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(21) 2203-1072 / 3176-1072 MISSÃO Preparar os Suboficiais e Sargentos para o Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Oficiais do Quadro Auxiliar da Armada e Auxiliar Fuzileiro Naval e os Cabos para o Exame de Admissão ao Curso de Habilitação a Sargento, conquistar os melhores índices de aprovação e contribuir com a ascensão profissional das Praças da MB. DISCIPLINA LLIIDDEERRAANNÇÇAA IIII MANUAL DE LIDERANÇA SUMÁRIO CAPÍTULO I 100 - Fundamentos conceituais de liderança ..................................................................................................... 01 110 - Bases filosóficas ....................................................................................................................................... 01 111 - Distinção entre filosofia e ciência .................................................................................................. 01 112 - Atributos da filosofia ...................................................................................................................... 01 113 - Os grandes temas filosóficos .......................................................................................................... 02 114 - A ética ............................................................................................................................................ 02 115 - A axiologia ..................................................................................................................................... 02 120 - Bases psicológicas .................................................................................................................................... 03 121 - Percepção ....................................................................................................................................... 04 121.1 - Efeito de halo ..................................................................................................................... 05 121.2 - Similaridade suposta .......................................................................................................... 05 121.3 - Preconceito ........................................................................................................................ 05 121.4 - Algumas conclusões .......................................................................................................... 05 122 - Motivação ....................................................................................................................................... 05 123 - Atitude ............................................................................................................................................ 07 123.1 - Atitude: definição e componentes ..................................................................................... 07 123.2 - Aprofundando a definição ................................................................................................. 08 123.3 - Atitude e liderança ............................................................................................................. 08 130 - Bases sociológicas .................................................................................................................................... 09 131 - A questão da cultura ....................................................................................................................... 09 131.1 - Distinção entre cultura real e cultura ideal ........................................................................ 10 132 - Etnocentrismo ................................................................................................................................. 11 133 - Papel e status .................................................................................................................................. 11 134 - Processos sociais ............................................................................................................................ 11 134.1 - Cooperação ........................................................................................................................ 11 134.2 - Competição ........................................................................................................................ 12 134.3 - Conflito .............................................................................................................................. 12 134.3.1 - Alternativas ao conflito ..................................................................................... 13 140 - A teoria dos grupos humanos ................................................................................................................... 13 141 - Definições ....................................................................................................................................... 13 142 - O indivíduo c o grupo...................................................................................................................... 13 143 - Grupos primários e grupos secundários ......................................................................................... 14 144 - Comunicação no grupo ................................................................................................................... 14 145 - Dinâmica de grupo ......................................................................................................................... 14 CAPÍTULO II 200 - A teoria da liderança ................................................................................................................................ 14 210 - Aspectos fundamentais da liderança ........................................................................................................ 14 211 - Conceito ......................................................................................................................................... 15 212 - Definição ........................................................................................................................................ 15 213 - Circunspecções em torno da liderança ........................................................................................... 15 214 - Fatores predisponentes ................................................................................................................... 15 215 - Tipos ............................................................................................................................................... 15 216 - Patologias ....................................................................................................................................... 15 220 - O Líder - seus valores .............................................................................................................................. 16 221 - Valores de higidez .......................................................................................................................... 16 222 - Valores de caráter ........................................................................................................................... 17 223 - Valores de cavalheirismo ............................................................................................................... 18 224 - Valores essenciais .......................................................................................................................... 18 225 - Valores de julgamento .................................................................................................................... 19 226 - Valores de liderança ....................................................................................................................... 20 CAPÍTULO III 300 - A prática da liderança ...............................................................................................................................24 310 - Responsabilidade .............................................................................................................................. 24 311 - Responsabilidades do comando ........................................................................................................ 25 312 - Responsabilidades dos oficiais ......................................................................................................... 25 313 - Desenvolvendo o senso de responsabilidade nos subordinados ....................................................... 25 314 - Responsabilidade e omissão ............................................................................................................. 25 320 - Autoridade ................................................................................................................................................ 25 321 - Confiança ....................................................................................................................................... 26 322 - As bases da autoridade ................................................................................................................... 26 323 - Aspectos éticos da autoridade ........................................................................................................ 26 324 - Delegação de autoridade ................................................................................................................ 26 325 - Cadeia de comando ........................................................................................................................ 27 330 - Prestação de contas .................................................................................................................................. 27 331 - Mantendo os superiores informados .............................................................................................. 27 340 - O Moral .................................................................................................................................................... 28 350 - Comunicação e expressão ........................................................................................................................ 28 351 - Ordens ............................................................................................................................................ 29 360 - Um estilo para o líder ............................................................................................................................... 30 361 - Preceitos do líder ............................................................................................................................ 30 362 - Processos de influenciação ............................................................................................................. 30 363 - Decálogo de liderança .................................................................................................................... 31 CAPÍTULO IV 400 - Conclusão ................................................................................................................................................. 31 LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 1 100 - Fundamentos conceituais de liderança 110 - Bases filosóficas "A verdadeira filosofia consiste en1 reaprender a ver o mundo" (Merleau-Ponty). O homem se distingue do animal porque questiona; não aceita, sem indagação, nem mesmo a realidade concreta que o cerca. A criança, nos primeiros anos de vida, tão logo começa a dominar a linguagem verbal, inicia a fase dos “por quê” e “para quê”, quando busca, ansiosamente, respostas para o mundo, ainda restrito, a sua volta. Desde os primórdios de sua vida na Terra, o homem buscou entender; antes de mais nada, entender os fenômenos naturais que ora o amedrontavam, ora o fascinavam. Os mitos consistem em tentativas fantasiosas de explicar o mundo (e aí inclui-se uma rudimentar explicação do próprio ser humano). As mitologias variavam de uma cultura para outra, desde as elaboradas por civilizações mais desenvolvidas, até aquelas mais simplórias tanto nos questionamentos quanto nas respectivas respostas encontradas. Isto significa que a mais ingênua das tribos antigas demonstravam inquietações que podemos chamar de “filosóficas”. Ocorre que os mitos se mostraram insuficientes, acríticos e contraditórios, quando expostos à confrontação entre diferentes grupos sociais. O maior intercâmbio entre civilizações, fruto das mudanças sócio-econômicas da época, expôs a vulnerabilidade das mitologias no sentido de oferecer uma explicação satisfatória do mundo de então. No Ocidente, coube aos gregos, cerca de 600 anos antes de Cristo, realizar a passagem do mundo mítico para a consciência racional. E também na Grécia, surgiram os primeiros sophos (sábios). Pitágoras, o célebre matemático, foi quem usou, pela primeira vez, a palavra “filosofia” (philos-sophia), que significa amor à sabedoria. O que a filosofia tem buscado ˗ até nossos dias ˗ são respostas a indagações fundamentais do homem: “Quem somos?” “Para onde vamos?” “Qual o sentido da vida?” Obviamente não foram encontradas respostas definitivas para dúvidas de tal magnitude. O que não invalida a pesquisa filosófica. Inclusive porque a filosofia pretende fomentar uma atitude de permanente questionamento, de não aceitação plena de verdades acabadas. Filósofo é aquele que (se) pergunta, é o que busca encontrar soluções próprias para os dilemas que lhe propõe a vida. E, nesta medida, a filosofia é cotidiana, não permanece encastelada em uma torre de marfim. Sempre que traçamos planos para nossa vida pessoal, que estabelecemos prioridades em casa, no trabalho, que educamos nossos filhos, que selecionamos objetivos, que interagimos com os outros, de uma forma consciente e crítica, estamos na verdade pondo em prática alguma forma de filosofia. O que fazer e como fazer, a hierarquização de prioridades, em todos os níveis, pessoal, social, nacional, fazem parte do domínio da filosofia. O mundo moderno se caracteriza pelo culto à ciência e à tecnologia. O extraordinário progresso da informática dá ao homem de hoje a ilusão de onipotência, bem como a sensação de que os problemas que nos angustiam e as questões por responder poderão ser solucionadas pelo computador. No entanto, a um exame menos apressado, percebemos que, a despeito dessa indiscutível revolução tecnológica, persistem inúmeras indagações que afligem a humanidade, afora outras, mais recentes, que vieram se somar às primeiras. Além da fome e da miséria, em escala mundial, surgem novos fantasmas: desemprego, conflitos étnicos e religiosos, violência crescente nos grandes centros urbanos, a questão das drogas etc. A chamada crise de valores atual se reflete na vida pública e, em muitos casos, também na vida privada. Parece que está fazendo falta, mais do que nunca, o “amor à sabedoria”... 111 - Distinção entre filosofia e ciência Feita esta breve introdução, cabemos agora estabelecer, sucintamente, a distinção entre filosofia e ciência. Não perdemos de vista a liderança. A relação entre filosofia e liderança será estabelecida alguns tópicos adiante. É fácil estabelecer o domínio de cada uma das ciências experimentais, o que não ocorre com a filosofia; o que estuda ela? Para os filósofos, ela estuda tudo. Isto porque todos os temas, além de poderem ser examinados em nível científico, podem sê-lo, igualmente, a nível filosófico. Por exemplo, a matéria ou o homem, já estudados por inúmeras ciências, e sob diferentes pontos de vista, são temas passíveis de pesquisa filosófica. No entanto, há questões que nenhuma ciência enfrenta: o valor da vida, a liberdade, as leis morais, os valores em geral, o dilema corpo x espírito etc. Somente a filosofia se ocupa de tais aspectos.O que queremos dizer é que as ciências em geral dão conta de partes da realidade, ao passo que a filosofia tenta integrar todas estas partes. 112 - Atributos da filosofia Para que fique mais clara para o leitor a caracterização da filosofia, vamos indicar seus atributos específicos, que são: o instrumento de trabalho, o método, e o escopo (ou finalidade). • O instrumento de trabalho do filósofo é a razão pura, no dizer de Platão. De nada valem, na pesquisa e análise filosóficas, instrumentos materiais, tais como microscópios, calculadoras ou computadores. Mesmo os sentidos e a imaginação têm, no caso, valor limitado, restringindo-se à fase inicial da especulação filosófica, com o propósito de obter dados do real. LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 2 • O método da filosofia consiste no uso do raciocínio, quer pelo processo indutivo, quer pelo dedutivo; no primeiro caso, parte-se dos fatos para o estabelecimento de princípios iniciais; no segundo, o ponto de partida são os princípios que levarão a uma nova observação dos fatos (e a uma melhor compreensão dos mesmos). • Quanto ao escopo (ou finalidade), a filosofia não tem compromisso com fins imediatos ou interesseiros de qualquer ordem; seu objetivo único é o conhecimento e a pesquisa da verdade em si mesma. Está ela, portanto, segundo Aristóteles, livre para contemplar o verdadeiro. 113 - Os grandes temas filosóficos Acreditamos ter ficado claro para o leitor o que é filosofia e sua importância na vida do homem, e não apenas uma mera especulação de diletantes. Vamos tratar agora, de passagem, dos grandes temas, entre outros, com que a filosofia se preocupa. Podemos citar a questão da lógica, um estudo em si mesmo, que pretende servir instrumentalmente à filosofia, fornecendo-lhe as regras do pensamento correto. Outras questões abrangidas pela filosofia incluem o problema do conhecimento (suas origens, formas, e valor); o problema da linguagem (que interessa também a outras áreas de conhecimento, tais como fisiologia, psicologia, sociologia etc.); o problema antropológico (que estuda o homem em seus múltiplos aspectos); a questão pedagógica (que se refere à educação, em geral); a questão axiológica (que se refere ao estudo dos valores e à hierarquização destes); a questão ética (que trata fundamentalmente da moral e de sua prática); a questão cultural (que se refere ao estudo do homem inserido em seu grupo social e de sua produção de cultura) etc. Como vemos, todos os temas mencionados se revestem de grande complexidade, e valem, por si sós, um longo estudo. Não é este o nosso propósito. No entanto, para aqueles que desejarem se aprofundar em algum dos temas mencionados, forneceremos uma razoável bibliografia, que poderá atender seu interesse inicial. Cabe, neste ponto, uma pergunta inteiramente pertinente. Se não serão estudados estes temas essenciais, por que falar em filosofia, quando nossa meta é a Liderança? Que relação tem a Liderança com a filosofia? Tentaremos responder tal indagação. A nosso ver, a relação entre filosofia e Liderança é profunda. Particularmente, entre dois temas filosóficos específicos e o processo de influenciação, que é a essência da Liderança. Tais temas são: a Ética (ou moral) e a Axiologia (ou teoria dos valores). A Liderança, no caso da Marinha, é um processo de influenciar pessoas para que ajam em prol de um determinado objetivo; ocorre que tal objetivo não é um qualquer, ou algo do interesse particular do líder. Este processo deve existir em função daquilo que é do interesse específico da instituição Marinha do Brasil; portanto, tem propósitos absolutamente impessoais. Outro aspecto que reforça o ponto de vista da ligação entre Liderança e os temas da ética e da axiologia consiste no fato de que o líder é alguém que tem poder sobre um grupo (maior ou menor) de indivíduos. E o uso do poder assume aspectos bastante melindrosos, podendo gerar abusos ou aplicações indesejáveis. Com base neste raciocínio, abordaremos alguns aspectos da ética e da axiologia. 114 - A ética A ética, ou filosofia moral, é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito dos fundamentos da vida moral. Podemos definir moral como um conjunto de regras que determinam o comportamento dos indivíduos em uma dada sociedade. As normas são externas e anteriores ao indivíduo; ou seja, ao nascer a criança já se encontra dentro de um conjunto de regras de comportamento, as quais deverão ser respeitadas (atos morais), ou não (atos imorais). Dois aspectos devem ser enfatizados: 1. Tais regras são dinâmicas, isto é, variam no tempo e no espaço. Por exemplo, a moral da Idade Média (e seus conceitos de vassalagem e servidão) já não vale no período da Revolução Industrial. Além disso, o que é moral em uma dada sociedade (como a poligamia praticada pelos muçulmanos) pode não ser moral no seio de outros grupos sociais (o mesmo exemplo, no caso de uma sociedade ocidental cristã). 2. A moral, ao mesmo tempo que tem caráter coletivo, expressando as normas estabelecidas pela sociedade, só tem valor real se for aceita, em termos pessoais, por cada membro de tal grupo social. Portanto, quando educamos jovens (nossos filhos ou nossos alunos, por exemplo) não basta citarmos um elenco de regras de convívio social; é indispensável que acreditemos efetivamente nelas e as pratiquemos, para que os jovens acreditem em tais normas e possam praticá-las, sinceramente, com pleno convencimento. Podemos ainda acrescentar que o ato moral é complexo, devendo ser livre, consciente e intencional; implica em responsabilidade do indivíduo com a comunidade à qual pertence. Ao líder em geral cabe transmitir permanentemente a ética (ou moral) da instituição a que pertence, ou do seu grupo social, ou da empresa em que trabalha. Em todos os níveis, desde o grupo familiar (célula da vida social) até a condução de um povo, há que haver uma ética norteando qualquer ato dos indivíduos em sociedade. Em outro ponto deste trabalho trataremos da ética militar, quando serão citadas normas específicas que devem nortear as sociedades militares em geral (e a Marinha, em particular). 115 - A axiologia (ou teoria dos valores) Para a grande maioria dos filósofos, a axiologia é considerada a parte mais nobre ˗ e a mais importante ˗ da filosofia. Além de ser bastante urgente no atual momento histórico que o mundo vive, pois esta disciplina é basilar no sentido de lançar sólidos alicerces para a elaboração de uma nova cultura de dimensões cosmopolitas e da criação de uma nova sociedade. LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 3 O valor indica a qualidade pela qual um objeto (material ou não) possui dignidade ˗ portanto merece estima e respeito por parte de um sujeito. Para R. Guardini, “valor é aquilo pelo qual um ser é digno de ser, uma ação é digna de ser realizada.” Podemos, ainda, definir valor como uma não- indiferença. Vamos tentar explicar melhor. O mundo que nos cerca (coisas, pessoas, atitudes) não nos é, em geral, indiferente; ao contrário, tais objetos são dotados de uma não-indiferença em relação a cada um de nós. Esta não-indiferença pode ser positiva (implica aproximação) ou negativa (implica afastamento). A proximidade de um ladrão ou de um amigo são não-indiferentes; no primeiro caso, de forma negativa, e no segundo, de forma positiva. Pelo exposto, constatamos que o valor tem de ser positivo ou negativo. A indiferença de um objeto é a própria negação de seu valor para o sujeito. Vimos, até este ponto, que o valor tem duas características essenciais: 1. sua polaridade (uma não-indiferença positiva ou negativa); desta forma, a indiferença significa ausência de valor; 2. seu caráter ao mesmo tempo subjetivo e objetivo. O objeto tem qualidades que o fazem não-indiferente (desejável ou indesejável). Por outro lado, o sujeito precisareconhecer (ou não) tais qualidades no objeto, atribuindo-lhe valor positivo ou negativo. Esta propriedade nos remete a um aspecto importantíssimo da axiologia. Para ser capaz de valorizar um objeto (a vida humana, a pátria, a família, a natureza, uma doutrina religiosa) o sujeito (o homem) precisa receber uma educação adequada, que estimule sua capacidade de apreciação. Sem esta educação, especialmente quando se trata de valores universais (honra, dignidade, honestidade, etc.), perde-se a capacidade de percebê-los. E aí tais valores são obscurecidos, perdem-se. Infelizmente, a sociedade atual parece encontrar-se neste estágio. Por isso, fala-se tanto hoje em dia em crise de valores. A característica fundamental da axiologia consiste na hierarquização dos valores. Tanto aqueles estabelecidos pela sociedade à qual pertencemos, quanto aqueles (que, em geral, coincidem com os primeiros) que nos são transmitidos pela educação familiar e são por nós escalonados, isto é, a eles são atribuídas prioridades. Assim é que, geralmente (embora nem sempre), o homem tem como valor primordial a própria vida (e a luta permanente por sua preservação). Nem sempre, repetimos, este é o valor maior. Por exemplo, a prática dos Kamikaze, pilotos-suicidas japoneses, que, durante a Segunda Guerra Mundial, lançavam-se contra objetivos inimigos, privilegiando como valor primeiro a causa da pátria (e não a própria vida). Outro exemplo seria aquele de monges budistas do Vietnã do Sul, os quais, em protesto contra perseguições religiosas por parte de um governo católico, literalmente, incendiavam-se em público. Exemplo mais próximo do leitor, o juramento proferido solenemente pelos oficiais da MB, assegurando defender a honra, integridade, e instituições da pátria, com o sacrifício da própria vida. Constatamos, pelos exemplos mencionados, que a hierarquização de valores varia de um país para outro, de uma sociedade organizada para outra, de um grupo social para outro. No entanto, podemos afirmar que há valores perenes e absolutos, conquistas da nossa cultura, como a honra, a honestidade, a bondade etc. Tais valores devem ser transmitidos (e, evidentemente, praticados), pelo líder a seus liderados, de forma permanente e cotidiana. Atualmente, para bem cumprir tal tarefa de doutrinamento, há que se enfrentar dificuldades adicionais; a começar pela hierarquização de valores praticada pelas sociedades em geral (embora nem sempre declarada): privilegia-se o que é concreto e material (o dinheiro, como fonte de poder e satisfação; o culto ao corpo, à beleza e à juventude ˗ estes últimos, valores transitórios), em detrimento de valores abstratos e perenes, como os acima mencionados. Aqueles que pretendem liderar ˗ em todos os níveis da hierarquia militar ˗ devem ter sempre em mente, como um farol a norteá-los, a fundamental importância de conhecer claramente a prioridade estabelecida pela Marinha com relação aos valores que lhe são vitais. Conhecendo-os com clareza, praticá-los inquestiona- velmente, em quaisquer circunstâncias, e transmiti-los, dia e noite, a seus liderados. Este é o desafio inicial a ser enfrentado pelo líder, e o início, com possibilidade de êxito, do processo chamado liderança. 120 - BASES PSICOLOGICAS Conhece-te a ti mesmo, célebre máxima socrática, certamente foi a primeira afirmação consequente sobre a natureza psicológica do homem. Mas a psicologia só muito recentemente, em fins do século XIX, ganhou status de ciência, com o advento da chamada psicologia científica. Antes disto, estivera sucessivamente subordinada à filosofia, à religião e à medicina. Falando genericamente, a psicologia estuda o homem, como, aliás, as demais ciências humanas. Portanto, tal afirmativa não é suficiente para defini-la. Como fazê-lo, então? Não é tarefa muito fácil, porque a psicologia, ciência recente, apresenta diferentes linhas de pensamento, as quais responderão distintamente à pergunta formulada sobre seu objeto de estudo. Assim um psicólogo behaviorista (ou comportamentalista) responderá que a psicologia estuda o comportamento humano; já um segundo psicólogo, da escola gestaltista, dirá que seu objeto de estudo é a consciência do homem, e um terceiro psicólogo, este psicanalista, afirmará que estuda o inconsciente. LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 4 Podemos assegurar que a matéria-prima da psicologia é a vida humana em seus múltiplos aspectos: mentais, corporais, de interação com o mundo externo. Seu objeto de estudo são os fenômenos psicológicos. O que vem a ser isto? São processos que ocorrem no mundo interno dos indivíduos, construídos ao longo de sua vida; são contínuos, e nos permitem sentir o mundo de forma própria, comportarmo-nos desta ou daquela maneira, adequarmo-nos à realidade e transformá-la. Tais processos são constitutivos de nossa subjetividade. Todo aquele que necessita lidar com seres humanos precisa ter noções mínimas de psicologia, sob pena de ficar absolutamente perdido e perplexo. Algumas pessoas, a despeito de pouco conhecimento teórico, dispõem de sentimento e compreensão intuitivos sobre o psiquismo do próximo; mas são exceções. Mesmo tais indivíduos, mais bem dotados sob este ponto de vista, podem cometer graves equívocos nos processos de interação social, por falta de uma base científica mínima. Convém ressaltar que todos nós, em maior ou menor escala, fazemos uso de recursos que poderíamos chamar de psicologia do senso comum, nas nossas relações, no trabalho, na rua, com superiores e subordinados. Mas, insistimos, esta psicologia intuitiva não substitui, de modo algum, os conhecimentos indispensáveis a serem empregados nos processos de relacionamento interpessoal. E a liderança, onde entra na questão? Que relação tem com a psicologia? Pelo que já foi mencionado acima, não nos parece difícil responder. A liderança consiste em uma relação que envolve pessoas (líder e liderados) interagindo; é muito específica, estreita, construída ao longo do tempo, e sujeita à permanente reavaliação. O exercício do poder, já mencionado anteriormente, é fator que distingue esta relação das demais, familiares, sociais etc. Fica, pois, evidente, o quanto é importante para o líder conhecer seu próprio perfil psicológico, ao mesmo tempo que necessita exercitar, pacientemente, o conhecimento dos membros do grupo sob suas ordens, suas possibilidades e limitações, além de avaliar suas possíveis reações em diferentes contextos. Vista a relação entre psicologia e liderança, cumpre acrescentar que não trataremos, neste manual, nem mesmo do que se poderia chamar de introdução à psicologia. Isto porque, mesmo em nível elementar, a complexidade da psicologia não permite um tratamento superficial; e o aprofundamento do tema tomaria tempo e espaço excessivos. Vamos nos ater, portanto, a três aspectos da psicologia os quais interessam, objetivamente, ao processo da liderança. São eles: percepção, motivação e atitude. 121 - PERCEPÇÃO O conceito psicológico de percepção é uma contribuição da escola psicológica da Gestalt (termo alemão, cuja significação é referente à forma, ou ao todo). Para esta escola, o homem é sempre capaz de receber estímulos do mundo externo e responder a eles, após os haver interpretado. Tais estímulos incluem coisas, pessoas e situações. Claro está que o psiquismo do próprio observador, sua subjetividade, vai interferir decisivamente em seu processo de percepção. Quanto mais complexo for este estímulo, maiores são as possibilidades de ocorrerem percepções distintas, por parte de diferentes observadores. Dessa forma, a percepção se faz sem grandes dificuldades, quando o objeto percebido é concreto; por exemplo, somos capazes de identificar um carro pequeno, com a pintura em bom estado; a maioria dos observadores perceberá claramente tais características, semnenhuma controvérsia. Já, quando o objeto percebido é uma pessoa, surgem maiores dificuldades. Quando conhecemos alguém, tendemos a formar impressões imediatas sobre a pessoa. Podemos achá-la simpática, inteligente, mas um pouco afetada, por exemplo; um segundo observador, ao conhecer esta mesma pessoa, pode considerá-la simpática, não muito inteligente, e bastante simples; já um terceiro poderá dizer que nem se aproximou muito, por considerá-la bastante antipática. O exemplo citado é superficial, nele foram usadas poucas características da pessoa percebida; claro está que quanto mais atributos forem utilizados, maiores são as possibilidades de percepções distintas por parte de diferentes observadores. Ou seja, a subjetividade de quem percebe interfere poderosamente no processo de formação de juízos. Esta é uma primeira constatação quando estudamos o processo de percepção. Também ocorre que a maioria das pessoas revela alguns traços de sua personalidade (os que considera favoráveis), mas esconde outros atributos, principalmente em um primeiro contato. Este “mascaramento” é outro fator complicador em nosso processo de avaliação dos outros. Tais constatações nos levam a uma primeira conclusão: nossa percepção é falha, quando estamos observando pessoas (ou grupos delas); isto porque os seres humanos (sujeitos e objetos do processo) têm emoções muitas vezes secretas. Por este motivo é que, muitas vezes, somos surpreendidos por manifestações imprevisíveis de comportamento de fulano ou de sicrano. Quantos exemplos já não tivemos, todos nós, ao longo de nossa vida? O indivíduo alegre, brincalhão, que subitamente entra em processo de depressão e se suicida; ou aquele sempre pacífico e cordato, que de repente se torna bastante agressivo e violento. Surpresas desta ordem ocorrem com relativa frequência, e serão maiores quando estamos despreparados para lidar com o jogo de emoções dos outros, considerando que nossos juízos são sempre definitivos. LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 5 Qual a solução para a forte tendência de estabelecermos percepções equivocadas sobre terceiros? Antes de mais nada, reconhecer que as pessoas não são formulações matemáticas que apresentam solução- padrão; em seguida, ter suficiente humildade para não confiar cegamente na própria percepção, tendo capacidade para reformulá-la após observação mais duradoura e acurada. Examinemos, neste ponto, alguns dos processos mais comumente postos em prática pelos observadores em geral, e que conduzem a graves equívocos na formação de juízos sobre terceiros. 121.1 - Efeito de halo - É muito comum categorizarmos o objeto de nossa percepção em termos de bom e mau, deduzindo, a partir desta primeira classificação, os demais traços do indivíduo observado. Esta tendência é chamada de “efeito de halo”, porque a pessoa rotulada de boa, passa a ser cercada por uma aura positiva, sendo a ela atribuídas todas as qualidades consideradas favoráveis ao contrário, se o indivíduo é rotulado de mau, passa a possuir um halo satânico ou negativo, sendo a ele atribuídas todas as más qualidades. Experiências de psicólogos como Osgood e Tannenbaum mostraram como as pessoas observadas, uma vez incluídas em uma dessas categorias, dificilmente são avaliadas com alguma riqueza de detalhes por parte da grande maioria dos percebedores. Verificou-se, pois, que os observadores, em geral, formam impressões bastante superficiais sobre os outros, tendendo à simplificação e à descrição bastante pobre dos objetos percebidos. 121.2 - Similaridade suposta - É bastante frequente a tendência da maioria das pessoas para supor que as outras são semelhantes a elas mesmas. Se o indivíduo gosta de futebol, tende a acreditar que os outros também gostam; se é agressivo, supõe que os outros também o são, e assim por diante. Isto é, grande parte dos indivíduos atribui suas próprias características aos outros. É o que se chama similaridade suposta. Tal distorção apresenta duas consequências principais: • o observador classifica as outras pessoas como sendo mais semelhantes ao próprio observador do que realmente são; distorce a personalidade dos outros de maneira a torná-la mais afim da sua própria, e assim simplificar a avaliação; • a avaliação, realizada por um determinado observador, a respeito de uma outra pessoa, revela em geral mais atributos da personalidade do observador do que da pessoa observada. 121.3 – Preconceito - Quando dizemos que todo sueco é louro, estamos, na verdade, baseando nossa afirmação num estereótipo do povo daquele país; acertaremos em cerca de 80 por cento dos casos, porque, efetivamente, a maioria dos suecos é composta por pessoas de cabelos louros. Já se afirmarmos que todo judeu usa óculos, a probabilidade de erro aumenta muito, porque não há nenhum fundamento concreto para se fazer tal assertiva; não há qualquer prova real de que judeus, em sua maioria, usem óculos. Portanto, a tentativa de avaliar alguém, a priori, pelo fato de pertencer a um grupo étnico, religioso, político etc, pode nos conduzir a graves equívocos. Isto porque o estereótipo pode não ter qualquer base na realidade, ou mesmo que assim não seja, o indivíduo observado pode ser atípico. O uso do estereótipo na avaliação de pessoas revela tendência à generalização e à simplificação grosseiras no juízo que pretendemos formular sobre alguém, o que conduzirá, fatalmente, a uma impressão absolutamente imprecisa da pessoa observada. 121.4 - Algumas conclusões - Pelo que expusemos brevemente acima, podemos chegar com facilidade a algumas conclusões, relativas ao processo de percepção de pessoas: 1. No processo de percepção de indivíduos, interagem três variáveis, a saber: o observador, sujeito da ação; a pessoa percebida, objeto da ação; e a situação em que ambos, sujeito e objeto, estão envolvidos. 2. Não existe receita ou solução-padrão capaz de assegurar que a percepção de pessoas se realize de forma isenta de equívocos. 3. Das variáveis apontadas em “1”, duas fogem ao controle do observador: o objeto (ou pessoa percebida), c a situação em que ocorre a interação sujeito-objeto. 4. A única das variáveis mencionadas em “1” que permite razoável grau de controle (e, portanto, de modificação), é aquela relativa ao próprio sujeito (ou observador). Caso este último conheça as armadilhas que cercam a maioria daqueles que avaliam terceiros, poderá evitá-las, aprimorar seus juízos, e se aproximar, de forma expressiva, de um retrato mais fiel da pessoa observada. 5. É importante relembrar que o observador deverá evitar a tendência à simplificação e à generalização (que revelam acomodação) no processo de percepção de pessoas. Deverá tentar formular juízos da forma mais acurada possível, considerando que os outros são indivíduos, não cabendo dentro da roupa justa dos rótulos, os quais comprometerão os juízos a seu respeito. 122 - Motivação Todo comportamento humano é motivado. Nossos atos, mesmo os mais rotineiros, têm, por trás de si, motivos que os norteiam. Assim, podemos definir motivo como uma condição interna que leva o indivíduo a agir e persistir em um dado comportamento, visando um determinado objetivo. Podemos afirmar que fumar ou não, optar pelo uso de bermuda ou terno e gravata, escolher ir trabalhar de carro ou metrô, são decisões motivadas. Claro está que, em níveis mais complexos, a motivação continua presente; por exemplo, a escolha de uma profissão, a decisão de se casar ou não, a eleição dos amigos mais íntimos, etc. LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 6 Há situações de natureza simples, em que podemos identificar, inquestionavelmente, o motivo gerador de nosso comportamento (o ato de beber água, quando sentimos sede). Em outras situações, o motivo pode não ser claro ˗ o que não impede a manifestação do comportamento (pessoas que têm compulsãopor lavar as mãos com frequência exagerada). Dessa forma, podemos dividir a motivação em duas categorias: consciente e inconsciente. A motivação consciente está associada a comportamentos em que o sujeito sabe claramente qual o motivo que o impeliu à ação (como no exemplo da sede, mencionado acima). Já as motivações inconscientes determinam comporta- mentos em que o sujeito crê em um motivo (aparente), que não é o verdadeiro; este chama-se motivo latente; no caso do exemplo da pessoa que lava compulsivamente as mãos, o sujeito provavelmente explicará seu comportamento, alegando que age assim porque as mãos estão sujas (motivo aparente) , quando na verdade se comporta daquela forma porque tem pensamentos pecaminosos, que considera sujos(motivo latente). Para a maioria dos psicólogos sociais, os motivos têm origem nas necessidades. Ou seja, o motivo é uma condição interna que conduz à ação (como já mencionamos), desde que haja uma necessidade. Caso o indivíduo não tenha necessidades de qualquer natureza, ele simplesmente não age. Para explicar o processo da motivação humana, o psicólogo Lagache criou o conceito de homeostase. A homeostase pode ser definida como um estado ideal de equilíbrio, em que o indivíduo, não sentindo quaisquer necessidades, permanece em repouso; qualquer modificação neste estado ideal, que venha a gerar desconforto (e caracterizar o surgimento de uma necessidade), criará um motivo que, por sua vez, desencadeará um comportamento o qual visa restabelecer a condição de equilíbrio. O gráfico a seguir poderá ajudá-lo a compreender com clareza o processo descrito. Outro conhecido psicólogo social, A. H. Maslow, formulou uma interessante teoria sobre a motivação humana, a partir de cinco categorias de necessidades, as quais ele hierarquiza, partindo das mais genéricas e elementares (base da pirâmide) às mais sutis (topo da pirâmide). Examinemos abaixo o gráfico construído por Maslow, hierarquizando as diferentes necessidades humanas. Entende-se por necessidades fisiológicas aquelas mais prementes, as quais afetam todos os indivíduos da espécie; referem-se a fome, sede, repouso, sexo etc. Começamos a interpretar o gráfico a partir delas, porque se considera que um indivíduo carente de alimento, segurança, amor e auto-estima desejará muito provavelmente saciar de início, sua fome. Isto significa que sua motivação básica, em tal circunstância, desenvolver-se-á a partir da necessidade de alimento; indo mais longe, seu comportamento (ação de eliminar a necessidade) orientar-se-á geralmente no sentido de comer, antes de qualquer outra preocupação. Uma vez atendidas as necessidade básicas, referidas na base da pirâmide, o indivíduo passará a sentir necessidades em um grau imediatamente acima (ou seja, subirá um degrau no gráfico de Maslow, percebendo as necessidades de segurança). Atendidas tais necessidades, o indivíduo escalará mais um degrau da pirâmide, ao sentir necessidade de amor e afeto. Consideram os psicólogos, em sua maioria, que a frustração no atendimento destas necessidades é a origem mais comum da falta de adaptação e da psicopatologia grave. Convém ressaltar que se inclui, neste nível de necessidade, tanto o dar quanto o receber amor. Seguindo a mesma linha de raciocínio, aparecem as necessidades de auto-estima, às quais corresponde o desejo de avaliação estável e elevada, além do respeito das outras pessoas. No topo da pirâmide, finalmente, surgem as necessidades de auto-realização, que podem ser expressas como a tendência do indivíduo para realizar plenamente seu próprio potencial; ou seja, é o momento em que o homem age no sentido de efetivamente ser o que pode ser. Claro está que alguém só se comportará com o objetivo de satisfazer necessidades de auto- realização, quando tiver saciado devidamente aquelas anteriores, fisiológicas, de segurança, de amor e de auto- estima. Todo aquele que pretende exercer uma liderança efetiva, necessita, na verdade, atuar sobre o comportamento dos membros do grupo liderado, mantendo-o (em caso de comportamentos adequados), ou o modificando (em caso de comportamentos indesejáveis). LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 7 Antes de encerrarmos estas considerações sobre a motivação humana, é importante tratar de um conceito intimamente relacionado a tal processo. Trata-se da noção de incentivo, de grande utilidade para aqueles que, como os líderes, necessitam atuar sobre os comportamentos de outras pessoas. Incentivos são objetos ou condições que despertam motivos e, portanto, tornam-se finalidades para as quais se dirigem os comportamentos. Só serão eficazes, porém, em função dos motivos do indivíduo. Vamos exemplificar: o alimento só funcionará como incentivo para alguém que esteja faminto, não tendo efeito para uma outra pessoa cuja fome esteja saciada. Entre os incentivos, podemos citar: recompensas e punições, elogio, censura e competição. Com relação a recompensas e punições os psicólogos em geral consideram que o castigo, mesmo se usado com muita frequência, não se mostra mais eficaz do que a recompensa; esta última apresenta melhores resultados do que os castigos, em processos de aprendizagem. Pesquisas também mostraram que o elogio é superior à censura, e está, por sua vez, superior à indiferença. A curto prazo, elogio e censura apresentam resultados idênticos como incentivos; no entanto, a longo prazo, o elogio se mostra mais eficaz. A competição também é bastante utilizada em grupos de indivíduos, com o propósito de estimular melhor desempenho entre seus membros. Deve ser empregada, porém, com bastante critério, uma vez que apresenta uma grave limitação: apenas um indivíduo vence, enquanto os demais membros do grupo podem sentir-se perdedores, o que gerará frustração e desestímulo, além de poder desencadear processos agressivos no seio do grupo. Os psicólogos consideram que deve ser estimulada a competição do indivíduo consigo mesmo, na busca de melhores resultados, e não contra os demais componentes do grupo. 123 - Atitude Aparentemente, os tópicos de psicologia, já examinados por nós, encerram a contribuição básica que esta ciência pode emprestar à fundamentação do processo chamado Liderança. Tratamos da essencial importância que a “percepção” apresenta na interação líder-liderados; estudamos, ainda, o processo da motivação humana, e constatamos como o comportamento humano é desencadeado a partir de motivos. Aparentemente, repetimos, esgotamos a questão, uma vez que o líder almeja preservar ou modificar comportamentos de seus liderados, por meio da influência sobre eles exercida. No entanto, existe um aspecto sutil na questão, que nos leva a aprofundar mais as considerações sobre as bases psicológicas da Liderança. A sutileza a que nos referimos é de que a ação dos liderados, por influência do líder, deve ser voluntária e não imposta. A imposição descaracteriza a Liderança, como será visto alguns tópicos adiante. Desta forma, líder é o indivíduo suficientemente preparado para despertar em seus liderados a adesão voluntária aos objetivos que ele tem em vista. Por outro lado, o comportamento a manifestação aparente de uma vontade; mas o que se pretende atingir, na prática da efetiva liderança é a essência desta vontade. Exemplifiquemos: nada assegura a um professor, em sala de aula, que o fato de um aluno estar em silêncio, olhando para o quadro, com uma postura ideal, signifique que tal aluno esteja efetivamente atento ao conteúdo da aula, apreendendo o que está sendo ministrado; seu comportamento parece indicar interesse e adesão, mas não há garantias neste sentido. Outro exemplo: um indivíduo frequenta assiduamente a missa dominical; baseados tão somente neste comportamento, acreditamos que esse indivíduo é católico praticante. Na verdade, porém, o homem talvez frequente a igreja apenas para acompanhara esposa, não tendo vínculos pessoais com a fé e a religião. Os exemplos indicam que precisamos ir além da questão do comportamento, se pretendemos atingir a essência do processo de influenciação. Esta necessidade nos conduz ao conceito de atitude. 123.1 - Atitude: definição e componentes - Os psicólogos Mc David e Harari definem atitude como “um sistema relativamente estável de organização de experiências e comportamentos relativos a um objeto ou evento particular”. Atitude é um conceito hipotético (como muitos outros em psicologia), isto é, não pode ser diretamente observável, o que não impede que seu efeito possa ser inferido a partir do comportamento decorrente (o qual, como vimos, é manifestado pelo sujeito). Podemos, assim, assegurar que o comportamento é a expressão de uma atitude (ou de uma combinação de atitudes). Vamos examinar, mais detidamente, a definição enunciada acima. De início, afirma-se que atitude é um sistema; portanto, compõe-se de partes. Que partes são estas? Uma delas, de caráter racional, é chamada de elemento cognitivo; é conceitual, ligado, portanto, à consciência do indivíduo. Outra parte componente do sistema de atitudes de uma pessoa é o elemento afetivo, relacionado a sentimentos e emoções do sujeito; este elemento trata do gostar (ou não) de um determinado objeto, independente de argumentos racionais. Um terceiro elemento, chamado comportamental, trata das tendências ou predisposições do indivíduo para agir de maneira própria. É importante ressaltar que os elementos citados não atuam isoladamente, mas se interpenetram, imbricam-se, apresentando uma resultante final, que se manifestará através do comportamento por ela gerado. Convém chamar atenção para outra parte da definição que afirma que as atitudes são sempre relativas a um dado objeto. Os objetos podem ser pessoas (o pai, o vizinho, o patrão etc), grupos sociais (negros, judeus, membros de uma seita ou religião, componentes de um partido político etc), idéias ou crenças (que são abstrações, ligadas à teoria dos valores, examinada por nós anteriormente). LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 8 Pelo que foi até aqui exposto, é possível concluir que as atitudes têm fortes propriedades motivadoras, isto é, orientam o comportamento dos indivíduos. 123.2 - Aprofundando a definição - Prosseguindo no exame da definição proposta por Mc David e Harari, por nós adotada, verificamos que os autores referem-se à atitude como um sistema relativamente estável; isto é, nem rígido, nem instável. Vamos explicar o significado desta afirmação. O sistema de atitudes de um indivíduo vai sendo estruturado ao longo de sua existência, por meio de experiências vividas, desde a primeira infância; é um processo dinâmico, que acompanha o desenvolvimento psicossocial do sujeito. Isto quer dizer que, uma vez atingida a maturidade, tal sistema deverá, em condições normais, estar praticamente estável; mas não rígido, cristalizado. Ou seja, o sistema de atitudes, mesmo no caso de um adulto, é passível de sofrer alterações (porque é relativamente estável); quer dizer, mesmo um adulto pode rever seus conceitos, reformular suas crenças, reconsiderar suas relações afetivas, em suma, reorganizar seu sistema de atitudes. Obviamente, esta possível reorganização não ocorre a todo momento, a partir de qualquer argumento banal ou não convincente (o que caracterizaria o sistema como instável). O adulto em geral, particularmente aquele que teve uma formação que melhor sedimentou crenças e valores, reage em operar modificações no próprio sistema de atitudes, parte integrante de sua estrutura mental e psicológica. Pelo exposto, fica claro que é mais fácil atuar sobre o sistema de atitudes de um adolescente, em relação ao de um adulto, porque aquele ainda está estruturando seu sistema; mais fácil, ainda, agir sobre o sistema de atitudes de uma criança, porque esta está em pleno processo de elaboração do próprio sistema, ainda incipiente. Por isso dizemos que é mais fácil incutir hábitos nas crianças do que nos adolescentes; o processo de educação nada mais é do que a permanente atuação nos sistemas de atitudes dos educandos. A possibilidade de atuação ˗ e consequente reorganização ˗ dos sistemas de atitudes de adultos é a grande arma da propaganda em geral, quer tenha como finalidade vender um produto comercial, quer pretenda disseminar uma crença, quer apoie um candidato político. Retomando os termos da definição proposta, é importante enfatizar que a atitude é sempre relativa a um dado objeto; não existe atitude em termos absolutos. Assim, por exemplo, posso afirmar que tenho uma atitude positiva em relação às causas ecológicas (embora não tenha nenhum comportamento que leve a uma participação efetiva); posso, também, dizer que tenho uma atitude negativa em relação a minha sogra (o que não implica que eu assuma um comportamento que me leve a estrangulá-la.). Perceba o leitor que, nos exemplos acima, introduzimos dois novos conceitos, quais sejam os de atitude positiva e o de atitude negativa. A atitude será positiva em relação a um dado objeto, quando gerar motivação atrativa (ou de aproximação) em relação ao mesmo. É muito provável que o comportamento desenvolvido a partir de tal atitude, conduza o sujeito a se aproximar do objeto em questão (mas, como já estudamos, não necessariamente). A atitude será negativa em relação a um objeto, quando gerar uma motivação repulsiva (ou de afastamento) do mesmo; o comportamento derivado poderá ser de evitação de tal objeto, embora não necessariamente. 123.3 - Atitude e liderança - O leitor mais atento, a esta altura, já deve ter percebido o propósito de tratarmos, especificamente, da questão da atitude. O fato é que a liderança, enquanto processo de influenciação e persuasão, consiste precisamente em atuar no complexo sistema de atitudes de indivíduos adultos. A efetiva liderança, como já mencionamos, não se contenta com a simples manifestação de comportamento, já que esta pode ser meramente a adesão aparente ˗ e não voluntária e legítima ˗ aos objetivos propostos. Vejamos um exemplo. Suponhamos um indivíduo cuja atitude é negativa em relação à guarda e à administração de bens públicos (o que significa que, para ele, a honestidade e a probidade não são valores maiores, sendo tal indivíduo capaz, sob certas circunstâncias, de tirar proveito pessoal desta guarda e gestão); apesar da atitude negativa, ele pode manifestar, durante longo período, comportamento aparentemente honesto, durante o qual é mantido sob controle severo, o que o impede de manifestar sua verdadeira atitude. Cabe ao líder, como já sublinhamos anteriormente, não só pregar permanentemente os valores de sua instituição, como também ˗ e isto é óbvio ˗ praticá-los de modo rotineiro. Os valores maiores, repetimos, não se constituem mero discurso, e sim uma prática constante, que deve contagiar os sistemas de atitudes dos liderados. Constatamos, cada vez mais, o quanto a Liderança exige atributos do líder, que deve ser alguém de formação sólida, preparação teórica profunda, e não apenas um executor de procedimentos ou simples leitor de regras superficiais. No caso da atitude, devemos ainda acrescentar dois métodos que possibilitam a modificação dos sistemas de um grupo de pessoas. Tais métodos são o direto e o indireto. O método direto consiste em submeter a pessoa ao contato estreito, íntimo (direto, portanto) com o objeto de uma dada atitude, a qual se pretende modificar. É aplicável quando o indivíduo em causa desenvolve atitude negativa (de afastamento, como já mencionado) em relação ao objeto mencionado. É possível que o indivíduo portador da atitude negativa, uma vez interagindo diretamente com o objeto, venha, a partir de novas informações e experiências, a reavaliar seus pontos de vista, reformular suas idéias e reorganizar sua atitudeanterior, modificando- a de negativa para positiva. LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 9 Por exemplo, uma pessoa que tenha medo de viajar de avião (atitude negativa, de afastamento em relação a este meio de transporte). Tal indivíduo é obrigado, por circunstâncias, a usar o avião em uma de suas viagens; a partir desta experiência, percebe que o meio é rápido, confortável, a viagem transcorre sem qualquer transtorno, e o sujeito passa a considerar viagens aéreas uma ótima opção. Importante ressaltar que, quando a atitude é fortemente negativa, em decorrência de experiências anteriores de caráter traumático com o respectivo objeto, é possível que o sujeito não consiga reformulá-la; ao contrário, sua aversão pelo objeto pode até aumentar, pela aplicação do método direto. Mas tal eventualidade será muito mais uma possibilidade individual. No caso de grupos ˗ o que nos interessa diretamente, em função da liderança ˗ o método direto pode mostrar-se eficaz na reversão de atitudes negativas em relação a determinado objeto. O método indireto consiste em fazer o indivíduo assumir, temporariamente, atitude oposta à que apresenta inicialmente, defendendo argumentos contrários aos de sua verdadeira atitude; em suma, colocar-se na posição daqueles que têm atitude oposta a dele, em relação a determinado objeto. Pode-se dizer que a pessoa se faz, às vezes, de “advogado do diabo”, como reza o dito popular, defendendo argumentos contrários àqueles em que realmente acredita. É possível que, nesta troca de papéis, o indivíduo seja obrigado a refletir, contando com dados e informações novos, dos quais não dispunha até então, levando-o a reorganizar sua estrutura cognitiva. Os dois métodos apresentados são os mais utilizados na tentativa de modificar atitudes, o que não impede que o líder criativo e conhecedor de seus liderados desenvolva processos próprios no sentido de atuar no sistema de atitudes dos membros de seu grupo. 130 - Bases Sociológicas Nossa intenção, neste tópico, é estabelecer a relação entre sociologia e liderança. Ou, dito de outra forma, a medida pela qual a sociologia fornece alguns conceitos à liderança, sobre os quais esta pode ser construída. Pela mesma maneira que desenvolvemos as bases filosóficas e as bases psicológicas, vamos examinar conceitos sociológicos que, a nosso ver, têm particular relação com a Liderança. Antes de mais nada, é importante definir sociologia. Como ciência humana que é, sua preocupação primordial, seu fim último, é o homem, a condição humana. Não obstante, precisamos ser mais específicos. A sociologia tem como objeto de estudo as sociedades; estas designam um grande complexo de relações humanas, um amplo sistema de interações. Importante ressaltar, neste ponto, que o termo “sociedade” não está vinculado à idéia de maior ou menor ordem de grandeza. Podemos nos referir a sociedades compostas por milhões de seres humanos (a sociedade brasileira, por exemplo), ou a sociedades de dimensão muito mais modesta (a associação de moradores de um condomínio). O que, então, caracteriza uma sociedade? O grau de complexidade das relações internas desta coletividade, suficientemente amplo para ser analisado do ponto de vista sociológico. Max Weber afirma que uma situação social é aquela em que as pessoas orientam suas ações umas para as outras. O resultado desta orientação de forças agindo no seio de uma coletividade é que vai constituir o material de análise sociológica. Sociólogos concordam que a perspectiva sociológica envolve um processo que vai permitir examinar as coletividades além das fachadas das estruturas sociais. Nesta medida, a sociologia tem como meta mostrar o lado de dentro das sociedades, rasgadas as fantasias e postas de lado as máscaras, com o propósito de refletir, com profundidade, sobre a dinâmica de forças atuantes em dada coletividade. Como estudaremos mais adiante, a liderança envolve líder, liderados, e contexto (ou situação). E mais, devemos sublinhar que a liderança é, fundamentalmente, uma relação. Relação esta que, de tão peculiar, demanda um estudo elaborado e de bastante complexidade, sem concessões a eventuais simplificações e/ou generali- zações apressadas. Partindo desta visão da Liderança, é evidente, pelo que já expusemos neste tópico, o quanto a sociologia tem para contribuir em termos de embasamento teórico no estudo e na construção do processo da Liderança. Para muitos teóricos, a Liderança, dadas as características singulares que envolve, constitui-se em um processo ímpar de interação social, o que só vem corroborar sua relação com a sociologia. Faz-se mister afirmar que não trataremos da sociologia em seus vários aspectos, e sim daqueles que, a nosso ver, têm relação estreita com a Liderança. É o que faremos a seguir. 131 - A questão da cultura O homem, além de um ser natural, é, fundamentalmente, um ser cultural. Todos nós, representantes da espécie humana, nascemos dentro de determinado contexto cultural, do qual recebemos uma herança social; podemos introduzir modificações nesta última e transformá-la, contribuindo para o legado de futuras gerações. Podemos definir cultura como tudo que é socialmente aprendido e partilhado pelos membros de dada sociedade. Esclarecendo melhor, cultura é um termo que pode ter significado elitista, pedagógico ou antropológico. Na primeira acepção, refere-se à quantidade de saber em geral (ou em um aspecto específico) que alguém é capaz de deter; no sentido pedagógico, refere-se à formação, à educação, ao cultivo do homem; antropologicamente falando, trata do conjunto de costumes, técnicas e valores que caracteriza um grupo social, um povo, uma nação. É o modo de viver próprio de uma sociedade (Taylor). LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 10 No sentido antropológico, aquele que nos interessa especificamente, podemos listar os elementos fundamentais que compõem as culturas em geral; são eles: a língua, os costumes, as técnicas e os valores, relativos a uma dada sociedade; A língua é, sem dúvida, o primeiro elemento a unir grupos de indivíduos sob um signo comum; é o elemento catalisador, agente das relações sociais. Mas a língua não é suficiente, por si só, para caracterizar uma cultura (por exemplo, o português falado em culturas diversas como a brasileira, a portuguesa e a angolana). Os costumes abrangem inúmeros aspectos, tais como o vestuário, a alimentação, a música, a religião etc. Tratam, de fato, do estilo de vida de um povo, sua maneira de lidar com a realidade. Os costumes são relativos ao comportamento em geral. As técnicas tratam das formas próprias pelas quais culturas diferentes desenvolvem meios próprios de trabalho e produção de bens; por exemplo, formas específicas de trabalhar a terra e desenvolver a agricultura. Os valores se referem a critérios, normas e ideais de uma dada sociedade; têm íntima relação com o processo de formação de atitudes. Tais normas e valores definem o que é moral ou não no seio de determinada sociedade; esta cobra determinados comportamentos de seus membros, proibindo outros. Os sociólogos, em geral, afirmam que em uma sociedade com um sistema de valores claramente definido e firmemente implantado, existe muito pouca probabilidade de conduta pessoal desviante. O que possibilita, em contrapartida, uma conclusão óbvia: o excesso de comportamentos desviantes, no âmbito de uma sociedade, é sintoma evidente de que seus valores não estão claros, ou estão sendo praticados de modo frágil. Vale ressaltar que uma cultura não é apenas uma acumulação de normas e hábitos, mas sim um sistema organizado de comportamentos. Importante perceber que, dentro de uma determinada cultura, podemos notar grupos de pessoas que desenvolvem comportamentos próprios, não compartilhados por todos os membros desta cultura; é o que se definecomo subcultura. As subculturas se distinguem umas das outras por traços específicos, entre os quais podemos citar a religião, a ocupação, a faixa etária, a classe social e outros. Claro está que os indivíduos, em geral, participam de várias destas subculturas, embora todos incluídos na cultura maior, de âmbito nacional. No caso particular da sociedade brasileira, podemos facilmente perceber subculturas regionais, que se caracterizam por hábitos, costumes e mesmo valores diferentes. Isto se deve a condições muito próprias de cada região, sua história, composição étnica, condições naturais, que conformam as atividades comuns daquela região. Assim, a Bahia, por exemplo, tem ainda hoje uma população negra em sua maioria, com forte influência da cultura africana na música, na religião, na culinária, nos costumes; tais características estabelecem grandes diferenças entre a citada subcultura baiana e, por exemplo, a gaúcha, que sofreu um processo histórico muito diverso, sob poderosa influência da imigração européia e da proximidade dos países do Prata. Buscando maior especificidade, podemos constatar que os militares, em geral, em função da peculiaridade de suas atividades profissionais, constituem uma subcultura dentro da sociedade brasileira; focalizando mais de perto ainda, podemos afirmar que a Marinha, dentro das Forças Armadas, face a suas atribuições muito próprias, constitui-se, igualmente, em uma subcultura. No âmbito mesmo da Marinha, podemos distinguir subculturas, correspondentes aos diferentes Corpos (Armada, Fuzileiros Navais e Intendentes), em função da missão atribuída a cada um deles. A Liderança, por definição, pressupõe a atuação do líder sobre grupos humanos; os membros destes grupos são, em geral, oriundos de diferentes subculturas, conceito que acabamos de examinar. Estes indivíduos, ao ingressarem na Marinha, passarão a integrar-se a esta nova subcultura, após um período de adaptação. 131.1 - Distinção entre cultura real e cultura ideal - Cultura ideal é aquela que inclui os comportamentos aprovados em determinada sociedade, os quais, espera-se, serão praticados por seus membros (são as normas culturais). Já a cultura real inclui os comportamentos efetivamente postos em prática pelos membros da sociedade. Na maioria das sociedades, existem padrões de comportamento que, embora condenados, são amplamente praticados. Podemos exemplificar, no caso brasileiro, a condenação formal ao jogo do bicho, considerado atividade ilícita e, a despeito disso, tem sua prática disseminada entre amplas camadas da população. Exemplos dessa ordem, aliás, não faltam; a imprensa em geral fornece material farto, com frequência, capaz de ilustrar a divergência entre comportamentos ligados à cultura real, os quais se opõem frontalmente àqueles preconizados pelas normas da cultura ideal. Os grupos sociais são microcosmos das sociedades maiores a que pertencem; portanto, na maioria deles podem ocorrer flagrantes contrastes entre cultura ideal e cultura real. Mencionamos, alguns tópicos acima, a importância do estabelecimento claro de valores e, mais do que isto, sua prática permanente, de modo a que os membros da sociedade tenham em mente, com clareza, a direção a seguir e os comportamentos a serem adotados com vistas ao bem-estar social. Entre as atribuições de um líder, é de fundamental importância aquela que prevê o zelo pelos valores reais compartilhados por ele próprio e seus liderados. Importante, para tanto, a observação permanente do grupo subordinado, no sentido de prever e reverter eventuais comportamentos desviantes. LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 11 132 - Etnocentrismo Diretamente decorrente do conceito de cultura, a noção de etnocentrismo é de capital importância, uma vez que sua prática é muito frequente no interior de grupos humanos. Tal prática consiste em considerar a cultura do próprio grupo como superior às demais; ou seja, é usada como padrão de referência em relação às outras. Afirmações do tipo povo eleito, raça superior, verdadeiros fiéis etc, são claramente etnocêntricas. Os sociólogos afirmam que o etnacentrismo é um produto de cultivo inconsciente, mas que, em maior ou menor escala, toda raça, classe social, grupo etário ou regional estimulam o etnocentrismo de seus membros. Já que é comum a prática entre grupos, e tal prática pode ser desenvolvida pelos líderes junto a seus liderados, devemos examiná-la com rigor crítico. O que tem o etnocentrismo de bom e de mau? É aconselhável ou não o estímulo a sua aceitação plena dentro de um grupo humano? O aspecto positivo se refere ao fortalecimento da auto-estima do grupo, sua lealdade interna e, consequentemente, sua autopreservação; é fator de estímulo do patriotismo, do nacionalismo, do espírito de corpo e do “espírito de navio”, como dizemos na Marinha. O aspecto negativo diz respeito à proteção contra eventuais mudanças e a não-aceitação de elementos externos àquela cultura. Se meu grupo é o mais perfeito do mundo, por que mudar? esta é a pergunta óbvia. Portanto, o etnocentrismo pode conduzir ao isolamento, à cristalização e à falta de autocrítica no seio do grupo. 133 - Papel e status Dentro das sociedades, em geral, papel e status são conceitos fundamentais, já que vivenciados a todo momento por seus membros. Papel e status são aspectos de um mesmo fenômeno. Status é um conjunto de privilégios e deveres; papel é o comportamento derivado de tal conjunto de privilégios e deveres. Podemos acrescentar, para uma melhor compreensão, que papel é o comportamento esperado de um indivíduo que detém determinado status. As normas da cultura são retidas através da aprendizagem de papéis; todos nós, ao longo da existência, devemos aprender a desempenhar vários papéis, como os de cidadão, pai, filho, marido, profissional de determinada área, membro de determinada classe social ou de uma religião, e assim por diante. Dois aspectos, basicamente, apoiam a aprendizagem de papéis, quais sejam: 1. aprendemos a cumprir deveres e reivindicar direitos relativos a um dado papel; 2. devemos adquirir atitudes positivas em relação ao papel. A formação dos líderes, em geral, pressupõe o atendimento dos dois aspectos acima; além disto, na sua interação com os liderados, é fundamental que o líder atue como um estimulador de atitudes positivas de seus subordinados, o que já havíamos enfatizado anteriormente. Devemos aprofundar um pouco mais a noção de “papel”, estabelecendo o conceito de papel atribuído e papel adquirido. Os status e papéis atribuídos independem de escolha do indivíduo, e se referem a atribuições por sexo, idade, raça, nacionalidade, classe social etc. Assim, por exemplo, ser homem, brasileiro e branco, formam um conjunto de papéis atribuídos a determinado indivíduo. Já status e papel adquirido se referem a escolhas do indivíduo, e são obtidos através de sua capacidade e desempenho. Por exemplo, o status de marido, como o de militar, são adquiridos. É possível a ocorrência de conflitos entre os diferentes papéis que o indivíduo desempenha na vida; podem ocorrer choques entre o status e o desempenho real do papel. Líder é um papel de grande complexidade; entre outras razões, porque a liderança tem caráter situacional, como será exposto ao longo deste manual. Isto nos faz constatar que o papel do líder se modifica em função de eventuais mudanças contextuais. Liderar em situação de paz, por exemplo, requer atributos muito distintos daqueles da Liderança em situação de combate. Do líder, portanto, é exigida grande capacidade de flexibilizar sua atuação, em função das diferentes situações em que tal atuação pode ocorrer. Importante, ainda, refletir sobre as atribuições que as instituições (a Marinha, no nosso caso específico) cobram do líder. O líder militar é um papel atribuído, cuja complexidade é crescente,à medida em que o indivíduo vai galgando postos hierárquicos na carreira. Mas, ao mesmo tempo, é um papel adquirido, porque o sujeito deve conquistar permanentemente, por iniciativa própria, a capacidade de exercer influência sobre determinado grupo. 134 - Processos sociais Os sociólogos Horton e Hunt definem processos sociais como a interação repetitiva de padrões de comportamento comumente encontrados na vida social. É importante examinarmos alguns destes processos, uma vez que sua ocorrência é frequente no interior dos grupos humanos. Não nos esqueçamos que o líder, cuja matéria-prima é o grupo liderado, necessita identificar a existência de tais processos, estimulando-os ou não, em função das especificidades da situação corrente e da natureza da missão a ser levada a termo. Neste tópico, trataremos dos processos de interação de maior incidência nas sociedades e grupos humanos. São eles: cooperação, competição e conflito. 134.1 - Cooperação - Etimologicamente, cooperação significa trabalhar em conjunto. Implica uma opção pelo coletivo em detrimento do individual; mas nada impede o desenvolvimento e o estímulo das habilidades de cada membro, em prol de um objetivo comum. Sob muitos aspectos, e de um ponto de vista humanista, é a forma ideal de atuação de grupos. LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 12 Se quisermos estabelecer analogias com o mundo animal, verificamos que há espécies que caçam em matilhas, como lobos e hienas, enquanto outras, como abelhas e formigas, trabalham em conjunto, visando a preservação da colméia ou do formigueiro. Isto equivale a dizer que a natureza mostra a possibilidade de cooperação, tanto quanto de competição ou de conflito. As sociedades humanas também são ilustrativas deste processo, como podemos constatar nas cooperativas agrícolas ou de pesca; em termos mais amplos, em processos de cooperação científica, cultural etc entre países. Ou mesmo, em nível ainda mais geral, pelo exemplo cooperativo da Organização das Nações Unidas. Ocorre que nem sempre é possível, dentro de um grupo, manter, exclusivamente, o processo cooperativo. Em função do contexto, das circunstâncias da própria tarefa a realizar, da natureza do grupo, ou das características do líder, outros processos se desenvolvem. 134.2 - Competição - Tratamos anteriormente deste tema, quando examinamos as bases psicológicas da Liderança. Vamos, agora, estudar a competição como um dos processos de interação social absolutamente distinto da cooperação, por nós tratada no parágrafo anterior. Competição é definida como a luta pela posse de recompensas cuja oferta é limitada; tais recompensas incluem dinheiro, poder, status, amor, e muitos outros. Outra forma de descrever o processo competitivo o mostra como a tentativa de obter uma recompensa superando todos os rivais. A competição pode ser pessoal (entre um número limitado de concorrentes que se conhecem entre si), ou impessoal (quando o número de rivais é tal, que se torna impossível o conhecimento entre eles, como ocorre, por exemplo, nos exames vestibulares ou em concursos públicos). Alguns sociólogos mais antigos sustentavam que a competição seria uma lei universal, segundo a qual a luta pela sobrevivência implica eliminação dos mais fracos, em favor da manutenção dos mais fortes; consideravam que a cooperação e a filantropia, ao permitirem a preservação dos menos capazes, atuavam contra o aprimoramento da espécie. Modernamente, os especialistas concordam que ambos os processos (cooperação e competição) coexistem e, até mesmo, sobrepõem-se na maioria das sociedades. O que varia, em função de diferenças culturais, é a intensidade com que cada um é experimentado. Quando tratamos da competição sob um ponto de vista psicológico, mencionamos seus efeitos. Se ela tem o mérito inicial de estimular a atividade dos indivíduos e dos grupos, aumentando-lhes a produtividade, tem o grave inconveniente de desencorajar os esforços daqueles que se habituaram a fracassar. Como já citamos, vencedor há um só; todos os demais são perdedores. Para cada gênio a quem a competição estimulou, é provável que correspondam centenas ou milhares de fracassados, a quem esta mesma competição desmoralizou. (Horton e Hunt) Outro inconveniente sério, decorrente do estímulo à competição, consiste na forte possibilidade de desenvolvimento de hostilidades e desavenças no interior do grupo, contribuindo para sua desagregação. Além dos aspectos já citados, a instabilidade inerente ao processo competitivo faz com que este, com bastante frequência, se transforme em conflito, cuja natureza passaremos a examinar a seguir. 134.3 - Conflito - Podemos dizer que o conflito é a exacerbação da competição. Uma definição mais específica afirma que tal processo consiste em obter recompensas pela eliminação ou enfraquecimento dos competidores (e não pela superação destes, como ocorre no processo de competição). Ou seja, o conflito é uma forma de competição em que a violência tende a se instalar, e vai-se intensificando, à medida que aumenta a duração do processo, já que este tem caráter cumulativo (a cada ato hostil surge uma represália cada vez mais agressiva). Um grupo de modernos sociólogos considera o conflito como processo social básico, correspondendo ao estado normal das sociedades; seus protagonistas rivais podem ser representantes de diferentes classes sociais, de raças distintas, de grupos etários (o famoso conflito de gerações), de facções políticas ou religiosas etc. Concordando ou não com tal ponto de vista, é preciso examinar com isenção os aspectos positivos e negativos que os conflitos encerram. Se é verdade que o conflito tende a destruir a unidade social e, da mesma forma, desagregar grupos menores, pelo aumento de ressentimento, pelo desvio dos objetivos mais elevados do grupo, pela destruição dos canais normais de cooperação, pela intensificação de tensões internas, podendo chegar à violência, é preciso observar o reverso da medalha. Doses regulares de conflito de posições, por outro lado, podem ter efeito integrador dentro do grupo. Como? Na medida que obrigam os grupos a se autocriticarem, a reverem posições, a forçarem a formulação de novas políticas e práticas, e, em consequência, a uma revitalização dos valores autênticos próprios daquele grupo. Uma vez instalado e manifesto o conflito no seio de um grupo, seu respectivo líder terá de buscar soluções e alternativas para manter o controle da situação, o que , como dissemos acima, poderá ser benéfico para o grupo e para a instituição. Não é fácil ou agradável para os líderes atuar em situações de conflito, o que não justifica sua pura e simples negação; é indispensável que o líder seja capaz de diagnosticar as situações de conflito, mesmo quando ainda latentes, de modo a buscar alternativas para o mesmo. LIDERANÇA II CURSO ASCENSÃO EA-HSG - EAD CURSOASCENSAO.COM.BR 13 134.3.1 - Alternativas ao conflito - Como vimos no tópico anterior, é possível que, uma vez instalado, o conflito traga aspectos benéficos, mas a um custo, em geral, muito elevado. No entanto, nem sempre há como evitar, em uma sociedade ou grupo humano, o surgimento de situações de conflito. Existem, porém, possibilidades alternativas para os conflitos. Vamos examiná-las a seguir. O primeiro processo alternativo é a acomodação; consiste em um acordo temporário entre as partes (indivíduos ou grupos) conflitantes. Desde que tais partes considerem prioritário agir em conjunto, a despeito de hostilidades e diferenças, a acomodação, por si só, não resolve o conflito, mas funciona como uma suspensão temporária (por longo ou curto tempo) do mesmo. Exemplo clássico de acomodação, no núcleo familiar, é o de casais que adiam uma separação legal, às vezes por anos, aguardando a emancipação dos filhos. Uma segunda alternativa é o processo de
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