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1. Médica Veterinária Residente em Medicina de Urgência e Cuidados Intensivos. 2. Médico Veterinário , Diretor Clínico do Hospital Vet Central. Fluidoterapia em pequenos animais Taiane Rodrigues, Médica Veterinaria, Serviço de Urgência, Cuidados Intensivos e Anestesia do Hospital VetCentral, Portugal Nuno Paixao, Médico Veterinario, Director do Serviço de , Serviço de Urgência, Cuidados Intensivos e Anestesia do Hospital VetCentral, Portugal Contacto: nunopaixao@hospvetcentral.pt 1. Introdução. Perdas volêmicas são distúrbios comuns na prática veterinária e estão associadas a inúmeros fatores. Sua identificação é fácil e o seu tratamento, embora possa parecer simples, requer boa dose de critério e conhecimento. O sucesso desta terapia depende da escolha correta do fluido de acordo com o tipo de necessidade do paciente. E para isto, é necessário tanto o entendimento da fisiologia dos líquidos corporais, quanto da farmacologia das soluções empregadas. 2. Soluções empregadas na fluidoterapia. Os cristaloides e colóides são as duas principais classes de líquidos utilizadas na fluidoterapia. Para uma visão geral da classificação destas soluções de acordo com critérios variáveis, o quadro abaixo (Quadro1) mostra, de forma simples, como podem ser divididas. Quadro 1. Classificação das soluções utilizadas em fluidoterapia 1.De acordo com o tamanho molecular e permeabilidade capilar 1.1 Cristalóide 1.2 Colóide 2. De acordo com a osmolaridade ou tonicidade 2.1 Hipotônico 2.2 Isotônico 3. De acordo com a função pretendida 3.1 Manutenção 3.2 Reposição Normalmente, os cristaloides, como as soluções de NaCl 0,9%, NaCl 0,45%, Ringer Lactato e Glicose 5%, são as soluções mais empregadas na fluidoterapia por serem constituídos à base de água, com moléculas pequenas, às quais, a membrana capilar é permeável, fazendo-os capazes de entrar em todos os compartimentos corpóreos (KIRBY & RUDLOFF, 2008). A translocação desses fluidos do capilar ao espaço intersticial ocorre devido às forças de Starling. A solução de Ringer Lactato, por exemplo, quando administrada por via endovenosa, retém apenas 20% no espaço intravascular, tendo os 80% restantes localizados no interstício após, cerca de 1 hora. O fato do cristaloide participar de todo o plano de terapia hídrica que ocorre, ajudando o líquido intersticial a desempenhar seu papel no metabolismo e na sobrevivência da célula, o torna de grande importância (KIRBY & RUDLOFF, 2008). Estas soluções, ainda podem ser divididas em: Soluções de manutenção e soluções de reposição. As soluções de reposição são isotônicas, alcalinizantes ou acidificantes, e mesmo apresentando composição de eletrólitos semelhante ao plasma, possuem o sódio como base de constituição. Foram desenvolvidos para corrigir falhas específicas na concentração 1. Médica Veterinária Residente em Medicina de Urgência e Cuidados Intensivos. 2. Médico Veterinário , Diretor Clínico do Hospital Vet Central. plasmática, assim como, na quantidade corporal total de eletrólitos e álcalis (Sódio, potássio, cloreto, bicarbonato, cálcio e fósforo). Por isso, podem ser utilizadas de forma rápida e em quantidades consideráveis, mas cuidadosas, sem interferir nas concentrações hidroeletrolíticas normais do plasma (MORAIS & TRAPP, 1998; MONTIANI-FERREIRA & PACHALY, 2000). No entanto, a administração de grandes volumes pode causar uma redução na pressão oncótica plasmática, diluindo sua concentração de bicarbonato e resultando em uma acidemia dilucional, que poderá ser evitada se forem empregadas soluções que contenham lactato, acetato ou gluconato. Isto porque, estes, são precursores metabólicos do bicarbonato via biotransformação nos músculos, fígado e maioria dos tecidos (MONTIANI-FERREIRA & PACHALY, 2000). As principais soluções de reposição e os comentários relevantes estão no Quadro 2. Soluções de manutenção são administradas a pacientes ainda enfermos, porém, após a recuperação do déficit hídrico. Foram formuladas com o intuito de repor as perdas diárias normais de eletrólitos e líquidos hipotônicos, e também satisfazem as necessidades de potássio em pacientes que necessitem do mesmo. Caso sejam utilizados fluidos de reposição na terapia de manutenção, o excesso de eletrólitos é eliminado graças à função renal. Porém, se utilizados de forma prolongada, isso pode resultar em hipocalemia. Para evitarmos tal desequilíbrio, as soluções de reposição deverão ser adicionadas com cloreto de potássio (Figura 1), de forma que a concentração final deste eletrólito seja 20-30 mEq/L. Em comparação ao plasma, as soluções possuem uma quantidade mais elevada de potássio e muito mais baixa de sódio e de cloreto. Soluções de manutenção não são elaboradas para infusões rápidas (MORAIS et al., 2003). Para formular líquidos de manutenção próprios, estima-se que a necessidade seja de 40-60 mEq / L de sódio e 20-30 mEq / L de potássio. A solução fisiológica de Nacl 0.9% tem 0 mEq / L, enquanto o Ringer Lactato tem 4mEq / L de potássio. Sendo assim, todos os pacientes que são submetidos à fluidoterapia e que não apresentem hipercalemia, devem ter a fluido suplementada com KCl diluído. Para isto, temos que 15 ml de KCl a 10% fornecem 20mEq de potássio. Logo, para obtenção de uma solução com 15 mEq / L de potássio são necessários cerca de 10 mL de KCl a 10% por litro de Ringer Lactato (MORAIS et al, 2000). 1. Médica Veterinária Residente em Medicina de Urgência e Cuidados Intensivos. 2. Médico Veterinário , Diretor Clínico do Hospital Vet Central. Figura1. Solução de Cloreto de potássio empregada para suplementação de algumas soluções cristalóides. A solução glicosada a 5% deve ser aplicada sempre de forma lenta, seja para repor déficits calculados, na administração de fármacos de infusão a uma velocidade constante ou em combinação com líquidos de reposição. No último caso, cria-se uma solução de ajuste para manutenção, o que resulta em um líquido de reposição parcialmente concentrado com glicose a 5%. Para isto, podemos adicionar 5 ampolas de glicse 50% em 500mL de Ringer Lactato (Kirby e Rudloff, 2004). Tal solução, não deve ser utilizada como “fonte de calorias” para pacientes, pois, além de propiciar apenas 15% das necessidades calóricas de manutenção, a glicose é metabolizada e serve, somente, como fonte de água. Pode ser administrada a pacientes que apresentam alto-risco de desenvolver hipoglicemia, como aqueles com insulinomas ou choque séptico (MORAIS, 2002). Quadro 2. Principais soluções de reposição e manutenção empregadas na fluidoterapia. Solução isotônica de Ringer Lactato - Composição similar ao L.E.C; - pH 6.5; - Características alcalinizantes, uma vez que o lactato sofre biotransformação hepática em bicarbonato, sendo, portanto, indicada para as acidoses metabólicas; - É a mais versátil das soluções Empregadas; - Por conter cálcio está contra indicada para pacientes hipercalcêmicos; - Não deve ser administrada junto com hemoderivados, no mesmo cateter, pois causa precipitação do cálcio com o 1. Médica Veterinária Residente em Medicina de Urgência e Cuidados Intensivos. 2. Médico Veterinário , Diretor Clínico do Hospital Vet Central. anticoagulante; Solução isotônica de Ringer - Características similares ao Ringer Lactato; - Não contém lactato; - Contém mais cloreto e mais cálcio que outras soluções, tornando-a levemente acidificante (ph 5,5); - É a solução mais indicada para alcaloses metabólicas; Solução isotônica de Nacl a 0,9% - Não é uma solução balanceada, pois contém apenas sódio, cloro e água; - É acidificante, sendo indicada para pacientes com alcalose, hipoadrenocorticismo, insuficiência renal oligúrica-anúrica e hipercalcemia; Solução de Glicose 5% - Tem composição semelhante à solução de Nacl a 0,9%; - Apresenta, porém, maior osmolalidade e ph 4,0;Por outro lado, os colóides, conhecidos por seu alto peso molecular, exercem efeito expansor, por possuírem macro moléculas incapazes de atravessar o endotélio capilar, permanecendo, assim, no espaço intravascular. (FANTONI, 2008; CORTOPASSI & PATRICIO, 2009). Podem ser classificados em naturais ou sintéticos (Quadro 3), de acordo com sua origem. Diferente da albumina no plasma, que contém moléculas de tamanho e peso iguais, os coloides sintéticos apresentam moléculas de peso e tamanho diversificados (PETTIFER, 2007; FANTONI & CARDOZO, 2012). Os tipos mais comuns de soluções coloidais e suas principais características, estão identificados no Quadro 4. Quadro 3. Classificação dos colóides 1. Colóides Naturais - Sangue fresco - Albumina 2. Colóides Sintéticos - Amidos - Gelatina . A utilização de colóides está indicada, quando se necessita melhorar o quadro de hipotensão e contribuir para manter a pressão oncótica (MAZZAFERRO, 2011) como, por exemplo, no tratamento da hipovolemia, já que resulta, rapidamente, em uma estabilidade hemodinâmica, assim como, em oxigenação tecidual adequada. A expansão dessas soluções além de ser mais duradoura, necessita de volumes menores se comparada às soluções salinas isotônicas. Por exemplo, a perda de 1 ml de sangue pode ser reposta com 1 ml de coloide, porém, se utilizarmos soluções cristaloides, essa proporção é passa de 1:1 à 1:3 até 1:4 (PETTIFER, 2007; FANTONI, 2008). Seu volume de expansão é definido pela distribuição, peso molecular, pressão oncótica, taxa de degradação, carga elétrica e limiar de eliminação (FANTONI & CARDOZO, 2012). 1. Médica Veterinária Residente em Medicina de Urgência e Cuidados Intensivos. 2. Médico Veterinário , Diretor Clínico do Hospital Vet Central. A administração sem cuidados pode resultar em efeitos colaterais como coagulopatias, falência renal, reações anafiláticas e disfunção hepática. Por outro lado, a probabilidade de edema pulmonar ou edema periférico é menor com as soluções coloidais, assim como, o efeito deletério sobre a coagulação em decorrência da hemodiluição (FANTONI & CARDOZO, 2012). Também estão associados a menor neutrofilia e ação inflamatória e diminuiem a lesão endotelial coibindo o extravasamento de plasma para o interstício (FANTONI & CARDOZO, 2012). Quadro 4. Tipos e características das soluções coloidais. Amidos - Menor risco de reações anafiláticas entre os colóides sintéticos; - Relacionados à menor neutrofilia e reação inflamatória; - Diminuem a lesão endotelial coibindo o extravasamento de plasma para o interstício; Gelatina - Grandes riscos de reações anafiláticas; - Produzidas a partir do colágeno bovino; - Podem ocorrer coagulopatias dilucionais após administração de grandes volumes; - Respostas inflamatórias exacerbadas; - Baixo custo; Plasma - Capaz de aumentar o volume intravascular em até 5x o volume infundido devido à quantidade de albumina; - Podem ser administrados por meio de transfusões; - Por se tratar de um coloide natural apresenta menor risco de interferir na coagulação sanguínea; - Menor risco de reações anafiláticas; - Alto custo; - Sangue Fresco - Indicado quando além de restabelecer a volemia, é necessário repor eritrócitos; - Alta capacidade de restabelecer o volume vascular; - Devem ser realizados testes de compatibilidade antes do procedimento; - Baixo risco de reações anafiláticas; 1. Médica Veterinária Residente em Medicina de Urgência e Cuidados Intensivos. 2. Médico Veterinário , Diretor Clínico do Hospital Vet Central. Figura 1. Solução colóide (Hidroxietilamido), Soluções cristaloides de Ringer Lactato e Nacl 0,9%, respectivamente. 3. Etapas da fluidoterapia Depois de realizar a avaliação clínica do paciente, pode-se classificar o tipo e porcentagem de desidratação e/ou hipovolemia que este apresenta. Sabendo disto, parte-se para a escolha do fluido a ser utilizado e como deve ser utilizado, levando em consideração que o programa de fluidoterapia compreende quatro etapas: Reanimação, reidratação, manutenção e reposição de perdas. A reanimação, normalmente, é crucial nos casos de urgência, onde se devem repor perdas ocorridas, de forma rápida, através de bolus, como por exemplo, nos casos de choque, que necessitam de reposição de grande volume de fluido em um pequeno espaço de tempo. O volume administrado deve ser o volume necessário para expandir o espaço intravascular, restabelecer a volemia e, consequentemente, perfusão e valores de pressões sanguíneas. A segunda fase, a reidratação, é a etapa de reposição, onde se calcula os déficits de fluidos e o percentual de desidratação do paciente, sendo realizada a administração da quantidade de fluido necessária para reidratá-lo. Esta reposição é feita, baseada na fórmula: VR (ml)= DH% x P x 10, onde “DH%” é o percentual de desidratação e “P” o peso. O tempo que essa reposição vai ocorrer, depende do tempo em que ocorreu a perda. Lembrando que em animais jovens a reposição pode ser feita em um intervalo mais curto, já em animais idosos, esta reposição não pode ser realizada tão rapidamente. Na manutenção, deve ser administrada a quantidade de fluido diária necessária. Geralmente, os valores calculados são de 40 ml/kg/dia para cães grandes e 60 ml/kg/dia para cães pequenos e gatos. A reposição de perdas corresponde às perdas posteriores, como por exemplo, nos casos de gastroenterites, onde se repõe a quantidade de fluido, através de bolus, para cada perda como vômito ou diarreia. Isto é um tanto quanto subjetivo, se levarmos em consideração que 1. Médica Veterinária Residente em Medicina de Urgência e Cuidados Intensivos. 2. Médico Veterinário , Diretor Clínico do Hospital Vet Central. existem pacientes que não apresentam perdas posteriores como vômito, diarreia, hipertermia ou poliúria. Nesses casos, o volume total de fluidos administrados a tal paciente, será o de reidratação acrescido ao de manutenção. Se, por acaso, o paciente tem perdas posteriores baixas, como, por exemplo, hipertermia, esse volume pode ser aumentado em 10%, porque para cada grau de temperatura elevada que ele apresenta mais perda de fluidos vai ocorrer. Se as perdas são moderadas, com alguns vômitos e diarreias, o volume aumenta em 15 %. E para perdas posteriores elevadas, aumentamos para 20%. De acordo com um estudo realizado sobre a quantidade média de líquido que um paciente perde para cada episódio de vômito ou diarreia, os valores obtidos foram de 2,5ml/kg e 5ml/kg, respectivamente. Valores estes, que devem ser repostos em bolus, na mesma quantidade, utilizando cristaloides. É de suma importância lembrar que as taxas nunca são constantes, necessitando, de reavaliação e readaptação, sempre que seja necessário. Normalmente, os pacientes que estão a receber fluidos, devem ser avaliados a cada 6-8h para um plano terapêutico mais eficaz. 4. Vias de administração 5. Tipos de Cateter Teflon - Rígido; - Reatividade moderada; Silicone - Quimicamente inerte; - Suave; - Flexível; - Reatividade muito baixa; - Reutilizável; - Alto custo; Poliuretanos - Suave; - Flexível; - Reatividade moderada; Polivinilclorado - Extremamente reativo; - Não deve ser utilizado; Polipropileno - Extremamente reativo; - Não deve ser utilizado; Polietileno - Extremamente reativo; - Não deve ser utilizado; •V. Cefálica •V. Safena Medial / LateralCateter Periférico •V. Jugular •V. FemoralCateter Central •Úmero •Fossa da TíbiaCateter Intra-Ósseo 1. Médica Veterinária Residente em Medicina de Urgência e Cuidados Intensivos. 2. Médico Veterinário , Diretor Clínico do Hospital Vet Central. Figura 3. Cateteres venosos e seus respectivos calibres e tamanhos. 4. Conclusão A terapia fluídica não é a panacéia universal e não substitui o diagnóstico correto e tratamentodas causas primárias do desequilíbrio hidroeletrolítico. Além disso, devemos levar em consideração que é a solução que se adapta ao paciente e não o contrário. O que muitas vezes acontece, é que o profissional submete o paciente a um protocolo de administração de soluções, que nem sempre são adequadas, resultando em sérios distúrbios iatrogênicos. O emprego correto da fluidoterapia e do seu manejo depende do conhecimento da fisiologia dos líquidos corporais, da escolha do fluido e das causas relacionadas. Garantidamente, se isto ocorrer, a taxa de sucesso no tratamento aumenta consideravelmente. 5. Referências RUDLOFF, E.; KIRBY R. Fluid Resuscitation and the Trauma Patient. Veterinary Clinical Small Animal, v.38, p.645–652, 2008. MORAIS, H.S.A.; TRAPP, S.M. Fluidoterapia: ¿Qué? ¿Cuándo?¿Cómo? Revista de Medicina Veterinaria, v.79, n.6, p.435-438, 1998. MONTIANI-FERREIRA, F..; PACHALY, J.R. Manual de fluidoterapia em pequenos animais. São Paulo: Editora Guará, 2000. 79 p. 1. Médica Veterinária Residente em Medicina de Urgência e Cuidados Intensivos. 2. Médico Veterinário , Diretor Clínico do Hospital Vet Central. MORAIS, H.A.; DEARO, A.C.O.; PEREIRA, P.M.; REICHMANN, P. Fluidoterapia e Transfusão Sangüínea. In: ANDRADE, S.F. Manual de Terapêutica Veterinária. São Paulo: Roca, 2003, cap. 19, p.477-501. FANTONI, D.T. Colóides e produtos sanguíneos. In: Congreso Latinoamericano de Emergência y Cuidados Intensivos, 12, 2008, Rio de Janeiro. Proceedings… Rio de Janeiro: LAVECCS, 2008. FANTONI, D.T.; CARDOZO L.B. Choque hipovolêmico In: RABELO, R.C. Emergência de pequenos animais: condutas clínicas e cirúrgicas no paciente grave. 14 Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p.282-291. PETIFFER, G. In: SLATTER, D. Manual de cirurgia de pequenos animais: Terapia hídrica, eletrolítica e ácido-básica. Barueri: Manole, 2007. v.3, p.17-43. MAZZAFERRO, E.M. Fluid therapy: it’s more than just lrs these days. In: Latin American Veterinary Conference, 10, 2011, Lima. Proceedings… Lima: LAVC, 2011.
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