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UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS – UNIPAC DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM HERMENÊUTICA E DIREITOS FUNDAMENTAIS JOÃO ALVES BASTOS HERMENÊUTICA DAS SENTENÇAS JUDICIAIS JUIZ DE FORA 2013 JOÃO ALVES BASTOS HERMENÊUTICA DAS SENTENÇAS JUDICIAIS Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Hermenêutica e Direitos Fundamentais da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Teoria do Direito. Orientador: Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. JUIZ DE FORA 2013 B327 Bastos, João Hermenêutica das sentenças judiciais / João Alves Bastos. – Juiz de Fora, 2013. 138 f. Dissertação (Mestrado em Hermenêutica e Direitos Fundamentais) – Universidade Presidente Antônio Carlos, 2013. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. 1. Hermenêutica. 2. Linguagem. 3. Análise do Discurso. 4.Sentença judicial. I. Título. CDD 340.1 JOÃO ALVES BASTOS HERMENÊUTICA DAS SENTENÇAS JUDICIAIS Dissertação apresentada à Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito. BANCA EXAMINADORA Marcelo Andrade Leite Centro Universitário de Volta Redonda – UNIFOA Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC Sebastião Trogo Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC Aprovada em 23/11/2013. Dedico esta tarefa Ao meu Docinho, Lid, por seu esforço em me compreender. À minha mãe, Cloé, pelos dias que não pude faltar à escola. Ao meu pai, Murillo, pelos livros que nunca faltaram em casa. À minha irmã, Denise, que não teve tempo de compreender a si mesma. AGRADECIMENTOS Agradeço por duas coisas importantes na vida: amigos e professores. Agradeço aos meus professores, que me deram exemplos, bons e ruins. Em especial, às professores Maria Celi de Deus Santos (In memoriam) e Zuleica, pelas verdades sinceras que me disseram. Agradeço, em especial, a estes bons amigos: primo Márcio, mano velho Murillinho, André Mica (In memoriam), Marcelo Magoo, Jean Arishima, Júnia Neves, Keiko Matsuoka, Parê Mituiassu, Vandão e XL. Agradeço a estas pessoas, sem a compreensão das quais esta tarefa teria sido só um sonho: Paulo “Oráculo” Romeiro, Gustavo “Pagé”, Wellington “Leitão”, Frederico “Radesch”, Sandra “Shirra” e Teresa “Baú”. Agradeço à ideia de um deus, por eu ser capaz de reconhecer tudo isso. The world is full of Kings and Queens, who blind your eyes, then steal your dreams. Ronnie James Dio (Black Sabbath) RESUMO Propõe-se neste trabalho uma hermenêutica das decisões judiciais, cujo objeto de análise é o texto da sentença judicial em sua relação discursiva. Ele começa com a idéia de que: (1) a linguagem não é capaz de expressar totalmente o pensamento humano, especialmente no que diz respeito à sua incorporação a uma língua, (2) a linguagem é realizada em um discurso, que é a relação entre o texto e o mundo, ou seja, as condições de produção de sentido em que se inscreve esse texto, (3) a hermenêutica, como ciência que teoriza a interpretação, tem a tarefa de estudar os processos de compreensão, especialmente e originalmente textos escritos, (4) a compreensão pela interpretação envolve necessariamente a compreensão dos processos de produção de sentido que ocorrem discursivamente, (5) analisando o discurso judicial, inscrito na sentença judicial, é possível compreendê-lo corretamente, para dar-lhe aplicabilidade e permitir-lhe o cumprimento e, (6) portanto, uma interpretação discursiva das sentenças judiciais é viável e adequada para compensar sua homogeneidade discursiva, o que implica dificuldades a sua correta compreensão. Com base nessas premissas, é possível interpretar as sentenças judiciais discursivamente. Palavras-chave : Hermenêutica. Linguagem. Análise de discurso. Sentença judicial. ABSTRACT It is proposed in this paper a hermeneutics of judgments, whose object of analysis is the text of the court decision in a discursive relation. It starts with the idea that: (1) language is not capable of expressing fully human thinking, especially with respect to its embodiment in one language, (2) language is realized in a discourse, which is the relationship between the text with the world, i.e., the conditions of production of meaning that sign up for this text, (3) hermeneutics, as a science that theorizes the interpretation, has the task of studying the processes of understanding, especially and originally written texts, (4) understanding by the interpretation necessarily involves the understanding of the processes of meaning production that occur discursively, (5) analyzing the judicial discourse, inscribed in its judgment, it is possible to understand it properly, so give it enforceability and allow you the fulfillment and, (6) therefore, a discursive interpretation of judicial decisions is feasible and appropriate to compensate their discursive homogeneity, which entails difficulties its correct understanding. Based on these assumptions, it is possible to interpret the discursive injunction. Keywords : Hermeneutics. Language. Discourse analysis. Judicial judgment. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 13 2. DAS SENTENÇAS JUDICIAIS. 16 2.1. A sentença judicial como texto – o ponto de vista linguístico 19 2.1.1. Estrutura jurídica e estrutura textual da sentença judicial 21 2.1.1.1. Relatório 22 2.1.1.2. Dispositivo 24 2.1.1.3. Fundamentação 25 2.2. A sentença judicial como raciocínio – o ponto de vista hermenêutico 27 2.3. A sentença judicial como norma jurídica – o po nto de vista jurídico 28 2.4. A compreensão da sentença judicial 30 2.4.1. Discursividade: textualidade e ontologia 30 2.4.2. Constituição discursiva da sentença judicial 34 2.5. Imperfeições da sentença judicial 36 3. HERMENÊUTICA, INTERPRETAÇÃO, LINGUAGEM E DISCURSO 38 3.1. Aspectos do significado de hermenêutica 41 3.1.1. Hermenêutica como dizer 41 3.1.2. Hermenêutica como explicar 42 3.1.3. Hermenêutica como traduzir 43 3.2. Definições de hermenêutica 44 3.2.1. Hermenêutica como teoria da exegese bíblica 45 3.2.2. Hermenêutica como metodologia filológica 46 3.2.3. Hermenêutica em Schleiermacher 46 3.2.4. Hermenêutica em Dilthey 47 3.2.5. Hermenêutica em Heidegger 48 3.2.6. Hermenêutica em Ricoeur 48 3.3. Interpretação 49 3.3.1. Interpretação como processo 55 3.3.2. Ler, entender e compreender 59 3.3.2.1. Inteligibilidade, significado e sentido 63 3.3.2.2. Ler 68 3.3.2.3. Entender 74 3.3.2.4. Compreender 77 3.4. Linguagem 79 3.5. Discurso 84 3.5.1. Ideologia e formação discursiva 85 3.6. Competências comunicativas 93 3.6.1. Pressupostos linguísticos e discursivos 94 3.6.1.1. O texto escrito 94 3.6.1.2. Escrever e ler 96 3.6.1.3. Escritor, leitor e competência linguística97 3.6.1.4. Competência discursiva e competência pragmática 98 3.6.1.5. Competência enciclopédica e competência genérica 100 3.7. O julgador e os destinatários da sentença jud icial 103 4. HERMENÊUTICA DAS SENTENÇAS JUDICIAIS 105 4.1. A sentença judicial e o juiz 108 4.2. A sentença judicial e suas imperfeições 111 4.2.1. Incoerência interna 111 4.2.1.1. Estrutura do texto 111 4.2.1.2. Uso do léxico e da gramática 114 4.2.2. Incoerência externa 114 4.2.3. Textura aberta da linguagem 116 4.2.4. Lacuna 120 4.3. Interpretação da sentença judicial. Um percurs o linguístico- discursivo 124 4.3.1. Projeto de uma hermenêutica das sentenças judiciais 126 4.3.1.1. Princípios linguístico-discursivos 126 4.3.1.2. Critérios linguísticos 127 4.3.1.3. Critérios discursivos. 128 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 132 13 1. INTRODUÇÃO. A questão de fundo deste trabalho é a questão da comunicação humana por meio de uma língua. Todos os seres humanos comunicam-se em alguma língua. Ela é o material de trocas humanas a respeito do mundo. Nenhuma pessoa tem acesso ao mundo de outra pessoa senão por meio de uma língua comum. Acontece que a língua não é suficiente em si mesma para representar o mundo; ela é apenas o acesso a esse mundo. O que ela realmente representa são as intenções e a visão de mundo de quem diz. Portanto, ela não é essas intenções e visão de mundo. Quem diz quer dizer alguma coisa. Aquele que ouve ou lê o dito de outra pessoa busca – ou deveria buscar – compreender o que lhe é dito. Mas essa tarefa não é simples. A compreensão é, de fato, intercompreensão. Quem diz, antes de dizer, deve já compreender o outro nas próprias possibilidades; dessa forma, quem diz interpreta seu próprio dizer. A tarefa do ouvinte/leitor é reconstruir, percorrendo-o de volta, o caminho de construção do dito, percorrido pelo dizente. Nesse contexto encontram-se as sentenças judiciais, documentos jurídicos escritos que visam comunicar o julgamento prolatado por um juiz. A questão desta trabalho, então, cinge-se à questão da comunicação entre o juiz e seus destinatários por meio desse documento, em outras palavras, a questão da interpretação da sentença judicial. A interpretação, contudo, não é um fim em si mesma. Ela é o resultado concreto (aplicação prática) de formulações abstratas (teorização) sobre a compreensão, empreendida pela hermenêutica, que estuda os processos de interpretação. Interpretar é voltar ao pensamento original, percorrendo o caminho já percorrido pelo dizente. A seu turno, a escola francesa de Análise de Discurso teoriza a produção do sentido. O sentido é o limite da interpretação, é o alcance da compreensão. Pode-se dizer, produzir sentido é tarefa do dizente, interpretá-lo é tarefa do ouvinte/leitor. 14 O juiz, ao prolatar sua sentença, inscreve-se no mundo (do Direito) como dizente, quem diz o Direito a respeito de caso concreto. Em sua sentença ele constrói sentidos, e, construindo-os em uma língua, constrói seu discurso sobre o Direito. É, então, sobre esse discurso que este trabalho debruça-se, como critério hermenêutico fundamental para a interpretação da sentença judicial; é sobre ele que se pretende demonstrar a pertinência de uma hermenêutica (discursiva) da sentença judicial. A Hermenêutica Jurídica não tem lançado luzes sobre a questão da interpretação da sentença judicial, fixando-se na interpretação do Direito, em como este deve ser compreendido. A atenção devida à sentença judicial, resultado prático, concreto e efetivo de toda a ciência do Direito, não tem sido dada adequadamente. A sentença judicial é objeto de interpretação por destinatários diversos: as partes em litígio, seus advogados, serventuários da justiça, procuradores públicos, tribunais ad quem; estudantes de Direito, de Filosofia, de Letras, das ciências sociais; bancários, peritos, gestores; a sociedade; etc. De seu lado, o juiz tem uma tarefa difícil: comunicar-se com públicos diversos. De seu lado, cada qual desses públicos tem a tarefa de interpretar um texto homogêneo, e, portanto, discursivamente imperfeito, porque não considerou, em sua produção, os diversos interlocutores, os possíveis e os certos. A linguagem é um jogo, em que os sentidos do mundo são manipulados pelos seres humanos. Acontece que a linguagem não é exauriente em sua expressão: ela consuma a comunicação, mas não a exaure. É nesse entremeio de imperfeição que trabalha a hermenêutica. A sentença judicial é um discurso por excelência. A partir disso, este trabalho propõe-se a estudar o processo de interpretação desse discurso jurídico particular, a sentença judicial, sob o ponto de vista discursivo. Este trabalho discute três grandes temas, afeitos à sentença judicial como objeto de interpretação: a linguagem, como ponto de partida 15 de toda comunicação humana; a hermenêutica, como ciência que teoriza a interpretação dessa comunicação, em especial e originalmente a interpretação de textos; e o discurso, como o lugar da compreensão, lugar em que a comunicação realiza-se. Discute-se a sentença judicial como ato judicial de dizer o Direito. Por fim, esboça-se uma pretensão de uma hermenêutica das sentenças judiciais, com base no discurso judicial. 16 2. DAS SENTENÇAS JUDICIAIS. No mundo atual todas as pessoas vivem em sociedade. É possível imaginar que em algum tempo pessoas pudessem viver isoladamente, distantes mesmo de seu núcleo familiar, sua primeira sociedade; hoje isso pode até ocorrer, mas é um fato que não está em conformidade com o modo como o mundo está organizado; em todo o mundo há sempre uma sociedade que se impõe faticamente a todas as pessoas. Uma pessoa poderia viver em alto mar absolutamente desgarrada de qualquer sociedade, mas essa possibilidade parece-se mais a um suicídio ou a uma loucura, posto que ela viveria por algum tempo sem conviver, mas não sobreviveria sem isso. Viver em sociedade, ou conviver, é uma tarefa que exige perdas para obterem-se ganhos, o que potencializa a sobrevivência humana. Abre-se mão de parte da liberdade, renunciando-se à independência, permanecendo outra parte, a autonomia; deixam-se de lado fortes instintos humanos em favor da convivência pacífica; abandona-se a lei do mais forte para fazer emergir a igualdade. O que denominamos sociedade é com efeito uma vasta rede de acordos mútuos. Concordamos em nos abster de matar os nossos concidadãos, e eles, por sua vez, concordam em se abster de nos matar; concordamos em guiar na mão-direita da estrada, e outros concordam em fazer o mesmo; concordamos em entregar mercadorias especificadas, e outros concordam em nos pagar por elas; concordamos em observar os regulamentos de uma organização, e a organização concorda em consentir que desfrutemos dos seus privilégios,1 disso, e de mais outras exigências sociais, resulta que se está em permanente interdependência em prol de uma melhor sobrevivência. É por meio de tais acordos que “o comportamento começa a se amoldar a 1 HAYAKAWA, Samuel Ichiey. A linguagem no pensamento e na ação. Como os homens usam as palavras e como as palavras usam os homens. Tradução de Olívia Krähenbühl. 2ª ed.. São Paulo: Livraria Pioneira, 1972, p. 85. 17 padrões relativamente previsíveis; a cooperação torna-se possível; reinam a paz e a liberdade”.2 Viver com o outro implica em muitos outros com: colaborar, compartilhar, corresponder, cooperar, ter consciência, compreender. Esse conjunto de ações permite que as pessoas vivam juntas, e sobrevivam melhor. Contudo as pessoas compreendem o mundo e agem no e sobre o mundo de maneiras diversas e diferentes;embora se suponha – e se espere – que as pessoas tenham um mínimo de compreensão e ação uniforme nessa tarefa, isso nem sempre se alcança de fato, o que então pode gerar conflitos. Tais conflitos emergentes das relações interpessoais há muito deixou de serem resolvidos diretamente entre as partes com base na lei do mais forte; houve uma organização política da sociedade, que delegou (perda da autodeterminação para a resolução desses conflitos) a tal sociedade organizada (a polis, daí política) o poder de resolver esses conflitos por meio do que hoje se conhece como Poder Judiciário, que é a parte dessa organização (órgão) encarregada de resolver os conflitos sociais decorrentes dos fatos sociais englobados pelo que se denomina Direito. O lugar da justiça encontra-se assim marcado em negativo, como fazendo parte do conjunto das alternativas que uma sociedade opõe à violência, alternativas que, ao mesmo tempo, definem um Estado de direito. [Não se deve] reduzir a violência à agressão, mesmo ampliada para além da agressão física [...]; também é preciso levar em conta a forma mais tenaz de violência, a saber, a vingança, em outras palavras, a pretensão do indivíduo de fazer justiça com as próprias mãos. No fundo, a justiça se opõe não só à violência pura e simples, à violência dissimulada e todas as violências sutis [...], mas também a essa simulação de justiça constituída pela vingança, pelo ato de fazer justiça com as próprias mãos. Nesse sentido, o ato fundamental pelo qual se pode dizer que a justiça é alicerçada numa sociedade é o ato por meio do qual a sociedade 2 HAYAKAWA, Samuel Ichiey. A linguagem no pensamento e na ação. Como os homens usam as palavras e como as palavras usam os homens. Tradução de Olívia Krähenbühl. 2ª ed.. São Paulo: Livraria Pioneira, 1972, p. 85. 18 priva os indivíduos do direito e do poder de fazer justiça com as próprias mãos – o ato pelo qual o poder público confisca para si mesmo esse poder de proferir e aplicar o direito.3 [Assim,] apresenta-se a questão da finalidade mais última do ato de julgar[:] ação considerável que consistiu em o Estado privar os indivíduos do exercício direto da justiça, sobretudo da justiça- vingança, fica[ndo] claro que o horizonte do ato de julgar está mais na paz social do que na segurança. [...] Seria a visão da sociedade como esquema de cooperação.4 O Direito – e isto não como conceito, mas como um sentido possível – apresenta-se como conjunto de orientações para ação e reação comportamentais em relação ao outro para uma convivência desejável, e que visa harmonizar a convivência de todos conforme os interesses de cada um, com força coativa a fim de compelir alguém a fazer, não fazer ou deixar de fazer algo em razão de outrem, originário de um Poder a que, ou a quem, atribui-se ou se obedece, por vontade ou por crença, o poder de administrá-lo, criando-o, modificando-o, extinguindo-o, impondo-o e exigindo-o. Nesse passo, o Direito diz como se deve agir e em caso de desconformidade a esse como-agir permite um reagir dizendo como se deve reagir, e a esta re-ação, posto que também ação, se em desconformidade a seu modo de dever-ser permite um outro reagir. Tudo isso para que cada um possa realizar seus interesses – desejos e necessidades – e permitir que cada outro possa também realizar os seus. Quando o Direito é reação é que o Poder Judiciário é chamado a participar da vida social, como conformador a esse Direito de uma relação de conviventes em conflito. É neste momento, em que o Poder Judiciário põe fim à lide – isto é, conflito de interesses posto em juízo5 – (ação e reação) a que foi chamado a resolver, que nasce a sentença judicial. 3 RICOEUR, Paul. O justo 1 : a justiça como regra moral e como instituição. Tradução de Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008, p. 179. 4 Ibidem, p. 180. 5 Nesse sentido, BAILEY, S. D. Peaceful settlement of international disputes . Nova Iorque: Instituto das Nações Unidas para Treinamento e Pesquisas, 1971, apud YARN, Douglas. Dictionary of conflict resolution . São Francisco: Ed. 19 Ela traz à luz o Direito tal como ele deve ser aplicado à relação originária de sua lide, para que o conflito que nesta resultou, e em conformidade com a norma jurídica presente nesse Direito, conforme-se; portando, servindo de farol a tal relação conflituosa para que, iluminando o caminho da vida dos conviventes em conflito, não haja mais choque de interesses (desejos e necessidades pessoais por algo); e em perspectiva servindo como farol de referência a outras possíveis relações de interesses, conflituosas ou litigiosas. A sentença judicial é um texto escrito (ponto de vista lingüístico), em que um juiz por meio de palavras expressa sua compreensão (ponto de vista hermenêutico) sobre a realidade conflituosa (os fatos) que lhe é posta em questão (a lide) e, a partir disso, expressa a norma jurídica (ponto de vista jurídico) a ser aplicada a tal questão. Desse ponto de vista, ela compreende-se sobre três aspectos: formal, procedimental e material. Formalmente a sentença judicial apresenta-se como um documento escrito, dividido em três partes, relatório, fundamentação e dispositivo, em que se registra a decisão sobre a causa. Procedimentalmente ela apresenta o percurso da decisão judicial a propósito do conflito posto em juízo (a lide), mostrando os elementos havidos e percebidos pelo juiz, demonstrando a relação desses elementos entre si e com o Direito, e finalmente dizendo o direito. Materialmente ela determina o direito posto, encerrando a controvérsia. 2.1. A sentença judicial como texto – o ponto de vi sta linguístico. Como texto, a sentença judicial traz em si o registro escrito (documento6) da norma de decisão que põe termo à fase processual de conhecimento7 quando esse ato implica alguma das situações previstas Jossey Bass, 1999, p. 153. 6 Nesse sentido: SLAIBI FILHO, Nagib. Sentença cível : fundamentos e técnica. 4 ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 381. 7 “Na verdade, o que se pretendeu com a reforma foi adequar o conceito de 20 nos art. 267 e 2698 do Código de Processual Civil brasileiro. Embora já houvesse os artigos 267 e 269, com suas redações funcionalmente praticamente idênticas às das novas redações, o §1º do artigo 162 desse Código não lhes fazia referência; agora fazendo, restringiu os casos em que a sentença põe termo ao processo, embora a expressão “põe termo ao processo” tenha sido retirada de sua nova redação. A nova redação desse parágrafo quer dizer que a norma de decisão constante na sentença está restrita aos termos dos artigos 267 (sem resolução do mérito) e 269 (com resolução do mérito), neste caso ainda que a resolução não tenha sido imposta pelo juiz, mas posta pelas partes. 9-10 Assim, a sentença judicial é a memória de uma lide, porque nesse documento as partes encontrarão a norma jurídica que determinou o agir de cada uma das partes em relação a sua lide, bem como as referências sentença com a nova sistemática da execução, [a qual dispensa], para tanto, um novo processo, como sucedia no sistema anterior.” (ALVIM, J. E. Carreira. Alterações do Código de Processo Civil . 3ª ed.. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 23.) A nova redação veio evitar discussões estéreis sobre a permanência da existência de um processo de execução, tendo em vista que a redação anterior falava em pôr termo ao processo. 8 A lei processual brasileira (§1º do artigo 162 do Código de Processo Civil) definia a sentença como “oato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”; agora define-a (ibidem, com nova redação), restringindo o significado anterior, como “o ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos art. 267 e 269” desse Código. 9 A sentença judicial que põe termo ao processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC), isto é, sem pôr a norma de decisão à lide, é secundária, uma vez que, ressalvadas a perempção, a litispendência e a coisa julgada (ibidem, inciso V), a ação poderá ser renovada (ibidem, art. 268). O término do processo sem resolução do mérito é uma medida formal de administração judiciária, com o fim de impedir que se inicie (ibidem, art. 268, inc. I, IV, VI e VII) ou continue (ibidem, inc. II, II, V, VIII, IX e X) uma relação processual. O término do processo sem resolução do mérito não fere a norma constitucional posta no inciso XXXV do artigo 5º da CRFB/1988, apenas impede que a relação processual inicie-se ou continue defeituosa, seja por vícios formais pré-processuais (inc. I, IV, VI), seja por vícios formais judiciários (inc. V – litispendência e coisa julgada – e VII), seja por vícios de interesse (inc. II, III, V – perempção –, VIII, IX e X). A norma contida no inciso XI está em branco, podendo servir a qualquer um dos propósitos aqui expressos, bem como a outros diversos desses. A pretensão de se formar uma lide é que esta seja resolvida, logo, que haja resolução de seu mérito. Embora aqui se dê especial atenção à sentença com resolução do mérito, o que se diz a esta aplica-se àqueloutra. 10 Há casos em que a “resolução do mérito” não se dá por imposição judicial, mas por vontade das partes, casos tais são os do art. 269, II, III e V, Código de Processo Civil. 21 e as razões dessa determinação. Se por qualquer motivo qualquer das partes não se lembrar sobre como deve ser seu agir – isto é, o que, como, quando, onde, por que fazer, não fazer ou deixar de fazer algo – em relação à outra parte em função do objeto de sua lide, seu agir para elucidar esse esquecimento é consultar a sentença judicial sobre sua causa, porque nela estão (ou deveriam estar) os esclarecimentos necessários para que essa parte saiba como agir, bem como, do outro lado, sob as mesmas circunstâncias, está o seu exigir, isto é, o que, como, quando, onde, por que exigir da outra parte um fazer, não fazer ou deixar de fazer algo. Ainda, o próprio Poder Judiciário não pode ficar à mercê de esquecimentos, falhas de memória e ausências dos sentenciantes, o que geraria novos conflitos, e disso novas lides, a respeito da sentença judicial a cumprir-se (agir) ou executar-se (exigir). Como documento ela presta-se a anular essas possibilidades de dúvida sobre ela com base no registro de seu texto. As palavras o vento leva; o escrito permanece. A distinção entre o oral e o escrito é a categoria “midiológica” mais antiga e mais solidamente ancorada na cultura. [...] Essa oposição refere-se aos suportes físicos: o oral se transmite por ondas sonoras e o gráfico , por signos inscritos em um suporte sólido. [...] Associamos tradicionalmente oralidade e instabilidade , escritura e estabilidade .11 A invenção da escrita representou um grande avanço para a humanidade, porque ultrapassou os limites de cada indivíduo de armazenar, isto é, memorizar, aquilo que lhe foi dito, bem como, porque permitiu maior exatidão na verificação do dito.12 2.1.1. Estrutura jurídica e estrutura textual da sentença judicial. 11 MAINGUENEAU, Dominique. Análise de texto de comunicação . Tradução de Cecília Perez de Souza-e-Silva, Décio Rocha. São Paulo: Cortez, 2002, p. 74. 12 HAYAKAWA, Samuel Ichiey. A linguagem no pensamento e na ação. Como os homens usam as palavras e como as palavras usam os homens. Tradução de Olívia Krähenbühl. 2ª ed.. São Paulo: Livraria Pioneira, 1972, p. 7. 22 A estrutura jurídica da sentença judicial encontra paralelo na estrutura linguística do parágrafo, e disso, do texto. Correspondem respectivamente ao relatório, à fundamentação e ao dispositivo – em sua estrutura jurídica – a introdução, o desenvolvimento e a conclusão – em sua estrutura linguística, como macroestrutura do parágrafo, que é “unidade de composição”13. Característica compartilhada entre o texto e a sentença, como macroestruturas, com o parágrafo, como microestrutura, é serem suficientes para conter um processo completo de raciocínio, permitindo-nos a análise dos componentes desse processo, na medida em que contribuem para a tarefa da comunicação.14 O parágrafo padrão15, assim como o texto padrão, é constituído de introdução, desenvolvimento e conclusão – enquanto a sentença judicial é constituída de relatório, fundamentação e dispositivo. Disso é que pragmaticamente a fundamentação, assim como o desenvolvimento em um texto, é suficiente para a compreensão da sentença judicial e da norma de decisão nela contida, entretanto, o relatório e o dispositivo são juridicamente necessários e, paralelamente como introdução e conclusão, linguisticamente importantes. 2.1.1.1. Relatório. De início o relatório (introdução) é importante porque apresenta a lide (o problema), descrevendo todos os atos que foram realizados no processo até o momento da sentença judicial, bem como a história dessa 13 GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna : aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 24 ed.. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, FGV, 2004, p. 220. 14 TRAINOR, Francis X., MCLAUGHLIN, Brian K. An inductive method of teaching composition. In: The English Journal , vol. 3, n. 6, set., 1963, p. 422 (Apud, GARCIA, idem, p. 220). 15 O parágrafo padrão, assim como o texto padrão, – ao contrário da sentença judicial – é padrão não por ser obrigatório, mas por ser o mais comum. Assim, portanto, há parágrafos e textos que ou não possuem introdução ou não possuem conclusão, e há aqueles que só possuem desenvolvimento, estando uma ou outra, ou ambas, diluídas no desenvolvimento (Cf.: GARCIA, idem, p. 219, 222 e 228-229). 23 lide. No relatório, “de acordo com a cronologia dos fatos processuais, o juiz historia o que aconteceu durante o processo.”16 “O relatório deve conter o histórico dos atos processuais ocorridos no processo que possam influenciar na sentença”17, ou seja, o relatório/introdução é a parte do texto que sustentará formalmente a fundamentação/desenvolvimento da sentença/texto. “Não faz sentido falar, no relatório, de pontos que não serão necessários para o julgamento.”18 Nessa parte encontrar-se-ão os elementos de referência processual atinentes ao processo de fundamentação da sentença judicial; por isso, no relatório o juiz deve ater-se a descrever os fatos e as passagens processuais que sejam necessários a sustentar sua fundamentação, “só importa, no relatório, o que foi relevante e que influenciará a sentença”19. Não convém que conste no relatório elementos que serão meros enfeites e sobrepesos; e tendo o relatório, “como toda a sentença, um evidente nexo lógico – os fatos [historiados] é que constituem o suporte fático do fundamento da decisão”20, sendo-lhe conveniente deixar de lado informações que não encontrem ligação com a fundamentação21, ficando assim a par desta e sem vínculo com as demais partes da sentença judicial, pois “relatório e fundamentação estão inter- relacionados,”22 não fazendo sentido, portanto, “fazer referência na fundamentação a pontos, argumentos ou atos processuais que não foram apresentados no relatório”23. Um relatório que se preocupa em [descrever] todos os atos do processo e não somente aqueles que terão importância para o julgamento da causa [...] é ineficiente e não ajuda o leitor da sentença a entender as questões envolvidas no julgamento 16 SLAIBI FILHO,Nagib. Sentença cível : fundamentos e técnica. 4 ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 383. 17 JORGE NETO, Nagibe de Melo. Sentença cível : teoria e prática. 3ª ed.. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 39. 18 Ibidem, p. 45. 19 SLAIBI FILHO, idem, p. 383. 20 Ibidem, p. 383. 21 Ibidem, p. 383, nesse sentido. 22 JORGE NETO, idem, p. 46. 23 Ibidem, p. 45. 24 [nem] os motivos adotados pelo juiz para decisão.24 Só faz sentido apresentar no relatório os atos processuais relevantes para o julgamento da causa, [portanto, ele] deve ser elaborado com olhos postos na fundamentação.25 A pergunta que se deve responder ao relatar-se o processo na sentença é: qual a necessidade de tal relato para a sentença judicial? 2.1.1.2. Dispositivo. O dispositivo (conclusão), normalmente ao fim do texto sentencial, especifica o agir a ser cumprido pelas partes. Esta parte da sentença judicial está desconectada do relatório26 mas intimamente ligada à fundamentação dela. É no dispositivo que o juiz, após explicá-lo e justificá-lo na fundamentação, dirá o direito. O direito posto na sentença judicial tem de ser absolutamente a concretização da norma jurídica expressa na fundamentação. O que o juiz faz no dispositivo é explicitar em síntese às partes, de acordo com sua interpretação dos fatos processuais conjugados com sua interpretação desses fatos conforme o Direito, a norma jurídica a ser aplicada para a resolução do mérito.27 “Assim como as questões jurídicas ligam o relatório à fundamentação, os capítulos da sentença estabelecem uma conexão 24 JORGE NETO, Nagibe de Melo. Sentença cível : teoria e prática. 3ª ed.. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 117. 25 Ibidem, p. 139. 26 Essa desconexão é formal, não lógica (como já referido), uma vez que o dispositivo não se lhe refere, senão somente à fundamentação. Nesse sentido, ibidem, p. 252. 27 No processo, a resolução será meramente processual, em sentido estrito, (sentença sem resolução do mérito) ou material, em sentido amplo (sentença com resolução do mérito). A resolução material, ou de mérito, – e por isso também processual – não implica em resolução do conflito, senão somente da lide, isto é, do conflito posto em juízo. “O magistrado deve não só solucionar a lide, mas resolver o conflito” (BACELLAR, Roberto. In: www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=10 9215. Acesso em 29/04/2013). A resolução do conflito é fato que transcende a resolução processual do mérito, pois implica que suas razões originárias – os motivos psicossociais do conflito – sejam compreendidos e aceitos pelas partes. Nesse sentido, BACELLAR, ibidem. 25 lógica entre a fundamentação e o dispositivo. [É nesses] compartimentos do pronunciamento judicial que [se] resolvem essas questões.”28 O dispositivo diz: faze, não faças ou deixa de fazer, isto é, é o comando normativo que deverá ser cumprido – e poderá ser exigido – pelas partes; portanto, “deve fazer clara a ordem emanada do juízo, de modo que a parte vencedora saiba exatamente o que lhe foi assegurado[, então, o que poderá exigir,] e a parte vencida saiba exatamente a que está obrigada, então, o que deverá cumprir.”29 2.1.1.3. Fundamentação. A fundamentação é a parte textual mais importante da sentença, pois nela contêm-se todos os elementos necessários ao entendimento e determinação da norma jurídica. É nela que o juiz “extrai da norma tudo o que na mesma se contém[, determinando] o sentido e o alcance das expressões do Direito[, pesquisando a] relação entre a norma jurídica e o fato social, isto é, [aplicando] o Direito”.30 “É a parte da sentença em que o juiz vai expor o raciocínio que o levou a decidir de tal ou qual maneira.”31 Na fundamentação desenvolver-se-á a história da norma de decisão, cujos personagens principais são os fatos e o Direito, de um lado, e, do outro, as partes, referindo-se internamente ao relatório e externamente ao Direito. Ela desenvolve-se lógica e argumentativamente em função desses personagens. Nela são introduzidos os elementos fundantes descritos no relatório, e dela conclui-se a norma de decisão contida no dispositivo. 28 JORGE NETO, Nagibe de Melo. Sentença cível : teoria e prática. 3ª ed.. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 252. 29 Ibidem, p. 252. 30 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito . 6ª ed.. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S/A, 1957, p. 13. 31 JORGE NETO, idem, p. 143. 26 Por isto sua importância, sob os pontos de vista linguístico, hermenêutico e constitucional: dela pode-se extrair constitutivamente32 os elementos fundantes constantes na introdução e a norma de decisão posta no dispositivo. O relatório e o dispositivo nada mais são que a explicitação daquilo que já se contém diluidamente na fundamentação, posto que é desnecessário que constem destacadamente os termos relatório, fundamentação e dispositivo33, ou mesmo que estejam fisicamente, no texto, distintos, pois o que determina textualmente cada uma dessas partes é modo como elas são redigidas. “Não é o fato de se encontrar o documento com o título de “sentença” que o transforma em sentença, pois tal ato não é só forma, mas também conteúdo”34; do mesmo modo, não é o destaque nem o local que determinará, faticamente, o que é o relatório, a fundamentação ou o dispositivo, mas o conteúdo expressivo, a intenção comunicativa do texto que lhe caracterizará como sendo um ou outro quesito textual. 32 Essa constitutividade dá-se, em relação ao relatório, na medida em que (se fosse o caso) ele não constando na sentença, ainda assim nesta constam seus elementos fundantes, quando então tem-se nela o relatório diluído, e, em relação ao dispositivo, do mesmo modo que em relação ao relatório, nela consta a norma de decisão, quando então tem-se nela o dispositivo diluído. Cf. FIORIN, José Luiz. Teoria e metodologia nos estudos discursivos de tradição francesa. In: SILVA, Denize Elena Garcia da, VIEIRA, Josênia Antunes (Org.). Análise do discurso : percursos teóricos e metodológicos. Brasília: Plano, 2002, p. 39-73. 33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de instrumento n. 638.581/PA . Relator: Ministra Cármen Lúcia. Brasília, 2 de agosto de 2010. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=000 104176&base=baseMonocraticas. Acesso em: 4/3/2013. 34 SLAIBI FILHO, Nagib. Sentença cível : fundamentos e técnica. 4 ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 381. Em nota de rodapé cita que “em determinado feito, utilizando o processamento de texto pelo microcomputador, o juiz colocou na tela o início do texto usado para a sentença, pois, pelo primeiro exame dos autos, achou que seria possível o julgamento do feito no estado do processo. Ocorre que, ao examinar a questão principal, em face do que seria possível uma das partes ainda provar, resolveu remeter o feito à instrução, pelo que o declarou saneado, designando audiência, com as providências de praxe. Esqueceu-se, no entanto, de substituir, o título de “sentença” para “saneador”. Publicado o provimento, os dois advogados apresentaram embargos de declaração, apontando a omissão “na r. sentença”, da resolução de questões como o mérito e a condenação em honorários... Restou ao juiz rejeitar os embargos por falta de seus pressupostos, pois o que qualifica a decisão é o seu conteúdo e não a sua denominação, bem como lamentar o seu equívoco informático.” 27 Todavia, obedecer à sequência relatório > fundamentação > dispositivo facilita ao sentenciante a tarefa de isolar e depois ajustar convenientemente suas ideias principais – suas referências, seu raciocínio e sua decisão – em seu sentenciamento, permitindo a seus destinatários acompanhar-lhe o desenvolvimento (da sentença) nos seusdiferentes estágios.35 2.2. A sentença judicial como raciocínio – o ponto de vista hermenêutico. Raciocínio, aqui, é operação do espírito, logo, procedimento mental, que visa a compor um juízo, e no Direito, um juízo jurídico, isto é, uma norma de decisão conforme o Direito. O raciocínio para a decisão não conduz o juiz a construir a norma de decisão, ele é o próprio caminho a ser percorrido na construção desta. Ao raciocinar com vistas a formar seu juízo sobre a norma de decisão, o juiz analisa o fato sob julgamento, colhe os elementos que o compõem e avalia-os, de um lado; do outro, busca no Direito os elementos que ou sustenta-os ou repele-os. Por esse procedimento, que é o pensamento como ação, ele construirá o caminho que ligará a controvérsia a sua resolução, isto é, que demonstrará a justiça (o caminho) que correlaciona a lide (o fato controvertido) a sua sentença (o direito posto, a norma de decisão) conforme o Direito. Isso é um procedimento e é essencialmente argumentativo. O juiz pode chegar a qualquer conclusão (norma de decisão) a respeito de uma lide (o fato controvertido), mas a justiça de sua decisão somente verificar-se-á se dois requisitos necessários forem satisfeitos: um, conformidade ao Direito, e outro, conformidade ao fato, este explicando e aquele justificando seu raciocínio, ou seja, fundamentando a 35 GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna : aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 24 ed.. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, FGV, 2004, p. 220. 28 norma de decisão. A não satisfação de qualquer desses requisitos invalida a sentença judicial materialmente. No texto da sentença judicial devem constar todos os elementos, oriundos do fato e do processo, capazes de demonstrar que o fato e o Direito inter-relacionam-se, fundamentando a sentença judicial, como um todo, e a norma de decisão, em particular. Nisto está a importância do relatório: nele o juiz deve descrever todos os elementos factuais e processuais que foram havidos e percebidos pelo juiz e que são capazes de explicar seu raciocínio e justificar sua decisão. Descritivamente, o juiz di-los-á cronologicamente. Somente os elementos importantes à tomada de decisão precisam constar no relatório. Se elementos houver que não são importantes à tomada de decisão mas devem, por outro motivo, constar no relatório, é devido que o juiz cite-os no corpo da fundamentação como tais, uma vez que de outro modo esses elementos serão vistos apenas como pesos- mortos, porque se não são necessários nem material nem formalmente – e isso tem de estar explícito –, poderão gerar dúvida quanto a sua utilidade ou mesmo quanto ao fundamento (explicação e justificação) da sentença judicial. O dispositivo, como conclusão que é do texto normativo judicial, apenas diz o Direito, explicitando-o concisamente. Disso decorre a função essencial da fundamentação: explicar e justificar a conclusão pela aplicação do Direito imposta na norma de decisão. 2.3. A sentença judicial como norma jurídica – o po nto de vista jurídico. O comportamento humano é objeto de normatização sempre que o comportamento de uma pessoa puder, seja por qual circunstância for, seja por qual razão for, tocar o campo de comportamento de outra pessoa; até mesmo quando a lei é a do mais forte, posto que o subjugado 29 – o menos forte, ou o fraco – deve obediência irrestrita ao mais forte – se isso for conforme tal Direito. Uma vez normatizado o comportamento humano, tal normatização gera uma expectativa de que todas as pessoas nela englobadas comportem-se de um modo padronizado, de tal modo que todos possam agir (fazer, não fazer, deixar de fazer algo) sem que isso cause desentendimentos tais que levem a um conflito, e, do outro lado, possam esperar e exigir um tal agir em conformidade com tal normatização para que não haja um conflito de interesses em relação àquele agir possível. Posto em juízo um conflito decorrente da normatização jurídica – a lide –, as partes delegam a outras pessoas – os juízes – a determinação de qual comportamento o Direito espera delas – e por isso lhes impõe-no. Factualmente elas abrem mão de seu entendimento do Direito e da autodeterminação de seu comportamento que compreendem estar conforme tal Direito; delegam, portanto, ao Judiciário o esclarecimento da norma jurídica, cujos entendimentos divergentes causaram conflito entre os comportamentos que cada parte atribui a si como devido e espera da outra como exigível, mas que ou são incompatíveis entre si ou são aplicados equivocadamente. Tal esclarecimento da norma jurídica dá-se por meio da sentença judicial, em que a norma de decisão materializa a norma jurídica. Os juízes ao prolatarem suas sentenças, diferentemente do que pode parecer, não criam norma jurídica, senão, eles esclarecem o texto normativo dizendo o direito que ali se contém, tudo conforme o Direito. A tarefa de criar normas jurídicas é essencialmente atribuída ao legislador. Em havendo uma lide, e tão somente se houver uma lide, cabe ao juiz explicar e justificar a correta aplicação da norma jurídica em questão. Toda lide é uma disputa pela correta compreensão sobre uma norma jurídica, em particular, e sobre o Direito, como um todo. Se todos compreendessem uma norma jurídica em questão do mesmo modo, todos comportar-se-iam de modo que os interesses (desejos e necessidades) 30 de cada um, convergentes em uma certa situação, não entrariam em conflito – e portanto, não haveria lide – porque cada qual saberia, aceitável e toleravelmente ao menos, como agir e qual agir esperar ou exigir do outro. O juiz, em sua sentença, expõe seu entendimento sobre o texto legislativo e sua compreensão sobre o Direito, demonstrando a norma jurídica que dele emana. Para tanto, explica e justifica seu entendimento sobre tal norma presente nesse texto. 2.4. A compreensão da sentença judicial. A compreensão da sentença judicial encontra-se em sua dimensão hermenêutica. Tal compreensão realiza-se quando se alcança, por meio do intelecto, o quê, como e por que ela realiza-se no mundo. O mundo em que a sentença judicial existe é um mundo particular – mas não apartado de outros com os quais coexiste, como os mundos, também particulares, da moral, da biologia, da sociologia, da medicina, da economia. Mundo em que pessoas relacionam-se e buscam realizar coisas – e realizarem-se –, submetidas a uma universalidade que caracteriza esse mundo, a que se pode denominar como o mundo do Direito, cujo deus é a justiça, o paraíso, a paz social (e o inferno, a lide). Nessa situação, o juiz seria Hermes, pois é o juiz que está, no processo judicial, entre o Direito e sua realização pelo agir das pessoas, é ele quem traduz o Direito a elas; é na sentença judicial que o juiz comunica a (pretensa) (correta) compreensão do Direito para o agir humano. A compreensão da sentença judicial passa por sua textualidade e por sua ontologia, isto é, por sua discursividade. 2.4.1. Discursividade: textualidade e ontologia. Toda discursividade está interna e formalmente ligada a uma textualidade e externa e materialmente a uma ontologia. 31 A textualidade faz-se por um conjunto de atributos que constituem um dizer, em seu todo, em um texto; e um texto faz-se por uma expressão codificada de um pensamento, isto é, um pensamento tornado linguagem. Uma pessoa pretende dizer um sim. Ela pode movimentar verticalmente sua cabeça (naquelas comunidades em que isso tem esse significado); ela pode vocalizar a palavra que em sua língua refere-se àquilo que em português se expressa com a palavra escrita “sim”, bem como escrever essa palavra; e, entre outras possibilidades, estender seu braço com sua mão fechada e o polegar dessa mão apontando para cima. Desses modos ela diz o simquerido dizer, tornando-o um dito em uma linguagem. Isso é um texto, tanto quanto uma sentença judicial, querendo dizer o Direito aplicável e aplicado a uma lide, o faz dizendo por escrito palavras que pretendem dizer isso. Entretanto, para isso é necessário que esse dizer constitua-se de atributos mínimos, e por isso necessários, para que esse dizer seja um texto com pretensões de ser uma sentença judicial. São estes atributos que conferem ao texto sua inteligibilidade. A inteligibilidade parte da escolha, adequada ao que se pretende comunicar, de uma linguagem comum. Quem pretende comunicar a beleza de uma paisagem, poderá optar, por exemplo, entre a pintura e a poesia, mas em ambos casos deverá saber trabalhar com as estruturas de cada uma dessas linguagens. Mas isso não basta. Deverá, por exemplo, para a pintura, escolher uma escola; para a poesia, uma língua. E mais uma vez saber trabalhar com as estruturas de tais segmentos da linguagem. Um texto deve estar adequado ao modo por que se expressa. A sentença judicial é um texto escrito, e escrito em uma determinada língua. Por isso, deve obedecer às normas estruturais dessa língua (sintaxe; morfologia) adequadas à escrita nessa língua, isto é, sua gramaticalidade. Sua ausência ou sua precariedade implicam ausência de intelectibilidade.36 36 GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em prosa moderna : aprenda a 32 A esse elemento linguístico, que lhe dá gramaticalidade, outros dois somam-se-lhe: a coesão e a coerência. A coesão resulta das conexões formais de linearidade e de repetição e progressão do texto37, todavia ela “não é necessária nem suficiente para a construção do sentido”38. A ela conjuga-se a coerência, que é o encadeamento dos pensamentos unitários por meio da lógica e da argumentação internas ao texto, os quais, depois, globalmente formarão um pensamento total coesivo e coerente, portanto intelectível.39 Mas isso somente faz com que dizeres expressos por uma determinada linguagem, – e neste caso – em uma determinada língua40, ditos com respeito às normas internas de tal língua (o que lhe dá coesão), e com o devido processamento lógico e argumentativo dos pensamentos que se pretendem comunicar (o que lhe dá coerência) formem um texto. Quem fala constrói uma representação não só do texto, mas também de uma situação41, as quais interagem para formar o todo escrever, aprendendo a pensar. 24 ed.. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p. 34. 37 MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso . Tradução de Márcio Venício Barbosa, Maria Emília Amarante Torres Lima. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 24-27. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Formas lingüísticas e construção do sentido. In: (Org.) SILVA, Denize Elena Garcia da; VIEIRA, Josênia Antunes. Análise do discurso : percursos teóricos e metodológicos. Brasília, UNB. Oficina Editorial do Instituto de Letras; Plano, 2002, p. 29. 38 Ibidem, p. 28. 39 A coerência, que se alcança por meio das estruturas lógica e argumentativa, é um elemento pré-linguístico, ou elemento linguisticamente abstrato, posto que precede ao arranjo linguístico externado, ou linguisticamente materializado, isto é, embora a coerência seja também um elemento linguístico, ela é anterior à materialização do pensamento que se vai manifestar pela linguagem. A organização lógica e argumentativa, isso já é linguagem. 40 “Em sentido amplo, pode-se entender por linguagem qualquer processo de comunicação. [...] Para a linguística, porém, só apresenta interesse aquele tipo de linguagem que se exterioriza pela palavra humana, fruto de uma atividade mental superior e criadora. Há dois tipos de expressão linguística: a falada e a escrita. [Já a] língua é um sistema: um conjunto organizado e opositivo de relações, adotado por determinada sociedade para permitir o exercício da linguagem entre os [seres humanos]. Fato social por excelência [...].” ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 38ª ed.. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000, p. 4-5. 41 Em linguística, os significados de situação, contexto e cotexto não estão 33 discursivo.42 Em outras palavras, “entender um discurso pressupõe entender o mundo”.43 Ontologicamente, a discursividade manifesta-se quando um determinado conteúdo linguístico – e por isso conteúdo do pensamento – expresso linguisticamente refere-se no e ao mundo. Uma sentença judicial, texto que é, é somente isso enquanto conjunto devidamente estruturado linguisticamente apto a ser intelectível, isto é, pensamento comunicável, ainda, e em sentido amplo, pensamento pronto a ser devidamente compreendido por outra pessoa. Um texto escrito é somente um texto, ainda que possua caráter jurídico e processual; será ele uma sentença judicial quando e se, sendo isso no mundo do Direito, assim manifestar-se no mundo. Essa manifestação será a cada vez que um fato do mundo, posto em juízo, processado na forma da lei, em conformidade com o Direito, for julgado por um juiz e, preenchidos todos os requisitos formais para sua manifestação, concluir pela (pretensa) (correta) interpretação desse Direito a ser aplicada a esse fato. Assim um texto é uma sentença judicial. distintos. O ato de linguagem comporta duas relações, uma interna e outra externa. A relação interna tem sido empregada ora por cotexto, ora por contexto, e ora por contexto interno; a relação externa, ora por situação, ora por contexto, e ora por contexto externo. A palavra situação ora é mesmo empregada como contexto e cotexto, englobados (MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso . Tradução de Márcio Venício Barbosa, Maria Emília Amarante Torres Lima. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 24-27. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Formas lingüísticas e construção do sentido. In: (Org.) SILVA, Denize Elena Garcia da; VIEIRA, Josênia Antunes. Análise do discurso : percursos teóricos e metodológicos. Brasília, UNB. Oficina Editorial do Instituto de Letras; Plano, 2002, passim); emprego que também ocorre com a palavra contexto (Ibidem, p. 24). Aqui, contexto é empregado como as relações internas do ato de linguagem, e situação como as relações externas a ele (CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso : modos de organização. Coord. da equipe de tradução: Angela M. S. Corrêa; Ida Lúcia Machado. 2 ed.. São Paulo: Contexto, 2012, p. 69; CÂMARA JUNIOR, Joaquim Matoso. Princípios de linguística geral . Rio de Janeiro: Acadêmica, 1959, p. 103). Não se emprega aqui o termo cotexto. 42 DIJK, Teun A. van. A caminho de um modelo estratégico de processamento de discurso. In: Cognição, discurso e interação . Tradução de João de A. Telles. (Org.) KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. 4ª ed.. São Paulo: Contexto, 2002, p. 17. 43 DIJK, Teun A. van. Análise semântica do discurso. Idem, p. 45. 34 A discursividade da sentença judicial está em ela ser um texto referido no e ao mundo, porque todo discurso é referido. A sentença judicial, porque é um discurso, deve ser referida. Ela refere-se a um fato e a um Direito. Referindo-se a um fato – posto em juízo porque conflituoso no mundo –, necessariamente refere-se a pessoas, pois são pessoas que, sendo no mundo, possuem interesses (desejos e necessidades) que, em um determinado lugar e em um determinado tempo, geram um conflito por seu agir no mundo. Referindo- se a um Direito – posto que é o Direito que organiza as possibilidades de tais interesses –, refere-se a outros textos jurídicos, sejam outras sentenças judiciais, sejam doutrinas, sejam estudos não doutrinais. Toda sentença judicial apoia-se empessoas, em um fato referido a essas pessoas, em um Direito referido a esse fato, em uma norma de decisão referida a um conflito derivado da conjugação desses elementos, e a um juiz, quem, interpretando esse conflito, conclui por essa norma de decisão. Essas são as referências da sentença judicial. 2.4.2. Constituição discursiva da sentença judicial. A sentença judicial não se constitui de palavras e da interpretação do Direito realizada pelo juiz; se se a considerasse isso, ela seria algo isolado, um texto jurídico sem um Direito. Ela não é originária, mas derivada. O juiz ao compor a sentença judicial, ele não vaga no espaço ou no tempo, livre de forças externas, agindo arbitrariamente. O juiz nessa tarefa age conforme o Direito a que representa. Se uma pessoa é livre para ir e vir, ao juiz é atribuído o livre convencimento, mas ambos, pessoas, estão “presos”, cada um conforme sua posição no mundo, a uma força externa: o homem, por exemplo, à gravidade; o juiz, de fato, ao Direito. O juiz que decide sem conformidade ao Direito que informa sua decisão é como a pessoa que está fora do planeta, perdida no espaço cósmico. O juiz está “preso”, ou, refere-se a um Direito, ao qual está 35 “preso”. Por isso sua sentença não é originária, mas derivada, porque não cria um direito ou o Direito, mas tão somente, interpretando o Direito, aplica um direito, explicando e justificando sua decisão, ou seja, fundamentando-a. A sentença judicial constitui-se de uma decisão, posta na norma de decisão nela constante, fundamentada segundo seus referentes no mundo. Seu principal referente é o Direito. A sentença judicial somente existe porque existe um Direito. Sem esse Direito, ou, havendo-o, sem referência a ele, ela somente é sentença formalmente; materialmente ela somente é um texto, e um texto não jurídico, porque não referido a um Direito válido, ou, validamente, para a situação a que ela se refere. Seus demais referentes são aqueles que fazem parte da lide: as partes, e seus representantes em juízo, o fato, o juiz, e sua instituição, e conflito social correlacionado a uma controvérsia jurídica, e ainda, o tempo e o lugar dessa decisão. Quando em uma situação jurídica processual esses elementos estão presentes, são-lhe afluentes, o processo entra em curso, flui, e a sentença judicial é o fim desse curso, sua foz. O ato que pode ser dito como sentença judicial constitui-se por uma discursividade, e por isso refere-se ao mundo. Isso dá-se porque determinados elementos encontram-se presentes nesse ato, os quais o referem a uma situação. Constituem a situação da sentença judicial aqueles referentes que fazem parte da lide, acima elencados. É a confluência desses referentes que geram a sentença judicial. Ignorar a situação comunicacional é uma prática desaconselhada quando se pretende entender um texto.44 A ausência de qualquer dos referentes da sentença judicial descaracteriza-a como ato decisional; sua inteireza encontra-se na presença nela, como ato de linguagem, de seus elementos constitutivos internos, como texto, e externos, como discurso. 44 HAYAKAWA, Samuel Ichiey. A linguagem no pensamento e na ação. Como os homens usam as palavras e como as palavras usam os homens. Tradução de Olívia Krähenbühl. 2ª ed.. São Paulo: Livraria Pioneira, 1972, p. 48. 36 2.5. Imperfeições da sentença judicial. A sentença judicial, uma vez existente como e por meio da linguagem, ela é imperfeita. A linguagem humana existe, seja ela qual for, porque existem (pelo menos duas45) pessoas que desejam ou precisam, isto é, têm interesse em comunicar-se. Essa comunicação nem sempre, ou quase nunca, é plena, isto é, ela não ocorre sem que haja ruídos, que são fatos internos ou externos à linguagem que não permitem que a comunicação seja transparente, completa, livre de obstáculos a sua interpretação. Tão natural quanto a linguagem, e ao mesmo tempo inerente a ela, é a sua imperfeição. E assim como é da sua natureza ser imperfeita, é da natureza humana buscar a perfeição, e com isso o ser humano busca melhorar sua comunicação; e a cada vez que ele obtém sucesso nessa tarefa ele a expande, e tal expansão, então, traz-lhe uma outra imperfeição, para a qual haverá uma nova busca de aperfeiçoamento, para a qual haverá uma nova obtenção de sucesso, do qual decorrerá uma nova imperfeição a ser superada. Esse movimento constante, em espiral ascendente, reflete a permanente busca por uma mútua compreensão, o qual alimenta o dilema interno da natureza humana de ser imperfeita e buscar a perfeição, componentes que, combinados, sempre resultam em uma evolução. Essa evolução consiste em uma cada vez melhor compreensão dos sentidos e dos mecanismos de produção desses sentidos, que por sua vez favorece uma melhor compreensão entre as pessoas, mediada pela linguagem. As imperfeições da linguagem que mais atingem o Direito, em geral, e a sentença judicial, em particular, refletindo-se na fundamentação das sentenças judiciais, fundamentalmente, são (1) a imprecisão da linguagem do Direito, (2) a possibilidades de conflitos entre normas, (3) a possibilidades de haver casos 45 MAINGUENEAU, Dominique. Análise de texto de comunicação . Tradução de Cecília Perez de Souza-e-Silva, Décio Rocha. São Paulo: Cortez, 2002, p. 79. 37 que requeiram uma regulamentação jurídica, uma vez que não cabem em nenhuma norma válida existente, bem como (4) a possibilidade, em casos especiais, de uma decisão que contraria a literalidade da norma,46 as quais, linguisticamente, podem ser expressas, respectivamente, pela textura aberta (vagueza) da linguagem, incoerência interna, lacunas e incoerência externa. Essas imperfeições, sobre elas não se pode afirmar que são em alguns casos insuperáveis, mas nos quais são difíceis de serem superadas. Todo texto, e assim todo discurso, e por conseguinte toda sentença judicial, é construído por relações de sentido, que por sua vez é construído por relações gramaticais e discursivas. Rupturas nessas relações ocasionam dificuldades à compreensão da comunicação. 46 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 3ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 19-20. 38 3. HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO. “A tarefa da hermenêutica consiste em reconstruir do modo mais completo a inteira evolução interior da atividade compositora do escritor.”47 Quem pretende compreender algo que se manifeste pela linguagem, encontra-se com a tarefa da interpretação. Todo aquele que compreendeu algo, já o interpretou; todo aquele que ainda não o compreendeu, ou parou de interpretar – e não o compreenderá –, ou está interpretando, porque o quer compreender. Nada é compreendido sem que se tenha passado por uma interpretação. Deve-se, portanto, buscar pela interpretação – conhecendo-a – o caminho para a compreensão. A Hermenêutica é a ciência da interpretação. É com ela que o ser humano busca conhecer a interpretação, para aplicá-la e chegar à compreensão. Se de algum modo, e sempre que, alguém busca conhecer e organizar tal conhecimento com a pretensão de aplicá-lo para compreender algo manifesto pela linguagem – e isso é interpretação –, então esse alguém é um hermeneuta. A Hermenêutica não está aí como processo mental para compreender-se algo, mas como ciência para determinar processos hábeis a determinar-se a compreensão ou a melhor compreensão sobre esse algo, ou, em uma palavra, interpretar. Pode-se dizer que, em um constante e indissolúvel movimento de ida como um eterno retorno e partida, a hermenêutica teoriza a interpretação e a interpretaçãopratica a hermenêutica. Enquanto a hermenêutica cuida em analisar, refletir, decidir e determinar – ou seja, em pensar sobre – a interpretação, esta ocupa-se em aplicar o que aquela concluiu como o melhor processo para compreender algo. O hermeneuta e o intérprete são papéis diversos, contudo interdependentes. Embora comumente ambos atuem concomitantemente, 47 SCHLEIERMACHER, Friederich Daniel Erns. Hermenêutica : arte e técnica da interpretação. Tradução de Celso Reni Braida. 8ª ed.. Vozes: Petropólis, 2010, p. 39. 39 pois simultaneamente age-se e pensa-se em e sobre esse agir, ambos possuem sua própria perspectiva. Um hermeneuta e um intérprete, diante de um texto, abordam-no de modos diversos. Enquanto o intérprete põe- se a compreender o que se diz por meio do texto, o hermeneuta põe-se a pensar sobre a melhor maneira de interpretá-lo. A hermenêutica chega à sua dimensão mais autêntica quando deixa de ser um conjunto de artifícios e de técnicas de explicação de texto e quando tenta ver o problema hermenêutico dentro do horizonte de uma avaliação geral da própria interpretação. Deste modo, implica dois polos de atenção, diferentes e interactantes: 1) o fato de compreender um texto e 2) a questão mais englobante do que é compreender e interpretar.48 Nesse sentido, interpretar aproxima-se da compreensão de um texto, agindo sobre ele, enquanto a hermenêutica, mais abrangente, aproxima-se da questão sobre a compreensão e a interpretação em si mesmas, agindo sobre estas, não sobre o texto. A tarefa da hermenêutica, e a da interpretação, está mais associada à decifração de textos. “Decifrar” parece algo mágico, misterioso, atribuído a iniciados, logo, fora do alcance da pessoa comum. A capacidade de interpretação é sempre envolta em mistério, pois parece existir algo de mágico no processo interpretativo, algo que ultrapassa nossa capacidade de explicação. Então, os grandes intérpretes são aqueles capazes de desvendar os sentidos que são inacessíveis às pessoas comuns. Essa capacidade de compreender os segredos, de trazer à luz o que permanece oculto, este é o próprio mistério da interpretação. Portanto, não é à toa que a interpretação sempre foi ligada às artes divinatórias.49 48 PALMER, Richard E. Hermenêutica . Lisboa, Portugal: Edições 70, 1969, p. 19-20. 49 COSTA, Alexandre Araújo. Direito e método: diálogos entre e hermenêutica filosófica e a hermenêutica jurídica. (não consta data do depósito). 421 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 03/03/2008, p 11. Disponível em http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1512/1/2008_AlexandreAraujoCosta.pdf. Acesso em 04/11/2011. 40 De fato, é outra coisa: “es[s]e processo de ‘decifração’, es[s]a ‘compreensão’ do significado de uma obra, [que] é o ponto central da hermenêutica"50, é descobrir o que as palavras encobrem no texto e além do texto. “Quem interpreta normalmente atua como se estivesse a desvendar os sentidos contidos no texto. A crença de que o sentido é imanente ao objeto faz parte do exercício de quase toda atividade de interpretação.”51 As palavras sempre dizem algo, que pode ser compreendido tão claramente quão mais precisas por si mesmas e mais familiaridade do autor e do leitor com elas, mas elas não têm como dizer mais do que nelas se contém nem por elas se alcança. Portanto, aquilo que se percebe como contido no texto não é o texto, como forma, como material linguístico concreto, mas o que nele está contido, como conteúdo, como matéria a ser comunicada, uma mensagem, aquilo que nele se contém representado pela linguagem. Levada até à sua raiz grega mais antiga, a origem das atuais palavras ‘hermenêutica’ e ‘hermenêutico’ sugere o processo de ‘tornar compreensível’, especialmente enquanto tal processo envolve a linguagem, visto ser a linguagem o meio por excelência neste processo.52 A linguagem, aqui em especial, é uma língua, por meio de que essencialmente as pessoas expressam-se, e é por meio da língua que se compreende o que se diz nela, posto que “o fenômeno primário no domínio da compreensão não é a compreensão da linguagem mas a compreensão através da linguagem”.53 50 PALMER, Richard E. Hermenêutica . Lisboa, Portugal: Edições 70, 1969, p. 19. 51 COSTA, Alexandre Araújo. Direito e método: diálogos entre e hermenêutica filosófica e a hermenêutica jurídica. (não consta data do depósito). 421 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 03/03/2008, p 6. Disponível em http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1512/1/2008_AlexandreAraujoCosta.pdf. Acesso em 04/11/2011.. 52 PALMER, idem, p. 24. 53 EBBELING, Gerhard. Word and faith . Tradução de James W. Leitch. Philadelphia: Fortress Press, 1963, p. 318. 41 3.1. Aspectos do significado de hermenêutica. Hermenêutica pode ser entendida como um dizer, um explicar e um traduzir. Disso resulta que interpretar “pode pois referir-se a três usos bastante diferentes: uma recitação oral, uma explicação racional e uma tradução de outra língua”.54 Esses três usos não são independentes entre si, senão autônomos. Com isso se quer dizer que em uma dada interpretação, qualquer desses aspectos pode manifestar-se fenomenologicamente com “exclusividade”, o que de fato significa que se manifestará preponderantemente, de modo que aquele que expõe sua interpretação – ou aquele que a recebe assim o percebe – o faz de modo que pareça que a interpretação dá-se apenas por um desses aspectos, mas isso é somente o modo como tal interpretação apresenta-se, pois a interpretação como processo engloba sempre esses três aspectos. 3.1.1. Hermenêutica como dizer. Esta concepção do que se há de entender por hermenêutica já é em si mesma o resultado de uma interpretação, que não é uma interpretação como ato de interpretar, mas como efeito desse interpretar. Nesse caso, o dizer é o fim do processo hermenêutico-interpretativo: quem assim diz afirma o resultado do que já interpretou, o resultado de sua interpretação. Como exemplo disso, tem-se a homilia dos sacerdotes, os quais, após estudarem as escrituras, fazem seus sermões, proclamando a palavra de deus, ou seja, dizem (interpretam) o que dizem as escrituras. Do ponto de vista da teologia [...] nota estar a forma inicial herme próxima do latim sermo, ‘dizer’, e do latim verbum, palavra. Isto sugere que o sacerdote ao apresentar a Palavra está a ‘anunciar’ e a ‘afirmar’ algo; sua função não é meramente explicar, 54 EBBELING, Gerhard. Word and faith . Tradução de James W. Leitch. Philadelphia: Fortress Press, 1963, p. 25. 42 mas sim proclamar. O sacerdote [...] traz notícias fiéis da divindade. Naquilo que diz ou proclama, ele é [...] um mensageiro de Deus para com o homem. Mesmo o simples dizer, afirmar ou proclamar é um ato importante de interpretação.55 A hermenêutica como dizer reflete o aspecto mais comum da prática interpretativa, em que se expõe uma interpretação, afirmando-a. Quem diz, interpretando, parafraseia o já dito, interpretando-o, e assim fazendo-o ser compreendido. 3.1.2. Hermenêutica como explicar. Hermenêutica como explicação é essencialmente um processo argumentativo e racional, com fins a clarificar o sentido de um texto. Explicar é desdobrar, abrir o sentido daquilo que se explica, deixando mais claro, mais visível aquilo que está nas dobras do texto, ou, em suas entrelinhas. Diferentemente de dizer, explicar é um processo. Hermeneuticamente, explicar, embora linguisticamente seja um dizer, tem outra dimensão, é também um dizendo, a dimensão da demonstração daquilo que se diz, argumentativa e racionalmente. Quemexplica não se limita a proclamar, dizendo, sua interpretação, mas analisa o percurso discursivo dessa interpretação, apresentando suas razões e buscando influenciar seus interlocutores, reais ou potenciais. “A interpretação como explicação dá ênfase ao aspecto discursivo da compreensão”56, isto é, essa relevância mostra as relações que o texto mantém com o mundo, considerando o modo como o sentido que está nele foi produzido, pois “as palavras não se limitam a dizer algo[,] elas explicam, racionalizam e clarificam algo”.57 55 PALMER, Richard E. Hermenêutica . Lisboa, Portugal: Edições 70, 1969, p. 25. 56 Ibidem, p. 30. 57 Ibidem, p. 30. 43 A formulação de um juízo, por exemplo, é uma “operação da mente que formula juízos”58, logo, um processo mental sobre algo, uma explicação; diferentemente de uma dicção, uma explicação fala sobre o dito. 3.1.3. Hermenêutica como traduzir. Talvez este seja o aspecto mais claro do que seja interpretar. Traduzir é verter uma língua (ou uma linguagem) em outra; é passar de um estado desconhecido – a língua estrangeira – a um estado conhecido, familiar – a língua de domínio (normalmente, a língua materna). “Neste caso, tornamos compreensível o que é estrangeiro, estranho ou ininteligível, utilizando como medium a nossa própria língua. Tal como o deus Hermes, o tradutor é um mediador entre um mundo e outro.”59 O tradutor está posto entre duas formas de um dizer; ele sabe dizer uma só coisa de duas formas distintas; ele é capaz de compreender um dito único dito de duas formas distintas. É na tradução que a língua mais se mostra como meio, como portadora da manifestação de alguém, quando este manifesta-se sobre algo no mundo. O tradutor leva ao Outro a intelecção, na língua deste, daquilo que está manifestado em outra língua, de modo que esse Outro possa interpretar, entendendo ou compreendendo, tal manifestação como se em sua própria língua houvesse sido dito.60 Papel semelhante realiza o intérprete, que traduz em sua própria língua algo que está manifestado nessa mesma língua; nesse caso, o que se traduz não é uma língua em outra, mas um modo de manifestar-se algo por uma linguagem61 em outro modo, nessa mesma língua, familiar ao Outro. 58 PALMER, Richard E. Hermenêutica . Lisboa, Portugal: Edições 70, 1969, p. 31. 59 Ibidem, p. 37 60 Mais à frente se exporá sobre intelecção, entendimento e compreensão como fases lineares ou graus de interpretação. 61 Linguagem, neste caso, não deve ser entendido do ponto de vista linguístico, 44 O que a tradução faz não é passar palavras de uma língua a outra, mas levar, de uma a outra língua, os significados e os sentidos62 que o texto pretende comunicar na língua de origem, para a língua de destino da tradução. A tarefa do tradutor consiste, então, em escolher que palavras na língua de destino são capazes de corresponder às ideias que trazem as palavras na língua de origem. De seu lado, o intérprete, como tradutor de sua própria língua, traduz, então, não palavras, mas o que as palavras portam: uma voz. Essa voz deve ser interpretada como uma voz histórica, que se relaciona com circunstâncias que a influenciam, e que são por ela influenciadas, mútua e circularmente. O que um intérprete faz (e um tradutor deve fazer) não é traduzir palavras, mas os sentidos que elas portam. “Compreender o que alguém diz é pôr-se de acordo na linguagem[, pois] a linguagem é o meio em que se realizam o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa em questão”.63 Portanto, a tarefa do intérprete não é a de “trocar” palavras, mas a de corresponder ideias por meio de palavras. 3.2. Definições de hermenêutica. Não se trata propriamente de conceitos, mas verdadeiras definições de hermenêutica, pois “cada uma representa essencialmente um ponto de vista a partir do qual a hermenêutica é encarada; cada uma esclarece aspectos diferentes mas igualmente legítimos do ato de interpretação, especialmente da interpretação de textos”.64 como “meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais [(Sprache), mas como, por metonímia,] emprego particular de uma língua considerada do ponto de vista da relação entre o modo de expressão e o seu conteúdo” (Ausdrucksweise). (“linguagem”. In: HOUAISS, Antônio. Grande Dicionário Houaiss βeta da língua portuguesa . Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=linguagem>. Acesso em: 17/08/2013.) 62 Mais à frente se exporá sobre a diferença entre significado e sentido. 63 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I : traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 11ª ed.. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p. 497. 64 PALMER, Richard E. Hermenêutica . Lisboa, Portugal: Edições 70, 1969, p. 43-44. 45 O que se verifica disso é que um certo modo de se abordar a hermenêutica apresentou maior relevância, assumindo, então, um papel a ser desenvolvido para a completude da compreensão. 3.2.1. Hermenêutica como teoria da exegese bíblica. Os comentários sobre as escrituras sagradas são as primeiras manifestações de uma hermenêutica como teoria da interpretação. “A palavra hermenêutica encontrou seu uso atual precisamente quando surgiu a necessidade de regras para uma exegese adequada das Escrituras[, diferenciando-se] da exegese enquanto metodologia da interpretação.”65 Hermenêutica e exegese possuem conteúdos significativos diferentes, posto que a exegese caracteriza-se por ser o comentário real, enquanto a hermenêutica caracteriza-se por ser “as regras, métodos ou teoria que a orientam”.66 As sagradas escrituras não poderiam ser deixadas ao arbítrio de seus intérpretes institucionais, mas deveriam seguir um padrão determinado, uma vez que, não sendo possível uma comunicação entre todos esses intérpretes, de modo que um poder central pudesse dizer uma interpretação a ser seguida pelos demais, então, dever-se-ia ter um padrão a ser seguido por todos, com o fim de que, mesmo dispersas, as interpretações fossem convergentes. Houve uma viva necessidade de manuais de interpretação que ajudassem os sacerdotes na exegese das Escrituras, dado que os sacerdotes estavam desligados de qualquer recurso à autoridade da Igreja para decidirem sobre questões de interpretação. Assim houve um ímpeto forte no desenvolvimento de padrões viáveis e independentes para interpretar a Bíblia.67 65 PALMER, Richard E. Hermenêutica . Lisboa, Portugal: Edições 70, 1969, p. 44. 66 Ibidem, p. 44. 67 Ibidem, p. 44. 46 Isso demonstra a importância que padrões interpretativos sejam adotados para uma adequada compreensão das comunicações68, em especial a compreensão das comunicações por escrito, pois a hermenêutica nasceu essencialmente, como uma ciência da compreensão de textos escritos: originalmente a hermenêutica tem como tarefa sobretudo a compreensão dos textos [escritos]. Foi somente Schleiermacher que minimizou o caráter essencial da fixação por escrito com respeito ao problema hermenêutico, ao ver que o problema da compreensão se apresentava também no discurso oral.69 3.2.2. Hermenêutica como metodologia filológica. Uma hermenêutica baseada numa metodologia filológica, essencialmente, pretendia interpretar textos, fundamentalmente as Escrituras, a partir de um estudo profundo desses textos, considerados em si mesmos. Essa abordagem “fez desenvolver técnicas de análise gramatical de grande requinte, e os intérpretes comprometeram-se mais do que nunca num conhecimento total do contexto histórico das narrações bíblicas [...,] sendo
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