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cap II

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PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA E O DIREITO SOCIAL À MORADIA.
	
	O direito à moradia é um dos direitos sociais elencados no art. 6º da CRFB/1988, que foi introduzido pela Emenda Constitucional 26, de fevereiro de 2000 (EC26/2000). Esse direito pode ser conceituado como prerrogativa da pessoa possuir um local seguro para repousar e promover atividades ligadas à dignidade. Deve-se enfatizar que a questão da dignidade permeia toda a história no que diz respeito à questão de moradia1 GOMES, Magno Federici; SANTOS, Ariel Augusto Pinheiro dos. Justiça social, desenvolvimento sustentável, direito fundamental à moradia e delegação legislativa disfarçada no programa Minha Casa, Minha vida. Argumenta Journal Law, Jacarezinho - PR, n. 25, p. 191-214, mar. 2017. Universidade Estadual do Norte do Paraná. .
	O programa Minha Casa, Minha vida, por sua vez, é uma política pública que visa combater o grande déficit imobiliário ainda existente no Brasil, atrelada à necessidade de efetivação dos direitos e garantias sociais previstos na redação do Artigo 6° da Constituição Federal Brasileira2 LUCA, Guilherme Domingos de; LEÃO JÚNIOR, Teófilo Marcelo de Arêa. Minha casa, minha vida: extensão do direito à moradia e proteção constitucional. Scientia Iuris, [s.l.], v. 20, n. 1, p.79-101, 28 abr. 2016. Universidade Estadual de Londrina. . 
	Referido programa é regulado pela lei nacional n° 11.9777/2019, e tem por objetivo promover a produção ou aquisição de novas unidades habitacionais ou a requalificação de imóveis urbanos (art. 4°).
	Sobre a existência do grande déficit imobiliário ainda existente no Brasil, José Antonio Remédio e Larissa dos reis Nunes, trazem uma explicação histórica.
	Para referidos autores, quando no Brasil se iniciou o movimento que culminou com a abolição da escravatura, a terra passou a ser o objeto de lucro para o sistema capitalista e, portanto, foi necessária a produção de uma série de normas, como a Lei n. 556, de 25-6-1850 (Código Comercial), a Lei n. 601, de 3 18- 9-1850 (que estabeleceu no país o sistema de compra e venda da propriedade) e a Lei n. 1.237, de 24-9-1864 (Legislação Hipotecária), que viessem a proteger a propriedade privada, uma vez que a terra, à época, era ocupada através das sesmarias e, posteriormente, com a extinção deste regime, por meio de ocupações individuais3 REMEDIO, José Antonio; NUNES, Larissa dos Reis. Direito fundamental à moradia: justiciabilidade e efetividade. Argumenta Journal Law, Jacarezinho - PR, n. 28, p. 125-154, jul. 2018. Universidade Estadual do Norte do Paraná. .
	Nesse contexto é que se mostra necessidade garantir a efetividade do direito à moradia.	Brito Filho e Ferreira, ao tratar sobre o direito à moradia sob uma perspectiva rawsiniana, afirmam que, garantir a efetividade do direito à moradia traz, como decorrência, não apenas a salvaguarda da dignidade, como também reduz a desigualdade social, um dos objetivos expressos na CRFB/884 FERREIRA, VERSALHES ENOS NUNES; BRITO FILHO, JOSÉ CLAUDIO MONTEIRO DE. Direito à moradia e liberalismo Rawsiano. Argumenta Journal Law, Jacarezinho - PR, n. 30, p. 239-272, jun. 2019 . 
	Contudo, para garantir o direito social à moradia é preciso, antes de tudo, salvaguardá-la, e por isso é que o Estado precisa dispor de mecanismos capazes de protegê-la.
	Corrupção e irregularidades no Programa Minha Casa, Minha Vida, inexoravelmente trazem prejuízos ao direito à moradia, pois implicam em qualidade ruim das casas, desvio de recursos, menos investimentos, redução no número de famílias beneficiadas, etc.
	
	INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E RELATÓRIO DA CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO.
	O Ministério Público Federal tem investigação em aberto sob n° 0013288-86.2014.4.03.61815 FEDERAL, Ministério Público. Notificada: RCA ASSESSORIA. Disponível em: <http://apps.mpf.mp.br/aptusmpf/index2#/detalhe/920000000000011460572modulo=0&sistema=portal>. Acesso em: 26 fev. 2020. em que se investiga se ex-servidores do Ministério da Cidade, entre eles os Daniel Vital Nolasco, ex-Diretor da Produção Habitacional até 2008, e José Iran Alves dos Santos, ex-garçom. Ambos são acusados de valer-se de conhecimentos sobre o funcionamento e as fragilidades do Programa Minha Casa Minha Vida, para fraudá-lo. 
	A investigação aponta que as fraudes voltavam-se tanto contra o Programa Minha Casa Minha Vida, como contra as construtoras que se propunham a participar da construção das casas populares.
	No primeiro caso, consistiam em falsificar assinaturas de prefeitos para viabilizar a liberação de financiamentos e em criar empresas de fachada com os mesmos sócios da RCA Assessoria para obter repasses dos valores públicos. No segundo, consistia em cobrar valores indevidos, a título de consultoria, das construtoras envolvidas. 
	A investigação acusa que Daniel Vital Nolasco e José Iran Alves dos Santos, não eram apenas sócio das RCA Assessoria, mas de várias empresas de fachada, localizadas no mesmo endereço e constituídas com o único propósito de receber os valores dos financiamentos das moradias, que jamais viriam a ser construídas. Segundo a investigação, a RCA Assessoria era, ao mesmo tempo, fiscalizadora e fiscalizada. Era correspondente bancário de 7 (sete) pequenas instituições financeiras autorizadas a repassar verbas federais nos programas de casas populares para cidades com menos de 50.000 (cinquenta mil) habitantes (Luso Brasileiro, Bonsucesso, Paulista, Schahin, Tricury e Morada) e, nessa condição, era responsável por acompanhar o desenvolvimento das obras para assegurar a adequada utilização dos recursos do programa e, ao mesmo tempo, era também a proprietária, direta ou indiretamente, das empresas de fachada contratadas para a edificação das moradias. 
	Além da contratação de empregas de fachada, a investigação busca verificar se a RCA Assessoria também cobrava valores indevidos em detrimento de pequenas construtoras interessadas em participar do programa, sob o pretexto de prestação de consultorias, prática que é expressamente vedado nos contratos de correspondente bancário.
	A Controladoria Geral da União também produziu relatório de auditoria especial n° 00190.007767/2013-016 UNIÃO, Controladoria Geral da. Controladoria Geral da União: relatório de auditoria especial n° 00190.007767/2013-01,. Disponível em: <https://auditoria.cgu.gov.br/download/3258.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2020. , cuja unidade auditada foi a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades – SNH. 	Esse relatório teve por objeto realizar uma auditoria Especial no Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, especificamente na modalidade Oferta Pública de Recursos orientada para municípios com população de até 50.000 habitantes. 
	Os resultados das fiscalizações indicaram uma baixa qualidade generalizada dos imóveis entregues, falta de infraestrutura mínima, baixa execução com atrasos e obras abandonadas. Os principais problemas constatados no relatório de auditoria especial n° 00190.007767/2013-01 foram:
1. Qualidade deficiente dos imóveis entregues: grande ocorrência de defeitos construtivos e da não entrega de serviços contratados e pagos (reboco, pintura, forro, vidros entre outros);
2. Grande ocorrência de atrasos nas obras: da Oferta de 2009, 32% dos imóveis ainda não foram concluídos e da Oferta de 2012, 83% dos contratos ainda não iniciados;
3. Grande ocorrência de obras em terrenos sem regularidade fundiária e imóveis entregues também sem a devida regularização;
4. Obras entregues sem a infraestrutura mínima, principalmente quanto à solução para o esgotamento sanitário;
5. Trabalho informal na maioria das obras visitadas. Trabalhadores sem registro e sem equipamentos de proteção individual;
6. Risco patrimonial do Governo Federal ao antecipar recursos aos bancos e agentes financeiros sem qualquer garantia.
7. Ganhos financeiros indevidos dos bancos e agentes financeiros com os recursos antecipados e não repassados para as construtoras (“floating”).
	Em resumo, foi verificado que os problemas apontados devem-se principalmente às fragilidadesdos normativos e à falta de atuação e capacidade técnico-operacional da maioria dos bancos e agentes financeiros, associado à deficiência na supervisão do Ministério sobre esses agentes. 
	Ainda no que se refere ao âmbito do relatório da CGU, ele apontou que construtoras com vínculos com a RCA Assessoria em Controle de Obras e Serviços Ltda, ou com ex-servidores do Ministério das Cidades realizam obras no Programa (fl. 115). Para tanto, afirma que 
"Na oportunidade, os sócis da RCA Assessoria em Controle de Obras e Serviços Ltda, D**** V**** N***, principal responsável pelas articulações, era o Diretor de Produção Habitacional do Ministério das Cidades. Os requeridos, visando captar recursos, montaram diversas empresas em sues nomes ou de terceiros, para o fim de ‘atestarem a execução de serviços que não seriam prestados’. Estas empresas montadas viriam a contratar as construtoras, que por sua vez, eram constituídas em nome de familiares ou ‘laranjas’ dos sócios da RCA”7 UNIÃO, Controladoria Geral da. Controladoria Geral da União: relatório de auditoria especial n° 00190.007767/2013-01,. Disponível em: <https://auditoria.cgu.gov.br/download/3258.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2020. fl. 115. 
	Portanto, os exemplos acima mencionados, que aponta irregularidades envolvendo agentes públicos e empresas no desempenho da política pública de moradia do programa Minha Casa, Minha Vida, permite inferir que há prejuízos aos beneficiários e ao erário, afinal, se há uma empresa responsável por acompanhar o desenvolvimento das obras para assegurar a adequada utilização dos recursos do programa ela jamais poderia ser, ao mesmo tempo, a proprietária, direta ou indiretamente, das empresas de fachada contratadas para a edificação das moradias.
	Nessa senda é que se apresenta a lei de improbidade como mecanismo para reparar os danos ocorridos que, se confirmados, poderão implicar em penalidades graves aos agentes públicos, agentes privados, e empresas envolvidas, nos termos do art. 12 da lei n° 8.429/92.

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