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1. Características socioeconômicas Esse capítulo busca esboçar o perfil dos moradores das favelas, e assim mostrar como o perfil de carência exige que os periféricos busquem refúgio em instituições que não seja o Estado. Por motivos metodológicos e de pesquisa, priorizou-se as favelas do Rio de Janeiro como objeto de estudo, utilizando pesquisas baseadas nos dados do Censo do IBGE de 2000 e 2010, e do Data Rio. 1.1. Um breve perfil dos moradores das regiões com UPPs do Rio de Janeiro Os moradores das regiões com UPPs no Rio de Janeiro são em sua maioria pretos e pardos, sendo predominante a presença de mulheres. Em contraste, a população do restante do município do Rio de Janeiro é predominantemente branca. Mostrando assim, a desigualdade espacial resultante de processos passados. 1 Gráfico 1 2 Gráfico 2 1 Gráfico elaborado por Leonarda Musumeci, com base no SIDRA de 2010. Todos os créditos são atribuídos à autora. 2 Gráfico elaborado por Leonarda Musumeci, com base no SIDRA de 2010. Todos os créditos são atribuídos à autora. 1.2. Desemprego, escolaridade e estrutura familiar A taxa de desemprego é uma importante determinadora da pobreza e da desigualdade. Mesmo que baixa, deve-se ater que ela pode estar concentrada em somente um grupo, atuando, portanto, como um componente de perpetuação da taxa de pobreza, de custos psicológicos e pessoais, sejam estes monetários ou não. Na Tabela3 1 podemos ver que nas comunidades do Rio de Janeiro a taxa de desemprego está concentrada no gênero masculino. Tabela 1 3 Alguns gráficos e tabelas apontados neste tópico são de autoria de Helena Sbardellini Perrone, com base no Censo IBGE de 2000. Todos os créditos são atribuídos à autora. Além dos números de desemprego entre os gêneros, os números do desemprego entre as diferentes idades nos mostram que entre os jovens periféricos as taxas são altas, tendo maior incidência sobre o gênero feminino. Tal taxa pode ser justificada por diversos motivos, como educação, gravidez e estrutura social.4 5 Ainda é importante vermos que o gênero masculino, no total, está presente na maioria das classes de anos de estudo, e mesmo assim encontram- se entre a maior porção desempregada. Contudo, vemos que nas classes do meio, as mulheres com mais anos de estudo encontram-se em maior porcentagem na taxa de desemprego do que os homens. Segundo Marcos Lisboa e Monica Viegas6, o desemprego entre os mais jovens é um fator determinante para a probabilidade do indivíduo ser vítima de um homicídio. Ademais, uma vez que o indivíduo seja tragado pela criminalidade, suas chances de voltar para o emprego formal, mesmo em condições macroeconômicas favoráveis, são baixas, o que gera externalidades negativas, não só ao indivíduo, mas também à sociedade e ao país. Os gráficos7 3 e 4 nos mostram uma das razões das mulheres sofrerem com o desemprego. A maioria das mulheres têm seus filhos durante sua juventude, o que prejudica os anos de estudos delas, assim, ao reduzir os anos 4Gary Becker, afirma em seu livro Human Capital: A Theoretical and Empirical Analysis, with Special Reference to Education, afirma que a educação é um dos pilares para a formação do capital social. 5 Gráfico de Helena Sbardellini Perrone. 6 ANDRADE, Monica Viegas & LISBOA, Marcos de Barros. A violência como causa de mortalidade. Revista Conjuntura Econômica: Rio de Janeiro, 2000. 7 Gráficos elaborados para a Pesquisa Nova Favela Brasileira, com base dos dados das PNADs e do Censo IBGE de 2010. Todos os créditos destinados aos autores. de estudos, as mulheres acabam por ocuparem empregos de menor capacitação ou até mesmo a não ocuparem um emprego. Ademais, é importante lembramos que muitas dessas jovens são as únicas responsáveis por manter seu filho, dado que é conhecido o nível de abandono paternal no Brasil. Gráfico 3 Gráfico 4 O gráfico8 5 e a tabela9 2 abaixo nos mostram a subdivisão do desemprego pelos anos de estudo. Assim, podemos ver que quanto maior forem os anos de estudo, menor será o desemprego e eventualmente maior a renda, como veremos posteriormente. 8 Tabela de Helena Sbardellini Perrone. 9 Gráfico de Helena Sbardellini Perrone. Tabela 2 Gráfico 5 A desigualdade também é um corolário do desemprego e da baixa escolaridade sobre os mais pobres. As tabelas10 2 e 3 nos permitem ver a diferença entre cinco das grandes favelas cariocas e cinco dos bairros de alta renda. 10 Tabelas produzidas por Marcelo Cortes Neri. Tabela 3 Tabela 4 A escolaridade é um fator de extremo peso sobre a desigualdade. Podemos ver, assim, que cada ano de escolaridade gera cerca de 180,5 reais para os mais ricos, enquanto cada ano11 gera 65,9 reais para os mais pobres. A renda, jornada e o retorno dos estudos trazem uma diferença entre os dois grupos 11 Dados do Censo de 2000 do IBGE. de 307% em seus salários-horas. Apesar disso, dos trabalhadores do grupo dos mais pobres têm como 81% da fonte de renda advindas do trabalho, enquanto 63% da renda do grupo dos mais ricos advém do trabalho. A escolaridade reflete em qual setor o indivíduo atuará. Desta forma, podemos ver nas UPPs do Rio de Janeiro, a baixa escolaridade reflete nos setores em que os periféricos atuam, setores esses que em categoria geral são menos técnicos e possuem baixa remuneração. 12 Tabela 5 Em conclusão, ao olharmos os dados apontados, conseguimos concluir que a periferia é um recorte da desigualdade brasileira. Os periféricos sofrem com a ausência de serviços básicos (como a educação), falta esta que serve como canal de perpetuação da carência periférica e de diversos casos sociais que os cercam constantemente. 12 Tabela elaborads por Leonarda Musumeci 1.3. Saneamento e saúde É notável para a literatura da área da saúde que a redução à exposição às redes de esgoto aberto é o fator catalizador da redução das doenças. É trivial, portanto, o conhecimento de que para que haja melhora nos índices de saúde, uma expansão da rede de esgoto é necessária. Não somente benefícios aos índices de saúde, mas também a existência de externalidade positiva sobre outros índices socioeconômicos.13 Ao olharmos para o cenário carioca, em poucos instantes a imagem de uma favela surge em nossa mente, favela essa que faz contrasta com a beleza das praias da cidade. Deve-se notar que nessas favelas a deficiência do saneamento básico é existente, e que tal deficiência traz diversos problemas aos moradores. 14 Mapa 1 Domicílios com acesso à rede geral de esgoto. Durante os últimos anos encontramos programas do Estado do Rio de Janeiro que não parecem evidenciar constante preocupação dos governantes sobre o problema do saneamento e de suas externalidades.15 13 Refere-se aqui aos diversos estudos realizados pelo Instituto Trata Brasil. 14 Mapa elaborado por Vilani, Machado e Rocha. 15 El País, “A Rocinha não precisa de teleférico, mas sim de saneamento básico”, 21/09/2015. 16 Gráfico 6 A dengue é uma doença de transmissão essencialmente urbana, seu ciclo epidêmico é dado por n fatores, entre eles a falta de saneamento. Ademais, outras doenças como meningite, cólera, tuberculose, DSTs, pneumonia, diarreia, são alavancadas pela falta de saneamento. 17 Tabela 6 Análise comparativa da Rocinha com o município do rio de Janeiro. Na tabela 5 vemos um comparativo dos casos de dengue entre a população da Rocinha e do restante do Rio de Janeiro. Vemos que a Rocinha se encontra em difícil situação no quesito do saneamento básico. Os indicadores de renda, como mostrados anteriormente, são determinantes de quem mora nas favelas, em outras palavras, os mais pobres são os mais vulneráveis às diversas doenças causadas pelo problema de saneamento. 16 Gráfico elaborado por Vilani, Machado e Rocha.17 Tabela elaborada por Vilani, Machado e Rocha. 1.4. Democracia, Estado e Religião Segundo Perlman18, a redemocratização brasileira trouxe o senso político aos habitantes das comunidades, isso dado pelo avanço educacional de seus filhos e netos. Entretanto, os entrevistados pela pesquisadores constantemente apontaram o seguinte slogan “Atire primeiro, pergunte depois”. O lema apresentado acima apresenta a relação que os habitantes das favelas possuem com o Estado, um Estado que ignora um terço de sua população. Perlman aponta que durante sua pesquisa, os entrevistados constantemente apontam a democracia brasileira, após o fim da ditadura militar, como sendo constituída por quatro pontos: 1. A democracia, desde a redemocratização não trouve um empoderamento dos mais pobres como esperado. 2. A redemocratização trouxe aspectos antigos da ditadura militar, como a corrupção e clientelismo, mas dessa vez presentes em todos os níveis do poder. 3. Os moradores sentem-se em posse de seus direitos e deveres. 4. Sentem-se menos participativos no sistema democrático. No gráfico 7, podemos ver como os moradores sentem-se em relação a cada esfera do poder que os influencia. 19 Gráfico 7 18 PERLMAN, Janice. Favela: Four Decades on the Edge in Rio de Janeiro. New York: Oxford University Press, Inc. 2010. 19 Gráfico elaborado por Janice Perlman para o seu livro Favela: Four Decade on the Edge in Rio de Janeiro. Podemos ainda ver como os moradores das favelas enxergam quem é o principal agente por uma mudança em suas vidas. 20 Gráfico 8 Os moradores das favelas possuem um curioso comportamento quando tratamos de política. Conforme apontado anteriormente, seria de se esperar que eles possuem uma perspectiva negativa sobre o futuro de suas vidas, entretanto, tal conclusão entra em contradição com os dados do Data Favela. 21 Gráfico 9 De fato, entre 2013 e 2015 houve uma redução de quem acreditava que melhorará muito, pouco ou piorar. Ainda assim, é importante sabermos que os moradores possuem o senso de que há muito o que mudar. 20 Gráfico elaborado pela pesquisa do Instituto Data Favela. 21 Gráfico elaborado pela pesquisa do Instituto Data Favela. 22 Gráfico 10 23 Gráfico 11 É ainda mais curioso vermos que as respostas que eles apontam como áreas problemáticas e de importância corroboram com o que foi ou será apontado nos tópicos anteriores e posteriores ou capítulos futuros. Os moradores das favelas têm consciência de quem são, e ainda mais importante, eles têm consciência do que é necessário para melhorar sua condição. Assim mostrando que eles sabem que há ciência de que tais melhoras podem ser conquistadas através do voto, como apontado abaixo. 24 Gráfico 12 22 Gráfico elaborado pela pesquisa do Instituto Data Favela. 23 Gráfico elaborado pela pesquisa do Instituto Data Favela. 24 Gráfico elaborado pela pesquisa do Instituto Data Favela. Bibliografia BARROS, Ricardo Paes de, CAMARGO, José Márcio & MENDONÇA, Rosana. A Estrutura do Desemprego no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 1997 (Texto para Discussão, n. 478). PERRONE, Helena Sbardellini. Desemprego nas Favelas do Rio de Janeiro: Composição e Determinantes. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1999. MOURA, Lucas Loureiro Maciel de. Perfil Sócio-Econômico das Favelas Cariocas. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2004. NERI, Marcelo Cortes. Trabalho e Condições de Vida nas Favelas Cariocas. Rio de Janeiro: EPGE-FGV, 2007. BECKER, Gary S. Human Capital: A Theoretical and Empirical Analysis with Special Reference to Education. National Bureau of Economic Research: Cambridge, 1994. ANDRADE, Monica Viegas & LISBOA, Marcos de Barros. A violência como causa de mortalidade. Revista Conjuntura Econômica: Rio de Janeiro, 2000. MUSUMECI, Leonarda. Perfil sociodemográfico dos moradores de favelas com UPP na cidade do Rio de Janeiro. UCAM-CESeC, 2016. PERLMAN, Janice. Favela: Four Decades on the Edge in Rio de Janeiro. New York: Oxford University Press, Inc. 2010. VILANI, Rodrigo Machado. MACHADO, Carlos José Saldanha & ROCHA, Érica Tavares da Silva. Saneamento, dengue e demandas sociais na maior favela do Estado do Rio de Janeiro: A Rocinha. Rio de Janeiro: Revista Visa em Debate – UNIRIO, 2014. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. Recife: Editora Massangana, 2010. BANERJEE, Abhijit, & DUFLO, Esther. Poor Economics: A Radical Rethinking about the Nature of Poverty. New York: PublicAffairs, 2012.
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