Buscar

Discussão do filme Aos teus olhos

Prévia do material em texto

Discussão do filme Aos teus olhos 
O longa metragem aos teus olhos põe em voga um tema muito atual que são as meias verdades postas em veículos de informação instantâneos como a internet. Mostra como inferências, dúvidas ou questionamentos podem passar do lugar que ocupam para o lugar de um fato consumado, ocorrido, estabelecido. E essa passagem de um lugar não concreto para um lugar “concreto”, da dimensão da verdade, geralmente baseada em julgamentos acerca do ocorrido, geram danos irreparáveis, irreversíveis a ponto de destruir socialmente a reputação de uma pessoa. 
O filme fala sobre Rubens, um professor que há cinco anos trabalha em um clube dando aulas de natação. Sua conduta profissional, neste período, é inquestionável. Ana, diretora do clube, o conhece, respeita seu trabalho e admira sua relação com os alunos. Ele é o tipo de professor a que os alunos adoram e seu comportamento extrovertido e carinhoso com todos nunca foi um problema para ninguém, mesmo algumas vezes sendo orientado por seu colega de trabalho para se atentar a coisas que dizia sobre algumas alunas e a alguns comportamentos proximais demais com os adolescentes. Rubens em si não vi problema algum nessa proximidade e na forma como lidava com essas relações. Até que acontecer uma denúncia. Ao que tudo indica, um aluno diz a sua mãe que o professor o beijou na boca. A partir desse relato trazido no filme pela mãe, e não pela criança, que ao deter tal informação decide alertar os pais dos demais alunos via Whatsapp e diante do apoio da grande maioria desses pais, ela escreve um texto no facebook expondo a vida do então pedófilo. Sua atitude produz efeitos imediatos e em menos de vinte e quatro horas dá-se início ao efeito dominó na vida do professor Rubens. 	
Uma acusação de assédio contra uma criança é algo que nos mobiliza, mas o que chama a atenção no filme é que o professor é condenado socialmente antes mesmo que se existam provas concretas do ocorrido. Ele é culpado. É essa mobilização mediante ao anúncio do acontecimento em rede social que nos leva a culpabilização do outro sem que sequer tenhamos provas, que deixa bem evidente como nos relacionamos no mundo contemporâneo sem acolher o outro. Ele é um pedófilo, visto como tal pela mãe, acusado pela mãe. O que me deixa angustiado em relação ao longa é saber que a criança, que supostamente disse que o professor o beijou na boca, em momento algum é ouvida. Desde o início, as palavras da mãe, a certeza da mãe é disseminada, apoiada, efervescida. A sensação que tenho é que a forma como a história se desenha, é narrada, nos direciona a enxergar o Rubens de fato como o culpado. A ênfase na sunga do aluno esquecida no clube e encontrada no armário do professor, no relacionamento construído com uma mulher de 18/19 anos que foi uma ex aluna. Coisas que seriam vistas como normais fora do contexto da existência dessa denúncia, mas nesse contexto é ressignificado, nos tendenciando a tomá-lo como culpado. 
O título do longa, e a não resposta de como a história se finda, deixa livre o imaginário de quem assiste. O interessante é que isso reflete diretamente no olhar moral que cada um tem sobre a narrativa. Normalmente quando um assunto polêmico é posto e este nos mobiliza tendemos a culpabilizar o acusado e a buscar de forma voraz uma sede por justiça, como ocorre no filme. Mesmo não sabendo o fim que a história tomou, culpado ou não, a vida de Rubens nunca mais será a mesma. 
Trazendo a discussão para o contexto da psicologia, no meu ponto de vista faltou no filme o ouvido aberto a todos os lados da história. Talvez a única pessoa que tenha levado em consideração ouvir o acusado foi Ana, diretora do clube. Mesmo entendendo que ela não desempenhava papel de psicóloga e que não havia personagem algum que desempenhasse esse papel, acredito ser interessante mencionar aqui que nosso código de ética traz diretrizes essenciais para nossa atuação. Levando em consideração todo contexto me sinto na obrigação de mencionar aqui o item II dos princípios fundamentais do nosso código de ética que nos sugere,
O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo meu)
Além do art 2° do código de ética, letra a nos diz, é vedado ao psicólogo: “Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;”
Esses dois pontos são suficientes para deixar claro que não cabe acusar ou julgar alguém referente as suas atitudes. Ocupamos, ou tentamos ocupar, um lugar diferente que a sociedade ocupa. O lugar de ouvir o indivíduo, de levar em considerações vários contextos, de não culpabilizá-lo, discriminá-lo ou oprimi-lo. 
Em Pedagogia da autonomia, última obra publicada em vida (1996), o autor nos coloca uma reflexão sobre a prática educativa na formação de docentes, através de uma abordagem intitulada como educativo-progressista. Dessa forma ele se baseia em ideias progressistas de ensino, levando em conta, principalmente, o conhecimento do aluno em diálogo com a disciplina. Enfatiza a necessidade de respeito ao conhecimento que o aluno traz para a escola, visto ser ele um sujeito social e histórico. Define essa postura como ética e defende a idéia de que o educador deve buscar essa ética, a qual chama de "ética universal do ser humano"(p. 16), essencial para o trabalho docente.
Freire pontua que a educação se materializa na relação professor aluno. Desta forma o professor pode até ser um grande pesquisador da educação, mas, ele nunca será um educador se não unir a teoria a pratica. Tanto aluno quanto professor se caracterizam como sujeitos ativos no processo de aprendizagem, sendo assim, ambos não se reduzem a um objeto do outro. Ensinar não é simplesmente transmitir conteúdo pois nada está pronto, acabado. Ter consciência do inacabamento do ser é fundamental na formação docente, levando sempre em consideração o respeito à autonomia e à dignidade do ser do educando em busca da curiosidade e inquietação em suas descobertas. Em outras palavras é levar em consideração a abertura de canais de comunicação para que o educando se expresse – entendendo que o aprendizado se dá através de um diálogo e não um monologo – permitindo a consideração e compreensão dos saberes construídos pelos alunos em suas comunidades. A obra nos indica as exigências do processo de ensino e nesse sentido cabe colocar um dos pontos importantes nesse processo, senão o mais importante, levantados por Freire, referente a crítica:
Quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve a curiosidade epistemológica sem a qual não alcançamos o conhecimento do objeto. (p. jjj)
Quando se enfatiza a importância da curiosidade epistemológica ele nos instiga a buscar todos os fundamentos que amparam os objetos de ensino aprendizagem. A proposta educativo-progressista de Freire traz a ideia de rompimento com o tradicionalismo, possibilitando assim a construção da ideia de um aluno autônomo, pesquisador, capaz de aprender a aprender sempre, e através do aprendizado questionar de forma critica a realidade social que está inserida, tentando transformá-la rompendo com o status quo.

Continue navegando