da República, entre elas as que determinam a 
redução das desigualdades e a busca pela erradicação da pobreza e de modo ainda 
mais explícito o artigo 170 da CF, que limita o poder de contratar, pois nenhuma 
atividade poderá ser exercida quando se colocar em conflito com os ditames da justiça 
social (DONNINI, 2000, p. 76), ou violar os direitos dos consumidores, já que não há 
como se sustentar a presença de liberdade contratual sem que exista igualdade 
substancial. 
Como se observa, a CF sempre deverá ser invocada quando da criação da 
norma jurídica, ainda que a vontade externada pelas partes não permita que qualquer 
dúvida paire sobre ela, já que o contrato, especialmente os contratos regrados pelo 
CDC, deve atuar de modo a permitir que o homem busque sua felicidade plena, 
objetivo precípuo derivado do princípio da dignidade da pessoa humana. 
Nesse contexto, a desigualdade material acaba por justificar a ampliação da 
proteção dos direitos fundamentais na esfera privada, o que ocorre a partir da 
premissa de que a assimetria de poder prejudica as partes mais fracas durante o ato 
de contratar e seus efeitos, haja vista que quando o ordenamento deixa livres forte e 
fraco, a liberdade só existe para o primeiro, ainda que, do ponto de vista formal, o 
comporta- mento possa parecer decorrente do exercício da sua autonomia privada 
(SARMENTO, 2006, p. 273). 
Salienta-se, ainda, que o principal papel da análise do direito do consumidor à 
luz da CF está no reconhecimento de que nas relações privadas potencialmente 
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lesivas a direitos fundamentais, formar-se-á uma rede complexa de direitos e deveres, 
que se limita e se condiciona mutuamente, autorizando-se ao juiz, por meio da técnica 
conhecida por ponderação, destacar qual direito deverá prevalecer no caso concreto 
(PEREIRA, 2006, p. 143), como se afere de situações de conflito entre o direito à 
recusa de transfusão sanguínea por conta da crença religiosa e o dever que tem o 
médico de salvar a vida de seus pacientes; ou do direito à dignidade da mãe que 
carrega em seu ventre um feto que sofre de anencefalia, e que, portanto, está fadado 
a vir ao mundo sem vida, e o direito a nascer daquele que cresce dentro do útero 
materno. Dessa forma, quanto à aplicação das regras previstas nos textos 
infraconstitucionais, sempre deverá promover sua leitura a partir dos direitos 
consagrados na CF, mormente àqueles que garantem direitos básicos como a saúde, 
a moradia, a educação, a liberdade, a privacidade e a intimidade, a segurança, o 
acesso ao poder judiciário, entre outros, pois o texto constitucional contém as 
premissas necessárias que permitem a construção de uma sociedade justa e solidária. 
Entretanto, existe outro problema que merece ser analisado. Ocorre que o 
CDC, não contém todos os conceitos necessários para a adequada solução de 
inúmeros problemas que o legislador determinou que ele resolva, desse modo será 
necessário, por meio da técnica conhecida por diálogo das fontes, que sejam 
buscadas no CC e, se preciso, em outras leis que se destinam a regulamentar as 
relações entre os particulares, as premissas essenciais para a construção de decisões 
justas no processo de concreção do direito. 
Essa corrente de pensamento, desenvolvida na Europa por Erik Jayme, versa 
acerca da necessidade do diálogo das fontes existentes em busca de melhores 
respostas para os problemas surgidos no cotidiano, comunicação esta necessária em 
razão do pluralismo de mananciais a regrar um mesmo fato, de sujeitos hábeis a 
tutelar os mesmos direitos, e ainda de múltiplas respostas para um mesmo problema 
(MARQUES, 2005, p. 13). 
Por meio da aludida teoria, o CC e o CDC deverão interagirautorizando, por 
exemplo, que os elementos do contrato de compra e venda ou do contrato de 
prestação de serviços, em ambos os casos detalhados no CC, sejam utilizados para 
a solução de problemas surgidos no âmbito das relações de consumo, ou ainda que 
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a interpretação do contrato de seguro também regrado pelo CC seja feita à luz das 
regras elencadas no CDC (TARTUCE, 2006, p. 496), desse modo permitindo-se a 
proteção de um consumidor naturalmente vulnerável, por isso mesmo protegido das 
práticas abusivas do mercado. 
 
A superação do conceito de microssistema isolado 
 
Em razão de tudo o que se viu até este momento cumpre destacar, por fim, que 
é equivocado tratar o CDC como um microssistema, ou no mínimo que ao assim 
denominá-lo deve-se atentar aos diálogos possíveis e necessários com as regras 
previstas em outros dispositivos legais, pois a ideia de microssistema isolado implica 
em restrições na atividade hermenêutica ou interpretativa, pois impede que conceitos 
e regras sejam buscados em outros textos legais que não aquele que é o principal – 
mas não o único – para regrar o problema ocorrido no mundo dos fatos. 
Em que pese para fins didáticos, a análise do direito do consumidor deve-se 
amparar princi- palmente no conteúdo previsto no CDC, em verdade, o direito não 
pode ser visto como um armário composto por incontáveis gavetas que contém em 
cada uma delas uma vertente ou um ramo daquele, que só podem ser abertas uma 
de cada vez. Ao contrário, o direito enquanto ciência é um só e suas regras e princípios 
devem ser utilizados como um todo. 
Desse modo, respeitadas as peculiaridades de cada caso surgido no mundo 
concreto e submetido ao controle do Poder Judiciário, os mais distintos ramos do 
direito deverão atuar de modo a buscarem a solução mais justa na solução daquele, 
possibilitando assim que as partes alcancem a tão almejada e necessária justiça e, 
por consequência, que ocorra a pacificação social. 
 
Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor 
 
A caracterização da relação de consumo 
 
É importantíssimo delimitar o campo de atuação do Código de Defesa do 
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Consumidor (CDC). De fato, considerando-se que este nem sempre será o texto 
legislativo aplicável para solucionar os problemas surgidos no cotidiano das relações 
jurídicas pactuadas entre particulares. 
Assim, poderá ocorrer que a lei aplicável à relação entre particulares seja o 
Código Civil (CC), em regra, determinando a solução dos problemas surgidos em 
contratos ajustados entre iguais, como ocorre quando alguém vende sua casa ou seu 
carro para outrem, e ainda, para resolver questões ligadas à paternidade, aos 
alimentos, ao casamento, à posse, à herança etc., ou, ainda, que a norma aplicável 
seja a Lei de Locação, aplicável nos casos em que exista contrato de locação de 
imóveis residenciais e comerciais entre particulares; aplicando-se o CDC apenas nos 
casos em que estiver caracterizada a relação de consumo, pois essa lei trata apenas 
dos problemas aí surgidos. 
É dessa relação que se passa a cuidar, a partir desse momento, salientando 
que a mesma é carac- terizada a partir da leitura das partes que a compõe: de um 
lado o consumidor e de outro o fornecedor, além do elemento teleológico. 
Neste momento, é interessante destacar que o conceito de consumidor se 
divide em quatro modalidades distintas, reflexo este da preocupação do legislador 
com o fenômeno denominado despersonalização do direito privado. 
 
O consumidor como destinatário final 
 
O primeiro conceito de consumidor é o mais fácil de se apreender, e o que em 
regra, mais aparece nos problemas cotidianos. 
Consoante se extrai do artigo 2.º da Lei 8.078/90, “Consumidor é toda pessoa 
física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviço como destinatário final”, 
desse modo afere-se que o legislador optou por considerar o consumidor a partir da 
ideia de personagem que adquire produtos ou contrata serviços disponíveis no 
mercado, visando ao atendimento de uma necessidade pessoal (GRINOVER, 1998, 
p. 25). 
Como exemplo de consumidor em sentido estrito, pode-se pensar nos casos 
de aquisição de material escolar pelo estudante em livrarias, de compra no comércio 
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de eletrodomésticos pela dona de casa ou de combustível nos postos de gasolina pelo 
condutor do automóvel, da contratação de uma consulta médica ou odontológica 
particular, dos serviços de uma escola particular, da aquisição de um apartamento na 
planta ou de uma casa nova pronta para entrega. 
Salienta-se, inicialmente, que não há restrição quanto à possibilidade da 
pessoa jurídica ser tratada como consumidora, mas esse enquadramento só pode ser 
realizado quando esta seja também destinatária final do produto ou serviço adquirido, 
ou seja, que estes não sejam utilizados como objetos que atuem no processo 
produtivo. Imagine-se, como exemplo, a empresa que contrata a prestação de 
serviços de limpeza ou que compra do fornecedor os uniformes para vestir seus 
funcionários. 
 
A coletividade de pessoas 
 
A segunda vertente do tema é caracterizada pela coletividade de pessoas, 
ainda que não possam ser individualizadas, desde que tenham participado de 
qualquer forma de uma relação de consumo, ou seja, das pessoas que de um modo 
geral são potenciais consumidoras de produtos ou serviços colocados no mercado, 
analisadas enquanto grupo ou entre coletivo. 
O ponto de partida dessa ampliação da noção de consumidor encontra-se na 
observação de que muitas pessoas, mesmo sem ser parte em um contrato regido pelo 
CDC, podem ser atingidas ou preju- dicadas pelas atividades desenvolvidas pelo 
mercado (MARQUES, 1998, p. 154). 
A proteção da coletividade se mostra importante quando se imagina a 
potencialidade dos danos causados pela ingestão de um medicamento ou alimento 
nocivo à saúde, ou ainda pela aquisição de um veículo com graves problemas em seu 
sistema de freios (GRINOVER, 1998, p. 32), situações que impõe uma atuação 
preventiva por parte do Estado, e porque não de outros legitimados como o Ministério 
Público (MP), as Associações de Defesa do Consumidor (ADCON) e os Programas 
de Orientação e Proteção do Consumidor (Procons), de modo a evitar ou pelo menos 
minimizar as consequências que poderão advir de tais situações. 
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O consumidor by stander 
 
A figura do consumidor by stander foi trazida para o direito brasileiro pelo CDC, 
cuja noção encontra-se prevista no artigo 17 da referida lei, ao ditar que “para os 
efeitos desta seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. 
 expressão é oriunda dos países da common law1, sendo utilizada para referir-
se àqueles que, não sendo partes no contrato, mesmo sem ter qualquer relação com 
o “adquirente, com o usuário ou com o próprio produto” (PASQUALOTTO, 1997, p. 
79), foram lesados por este (ROCHA, 2000, p. 70). 
Desse modo, basta que alguém que não faz parte no negócio seja lesado pelo 
produto ou serviço que é objeto de relação de consumo, para que tenha direito a ser 
tutelado na posição de consumidor (MARQUES, 1998, p. 156), sendo que não se pode 
negar que é louvável o surgimento dessa categoria de consumidores por equiparação, 
justificada por conta da elevação da quantidade e gravidade dos acidentes de 
consumo (NOVAIS, 2001, p. 138). 
Como exemplo de consumidor by stander pode-se imaginar a hipótese de 
choque elétrico sofrido por quem não comprou o eletrodoméstico que entrou em curto-
circuito ou o atropelamento de um pedestre que caminhava à margem de rodovia 
pedagiada que tenha sido entregue à administração da iniciativa privada, em acidente 
causado pela má conservação da pista de rolamento. 
Exemplos concretos de consumidor by stander são colhidos no Superior 
Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu como tal a vítima de um acidente ocorrido 
em uma empresa de fogos de artifício da qual não eracliente e ainda o proprietário 
de uma casa que fora destruída por avião que prestava serviços remunerados, cuja 
ementa merece ser transcrita, ao menos em parte: “resta caracterizada relação de 
consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de 
transporte de malotes para um destinatário final”. 
 
O consumidor exposto a práticas comerciais 
 
Por fim, cumpre destacar que a quarta modalidade de consumidor prevista na 
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lei é a que assim considera aqueles que são expostos às práticas comerciais, norma 
de bastante utilidade, eis que no mundo atual a regra é a de contratação por via de 
adesão às minutas previamente elaboradas pelos fornecedores. 
Entre os exemplos que podem ser imaginados, têm-se as cláusulas abusivas 
em contratos unilateralmente redigidos, por exemplo, determinando a perda total das 
parcelas pagas em caso de falta de pagamento das últimas prestações ou declarando 
a ausência de responsabilidade do fornecedor por vícios que o produto contenha. 
Pode-se imaginar ainda a venda casada enquanto prática abusiva vedada pela lei, 
como no caso em que o fornecedor só vende o apartamento caso o consumidor 
compre também toda a mobília para o mesmo junto àquele ou outro fornecedor 
indicado pelo vendedor. 
Fato é que essa regra, prevista no artigo 29 do CDC, ultrapassa os limites 
jurídicos da conceituação do consumidor, de modo a imprimir uma noção nascida na 
política legislativa em razão da necessidade de repreensão do abuso do poder 
econômico (MARQUES, 1998, p. 157), tão frequente nas sociedades capitalistas. 
 
A outra face da moeda: caracterização do fornecedor 
 
Para a adequada delimitação da relação de consumo, falta ainda compreender 
quem é o fornecedor. De acordo com o artigo 3.º do CDC, “fornecedor é toda pessoa 
física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes 
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, 
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização 
de produtos ou prestação de serviços”; delimitando ainda as noções de produto, como 
“qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” e de serviço, como“qualquer 
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de 
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das 
relações de caráter trabalhista”. 
Observa-se, finalmente, que é irrelevante a forma como é desenvolvida a 
atividade de forneci- mento, não importando, nem mesmo, se o negócio chegou ou 
não a ser concluído, bastando, apenas, que sejam oferecidos produtos ou serviços ou 
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simplesmente elaborado um cadastro visando à atividade futura, sendo desnecessário 
mesmo que o fornecedor seja pessoa jurídica, pois até mesmo os entes 
despersonalizados deverão obedecer ao conteúdo normativo previsto pelo CDC 
(GAMA, 1999, p. 22). 
 
A autonomia privada: um instrumento de satisfação de necessidades da 
pessoa humana 
 
A ideia de autonomia da vontade reinou durante séculos enquanto vontade 
livre, dirigida pelo próprio indivíduo na condução de seu destino, sem a ingerência de 
qualquer influência externa imperativa. Aliás, em verdade, frisa-se que mesmo no 
ápice do liberalismo, esse poder não era absoluto, encontrando limites na ordem 
pública e nos bons costumes (GOMES, 1995, p. 24). 
Mais recentemente, o surgimento de novas práticas comerciais e 
especialmente o aparecimento dos contratos em massa limitaram a possibilidade de 
escolha, quer de quem se pretende eleger como parceiro negocial, quer ainda, do 
conteúdo do contrato a ser ajustado, fato este que, uma vez detectado pelo legislador, 
motivou uma maior participação do Estado, visando à proteção daquele que se 
encontra em situação de desigualdade. 
A partir da aferição dos problemas suscitados, a autonomia da vontade recebe 
novos contornos, e agora, denominada autonomia privada, sintetiza-se no poder dado 
à pessoa de autorregulamentar seus próprios interesses (SARMENTO, 2005, p. 188), 
a ser exercido de modo a não ferir as premissas resguardadas pela boa-fé objetiva, 
pelo equilíbrio material e pela função social do contrato, respeitando, desse modo, os 
ideais de justiça comutativa abarcados no texto constitucional (DONNINI, 2000, p. 73). 
Ratifica-se: a autonomia privada consiste no feixe de comportamentos que o 
indivíduo está autorizado a adotar sem que haja ingerência estatal (BOBBIO, 2003, p. 
91), no poder atribuído a cada pessoa de regular seus interesses, delimitando as 
normas de seu próprio comportamento (AMARAL, 2002, p. 77-78), poder esse a ser 
exercido não apenas por motivos egoístas, mas especialmente em razão dos 
interesses sociais; e não se deve pensar, diante dessa premissa, em supressão ou 
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16 
 
 
restrição da autonomia privada, mas sim na sua proteção, pois a intervenção estatal 
tem por objetivo precípuo permitir o desenvolvimento da pessoa humana. 
Como se observa, a autonomia privada nada mais é que um instrumento que 
permite aos indi- víduos alcançarem a concreção no mundo real dos principais direitos 
que estão garantidos na Cons- tituição Federal (CF), servindo como mecanismo que 
possibilita a satisfação de interesses individuais, econômicos ou não, e por conta 
disso, deve ser lida como expressão da concretização do princípio da dignidade da 
pessoa humana (LEONARDO, 2003, p. 73), ou seja, como um instrumento hábil a 
promover o livre desenvolvimento da personalidade de cada membro do corpo social. 
Partindo-se da premissa de que a intervenção apenas será justificada quando 
os negócios jurídicos ocuparem “territórios socialmente sensíveis” (LORENZETTI, 
1998, p. 540), é que o CDC assume relevância, haja vista que as desigualdades entre 
consumidores e fornecedores são patentes. Desse modo, diante da manifesta 
assimetria de poder entre os destinatários da lei: de um lado, o fornecedor com 
elevado grau de especialização e informação, de outro, o consumidor isolado e 
vulnerável, é que resta justificada a proteção desses. 
Salienta-se ainda que, em linhas gerais, os consumidores e fornecedores 
detêm amplo poder de contratar, por conta do valor e da amplitude garantida pelo 
sistema à livre manifestação de vontade, bastando observar, de um modo geral, sob 
pena de invalidade do negócio ajustado (NALIN, 2001, 
p. 236) ou da cláusula abusiva contida naquele, os limites impostos pelo 
ordenamento jurídico: ordem pública, bons costumes, função social, boa-fé objetiva, 
equilíbrio material etc. 
Em verdade, por conta dos abusos cometidos no passado, foi necessário criar 
um sistema de defesas e garantias de modo a impedir que os fracos sejam explorados 
pelos fortes, bem como, para assegurar o predomínio dos interesses sociais sobre os 
individuais e desse modo, os princípios tradicionais, severos e individualistas sofreram 
frequentes derrogações em proveito da justiça contratual e da interdependência das 
relações entre os homens (ANDRADE, 1949, p. 111). 
Atualmente, a autonomia privada pode ser partida em três esferas de poder 
(MARQUES, 1998, p. 45): 
´ 
 
17 
 
 
a) a liberdade de contratar ou abster-se de contratar; 
b) a liberdade de escolher o parceiro contratual; 
c) o poder de fixar o conteúdo e os limites das obrigações; de exprimir a 
vontade da forma que desejar. 
 
Ocorre que nem sempre esse poder poderá ser exercido de modo livre e 
consciente, e é daí que surge a necessidade de leis como o CDC, que cria limites para 
impedir que um dos contratantes imponha sua vontade sobre a do parceiro negocial, 
equilibrando assim, o papel das vontades de cada uma das partes. 
No primeiro caso, visualize se é possível eleger com quem contratar o 
fornecimento de serviços essenciais como água e energia elétrica, principalmente, 
quando essa atividade é exercida por apenas uma empresa, fato bastante comum em 
território brasileiro. Nessescasos, pode-se até mesmo sustentar que existe verdadeiro 
dever de contratar, pois é quase inconcebível que alguém possa ter mínimas 
condições de viver com dignidade sem esses serviços essenciais. 
Na segunda hipótese, nem sempre é possível escolher o parceiro no contrato 
ou mesmo que isso seja possível, todos os produtos ou serviços colocados no 
mercado são tão semelhantes, que será indiferente escolher um ou outro. Como 
exemplo, pode ser lembrado o serviço de telefonia celular, cujas informações são tão 
complexas e tão semelhantes como facilmente se observa da análise da publicidade 
efetuada pelas diferentes empresas que atuam no ramo, a ponto de se sustentar que 
inexiste diferença entre a opção por uma ou outra operadora, ou seja, não há liberdade 
de escolha quando o que há para se escolher é igual, ou no mínimo, muito 
semelhante. 
Enfim, quanto ao poder de estabelecer o conteúdo do negócio jurídico, não se 
nega que a prolife- ração das condições gerais dos contratos, inseridas em contratos 
a serem pactuados por adesão, ou seja, a multiplicação de negócios que são 
ajustados mediante a imposição da vontade do fornecedor sobre a do consumidor, 
por trazer as cláusulas de maneira preestabelecida em uma minuta padrão, como 
acon- tece nos contratos de compra e venda de eletrodomésticos, de seguro e de 
transporte de passageiros, entre tantos outros, acaba limitando o poder de escolha do 
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18 
 
 
polo mais fraco da relação jurídica. 
Desse modo, considerando que o contrato é “um elo que, de um lado, põe o 
valor do indivíduo como aquele que o cria, mas de outro lado estabelece a sociedade 
como o lugar onde o contrato vai ser executado e onde vai receber uma razão de 
equilíbrio e medida” (REALE, 1986, p. 10), não se pode negar a importância de limitar 
o poder da parte mais forte, de modo a permitir que a vontade manifestada por 
pessoas que são naturalmente desiguais, seja sopesada como se elas tivessem o 
mesmo poder. 
 
Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva 
 
O que são princípios? 
 
Não se pode negar que a técnica adotada pelo legislador responsável pelo 
CDC difere da seguida até então pelo direito privado brasileiro, posto que propõe a 
adoção de sistemas abertos, alcançados mediante a inserção de normas que não se 
limitam a ditar a exata conduta a ser seguida pelas partes, mas sim que dirigem por 
meio de critérios amplos, o comportamento das partes e a atividade do juiz, criando 
parâmetros para a valoração de comportamentos (TEPEDINO, 2000, p. 19). 
É imperioso destacar mais uma vez que a leitura das relações de consumo 
deve partir do contido na Constituição Federal (CF), haja vista que a Lei Maior acabou 
assumindo o papel antes reservado ao Código Civil (CC) na proteção dos indivíduos 
enquanto seres humanos (NALIN, 2001, p. 101), pois, como aquela é o centro de todo 
o sistema jurídico, há de vincular a atividade do intérprete (SICCA, 1999, p. 20) 
impondo a este o dever de sempre buscar a solução mais justa para solucionar os 
problemas surgidos na esfera dos negócios efetuados sob a proteção do CDC. 
Mesmo sem esquecer que o contrato é o mecanismo mais eficaz que se 
conhece até hoje para promover a circulação de riquezas, e que por conta disso, 
estimula toda a cadeia produtiva (ZINN, 2004, p. 141), há de se ter em conta que a 
vontade externada pelas partes ao ajustar seu conteúdo, não pode fugir aos ditames 
contidos no artigo 170 do texto constitucional (LÔBO, 1999, p. 107), que valoriza a 
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19 
 
 
defesa do consumidor. 
Resta claro que o CDC se inspirou na Constituição Federal (CF), de modo 
dúplice, pois absorveu valores contidos na Lei Maior, entre eles, a preocupação com 
a dignidade da pessoa humana e com a proteção do vulnerável, respeitando, desse 
modo, os direitos fundamentais assegurados aos indivíduos e, ao mesmo tempo, 
utiliza-se da mesma técnica legislativa, ao apresentar-se como um sistema aberto, 
recheado por diretrizes de natureza principiológica, previstas na lei sob a forma de 
cláusulas gerais. 
Cumpre destacar que tais cláusulas impedem a proliferação de espaços em 
branco, sem expressa solução, que poderiam surgir com o passar do tempo e com a 
mudança de comportamento dos membros da sociedade. 
É importante neste ponto chamar a atenção para a quebra do paradigma 
interpretativo. Esse novo modelo determina que caberá ao juiz (CAVALIERI FILHO, 
2000, p. 97-108), por conta do espaço deixado para o exercício de sua criatividade, 
ditar não apenas a consequência do ato praticado em desrespeito ao ordenamento, 
mas criar todo o comando normativo a ser observado pelos contratantes, por conta da 
necessidade de preencher a moldura prevista pela lei, mas que encontra-se 
desprovida de expressa sanção, ou seja, que está balizada de modo aberto, sem que 
exista pena prevista de modo expresso e anterior para a hipótese de sua violação. 
A opção legislativa permite a aplicação dos princípios, permitindo ao julgador 
situar-se a uma menor distância dos cidadãos, em verdade, transformando-o em 
efetivo agente político quando lhe outorga poderes para promover justiça distributiva 
com fulcro em diretrizes preestabelecidas, o que parece bastante positivo em um 
Estado Democrático de Direito que apregoa o acesso à ordem jurídica justa. 
Afere-se que o legislador mostrou-se sensível à realidade hoje vivida, optando 
por conceitos fle- xíveis como os “usos do lugar”, “circunstâncias do caso”, “equidade”, 
“desproporção manifesta”, que entre outras expressões abertas, permitem ao 
intérprete descer ao plano do concreto (COSTA, 2003, p. 8), para decidir não mais 
com base na letra fria da lei, mas, sim, iluminado pelos valores que permeiam as 
relações sociais. 
É inegável que o Direito do Consumidor, para além de ter sido construído 
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20 
 
 
enquanto sistema aberto se ampara em princípios que auxiliam no processo de 
interpretação e de concreção da norma jurídica, sendo relevante destacar, ainda que 
sucintamente, o que são princípios e qual sua importância no atual estágio de 
desenvolvimento da ciência do direito. 
Miguel Reale (1977, p. 299) assevera que “princípios são verdades fundantes 
de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por 
terem sido comprovadas”, ideia ratificada por Rui Portanova (1997, p. 14), ao afirmar 
que “princípios não são meros acessórios interpretativos [mas sim] enunciados que 
consagram conquistas éticas da civilização e, por isso, estejam ou não previstos na 
lei aplicam-se cogentemente a todos os casos concretos”. 
São assim, normas nascidas nas crenças e convicções da sociedade acerca 
de seus problemas fundamentais de organização e convivência (DÍEZ-PICAZO; 
GULLÓN, 1994, p. 145), concebidas como padrões vinculantes, que por conta de seu 
elevado grau de vagueza e indeterminação, necessitam de ações concretizadoras 
(CANOTILHO, 1999, p. 1086-1087) para que possam dar a melhor solução para cada 
caso concreto que seja levado à interpretação do magistrado, por conta do conflito 
surgido. 
Parece claro, a partir dessa noção, que os princípios devam ser vistos como 
fontes do direito, aplicáveis em qualquer procedimento interpretativo e, nesse 
contexto, qualquer reflexão que ignore ou mitigue a importância dos princípios para a 
ciência jurídica há de ser afastada, pois, muitas vezes, as regras (norma fechada 
dotada de conduta e sanção) têm nos princípios o ente que lhes dão essência e que 
lhes transmite a base necessária para sua justa aplicação diante do caso concreto. 
Enfim, por meio dos princípios, mormente os consagrados na Constituição, 
deverá o intérprete, aferir se o negócio pactuado respeita a“valores 
existenciais”(LOEWENSTEIN, 1970, p. 390), para somente em momento posterior, e 
na necessária presença desse aspecto humanístico, julgar sua eficácia patri- monial 
(NALIN, 2001, p. 36). 
 
Todo consumidor é vulnerável? 
 
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21Durante muito tempo, o Estado Liberal amparou-se no pilar da igualdade 
formal, não se permi- tindo ao juiz alterar o negócio pactuado em razão de eventual 
desequilíbrio na correlação de direitos e deveres assumidos pelas partes no contrato 
por elas ajustado, já que esse fazia lei entre as partes. 
Rompendo com o paradigma da igualdade, o CDC prevê em seu artigo 4.º, I, 
que todo consu- midor é vulnerável, criando-se, a partir dessa premissa, uma série de 
limites que balizam o exercício da autonomia privada, atuando ainda na busca do 
reequilíbrio das obrigações assumidas pelas partes quando necessário, em 
homenagem à igualdade material, posto que consumidor e fornecedor, como visto até 
aqui, são naturalmente desiguais. 
Reafirma-se: todo consumidor é vulnerável, pelo menos, perante o 
microssistema vigente, e vulnerável porque faz parte de um grupo heterogêneo e 
pouco coeso, e que por conta disso, acaba por se sujeitar às práticas negociais 
impostas por fornecedores que atuam corporativamente, mesmo quando agem de 
modo autônomo, pois, nesses casos, em regra são bastante organizados. Em razão 
de tais fatos, a Lei 8.078/90 cria presunção legal (iure et iure) de vulnerabilidade, que 
segundo Cláudia Lima Marques (1998, p. 147) divide-se em três espécies: técnica, 
jurídica e fática. 
A vulnerabilidade técnica se explica em razão de o consumidor não possuir 
conhecimentos específicos do produto que está adquirindo; a jurídica, por não ter 
conhecimento jurídico, contábil ou econômico, que a situação exija; e a fática, nasce 
do confronto do poder econômico do fornecedor frente ao consumidor, impondo-lhe 
preços e condições manifestamente desfavoráveis (MARQUES, 1999, p. 147). 
A autora – citada no parágrafo anterior – parece ter razão na tripartição do 
princípio analisado, pois é bem provável que os usuários de telefonia celular ou de 
televisão a cabo não tenham a mínima ideia de como os dados são transmitidos, e 
mesmo dos demais detalhes de funcionamento de qualquer uma das empresas que 
atuem nos aludidos ramos, ou ainda, como um profissional liberal irá prestar o serviço 
contratado (vulnerabilidade técnica); sujeitam-se às cláusulas abusivas contidas em 
contrato celebrado por adesão e ainda no caso de litígio normalmente veem como 
representante do fornecedor um profissional altamente especializado (vulnerabilidade 
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22 
 
 
jurídica); e, por fim, não tem como lutar isoladamente contra os abusos praticados 
pelo mercado em razão da formação de monopólios ou cartéis (vulnerabilidade fática), 
dificuldade esta que pode manifestar-se em situações mais simples, como o caso de 
imposição implícita do foro competente para a apreciação do feito pelo fornecedor, 
situação que, aliás, poderá ser conhecida de ofício pelo juiz em razão da proteção 
dada pelo sistema ao polo mais fraco da relação negocial, seja porque as normas que 
compõe o CDC são consideradas de ordem pública, portanto não podem ser 
afastadas pela vontade das partes, seja por expressa disposição da atual redação do 
artigo 112 do Código de Processo Civil (CPC), que em seu parágrafo único dita que 
“a nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada 
de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”. 
Um belo exemplo de reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é dado 
pela justiça mineira, ao decidir que não tem: [...] qualquer validade ou eficácia a 
cláusula contratual estipulada em contrato de abertura de crédito em conta corrente, 
por adesão, a beneficiar a entidade financeira em prejuízo do cliente, desde que 
impossibilite ou dificulte o acesso desse à justiça [e havendo] desequilíbrio entre as 
partes, gerado pela cláusula de eleição de foro, tem-se a mesma como inexistente e, 
nessa hipótese, no lugar de tal cláusula, tem aplicação à regra especial de 
competência estabelecida pelo Código de Consumidor, prevalecendo a do domicílio 
do aderente [...]. (TAMG, Ai 218.224-9) 
Fato é que pode até mesmo afirmar-se que a vulnerabilidade do consumidor é 
sua característica mais marcante, o que segundo um dos autores do anteprojeto do 
CDC justifica a existência dessa lei (BENJAMIN, 1992, p. 8), destacando-se, por fim, 
que vulnerabilidade não pode ser confundida com o conceito de hipossuficiência, 
também importante para as pretensões almejadas pelo microssistema, salientando-
se que esse último conceito se sintetiza pela ampliação da noção do princípio 
estudado, por conta de características especiais do destinatário da lei. 
A hipossuficiência é assim, a manifestação ampliada da vulnerabilidade, ou 
uma situação de exceção que confere ainda mais proteção ao consumidor que se 
enquadra em tal conceito. Como exemplo de consumidor hipossuficiente, têm-se as 
crianças e idosos, esses últimos, muitas vezes, não resistindo a alguns apelos 
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23 
 
 
publicitários, como promoções na venda de medicamentos. 
É por ser o consumidor vulnerável que se impõe ao fornecedor uma série de 
limites no que pertine ao conteúdo dos contratos de consumo, que se justifica a 
adoção da responsabilidade objetiva para as hipóteses de acidentes de consumo, 
como quer Flávio Tartuce (TARTUCE, 2006, p. 263), ou ainda, que se explica a 
possibilidade de ajuizamento de ações coletivas para tutelar seus interesses. 
 
A tríplice função da boa-fé objetiva 
 
A boa-fé objetiva é um dos princípios mais importantes no cotidiano das 
relações negociais, devendo rechear todos os negócios jurídicos nascidos da livre 
vontade manifestada pelas partes. No Brasil, embora de uso consagrado pela doutrina 
e jurisprudência, a matéria não encontrou lugar na codificação civil há pouco enterrada 
e sua aplicação explícita se deu inicialmente por força do artigo 4.º, III, e artigo 51, VI, 
do CDC, ideia hoje ratificada e ampliada pelos artigos 113, 187 e 422 do CC. 
Agir de boa-fé significa saber honrar compromissos assumidos, ou mais que 
isso, implica em um dever de fidelidade e coerência no cumprimento da expectativa 
alheia, independentemente da palavra dada ou do acordo firmado; sintetizando-se na 
atitude leal, proba e que é legitimamente esperada nas relações entre homens de bem 
(MARQUES, 1998, p. 106). 
À ideia de boa-fé objetiva deve ser atribuída tríplice função: ela atua como 
critério hermenêutico integrativo no processo de interpretação dos negócios jurídicos; 
como limite ao exercício de direitos; e como fonte de deveres laterais de conduta 
(COSTA, 2000, p. 428; AGUIAR JUNIOR, 1995, p. 25), funções essas que merecem 
melhor análise. 
Inicialmente, a boa-fé objetiva impõe ao juiz, quando se defronta com 
contradições ou obscuri- dades nas cláusulas negociais especialmente se estas 
estiverem inseridas em contratos por adesão, o dever de utilizá-la como parâmetro 
hermenêutico, imaginando como agiriam outros sujeitos em igual posição, aferindo-se 
qual seria o modelo de comportamento ideal. 
O princípio em foco atua também como fator que impõe limites ao exercício de 
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24 
 
 
direitos subjetivos e potestativos, posto que visa preservar a integridade das partes, 
impedindo assim, abusos que possam desnaturar o equilíbrio entre as prestações, 
isso significa a aceitação da intervenção de elementos externos atuando na intimidade 
da relação jurídica entabulada, limitando os efeitos da vontade manifestada por cada 
uma das partes e o exercício dos direitos subjetivos daí derivados (AGUIAR JUNIOR, 
1995, p. 24), sendo que aparentemente é aqui que ingressa o comando previsto no 
artigo 4.º, III, do CDC na medida em que impõe limites ao exercício da autonomia 
privada, bem como o artigo 51 da mesma lei, quando em seu inciso IV afirma ser nula 
a cláusula que estabeleça obrigação iníqua, abusiva ou que seja incompatível com a 
boa-fé. 
Desse modo, enquanto atua como norteadora das relações jurídicas, a boa-fé 
“limita, em certos casos, o exercício de direitos” (COSTA,2002, p. 634), destacando-
se que tal função é deveras importante, pois diante dos fenômenos da funcionalização 
e da massificação do contrato, instrumentalizados mediante a estandardização das 
cláusulas contratuais, fizeram-se necessárias novas formas de controle das cláusulas 
negociais que, em princípio, à luz da teoria clássica, não poderiam ser objeto de 
discussão pelo aderente (AMARAL JUNIOR, 1993, p. 29-30). Saliente-se que a boa-
fé, nesse caso, atua ainda como fonte da teoria dos atos próprios, por exemplo, 
proibindo comportamentos contraditórios que ao frustrar a confiança do consumidor, 
traga prejuízo a este. 
Quanto à tripartição do tema em estudo, mencione-se por fim que a boa-fé atua 
como fonte de deveres de conduta que se impõe às partes, posto que o princípio em 
questão é fonte dos deveres laterais de informação (ALTERINI, 1996, p. 13), de 
advertência, de conservação, de proteção e de custódia (TOMASETTI JUNIOR, 1995, 
p. 16), e ainda dos deveres de cuidado, de aviso e esclarecimento quanto ao 
adequado uso da coisa, de prestar contas, de colaboração e cooperação e omissão; 
que também poderão ser extraídos dos comandos previstos no CDC. 
Como exemplos de deveres laterais pode ser pensado o dever do advogado 
em não divulgar dados sigilosos acerca de entrevista anteriormente promovida com 
cliente traído pelo cônjuge (sigilo), o imposto ao fornecedor quanto à adequada 
informação sobre o uso dos produtos comercializados (informação), o imposto ao 
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credor no que pertine a não dificultar o adimplemento da obrigação (coo- peração), o 
que sujeita o lojista a informar sobre problemas físicos no interior de seu 
estabelecimento comercial (aviso) e a providenciar o que for necessário para que seus 
clientes não se tornem vítimas de eventual acidente de consumo em suas 
dependências (segurança). 
Os tribunais brasileiros têm valorizado dia a dia o papel da boa-fé enquanto 
fonte de deveres laterais, como pode ser visto neste julgado bastante didático: o 
cliente do estabelecimento comercial, que estaciona o seu veículo em lugar para isso 
destinado pela empresa, não celebra um contrato de depósito, mas a empresa que se 
beneficia do estacionamento tem o dever de proteção, derivado do princípio da boa-
fé objetiva, respondendo por eventual dano (STJ REsp 107.211). 
Como se vê, o dever violado nesse caso foi o dever lateral de cuidado ou 
proteção, na hipótese, impondo-se à empresa o dever de reparar os danos suportados 
pelo consumidor. 
 
Transparência, confiança e equidade 
 
O princípio da transparência 
 
O princípio da transparência encontra-se previsto de modo explícito no Código 
de Defesa do Consumidor (CDC), consoante teor do artigo 31, representando uma 
grande conquista social, que dita que: A oferta e apresentação de produtos ou serviços 
devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua 
portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, 
garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos 
que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. 
A diretriz em foco concretiza-se no dever imposto ao fornecedor de informar o 
consumidor acerca de dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação e 
conteúdo à oferta e às mensagens publicitárias, ou no dever de veracidade (CUNHA, 
1999, p. 72), enquanto corolário da boa-fé objetiva. 
Segundo ensina Alcides Tomasetti Junior (1992, p. 53), o princípio da 
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transparência faz alusão a uma situação informativa favorável à apreensão racional 
dos impulsos que interferem nas expectativas e no comportamento do consumidor. 
Nesse contexto, será inconcebível, no campo das relações de consumo, que 
um ato negocial não seja compreendido desde seu nascimento, por falta de clareza, 
mormente por conta da capacidade de persuasão do fornecedor (ROSA, 1995, p. 39). 
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), já reconhece a presença desse princípio 
no ordenamento jurídico, como se denota desta passagem: 
a) o da transparência, segundo o qual a informação clara e correta e a lealdade 
sobre as cláusulas contratuais ajustadas, deve imperar na formação do negócio 
jurídico; 
b) o de que as regras impostas pelo SFH para a formação dos contratos, além 
de serem obrigatórias, devem ser interpretadas com o objetivo expresso de 
atendimento às necessidades do mutuário, garantindo-lhe o seu direito de habitação, 
sem afetar a sua segurança jurídica, saúde e dignidade; 
c) o de que há de ser considerada a vulnerabilidade do mutuário, não só 
decorrente da sua fragibilidade financeira, mas, também, pela ânsia e necessidade de 
adquirir a casa própria e se submeter ao império da parte financiadora, econômica e 
financeiramente muitas vezes mais forte. [...] 
 
A transparência nasce, em última análise, no direito que o consumidor tem de 
ser respeitado, podendo ser invocada como fundamento que autorize a resolução 
contratual, bem como, para obrigar o fornecedor a indenizar o consumidor (REIS, 
2005, p. 128), especialmente quando implicar no cumpri- mento inexato da obrigação, 
hipótese que se manifesta quando o contrato é cumprido, mas o objeto ou o serviço 
prestado encontra-se viciado (CATALAN, 2005), como se pode verificar no caso da 
venda de um terreno em que foi enterrado há muito tempo lixo tóxico, ou mesmo, em 
cuja vizinhança será instalado um aterro sanitário, sem que o comprador saiba de tal 
fato. 
Muitas vezes, o juiz poderá ter ainda que reconstruir a cláusula declarada nula 
(MARQUES, 1998, p. 412), aliás, se possível, deverá por força do princípio do favor 
negotii, no vernáculo, princípio da conservação do negócio jurídico, como pode ocorrer 
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no caso de um contrato de locação pactuado com aluguel indexado ao salário mínimo, 
o que é proibido pelo artigo 17 da Lei 8.245/91, ou na compra e venda de um imóvel 
com pagamento ajustado em moeda estrangeira, o que é vedado pelo artigo 318 do 
Código Civil (CC), invocado aqui em sede de diálogo de complementaridade, se o 
negócio jurídico a ser purgado da cláusula viciada, se apresentar enquanto relação de 
consumo. 
Destaca-se, ainda, sobre o assunto, que o aludido princípio se manifesta diante 
da impossibilidade de se obrigar o consumidor a obedecer ao conteúdo de cláusulas 
contratuais que não teve prévia oportunidade de ler e entender, como ocorre no caso 
de ausência de informação quanto aos critérios de reajuste do prêmio mensal a ser 
pago pelo consumidor que contrata plano de saúde, ou que, se limitativas de seu 
direito, não tenham sido grafadas em destaque. 
 
O princípio da confiança 
 
A ideia de confiança está ligada à necessidade de tutela das legítimas 
expectativas que nascem entre os contratantes. Para explicar a influência desse 
princípio, não se pode negar que os motivos da contratação, quando razoáveis e 
circunscritos à boa-fé objetiva, integram a relação contratual, prote- gendo as 
legítimas expectativas do consumidor, e desse modo, a fidúcia, de um modo geral, tão 
neces- sária nas relações comerciais, aqui também é condição essencial ao regular 
adimplemento das condi- ções e cláusulas pactuadas entre as partes, cuja leitura deve 
ser promovida à luz do que o consumidor razoavelmente poderia esperar do 
fornecedor, seja em razão do que foi expressamente ajustado entre partes ou por 
conta do comportamento assumido pelas partes durante o cumprimento do contrato. 
A título de exemplo, pode-se imaginar que uma vez ajustado o pagamento das 
prestações devidas por ocasião da compra e venda de imóvel junto à empresa 
loteadora na sede do fornecedor, caso este renuncie a esse direito e passe 
mensalmente a dirigir-se ao domicílio do consumidor para receber as prestações 
diante da confiança depositada, nas novas circunstâncias negociais, o credor não 
mais poderá exigir que a obrigação seja cumprida em sua sede. 
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É ainda, em razão da confiança depositada pelo consumidor na manutenção 
dos contratos cativos de longa duração, que se justifica a impossibilidade da empresa 
de plano de saúde de impor um prazo final ao mesmo quando não haja justificada 
razão para esse ato. Explicando essa última ideia, o Tribunal de Justiça do Rio Grande 
do Sul (TJRS) decidiu que (Ac. 70004859146): [...] é vedado à seguradora a negativa 
de renovação do contrato de assistência médica pela simples justificativa de ausência 
de interesse na sua renovação [sendo] necessário seja demonstrada a modificação 
da natureza dos riscos assumidos ou da composição do grupo segurado, ônus do qual 
não se desincumbiu a seguradora [...]. 
Além disso, frisa-se que o CDC preocupou-se com o cumprimento do referido 
princípio a ponto de determinar que o risco é de quem oferta e não daquele que 
adquire o produto ou o serviço, sendo também, nesse princípio, que se encontra o 
fundamento da obrigatoriedade do cumprimento da oferta, que deve ser obedecida 
pelo fornecedor em sua exatidão, como se verifica na leitura do artigo 30 do citado 
diploma legal: Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por 
qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos 
ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integrar 
o contrato que vier a ser celebrado. 
A inobservância desse princípio pode disparar a sanção para o caso de 
existência de vício do produto ou serviço, autorizando o consumidor a devolver o 
produto e receber o preço pago devidamente corrigido, a requerer o abatimento 
proporcional do preço ou ainda a exigir a substituição do produto ou a reexecução do 
serviço, consoante previsto no CDC, sem prejuízo da reparação de eventuais danos 
materiais ou extrapatrimoniais, nessa última hipótese, desde que haja violação a 
direito da personalidade; destacando-se que todo o conteúdo da mensagem 
publicitária integra o conteúdo do contrato, especialmente se seus destinatários forem 
induzidos a acreditar nela. 
Sobre o assunto é imperioso destacar que recentíssima decisão proferida pelo 
TJRS, fora ampliada a garantia legal para além dos prazos fixados no CDC, fazendo 
isso em lei em razão da necessidade de proteção da confiança depositada no 
cumprimento do contrato de modo adequado, que no caso específico, não se encerra 
´ 
 
29 
 
 
com a entrega do bem, mas, sim, na certeza de que este será usufruído por prazo 
razoável, pois cada produto carrega consigo uma expectativa de durabilidade, a ser 
aferida em caso concreto (TJRS. Ap. Cível 70014964498). 
 
A importância do princípio da equidade no contexto do CDC 
 
Equidade significa, em essência, regra de equilíbrio, de paridade entre as 
partes, considerando-se que, naturalmente, consumidor e fornecedor são desiguais, 
o princípio em comento tem papel especial no reequilíbrio da relação negocial. 
Desse modo, esse importante princípio, em apertada síntese, deve buscar 
reequilibrar os polos da relação jurídica, pois o consumidor sempre estará em situação 
desfavorável, desde a fase pré-contratual em razão da oferta e das mensagens sub-
reptícias nela contidas, passando por todo o processo que vai da conclusão à 
execução do negócio jurídico, expandindo-se até a fase pós-contratual, impondo-se 
nesse caso, por exemplo, o dever do fornecedor manter no mercado por prazo 
razoável peças de repo- sição para os bens que produz (obsolescência planejada). 
Nessa esteira de reflexão, o referido princípio justifica ainda, a inserção de 
dispositivos no CDC, como o que impõe a revisão dos contratos por simples 
onerosidade, autorizando a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam 
prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as 
tornem excessivamente onerosas. Destacando-se que sobre o tema em apreço, 
Antônio Carlos Efing (2005, p. 63) leciona que na medida em que o contrato 
apresenta-se como instru- mento hábil a promover a circulação de riquezas é evidente 
que o princípio da força obrigatória dos contratos na sociedade moderna resta 
mitigado, haja vista a preponderância do interesse social em detrimento do individual, 
sendo hialino que a sociedade não possa aceitar posições que violem o equi- líbrio 
que há de imperar nas relações negociais. 
Não se nega que também viola o equilíbrio material a cláusula que autoriza a 
possibilidade de supressão de cláusulas abusivas (EFING, 2005, p. 63) 
eventualmente contidas no contrato pactuado, nesse caso, ampliando a força da boa-
fé enquanto limite ao exercício inadmissível de posições jurídicas. 
´ 
 
30 
 
 
De fato, não se pode negar que é com base no princípio da equidade, também 
denominado princípio do equilíbrio ou da equivalência material, que fora construída 
boa parte do rol das cláusulas abusivas constantes no artigo 51 do CDC, podendo ser 
lembradas, como exemplo, as que declaram como nulas as disposições que 
impliquem em renúncia a direitos inerentes ao negócio entabulado, limitem o quantum 
indenizatório, ou ainda afastem os direitos garantidos pela lei especial. 
Por fim, merece análise uma decisão recente proferida pelo STJ, que, tendo 
promovido um diálogo de exclusão, decidiu que não se aplicam aos contratos 
subordinados o CDC as regras inerentes à compra e venda ad corpus: Contrato de 
compra e venda de imóvel regido pelo CDC. Referência à área do imóvel. Diferença 
entre a área referida e a área real do bem inferior a um vigésimo (5%) da extensão 
total enunciada. Caracterização como venda por corpo certo. Isenção da 
responsabilidade do vendedor. Impossibilidade. Interpretação favorável ao 
consumidor. Venda por medida. Má-fé. Abuso do poder econômico. Equilíbrio 
contratual. Boa-fé objetiva. 
– A referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel 
adquirido na planta regido pelo CDC não pode ser considerada simplesmente 
enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no contrato e 
a área real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada, devendo a 
venda, nessa hipótese, ser caracterizada sempre como por medida, de modo a 
possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento proporcional do 
preço ou a rescisão do contrato. 
– A disparidade entre a descrição do imóvel objeto de contrato de compra e 
venda e o que fisicamente existe sob titu- laridade do vendedor provoca instabilidade 
na relação contratual. 
– O Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão 
do abuso do poder econômico, com o objetivo de compatibilizar os objetivos das 
empresas com a necessidade coletiva. 
– Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das 
cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a interpretação mais favorável ao 
consumidor, que não participou da elaboração do contrato, [devendo ser] 
´ 
 
31 
 
 
consideradas a imperatividade e a indisponibilidade das normas do CDC. 
– O juiz da equidade deve buscar a Justiça comutativa, analisando a qualidade 
do consentimento. 
– Quando evidenciada a desvantagem do consumidor, ocasionada pelo 
desequilíbrio contratual gerado pelo abuso do poder econômico, restando, assim, 
ferido o princípio da equidade contratual, deve ele receber uma proteção 
compensatória. 
– Uma disposição legal não pode ser utilizada para eximir de responsabilidade 
o contratante que age com notória má-fé em detrimento da coletividade, pois a 
ninguém é permitido valer-se da lei ou de exceção prevista em lei para obtenção de 
benefício próprio quando este vier em prejuízo de outrem. [...] 
Como se afere, lembrando que salvo melhor juízo, o diálogo de exclusão 
afastaria a aplicação de regras que contrariem o sistema, não podem ser aplicadas às 
relações de consumo, as disposições que regem a compra e venda ad corpus, pois 
nos contratos de aquisição de imóveis na planta, notadamenteregrados pelo CDC, a 
referência à área do imóvel não pode ser considerada como meramente enunciativa, 
sob pena de provocar instabilidade na relação contratual, especialmente por conta do 
elevado valor praticado pelo mercado na comercialização do metro quadrado de 
construção. 
 
Os direitos básicos do consumidor 
 
O conflito entre a teoria finalista e a maximalista e a orientação do 
Superior Tribunal de Justiça 
 
Como dar uma resposta satisfatória para a hipótese em que um aluno e um 
professor adquirem, ao mesmo tempo, e no mesmo estabelecimento, canetas 
idênticas, este para corrigir suas provas, portanto, em princípio utilizando o objeto para 
desenvolver sua atividade profissional, e aquele para estudar, sendo destinatário final 
fático na cadeia de consumo; canetas estas que, por conta de defeito de fabricação, 
vazam tinta que mancham as vestes dos dois destacados personagens, causando-
´ 
 
32 
 
 
lhes os mesmos prejuízos de ordem material (NUNES, 2000, p. 77-89). 
Esse problema de destinação diversa de um mesmo objeto pode ser visto ainda 
na aquisição de combustível, que tanto pode ser utilizado para abastecer um 
automóvel para uma viagem de lazer, como para encher o tanque de outro carro que 
é utilizado na atividade econômica de uma empresa de transporte de passageiros, ou 
mesmo, na utilização de energia elétrica, que é exatamente a mesma em uma 
residência familiar e em uma empresa que atua no ramo imobiliário e que precisa 
desse bem para atender adequadamente seus clientes e movimentar parte de sua 
estrutura. 
Como se observa, a caracterização da relação de consumo precisa ser 
elucidada neste momento, mormente, quando da análise da pessoa jurídica ou dos 
empresários enquanto consumidores, pois existe ainda hoje, quase duas décadas 
após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC), divergência 
quanto ao sentido da expressão destinatário final; noção essencial para efeito de 
aplicação da citada Lei. A discussão é travada entre três principais correntes. 
Os defensores da tese maximalista atribuem interpretação extensiva à ideia, 
sustentando que a expressão destinatário final se divide em destinatário fático e 
destinatário econômico (BESSA, 2007, p. 54). 
Escoram suas ideias na premissa que dita que a aquisição de um bem ou 
serviço caracteriza a relação, sendo irrelevante se o objeto ou a atividade tenham sido 
contratados pelo particular ou para ser utilizados em uma atividade econômica ou 
profissional (ANDRIGHI, 2004, p. 6). Afirma-se desde já que a adesão a essa linha de 
pensamento é minoritária, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. 
Por sua vez, os finalistas defendem sua tese a partir do destino dado ao objeto 
da prestação desempenhada, distinguindo-o de um lado em bem de consumo e do 
outro como insumo, esse último, caracterizado por aqueles bens que serão 
transformados ou que serão necessários à transformação de outros no processo 
produtivo, como ocorre no caso de aquisição de tecido por certa empresa, para 
confeccionar camisas ou calças, e ainda, da energia elétrica necessária para o 
funcionamento das suas máquinas. Tal corrente sustenta que se aplica o CDC quando 
o bem adquirido não seja transformado ou incorporado a outro, mas sim seja utilizado 
´ 
 
33 
 
 
instrumentalmente, como é o caso de computadores e de todo o material de escritório 
utilizado em uma imobiliária (PASQUALOTTO, 2005, p. 134). 
A terceira corrente é ainda mais restritiva, sendo sua precursora a professora 
Cláudia Lima Marques, e é conhecida por teoria do finalismo aprofundado, por meio 
da qual a vulnerabilidade do consumidor deverá ser analisada em concreto quando 
este for uma pessoa jurídica (2002, p. 347-353). Nesse condão, considerando-se que 
o CDC é uma lei para desiguais, há de se ter cautela para aplicá-lo em uma relação 
jurídica negocial existente entre duas empresas, especialmente por conta dos 
princípios sobre os quais foram construídas as fundações do Código Civil (CC), que 
garante tratamento justo e equitativo a todos os participantes da relação jurídica 
(MARQUES, 2005, p. 74), mas que não se esquece que é uma lei para solucionar 
problemas surgidos no âmbito dos contratos entre iguais. Saliente-se que essa 
pesquisa constatou que as últimas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) 
seguem essa vertente doutrinária, como se observa do seguinte julgado: 
A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação 
do CDC à pessoa jurídica empresária excepcionalmente, quando evidenciada a sua 
vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparação, nas situações previstas pelos 
artigos 17 e 29 do CDC. [...]. (AgRg no REsp 687.239 / RJ) 
As principais dúvidas ecoam no conflito entre as duas últimas teorias 
apontadas, não se podendo afirmar que uma prevalece sobre a outra, mas que a 
nosso ver ambas se complementam. 
Nesse condão, aparentemente alguns autores, a partir da análise teleológica 
da questão, sustentam que o Poder Judiciário deverá reconhecer a vulnerabilidade da 
pequena empresa e dos profissionais liberais quando esses adquirem produtos ou 
serviços que fogem da sua esfera de especialidade, aplicando por consequência o 
CDC (LIMA, 2003, p. 61), tese essa que em princípio responde as questões suscitadas 
no início deste capítulo e que versam sobre a aquisição de um mesmo produto ou 
serviço por pessoa natural e jurídica, dando aos mesmos idênticos tratamentos. 
Nesse sentido, há um julgado interessante proferido no Superior Tribunal de 
Justiça (STJ) que equipara o pequeno agricultor, considerado como empresário pelo 
CC, a consumidor, na hipótese desse ter adquirido adubo para preparar o plantio da 
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34 
 
 
safra futura, considerando ainda que aquele consumiu o bem comprado. 
Uma outra resposta interessante à apontada crise é dada pela professora 
Heloísa Carpena (2004, p. 29-48) ao defender que quando o bem adquirido ou o 
serviço contratado for considerado essencial, como é o caso de fornecimento de água 
e de energia elétrica, especialmente se exercidos por meio de monopólio, o 
consumidor, seja ele pessoa física ou jurídica, será sempre vulnerável, em razão da 
imprescindibilidade do serviço. 
Como se afere do debate trazido à análise, a resposta para a questão, que 
busca aferir qual a melhor ideia de destinatário final e o campo de aplicação do CDC, 
ainda está por ser encontrada. 
 
Os direitos básicos do consumidor 
 
Superadas as dúvidas iniciais acerca do âmbito de atuação do CDC, bem 
como, promovida uma profunda análise de sua principiologia, e, da melhor forma de 
interpretar a lei estudada, cumpre, a partir de agora, promover um longo passeio pelas 
estradas que singram o direito do consumidor, viagem essa que começa na análise 
de seus direitos básicos, previstos expressamente no artigo 6.º da Lei 8.078/90. 
Desse modo, frisa-se, inicialmente, se o consumidor tem direito “a proteção da 
vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de 
produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”, consoante dita o inciso I, do 
citado artigo, resta claro o papel do fornecedor no que pertine ao dever de evitar que 
os produtos e serviços que põe à disposição do mercado causem danos aos 
consumidores, e se houver qualquer risco, cumpre àquele, informar de modo 
ostensivo sua existência, como se observa na publicidade de cigarros, bebidas 
alcoólicas, remédios e pesticidas em geral. 
A esse respeito, pode-se pensar ainda que no caso de alienação de 
determinado bem imóvel, deverá o agente imobiliário, informar previamente ao 
consumidor se a construção erigida sobre o terreno possui defeitos, e ainda, por 
exemplo, se a água do córrego que corre tranquilo em uma das linhas divisórias dessa 
propriedade é ou não potável. 
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35 
 
 
O consumidor também tem direito, por força do inciso II do mesmo artigo, “à 
educação e divulgação sobreo consumo adequado dos produtos e serviços [sendo-
lhe] assegurada a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”, e dessa 
forma, parece que violaria essa regra a cobrança de preços distintos na oferta de 
imóvel para locação, formulada por empresa do ramo imobiliário, quando um dos 
potenciais locatários seja um estudante, e o outro, um profissional com algumas 
décadas de vida. 
Os manuais de instrução que hodiernamente acompanham qualquer 
eletrodoméstico, bem como os selos que dizem que o produto consome certa 
quantidade de energia elétrica são outros dois belos exemplos dos efeitos práticos 
que são observados no dia a dia e nascem desse dispositivo legal. 
Ato contínuo, ao dispor o inciso III do citado artigo que o consumidor tem direito 
“à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com 
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, 
bem como sobre os riscos que apresentam”, parece que, por exemplo, a 
incorporadora ou o empreiteiro que vende um imóvel na planta, obriga-se a informar 
o prazo máximo de conclusão da obra, bem como, se for o caso, qual é a taxa de juros 
cobrada em razão do financiamento para a aquisição do imóvel na planta. 
Aproveita-se o exemplo para questionar se a cobrança de juros nessa hipótese 
é lícita, já que não há empréstimo que justifique a incidência de juros compensatórios 
nessas situações, como tem decidido o STJ, respeitando assim o contido no item 14 
da portaria 3 da Secretaria de Direito Econômico, editada em 2001, que dispõe que 
cláusula que estabeleça a cobrança de juros antes da entrega das chaves no contrato 
de compra e venda é nula. 
Ademais, esse dever de informar vai além, impondo ao fornecedor o dever de 
comunicar àquele que se propõe a comprar o bem ofertado, se a área em que o 
apartamento ou a casa estão localizados é afetada por enchentes ou excessiva 
criminalidade, obrigando-se ainda, se da publicidade constar promessa de instalação 
de rede elétrica, de água, de esgoto etc., mesmo que tais obrigações não constem 
expressamente da minuta assinada pelas partes, também conhecida por 
compromisso particular de compra e venda, a observar o dever jurídico assumido, que 
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uma vez não cumprido, autoriza o consumidor a resolver o contrato e a postular, além 
da devolução de eventual quantia paga, indenização por eventuais perdas e danos. 
Aliás, esse último exemplo poderia ilustrar ainda a hipótese prevista no inciso 
IV da norma comentada, pois ao determinar que ao consumidor também é garantida 
“a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos 
ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no 
fornecimento de produtos e serviços”, impõe ao fornecedor o dever de honrar tudo 
aquilo que prometeu, mesmo que sua intenção seja apenas a captação de clientes. 
A respeito dessa regra, salienta-se também que cláusula que determine a 
perda total da quantia paga pelo consumidor que não pode quitar o financiamento do 
imóvel será considerada como não escrita, posto que se trata de cláusula abusiva. 
Por sua vez, o inciso V do artigo analisado dita que o consumidor tem direito “à 
modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais 
ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente 
onerosas”, garantindo àquele o direito de rever os contratos pactuados sempre que 
estes lhe obriguem ao pagamento de prestações desproporcionais, situação bastante 
comum nos contratos firmados junto ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH). 
De fato, no mercado imobiliário para consumo, não há como se negar a integral 
aplicação do CDC, pois é impossível não qualificar como fornecedoras as empresas 
que trabalham no ramo de incor- poração imobiliária, de construção, e ainda dos 
agentes financeiros (LEONARDO, 2003, p. 178). E desse modo, na medida em que a 
função social do contrato está intimamente ligada à noção de equilíbrio entre as 
prestações assumidas pelas partes, um contrato que onera uma das partes, deve ser 
revisto pelo Judiciário (TARTUCE, 2005, p. 96). 
Fato é que no Brasil, o CDC rompeu com o dogma da força obrigatória 
enquanto máxima inquestio- nável, dispondo que qualquer alteração da base negocial 
poderá ser utilizada como argumento para a alte- ração de cláusulas desfavoráveis 
ao consumidor, sendo necessária apenas a demonstração de que a parte mais fraca 
na relação de consumo se viu obrigada a uma prestação desproporcional à vantagem 
auferida por conta de fatos ulteriores (TARTUCE, 2003, p. 139) que alteraram a base 
negocial em seu desfavor. 
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37 
 
 
Por sua vez, os incisos VI e VII são também de elevada importância, pois, o 
primeiro determina que o consumidor merece “a efetiva prevenção e reparação de 
danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”, e o segundo garante a 
efetividade desses direitos ao dispor que àquele está garan- tido “o acesso aos órgãos 
judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos 
patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção 
jurídica, administrativa e técnica aos necessitados”. 
Como se observa, o legislador se preocupou com a promoção de uma tutela 
preventiva, não havendo necessidade de que ocorra a violação do direito do 
consumidor para que esse busque o Poder Judiciário, bastando a mera possibilidade 
disso ocorrer. Essas regras, conjugadas, são de grande valia, por exemplo, 
autorizando as associações de defesa de consumidores a ajuizar ações visando 
impedir propagandas com oferta de venda de lotes em áreas de preservação 
ambiental, e ainda, buscando a declaração de nulidade de tais loteamentos, em razão 
da ofensa ao texto constitucional. 
Com amparo no inciso VI, o consumidor teria direito a buscar a exclusão de 
seu nome dos bancos de dados restritivos de crédito, que deverão ser tratados pelas 
empresas a partir do reconhecimento de sua relevância, visando reabilitar seu crédito 
e ter divulgados dados condizentes com a mais absoluta verdade (EFING, 1999, p. 
195). Já por meio do citado inciso VII, mais uma vez resta consagrada a tutela 
conhecida por inibitória, ou de remoção do ilícito, que visa a atuar sobre a vontade do 
réu, convencendo-o a praticar ou a não praticar um ato, para que o ilícito não se 
verifique, não se repita ou não prossiga (MARINONI, 1998, p. 117), o que aliás, é um 
dever do juiz e não uma simples faculdade, pois no atual estágio das garantias 
constitucionais, as tutelas de urgência possuem relevante papel na promoção da 
efetividade da tutela jurisdicional contra toda e qualquer lesão ou ameaça a direito 
subjetivo (THEODORO JÚNIOR, 2002, p. 46). 
A ideia também que impera aqui é a de que ao consumidor é garantida a 
reparação integral dos prejuízos que venha a suportar por conta dos produtos e 
serviços colocados no mercado de consumo pelo fornecedor, tenha ele suportado 
prejuízos materiais ou de ordem extrapatrimonial, como pode ocorrer no caso de 
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acidente de consumo que o impeça de trabalhar e ainda que lhe cause lesão a inte- 
gridade psicofísica. 
Outra regra deveras importante está prevista no inciso VIII, do artigo ora 
estudado, diretriz que assegura ao consumidor o direito a obter em seu favor, a 
inversão do ônus da prova quando a tese por ele sustentada tenha elevada aparência 
de probabilidade fática ou se ele for considerado hipossuficiente; não se podendo 
negar que obrigar o consumidor a produzir algumas provas para ter assegurado seu 
direito seria o mesmo que negar-lhe esse direito, como ocorre no caso de intoxicação 
alimentar, cujos efeitos são patentes, mas as causas de complexa aferição, daí a 
importância da regra que autoriza o juiz a determinar a inversão do ônus probatório, 
impondo ao fornecedor o dever de provar que o alegado pelo consumidor não

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