Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO ALESSANDRA RIZZI O ENSINO DA ARTE E EDUCAÇÃO DO SENSÍVEL: saberes constituídos no programa CEJUME Passo Fundo 2018 2 ALESSANDRA RIZZI O ENSINO DA ARTE E EDUCAÇÃO DO SENSÍVEL: saberes constituídos no programa CEJUME Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Artes Visuais, Faculdade de Artes e Comunicação, da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciatura em Artes Visuais, sob a orientação do(a) ou Ms. Marilei Dal’Vesco Passo Fundo 2018 3 Alessandra Rizzi O ensino da arte e educação do sensível: saberes constituídos no programa CEJUME Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Artes Visuais, Faculdade de Artes e Comunicação, da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada em Artes Visuais, sob a orientação da professora Ms. Marilei Dal’Vesco Aprovada em ____de __________________de __________. BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________________ Profa. Ms. Marilei Teresinha Dal’Vesco - Orientadora - UPF __________________________________________________________________ Profa. Ms. Mariane Loch Sbeghen – Professora do Curso de Artes Visuais - UPF __________________________________________________________________ Profa. Ms. Ivana Rocha Tissott – Professora do Curso de Artes Visuais - UPF 4 Dedico este trabalho, à minha meus pais, Zedenir Rizzi e Selmar Rizzi, que, cоm muito carinho е apoio, nãо mediram esforços para qυе еυ chegasse аté esta etapa dе minha vida. 5 A minha minha orientadora Ms. Marilei Dal’ Vesco, pela compreensão, dedicação, correções, livros e por sua amizade. Também a coordenadora do Curso de Artes Visuais Mariane Loch Sbeghen, por me proporcionar diversas oportunidades no curso de Artes Visuais, pelo seu apoio e cuidado comigo. 6 ”Experienciar a arte, vivenciá-la, assistir aos seus espetáculos, frui-la de toda e qualquer maneira, sobre tudo com prazer, sobrepõe-se, a qualquer discussão teórica a seu respeito e aos processos de criação”. João Francisco Duarte Junior 7 RESUMO Esta pesquisa partiu da problemática, sobre quais seriam as contribuições que a Arte possibilita na educação das crianças e adolescentes que participam do projeto CEJUME, desenvolvido pelo curso de Artes Visuais, vinculado ao programa de extensão da Universidade de Passo Fundo. A partir de estudos entendeu-se que a contemporaneidade nos impõe inúmeros desafios no campo da educação. A temática foi proposta a algumas constatações que nos apontam que devido a rotina que levamos, deixamos de perceber e sentir o mundo, esse embrutecimento reflete sobretudo no aprendizado em tudo que fazemos. Nesse sentido, como educadores percebe-se da necessidade da arte na educação, de modo que os alunos tenham oportunidades de vivenciar que lhes permita despertar o saber sensível dos alunos. O estudo apresenta as concepções da educação sensível e a arte, a educação informal, e as contribuições no desenvolvimento dos alunos. Os escritos apresentam os resultados do processo de intervenção realizado com crianças e adolescentes que participam do programa CEJUME, vinculado ao curso de Artes Visuais, a fim de refletir sobre as contribuições da educação sensível nos espaços não formais. Palavras-chave: Arte. Educação não formal. Sensível. 8 ABSTRACT This essay came from the need to point out the contribution of the Arts to the education of children and teenagers from a juvenile center called CEJUME, in the city of Passo Fundo, Brazil, partnered with the University of Passo Fundo extension program. Studies made possible to understand that many challenges inside the field of education are imposed by this day and age. This issue came from some findings that show that people tend to stop realizing and feeling the world due to our everyday routine, and this sort of hardening reflects mostly in the learning process. In this regard, as educators, it is possible to acknowledge the necessity of art studies inside education programs so students can have opportunities to experience situations that will allow them to stimulate this sensitive knowledge. This research brings concepts of sensitive education and art, the informal education and their contribution to these students’ development. The results showed in these writings come from the intervention process done with children and teenagers that take part in the CEJUME program, partnered with the Visual Arts course from the University of Passo Fundo, in order to think about the part taken by a sensitive education in informal spaces. Keywords: Art. Informal education. Sensitive. 9 MEMÓRIAS DA TEMÁTICA No ano de 2017, surgiu a oportunidade de participar de uma bolsa de pesquisa oferecida pela universidade de Passo Fundo, sendo ela Bolsa de Pesquisa e Extensão do Curso de Artes Visuais, com o Projeto Comunidades Sustentáveis. O local de atuação era a instituição CEJUME - Centro Juvenil Mericiano. Nela, crianças no turno inverso da escola convencional participavam de oficinas disponibilizadas pela instituição e atividades com bolsistas da UPF – Universidade de Passo Fundo, sendo uma delas do curso de Artes Visuais. As crianças que participavam da oficina de Artes tinham entre 6 e 14 anos, e pertenciam a famílias de baixa renda. No decorrer do desenvolvimento das atividades, pude perceber a evolução dessas crianças, que estavam acostumadas a receber e aceitar informações prontas, e começaram a refletir sobre o mundo a sua volta, tendo um olhar mais crítico sobre o seu entorno e criando a consciência que devemos viver de uma forma sustentável, cuidando do espaço onde vivemos e da natureza. 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Imagem 1 - Momento de silêncio com sua árvore.................................................... 32 Imagem 2 - Fazendo anotações sobre sua árvore...................................................... 33 Imagem 3 - 4 Bloco de anotações................................................................................ 34 Imagem 5 - 6 Bloco de anotações................................................................................ 34 Imagem 7 Assistindo vídeo..................................................................................... 37 Imagem 8 Desenhado sua árvore............................................................................ 38 Imagem 9 Desenhado sua árvore............................................................................ 38 Imagem 10 - 11 Desenho da árvore dos alunos............................................................... 39 Imagem 12 - 13 Desenho da árvore dos alunos............................................................... 40 Imagem 14 - 15 Desenho da árvore dos alunos............................................................... 40 Imagem 16 - 17 Desenho da árvore dos alunos............................................................... 41 Imagem 18 Desenhando na caixa de medicamento.................................................. 43 Imagem 19 Desenhando na caixa de medicamento..................................................43 Imagem 20 Desenhando na caixa de medicamento.................................................. 44 Imagem 21 Desenhando na caixa de medicamento.................................................. 44 Imagem 22 Pintando as tonalidades.......................................................................... 45 Imagem 23 - 24 Pintando as tonalidades.......................................................................... 46 Imagem 25 Pintando as tonalidades.......................................................................... 47 Imagem 26 Pintando as tonalidades.......................................................................... 47 Imagem 27 Desenho da aluna Orquídea................................................................... 49 Imagem 28 Trabalho Finalizado............................................................................... 49 Imagem 29 Trabalho Finalizado............................................................................... 50 Imagem 30 Trabalho Finalizado............................................................................... 50 Imagem 31 Trabalho Finalizado............................................................................... 51 Imagem 32 - 33 Alunos desenhando planta em local inusitado....................................... 54 Imagem 34 Alunos desenhando planta em local inusitado....................................... 54 Imagem 35 Pintando seu desenho............................................................................. 55 Imagem 36 Pintando seu desenho............................................................................. 55 Imagem 37 Pintando seu desenho............................................................................. 56 Imagem 38 Resultado da atividade........................................................................... 56 Imagem 39 Resultado da atividade........................................................................... 57 11 Imagem 40 Resultado da atividade........................................................................... 57 Imagem 41 Montando sua planta com os pedaços de papel..................................... 59 Imagem 42 Montando sua planta com os pedaços de papel..................................... 60 Imagem 43 Montando sua planta com os pedaços de papel..................................... 60 Imagem 44 Montando sua planta com os pedaços de papel..................................... 61 Imagem 45 Montando sua planta com os pedaços de papel..................................... 61 Imagem 46 Fazendo mosaico no fundo da caixinha................................................. 62 Imagem 47 Fazendo mosaico no fundo da caixinha................................................. 63 Imagem 48 Fazendo mosaico no fundo da caixinha................................................. 63 Imagem 49 Fazendo mosaico no fundo da caixinha................................................. 64 Imagem 50 Fazendo mosaico no fundo da caixinha................................................. 64 Imagem 51 Grupo trabalhando................................................................................. 65 Imagem 52 Colando mosaico planta......................................................................... 66 Imagem 53 Colando mosaico planta......................................................................... 66 Imagem 54 - 55 Colando mosaico planta......................................................................... 67 Imagem 56 - 57 Colando mosaico planta......................................................................... 67 Imagem 58 Resultado final da atividade................................................................... 68 Imagem 59 Resultado final da atividade................................................................... 68 Imagem 60 Resultado final da atividade................................................................... 69 Imagem 61 Resultado final da atividade................................................................... 69 Imagem 62 Resultado final da atividade................................................................... 70 Imagem 63 Resultado final da atividade................................................................... 70 Imagem 64 Resultado final da atividade................................................................... 71 Imagem 65 Resultado final da atividade................................................................... 72 12 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 13 2 CORPO TEÓRICO.................................................................................. 17 2.1 A ARTE E A EDUCAÇÃO DO SENSÍVEL............................................. 17 2.1.1 Reflexões sobre arte na educação............................................................ .21 2.2 ESCRITOS SOBRE A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL............................. .22 2.2.1 Educação não formal no campo da arte ………….....………………... 23 2.3 PROGRAMA DE EXTENSÃO DA UPF…………………...…………... .25 2.3.1 Breve histórico do projeto CEJUME…………………………...……... 26 2.3.2 Proposições do curso de artes visuais e projeto CEJUME…...………. 27 3 CONSTRUINDO SABERES NO PROJETO CEJUME…………….. 28 3.1 INTENCIONALIDADE DOS ESCRITOS REFLEXIVOS……………... 28 3.2 O PERCURSO DA PRÁTICA EDUCATIVA COM OS ALUNOS O PROGRAMA CEJUME………………………………………….....….... 29 3.2.1 Um diálogo sobre a natureza: a prática de adotar uma árvore……... 29 3.2.2 Desenhar e colorir as árvores que fazem parte do pátio da CEJUME.................................................................................................... 35 3.2.3 As cores da minha árvore......................................................................... 41 3.2.4 Saberes que permitem o despertar da sensibilidade por meio da arte 47 3.3 ENCONTRAR UMA PLANTA EM LOCAL INUSITADO….......…….. 50 3.3.1 Aproximando os alunos da produção artística da fotógrafa alemã Carola Becker………………………………………………...........……….. 50 3.3.2 Mosaico: produção em caixas de fósforos……………………………... 57 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 72 REFERÊNCIAS........................................................................................ 75 APÊNDICES............................................................................................. 77 ANEXO...................................................................................................... 103 13 1 INTRODUÇÃO Observamos cada vez mais, em nosso dia a dia, a necessidade de uma educação que desperte os sentidos dos alunos. Ao vermos a situação atual da nossa sociedade, nos perguntamos se a verdadeira função do professor de Artes é trabalhar apenas conteúdos históricos e técnicos. As crianças não sabem ver, ouvir, sentir, tudo isso devido ao modo que vivemos hoje. Isso nos faz pensar sobre qual seria a verdadeira função de um educador de arte dentro de uma sala de aula. Será que apenas deve trabalhar o conteúdo científico, ou deve começar a pensar em despertar os sentidos destes alunos? Ao longo do processo de formação acadêmica, teve-se a oportunidade de participar dos trabalhos de monitorias nos programas de extensão da UPF, especificamente vinculados à faculdade de Artes e Comunicação. Durante essa caminhada, foram adquiridos conhecimentos e experiências acerca do processo de mediação do ensino da arte em diferentes contextos. Desse modo, surgiu o interesse pela temática, que se intitula O ensino da arte e educação do sensível: saberes constituídos no programa CEJUME - Centro Juvenil Mericiano, cujo foco de estudo prima pelas concepções e práticas voltadas para a educação do sensível. Desse modo, elencou-se a seguinte problemáticade estudo: Quais as contribuições que a Arte possibilita na educação das crianças e adolescentes que participam do projeto CEJUME, desenvolvido pelo curso de Artes Visuais, vinculado ao programa de extensão da Universidade de Passo Fundo? ` Entende-se que a contemporaneidade nos impõe inúmeros desafios no campo da educação. Devido à rotina agitada que levamos, deixamos de sentir o mundo, estabelecemos relações muito rasas com as pessoas, perdemos o hábito de conversar sobre a vida. Esse embrutecimento reflete não só em nossas relações, mas no aprendizado e em tudo o que fazemos. Tornamo-nos tão dependentes do uso da tecnologia, que precisamos nos desconectar do mundo virtual e nos reconectarmos conosco mesmos e com o mundo. Para tanto, elencaram-se as questões de pesquisa, para que pudéssemos observar as especificidades tanto nos aspectos teóricos quando na prática. As questões elencadas no projeto de pesquisa apresentaram os seguintes questionamentos: Qual a importância da educação informal na vida de crianças e adolescentes carentes que participam do projeto CEJUME, a fim de mostrar sua relevância na construção de um olhar mais crítico e pensante com relação ao seu entorno? De que forma as oficinas de Artes levam estas crianças e adolescentes à reflexão? De que modo as ações desenvolvidas no projeto CEJUME, especialmente as oficinas desenvolvidas pelo curso de Artes Visuais, apresentam sua importância social? De que maneira os conhecimentos teóricos, entrelaçados com os 14 resultados da pesquisa de campo, nos permitem suscitar novos saberes para o campo da arte e da educação? O objeto de estudo teve como temática refletir sobre as contribuições da arte na educação de crianças e adolescentes que participam do projeto CEJUME, vinculado ao programa de extensão do curso de Artes Visuais, da Universidade de Passo Fundo. Para tanto, os objetivos específicos foram traçados, com o intuito de: fundamentar sobre as concepções da educação informal, a fim de suscitar a sua importância no contexto da Arte e da Educação; Discorrer sobre as contribuições da arte no campo da educação informal, com a intenção de refletir sobre as ações que ocorrem em projetos sociais; Aplicar um plano de intervenção com crianças e adolescentes que participam do programa CEJUME, vinculado ao curso de Artes Visuais, a fim de refletir sobre as contribuições da arte nos espaços não formais, desenvolvidas pelo curso de Artes Visuais; Entrelaçar os conhecimentos teóricos com os resultados da pesquisa de campo, a fim de observar a relevância da arte no campo da educação não formal; Contribuir com a pesquisa em Artes Visuais por meio de estudos e práticas que enriqueçam o campo do saber sensível na arte educação. A presente pesquisa é de cunho qualitativo, e a principal “preocupação concentra-se na qualidade dos resultados alcançados com a pesquisa, em como os dados foram obtidos, que procedimentos foram adotados para a análise e interpretação dos dados” (LAKATOS e MARCONI, 2017, p. 298). O estudo iniciou com o levantamento de fontes, primeiramente sobre educação formal e não formal no campo das artes, buscando refletir sobre as concepções e prática do ensino da arte, com olhar para a educação do sensível. Entre os principais autores citados, Duarte Júnior (2010) destaca que nossa relação primeira com o mundo se dá, de modo imediato, pelos sentidos corporais, e qualquer pensamento ou reflexão consiste numa operação mental posterior. Também fala que a arte é só um dos instrumentos de que podemos nos servir, de par com uma educação corporal; Rubens Alves (2005) menciona que a tarefa primordial da educação é nos levar a aprender a amar, a sonhar, a fazer nossos próprios caminhos, descobrir novas formas de ver, de ouvir, de sentir, de perceber, a ousar pensar diferente; Sueli Ferreira (2001) levanta a reflexão sobre o cenário das artes na educação básica atual, que tem provocado discussões em relação ao sistema de educação brasileiro. Em decorrência disso, destaca-se a necessidade na melhoria da qualidade de ensino, e que ações educacionais só alcançam sucesso com a participação comprometida do professor. A pesquisa de campo foi desenvolvida por meio da aplicação de um plano de intervenção, caracterizado sob a forma de oficina. O planejamento das atividades (em 15 apêndice) foi desenvolvido com o intuito de oportunizar situações socioeducativas que permitissem desenvolver as capacidades perceptivas dos alunos. Pretendeu-se, por meio das atividades, desafiá-los a se perceber, assim como o seu entorno, para que pudessem atribuir sentido para as ações desenvolvidas, não somente vivenciá-las como meros exercidos, sem sentido. Desse modo, as atividades propostas aconteceram na instituição CEJUME, sendo realizadas com crianças e adolescentes da faixa etária entre dez e quatorze anos. Durante o processo, desenvolveram-se seis encontros de uma hora cada um, todas as quintas-feiras, no período de 27 de setembro a 08 de novembro de 2018. As reflexões feitas a partir dos escritos mostram-se como um ensaio reflexivo, porém nos permitem observar as oportunidades de mediar o ensino da arte como possibilidade de ressignificação humana, permitindo-nos estabelecer novos conceitos de indivíduos, os quais lhes possibilitam perceber o educador como mediador do processo de ensinar e aprender, da mesma forma compreender as necessidades educativas dos alunos, permitindo-lhes relacionar-se com o mundo de forma mais harmoniosa, consigo mesmo e com a própria arte de uma maneira muito mais profunda, sensibilizando-se, a partir dela, para a própria vida. Dessa forma, o trabalho apresenta questões sobre o formato de educação que a sociedade tem necessidade hoje, pontuando a arte e a educação do sensível, visando suprir a carência que encontramos nas crianças, que não sabem mais ouvir, ver ou sentir, e nos fazendo refletir sobre a arte na educação, pensando em que professor essa nossa realidade necessita: um professor que desperte a sensibilidade nos alunos ou aquele que apenas trabalha conteúdo científico? A pesquisa ocorreu em um local informal. Cabe ressaltar que a educação informal ocorre em diversos ambientes e situações, mas principalmente nas instituições de ensino, nos movimentos sociais e organizações da sociedade, e nas manifestações culturais. A arte, por si só, possui uma grande capacidade de se articular em ambientes como estes, proporcionando o desenvolvimento completo do ser humano. O trabalho realizado é vinculado ao Programa de Extensão da UPF, onde, além do curso de Artes Visuais, outros participam. Este em questão acontece na instituição CEJUME, que se trata de uma Congregação das Irmãs Ursulinas, que iniciou suas atividades em Verona - Itália, com o objetivo de atender crianças e adolescentes em situação de pobreza, provenientes da periferia, desafiando-se a contribuir para a mudança desta realidade. O curso já vem realizando atividades nesta instituição há alguns anos, e tem como objetivo proporcionar a ampliação do repertório artístico e cultural das crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, com atividades de cunho reflexivo e sustentável, fazendo o reaproveitamento de materiais. Para este trabalho de conclusão de curso, foi 16 desenvolvida uma proposta com atividades que buscavam despertar os sentidos dos participantes de diferentes formas, sempre com atividades voltadas a reconectá-los com a natureza. Após a aplicação realizou-se um ensaio reflexivo sobre a proposta, fazendo perceber os desafios que o professor enfrenta. Por fim, as reflexões acerca do processo de ensinar e aprender nos permitiram observar a prática de educar, tendo um olhar voltado para as situações que se evidenciaram ao longo do processo. O entrelaçamento teórico com os resultados da prática nos possibilitou olhar para as necessidadeseducativas dos alunos. 17 2 CORPO TEÓRICO 2.1 A ARTE E A EDUCAÇÃO DO SENSÍVEL Fazemos diariamente o mesmo trajeto, casa até escola e escola até nossa casa. Passamos sempre na frente das mesmas casas, das mesmas árvores, dos mesmos postes, mas será que realmente olhamos? “O ato de ver não é uma coisa natural. Precisa ser aprendido” (ALVES, 2005, p. 23). Precisa ser treinado e educado. Mas em que momento de nossas vidas deveríamos aprender, ou quem seria o responsável por nos ensinar a ver e ouvir o nosso entorno? A verdade é que “há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem” (ALVES, 2005, p. 22). Se elas não veem e não ouvem o seu entorno, como elas irão cuidar e preservar, como criarão uma opinião crítica de certo e errado, como se desenvolverão como ser humano? [...] acabamos por não perceber mais o mundo e nós mesmo. Falta-nos o tempo e o espaço para olhar as coisas, e olhar, em primeira instância, é perceber. Precisamos da percepção para desenvolver nossas capacidades humanas. É com elas que nos situamos, nos relacionamos, que refletimos, que sentimos, ou seja, que compreendemos quem somos e o mundo que nos cerca (ARAÚJO, 2007, p. 21). Nessa necessidade de aprender a perceber o mundo, Alves (2005, p. 25) acredita que “a primeira função da educação é ensinar a ver”. Se soubéssemos ver seríamos mais sensíveis. A arte é uma grande aliada, que permite o contato com diferentes situações, as quais possibilitam novas experiências. Desse modo, os professores “não deveriam se preocupar apenas com o desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e valores exclusivos da área artística, mas também com a formação geral do aluno” (FERREIRA, 2001, p. 13). Ferreira (2001, p. 12) ainda diz que existem dois tipos de metodologias: os essencialistas e os contextualistas. Para ele, “os essencialistas defendem a ideia de que o ensino artístico deve se preocupar apenas com o que esteja diretamente relacionado às artes. Já os contextualistas defendem uma abordagem sociológica, ou seja, entendem que o ensino das artes deva servir às causas sociais e formações de valores, atitudes e hábitos”. Vendo a necessidade do mundo atual, não tem sentido o professor trabalhar em sala de aula apenas o conteúdo histórico das artes, sem que isso cause alguma reflexão ou torne as atividades possibilidade de fazer parte da vida cotidiana. O ser humano perdeu a capacidade de ser sensível ao mundo, não observa mais uma flor, não ouve o canto dos pássaros e não percebe o perfume das flores. Tudo isso agora precisa ser ensinado. 18 [...] essa não educação da sensibilidade primordial das novas gerações, agrava-se com o fato de as condições de vida que enfrentamos na modernidade em crise estaremos contribuindo ainda para a deseducação, isto é, para o embrutecimento da capacidade de aprender sensivelmente a realidade ao derredor (DUARTE, 2010, p. 26). Deixamos de sentir o mundo devido à rotina agitada que levamos, estabelecemos relações muito rasas com vizinhos e colegas, perdemos o hábito de conversar sobre a vida. Esse embrutecimento reflete não só em nossas relações, mas no aprendizado e em tudo o que fazemos. Para que comece a existir essa educação dos sentidos, o próprio professor precisa perceber a importância das artes na escola. Muitos professores de Artes “não são capazes de explicar claramente o porquê de sua presença no currículo escolar” (FERREIRA, 2001, p. 13). A “arte-educação parece ter ultimamente perdido um pouco do seu eixo, absorvendo uma grande parcela do racionalismo e do objetivismo emprestados à vida moderna” (DUARTE, 2010, p. 29). E nessa perda, deixa de lado toda a sensibilidade que a arte pode trazer para uma aula. [...] esse ensino de arte tal como praticado nas escolas brasileiras atuais vem se pautando muito mais pela transmissão de conhecimentos formais e reflexivos acerca da arte do que se preocupando com uma real educação da sensibilidade. Nossos professores de artes andam, pois, alicerçando a maior parte de seu trabalho em “explicações” acerca da arte, no ensino de sua história e na interpretação de suas obras famosas (DUARTE, 2010, p. 29). Cabe questionar: Será que a verdadeira função do professor de Artes é apenas trabalhar conteúdos históricos e técnicos? De que forma os alunos encontrarão um sentido verdadeiro para o conteúdo, ou farão a leitura de uma obra famosa, se não possuem um olhar sensível? O conteúdo histórico da arte é importante sim, “mas, para que possa fazer sentido para os alunos, é necessário romper com um ensino fundado em classificações assentadas em espaços e tempos estanques e privilegiados em detrimento de outros” (FERREIRA, 2001, p. 16). É preciso dar sentido, “é necessário entender que as culturas são produtos, mas também instituintes da esfera sociocultural; que as sensibilidades artísticas são historicamente construídas e próprias de cada grupo cultural; que as artes são expressões de identidades e culturas e sua compreensão requer conhecimento dos parâmetros que regem e que transcendem o gosto pessoal” (FERREIRA, 2001, p. 16). Esse “desenvolvimento da sensibilidade precisa ser estimulado por experiências sensíveis (que envolvam os cinco sentidos), e não apenas discursos teóricos” (DUARTE 2010, p. 30), como, por exemplo, observar a natureza, sentir o perfume das plantas, ouvir o 19 canto dos pássaros, provar um fruto e sentir a textura das folhas, caules, cascas… Vivenciar um conteúdo de forma sensível é o modo mais fácil de fazer compreender algo. Ficar em discursos teóricos sobre a natureza dentro de uma sala de aula torna tudo mais difícil e distante. Nesse sentido, como mediadores da arte, precisamos entender que “experienciar a arte, vivenciá-la, assistir aos seus espetáculos, frui-la de toda e qualquer maneira, sobretudo com prazer, sobrepõe-se a qualquer discussão teórica a seu respeito e aos processos de criação” (DUARTE, 2010, p. 16). Os alunos precisam vivenciar de uma forma sensível o conteúdo, não apenas propor situações que estejam distantes da sua realidade. Como educadores devemos aproximar os alunos da arte, oferecendo-lhes condições para que possam conhecer e compreender de maneira significativa. É importante que os alunos desenvolvam a capacidade reflexiva, ou seja, que saibam discutir textos e analisar obras de arte, lembrando que “a sensibilidade esteve sempre sujeita a função de motivar, preparar ou facilitar o entendimento racional e as lógicas abstratas” (MEIRA e PILLOTTO, 2010, p. 14). Precisamos reconectar o aluno com o seu ser, fazer com que ele tenha prazer em aprender, e não que seja algo obrigatório. Assim como o professor precisa entender a importância da arte, o aluno precisa deixar de buscar sempre um conteúdo utilitário e científico. “[...] o mundo moderno primou pela valorização do conhecimento intelectivo, abstrato e científico, em detrimento do saber sensível, estésico, particular e individualizado” (DUARTE, 2010, p. 25). O problema não é a valorização do conhecimento científico, pois ele nos trouxe muitas conquistas importantes, mas a valorização somente dos saberes produzidos pela ciência, nos fazendo entrar nesta crise da modernidade, “nossa crise hoje, sobremaneira, uma crise do conhecimento, uma crise no qual o intelecto avantajado enfarta o coração apequenado”(DUARTE, 2010, p. 26), o que nos levou a chegar a um momento em que o saber científico é mais importante que saber ser sensível, sendo que os dois deveriam andar juntos para um desenvolvimento completo. Estamos “descuidando-nos de nosso corpo e de sua educação, na acepção mais ampla da estesia, deixando de lado o desenvolvimento da sensibilidade mais básica de que somos dotados: aquela proveniente de nossos sentidos” (DUARTE 2010, p. 26). Nesse sentido, lembramosRubens Alves (2005, s/p.), quando questiona: “Qual seria a tarefa primordial da educação senão levar-nos a aprender a amar, a sonhar, a fazer nossos próprios caminhos, a descobrir novas formas de ver, de ouvir, de sentir, de perceber, a ousar pensar diferente? ”. Certa atividade “não tem função prática. Mas dão alegria. Dão sentido à vida. O corpo não se esquece dos prazeres” (ALVES, 2005, p. 80). E como é bom fazer uma atividade que nos dá prazer! Participamos de todo o trabalho sem medir esforços, o mesmo 20 vale para o professor que está envolvido em sua aula e reconhece a importância do que está fazendo. “Quando estamos verdadeiramente envolvidos com o processo de ensino/aprendizagem em artes, a experiência em si pode nos levar a questionar o que, como e para que estamos ensinando arte” (ARAÚJO, 2007, p.12). E isso leva o professor a se desafiar a cada aula, buscando sempre dar sentido ao que está fazendo. Nessa inquietação “de encontrar o saber, o significado ou mesmo o sentido das coisas, focamos o olhar apenas em nós mesmos e naquilo que sabemos. Buscamos o saber partindo sempre de nosso conhecimento visível, de nossas necessidades, e nos esquecemos do objeto que desejamos conhecer” (ARAÚJO, 2007, p. 19). Precisamos deixar de lado esse tipo de egoísmo e nos despirmos para realmente aprender, sentir, ouvir e ver algo como realmente é, para, em meio a esta crise moderna, “não nos esquecemos de nós um só instante para olhar e perguntar ao objeto o que ele tem a nos oferecer como conhecimento, como experiência” (ARAÚJO, 2007, p. 19). Precisamos parar em frente ao objeto e senti-lo de todas as formas. Quando nos pusemos a olhar para uma árvore, por exemplo, não ver apenas uma árvore, mas sentir suas vibrações, o vento, sua história, sua importância…; “olhar realizado uma suspensão de juízo. Despir-se de juízos e preconceitos. Nesta suspensão, a consciência não se situa frente ao mundo real a fim de afirmá-lo ou negá-lo, coloca-o entre parênteses” (ARAÚJO, 2007, p. 17) e olha sua essência. Ensinar a ver é tão importante quanto ensinar conteúdos científicos. “O olhar é real. É real porque produz efeitos reais. O olho é também real. Sobre ele se pode ter conhecimento científico” (ALVES, 2005, p. 115). Como já disse, um complementa o outro, mas aprender a ter um olhar sensível exige comprometimento e esforço do professor. Para saber olhar precisamos aprender, e é nas aulas de Artes que encontramos a oportunidade de desenvolvê- lo. Olhar uma pintura não requer muito esforço. Basta se colocar diante do quadro e deixar que os olhos cumpram com sua função de janela aos estímulos da luz. O cérebro completa a tarefa de decodificar a imagem tornando-a reconhecível à consciência. Assim é como se apresenta aos olhos da ciência, guardando as devidas ressalvas à simplificação desta descrição, o fenômeno do olhar (ARAÚJO, 2007, p.17). Aprendemos a reconhecer imagens ao longo da nossa vida, seja com estímulos na escola, em casa, ou indiretamente. Ter um olhar sensível não é tão simples. Precisamos parar em algum momento de nossa rotina agitada. Precisamos perceber que “o olhar não apenas vê, ele olha, toca, sente e compreende o mundo e principalmente o é, com o mundo” (ARAÚJO, 21 2007, p. 17). Aprender a olhar “uma imagem, após estas considerações, já não é mais tarefa tão simples, pois já não é olho físico que olha, e sim o Ser” (ARAÚJO, 2007, p. 17). Não conseguimos mais ficar no simples olhar; vamos além, em todos os sentidos. 2.1.1 Reflexões sobre arte na educação Os professores de Artes, em um ambiente escolar, se sentem na obrigação de mostrar a importância da sua área, por serem subestimados. Tentam mostrar sua importância em apresentações, em datas comemorativas e através de cartazes, e no meio desta pressão acabam perdendo o sentido da arte. Alguns “professores de artes impõem modelos, em vez de ajudarem os alunos a estabelecer critérios para fazer seus próprios julgamentos” (FERREIRA, 2001, p. 21). Pode-se citar com exemplo uma atividade de pintura, onde um aluno quer pintar sua árvore de azul, mas o professor não deixa e pede que pinte de verde. Por que não deixá-lo se experimentar nas atividades, buscar novos tons e sair do comum, criar situações “que testem a capacidade dos alunos de pensar diante de situações novas, em oposição àquele que privilegia a memória mecânica e as respostas certas” (ALVES, 2005, p. 77)? Atividades como estas podem “contribuir para o desenvolvimento da autonomia, ajudar os alunos a se tornarem moral e intelectualmente livres, aptos a pensar e agir de forma independente” (FERREIRA, 2001, p. 22), podendo, assim, tomar decisões adequadas para si, sem serem influenciados por atitudes não tão adequadas. Mas, para que isso dê certo, a “educação do sensível só pode ser levada a efeito por educadores cujas sensibilidades tenham sido desenvolvidas e cuidadas, tenham sido trabalhadas com fonte primeira de saberes e conhecimentos que se podem obter acerca do mundo” (DUARTE, 2010, p. 31). Projetos deste tipo podem [...] ajudar os alunos a desenvolver pensamento mais flexível, menos cristalizado, porque, no processo de criação, é comum iniciar-se um projeto com determinado propósito que, na ação, é trocado por outro, a fim de explorar uma oportunidade inesperada: um pingo de tinta que caiu sem querer sobre o papel, um som inusitado obtido por um gesto mais brusco no instrumento, um salto frustrado que resultou num desequilíbrio interessante (FERREIRA, 2001, p. 22-23). Aproveitar situações fora do planejamento para desenvolver atividades que o professor perceba que são necessárias para os alunos. O planejamento dos conteúdos do ano não deveria ser rígido, precisaria ser experimentado, observar nos alunos suas necessidades e fazer um planejamento para eles, para que eles se desenvolvam não só culturalmente, mas 22 sensivelmente. “Os alunos aprendem criando que formas, cores, sons, silêncios, gestos, movimentos e pausas podem ser relacionados para organizarem-se num todo e expressarem uma ideia” (FERREIRA, 2001, p. 23). Se não tivermos nossa ideia organizada, como saberemos como desenvolvê-la? E isso não é só nas artes, mas em todas as outras matérias e nas atividades do cotidiano. A “arte-educação sempre constituiu um campo de resistência a essa pragmática e imediata visão do ensino, explorando e ajudando a desenvolver a sensibilidade e sentimento em crianças, adolescentes e mesmo adultos” (DUARTE, 2010, p. 29), não se limitando apenas a conteúdos históricos e rígidos, sempre buscando desenvolver o todo no aluno, tendo a consciência que, por exemplo, o “conhecimento se inicia com perguntas que fazemos à natureza. Mas essas perguntas surgem quando nós, ao contemplarmos a natureza, nos sentimos provocados por seus assombros” (ALVES, 2005, p. 81). Entretanto, necessitamos oportunizar uma educação que permita o despertar do sensível, pois, para percebermos esses assombros, precisamos nos tornar sensíveis. “O início do pensamento se encontra nos olhos, que têm a capacidade de se assombrar com o que veem” (ALVES, 2005, p. 81). Precisamos de “um esforço educacional que carregue em si mesmo, em métodos e parâmetros, aquela sensibilidade necessária para que a dimensão do sensível dos educandos seja despertada e desenvolvida” (DUARTE, 2010, p. 31). 2.2 ESCRITOS SOBRE A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL Inicialmente deve-se esclarecer o que é educação não formal. Segundo a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, a educação não formal abrange "processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (art. 1º, LDBEN, 1996). "A educação formal pressupõe ambientes normatizados, com regras, legislaçõese padrões comportamentais definidos previamente" (GOHN, 2010, p. 17). Gohn (2010, p. 18) complementa, dizendo que a [...] educação não formal ocorre em ambientes e situações interativas construídas coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos, usualmente a participação dos indivíduos é optativa [...] a informal opera em ambientes espontâneos, onde as relações sociais se desenvolvem segundo gostos, preferenciais ou pertencimentos herdados. Os saberes adquiridos são absorvidos no processo de vivência e socialização pelos laços culturais e de origem dos indivíduos. 23 Compreende-se, à luz do autor, que é de suma importância, "na atualidade, a disciplina educação não formal compõe a grade curricular da maioria dos cursos de educação ou pedagogia, também nas faculdades e universidades particulares” (GOHN, 2010, p. 11). Vários estudos foram e estão sendo realizados sobre os novos desafios da educação nos dias atuais, "diante de um panorama tão diversificado e desigual e de sociedades e movimentos sociais ativos exigindo constantemente novas ações no que tange à esfera pública e privada. Mudanças profundas afetaram as configurações sócio-históricas da educação escolar” (RODRIGUES, TAMANINI, 2012, p. 2). Por estes e outros desafios [...] a educação é chamada também a transpor os muros da escola, para os espaços da casa, do trabalho, do lazer, do associativismo e outras atividades afins. Configura-se assim um novo campo da Educação que aborda processos educativos fora das escolas ou não, em processos organizativos da sociedade civil, abrangendo organizações sociais e não governamentais, movimentos sociais estratégicos, ou processos educacionais articulados com a escola e comunidade (RODRIGUES, TAMANINI, 2012, p. 2). Diante disso, percebemos a necessidade de uma “aprendizagem como um processo de formação humana, criativo e de aquisição de saberes e certas habilidades que não se limitam ao adestramento de procedimentos contido em normas instrucionais, como querem algumas abordagens simplificadoras na atualidade” (GOHN, 2015, p. 17). 2.2.1 Educação não formal no campo das artes Dentre a tantos projetos de educação informal, a educação pela arte “possui estreita relação entre a experiência prática e a concepção final de uma obra, relação que ultrapassa aspectos formais de ensino-aprendizagem, adentrando no campo das habilidades, subjetividade, identidade, memória e etc.” (GOHN, 2015, p. 7). Existe uma preocupação com a situação da criança e adolescente que [...] atualmente enfrenta os sedutores apelos da sociedade de consumo. Para citar apenas um exemplo, as normas ditadas pela televisão tornam a conduta infantil cada vez mais marcada por modelos estereotipados que, muitas vezes, transformam-se em obstáculos para a construção de um conhecimento mais significativo (BUORO, 1996, p. 35). Torna-se mais fácil e cômodo para eles apropriar-se de estereótipos do que pensar em uma resposta mais significativa. A mídia é uma grande influenciadora em massa, que “passou 24 também a mediar a indústria de beleza, através da exposição de seus produtos, levando seus leitores e espectadores a estarem a par das novidades e descobertas feitas, ditando e apelando para as pessoas serem seduzidas por esta prática cultural do culto ao corpo” (OLIVEIRA, et. Al. 2013, p. 3). Nesse sentido, a mídia acaba ditando padrões de beleza e incentivando ao consumismo de roupas e maquiagens da moda que as atrizes famosas estão usando. O que está velho deve ser posto fora e nada pode ser reaproveitado, esquecendo, assim, do consumo consciente e dos problemas que esse consumo exagerado causa para a pessoa e para o mundo, aumentado a poluição. E é aí que começa o trabalho do projeto informal de artes, cujo objetivo [...] mostra em um processo dialético com a realidade, no momento em que alguém seleciona, compara e interpreta as imagens registradas sobre qualquer suporte, seja som, dança, o teatro, a cor, a forma de uma escultura e de tudo o que faz parte da vida. Ela transforma o olhar, que deixa de ser passivo e torna-se ativo, seletivo, tátil, contemplativo e criador, articulando-se aos processos da vida cotidiana (GOHN, 2015, p. 69). Proporcionar estas atividades e reflexões sobre o dia a dia envolvendo a arte, conhecendo artistas, escritores e técnicas os fazem crescer, refletindo sobre como o consumo impulsivo pode afetar o meio ambiente, incentivando o consumo consciente. Crescer recebendo desenhos prontos para pintar, sem que essa criança tenha a oportunidade de criar desencadeia uma “alternativa facilmente adotada na expressão plástica por se apresentar como segunda forma de representação, um modo de não se arriscar, de não se expor. Essa busca de garantia de aprovação resulta em trabalhos mecânicos, acomodados, sem desafios” (BUORO, 1996, p. 36). Quando desafiados a criar, buscam referências nos desenhos prontos que receberam e sentem-se frustrados por não conseguirem fazer desenhos que se aproximem da realidade, esquecem o real sentido de transmitir o que pensam e de serem criativos. Buscando um crescimento para estas pessoas, o ensino da arte se preocupa com o “desenvolvimento cognitivo da criança, surgiu a certeza de que o aluno não deve atuar como mero reprodutor de técnicas e comportamento, tampouco entregar-se apenas às suas emoções” (BUORO, 1996, p. 16), criando um equilíbrio, instigando o lado crítico e criativo, criando suas próprias interpretações e desenhos, cada um do seu jeito, com suas características e motivações. 25 2.3 PROGRAMA DE EXTENSÃO DA UPF O programa de extensão do qual esse projeto faz parte é Comunidades sustentáveis, que [...] tem como objetivo geral promover a educação socioambiental, por meio da integração das diferentes áreas do conhecimento, unificando ações de ensino, pesquisa e extensão, no sentido de desencadear processos de reflexão e superação de problemas que envolvem a comunidade universitária (interna) e a comunidade local (externa), visando a sustentabilidade, a autonomia e a inclusão dos sujeitos (FOSCHIERA ; GODINHO ; PETRY, 2016, p. 3). Ainda nesta mesma linha de considerações, podemos lembrar que o programa faz “uso de materiais recicláveis para a expressão artística; abordagem de jovens para o desenvolvimento de adultos mais conscientes de seus direitos e responsabilidades socioambientais” (FOSCHIERA ; GODINHO ; PETRY, 2016, p. 3). Deve-se lembrar que o programa “dialoga com a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) do Brasil, que apresenta a educação ambiental como um componente essencial e permanente da educação nacional, e que deve estar presente em todos os níveis e modalidades do processo educativo de caráter formal e não formal” (FOSCHIERA ; GODINHO ; PETRY, 2016, p. 3). Esse programa tem a participação de [...] dez dos sessenta cursos de graduação oferecidos pela UPF (Química, Ciências Biológicas, Engenharia Ambiental, Jornalismo, Artes Visuais, Pedagogia, Psicologia, Design Moda, Agronomia e Nutrição), com a participação ativa de professores, técnicos administrativos e acadêmicos (bolsistas de extensão Paidex) (FOSCHIERA ; GODINHO ; PETRY, 2016, p. 4). E ainda conta com a colaboração das instituições: Agenda 21 Local – Passo Fundo, Assembleia Permanente pela Preservação Ambiental (APPA), Cáritas Arquidiocesana, Centro de Tecnologias Alternativas Populares (CETAP), Centro Juvenil Mericiano (CEJUME), Cooperativa Amigos do Meio Ambiente (COAMA), Fórum Regional de Economia Popular Solidária (FREPS), Fundação Beneficente Lucas Araújo, Projeto Transformação, entre outras (FOSCHIERA ; GODINHO ; PETRY, 2016, p.4). O programa é composto pelos seguintes projetos: Projeto boas práticas, Educação e meio ambiente saudável e Projeto fazendo a lição de casa. O projeto pelo qual o curso de 26Artes Visuais vai até a instituição CEJUME é o Projeto boas práticas, Educação e Meio ambiente saudável, que tem como principal motivação um trabalho com [...] caráter interdisciplinar, envolvendo diversas áreas do conhecimento, contemplando as diretrizes do trabalho com a educação socioambiental, por meio de processos participativos efetivados junto às lideranças e demais pessoas da comunidade interessadas, oportunizando a construção de saberes necessários ao exercício do protagonismo dos diferentes grupos sociais que vivem naqueles territórios (FOSCHIERA, GODINHO e PETRY, 2016. p.4). E assim se organiza o programa de extensão. 2.3.1 Breve histórico do Projeto CEJUME De acordo com escritos disponíveis no site AEA (Associação Educativa Agostini), 2014, a Congregação das Irmãs Ursulinas iniciou suas atividades em Verona - Itália, no ano de 1856, com o objetivo de atender crianças e adolescentes em situação de pobreza, provenientes da periferia, desafiando-se a contribuir para a mudança desta realidade. Inicialmente foram atendidas 200 crianças e adolescentes em turno integral. Posteriormente, a instituição difundiu-se por toda a Itália e também para Madagascar, Suíça, Uruguai, Paraguai, Benin, Peru, Togo, Chile e Brasil, com o mesmo propósito. A entidade, civilmente reconhecida como Associação Educativa Agostini (AEA), chegou ao Brasil no ano de 1979. O estado escolhido foi o Rio Grande do Sul, e a cidade sede Passo Fundo, onde se iniciou o trabalho através de parcerias com outras entidades, com o objetivo de oferecer alimentação, cuidados na saúde, educação, esporte e lazer para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social, serviço em que foram beneficiadas três mil crianças e adolescentes de ambos os sexos bem como suas famílias. Em seguida, a instituição ampliou a sua área de abrangência, passando a atuar em Coronel Bicaco, no Rio Grande do Sul, em Barra do Garças, Pontal do Araguaia e Alto Garças, em Mato Grosso, Nova Mutum, no Paraná, e em Rondônia (AEA - PASSO FUNDO, 2018). Esta organização tem como proposta contribuir para assegurar a integridade do ser humano e garantir os direitos de cada cidadão. A entidade fundamenta suas práticas no reconhecimento e valorização da cidadania de cada sujeito, na defesa dos direitos civis, políticos e sociais, sempre priorizando a subjetividade e respeitando a todos, como base na compreensão de que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São 27 dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.” (BRASIL - Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, Art. 1º). De acordo com os escritos disponibilizados pela AEA (2018), esta desenvolve suas ações de forma permanente e planejada e, para a viabilização dos serviços oferecidos, conta com um amplo espaço físico em todas as suas filiais, que dispõe de todas as necessidades para a efetivação das ações, uma equipe técnica composta por coordenador, assistente social, psicólogo e pedagogo, assim como diversas parcerias, de âmbito governamental e não governamental. 2.3.2 Proposições do curso de Artes Visuais e projeto CEJUME As oficinas de Artes Visuais acontecem todas as quintas-feiras à tarde, das 15 às 16:30 horas. O projeto desenvolvido no CEJUME tem como objetivo proporcionar a ampliação do repertório artístico e cultural das crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, com atividades de cunho reflexivo e sustentável, fazendo o reaproveitamento de materiais (CURSO DE ARTES VISUAIS, 2018). Para que possamos entender as concepções e práticas educativas contempladas no Programa CEJUME, nos apropriamos dos escritos Arslan e Iavelberg (2006, p. 73), que nos apontam que “assegurar momentos para o aprendiz produzir considerando suas próprias proposições e escolhas é essencial, [...] manter encontros nos quais as crianças desenvolvam e criem suas propostas, combinando os recursos técnicos e conceituais que aprenderam em seus projetos individuais”. 28 3 CONSTRUINDO SABERES NO PROJETO CEJUME 3.1 INTENCIONALIDADE DOS ESCRITOS REFLEXIVOS Os escritos apresentados no item três apresentam os conteúdos e as atividades desenvolvidas por meio do projeto de intervenção desenvolvido com os alunos do projeto CEJUME. O percurso dos escritos aborda algumas reflexões sobre as percepções que foram sendo observadas ao longo do processo de ensino e de aprendizagem. As reflexões cercam a temática principal do estudo, que prima pela educação do sensível por meio da arte. Cabe destacar que, ao vivenciarmos o processo da formação acadêmica, é o momento de adentrarmos no contexto da educação, para nos aproximarmos da realidade educativa e observarmos os desafios que a educação vive atualmente. Ladislau Dowbor (2001, p. 11) diz que “[...] na medida em que a educação não é uma área em si, mas um processo permanente de construção de pontes entre o mundo da escola e o universo que nos cerca, a nossa visão tem de incluir estas transformações.” Paulo Freire (1999, p. 64) fala que “a consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca [...]”. Os escritos do autor nos instigam a refletir sobre as situações que abarcam o mundo hoje. Duarte Júnior (2010, p. 15) afirma que, nesse mundo moderno, "somos educados para a obtenção do conhecimento inteligível (abstrato, genérico e cerebral) e deseducados no que tange ao saber sensível (concreto, particular e corporal)". Ferraz e Fusari (2009, p. 18) afirmam que a arte ocupa uma: [...] função indispensável [...] na vida das pessoas e na sociedade desde os primórdios da civilização, o que a torna um dos fatores essenciais de humanização. É fundamental entender que a arte se constitui de modos específicos de manifestações da atividade criativa dos seres humanos, ao interagirem com o mundo em que vivem, ao se conhecerem, e ao conhecê-lo. Em outras palavras, o valor da arte está em ser um meio pelo qual as pessoas expressam, representam e comunicam conhecimentos e experiências. Desse modo, com base nos escritos dos autores, tecemos algumas reflexões, com o intuito de refletirmos acerca do processo de mediação do ensino da arte, da mesma forma compreender o universo da educação, cujo olhar volta-se nesse momento para a educação não formal. 29 Os escritos mostram-se como um ensaio reflexivo, porém nos permitem observar as possibilidades de mediar o ensino da arte como possibilidade de ressignificação humana, permitindo-nos estabelecer novos conceitos de indivíduos, os quais lhes permitem perceber o educador como mediador do processo de ensinar e aprender, da mesma forma compreender as necessidades educativas dos alunos, permitindo-lhes relacionar-se com o mundo de forma mais harmoniosa, consigo mesmo e com a própria arte de uma maneira muito mais profunda, sensibilizando-se, a partir dela, para a própria vida. 3.2 O PERCURSO DA PRÁTICA EDUCATIVA COM OS ALUNOS PROGRAMA CEJUME 3.2.1 Um diálogo sobre a natureza: a prática de adotar uma árvore Para iniciar a aula, propusemos aos alunos uma breve apresentação, com a intenção de nos aproximamos, enquanto grupo, nesse momento inicial. Organizei os alunos em círculo, sentados na grama, e iniciei a apresentação. Propus que eles se apresentassem, dizendo o seu nome, e também um sonho que eles carregavam consigo. O sentar-se na grama foi a primeira conexão sensível que eles tiveram com a natureza nesse trabalho. Questionei se eles tinham o costume de visitar com frequência o pátio e se já haviam parado para observar as árvores que ali existem. Os alunos disseram que nunca pararam para observar as plantas do pátio. Então, convidei-os para uma caminhadapelo pátio, para observar todas as plantas. Nesta caminhada, eles ficaram encantados com a beleza e o perfume de uma planta conhecida como primavera, que estava toda florida. Terminada a caminhada, retornamos ao local onde iniciamos a aula, e sentamos na grama novamente. Observei que alguns alunos não queriam sentar na grama, uns porque não queriam se sujar, outros por não se sentirem confortáveis. Voltando para o círculo, incentivei os alunos a falarem o que mais lhes chamou a atenção. Os alunos comentaram que nunca paravam para observar o pátio. O aluno Samambaia (2018) comentou que não sabia que havia tantas flores no pátio. Nesse sentido, cabe refletir que, durante a aula, “dar voz a criança é uma oportunidade importante para que o professor também possa refletir sobre seu trabalho” (GONÇALVES E DIAS, 2010, p. 68). Precisamos ouvir nossos alunos, assim como queremos que eles escutem o mundo. Perceber em suas falas o que está dando certo e descobrir que caminho tomar para conseguir despertar neles a sensibilidade. Ouvindo suas respostas saberemos quais são suas 30 necessidades; sabendo o que a criança carrega descobriremos de onde podemos partir. Esse foi o primeiro contato dos alunos com a proposta, daí a importância de conhecê-los, aproximar-se das suas necessidades educativas. Com base no objetivo de nos aproximarmos deles, assim como da realidade em que estão inseridos, após a conversa sobre o espaço, propus que ficassem em silêncio durante um minuto, com os olhos abertos, com o intuito que pudessem observar a natureza não mais pelo olhar, mas pela audição. Repetimos o exercício ficando um minuto em silêncio com os olhos fechados. Precisamos [...] acordar os ouvidos! Não me consta que essa tarefa tenha sido jamais mencionada em tratados sobre a educação. É compreensível. Para isso os professores teriam que ser artistas, pianos que não tocam nada e que só fazem ouvir. Quando isso acontecer, quem sabe, os nossos jovens aprenderão a identificar o canto dos pássaros e ficarão subitamente alegres “ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória…” (ALVES, 2005, p. 34-35). Com pequenos exercícios como esses, vamos nos aproximando das percepções dos alunos. O aluno Eucalipto (2018) comentou que só quando fechou os olhos percebeu o canto dos pássaros. Na etapa seguinte pretendíamos que os alunos atribuíssem significados por meio do contato com a natureza. Solicitei que cada um encontrasse uma árvore diferente e se posicionasse em frente a ela. Expliquei que na proposta haveria desafios, para que eles realmente pudessem interagir com a natureza. Sendo assim, propus que ficassem 5 minutos em silêncio, observando a árvore escolhida. Eles ficaram ansiosos para sair e escolher sua árvore. Após cada um ter escolhido a sua árvore e se posicionado em frente a ela, passados alguns segundos começaram a ficar inquietos. Parece que os cinco minutos nunca acabariam. A cada instante questionavam se faltava muito para o tempo acabar. As imagens revelam o processo de observação dos alunos. Cada aluno se relacionou de maneira diferente. Alguns pareciam tímidos diante da árvore, outros procuraram um lugar confortável para realizar a atividade e realmente aproveitar a experiência. Também tinha alunos que não viam sentido em fazer a atividade, não conseguiam se abrir para realizar a observação. 31 Imagem 1 – Momento de silêncio com sua árvore Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Destaquei para os alunos que hoje estamos conectados com muitas situações, e infelizmente nos esquecemos de olhar para a natureza, sendo ela tão importante em nossas vidas. Comentei sobre a impaciência de ficarem em silêncio, olhando para a árvore. Eles justificaram, dizendo que não têm o costume de parar e observar a natureza. Aqui foi proposto um momento para se reconectar com a natureza. Alves (2005, p. 42) nos desafia enquanto educadores, apontando que “não há hora certa para ouvir o sopro dos ventos, o canto dos pássaros, o farfalhar das folhas nas árvores, o murmurar dos regatos, o barulho da chuva” (ALVES, 2005, p. 42). A dificuldade dos alunos diante da proposta nos fez refletir sobre a necessidade de proporcionar momentos para que os alunos percebam a realidade que os contorna, despertando-lhe a capacidade de perceber, de ver, de ouvir, que sintam prazer. A árvore que cada um escolheu seria adotada por eles. Percebeu-se que eles ficaram empolgados e fizeram comentários do tipo: A minha árvore é maior; A minha tem flores; O tronco da minha tem musgo… Lembrei-lhes das responsabilidades e cuidados que teriam que ter com ela. Ao final da proposta, reuni novamente o grupo, para que pudessem relatar, por meio da escrita, aquilo que cada um observou na sua planta. Cada um recebeu um bloco e um lápis. 32 O bloco foi confeccionado com folhas já impressas que iriam fora, para eles perceberem que pequenos gestos podem diminuir a poluição. Cada um deveria escrever sobre sua árvore, ou seja, o que eles haviam observado enquanto estavam em frente: sobre os galhos, folhas, flores, frutos, troncos… Enquanto escreviam, socializavam entre eles as características da sua árvore. Cada aluno adotou uma árvore, com o intuito de acompanhar as transformações e registrá-las durante o período da oficina. O bloco ficaria com eles, levariam para casa e, na próxima vez que viessem à Instituição, deveriam visitar a sua árvore e anotar as mudanças que ocorreram nela. Imagem 2 – Fazendo anotações sobre sua árvore Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 33 Imagem 3 e 4 – Bloco de anotações Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Imagem 5 e 6 – Bloco de anotações Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 O aluno Angico (2018) questionou por que a sua árvore, o Ipê, só tinha flores. Esse desejo de saber mais sobre sua árvore nos deu a oportunidade de conversamos sobre as mudanças das árvores durante as estações. Esse conhecimento que eles adquiriram não partiu 34 da razão. “A inteligência jamais procura a emoção. É a emoção que procura a inteligência” (ALVES, 2005, p.20). O aluno Pinheirinho (2018) disse que as folhas ficam secas e caem. No inverno ficam sem folhas e na primavera nascem de novo. Cada pessoa se expressa melhor de uma forma diferente. Oportunizar um momento de escrita faz com que aqueles que têm dificuldade na fala ou são tímidos consigam se expressar. A aluna Samambaia (2018) colocou junto aos seus escritos uma flor de sua árvore, o ipê amarelo. Ela destaca em seus textos que Ela só floresce na primavera, tem flores amarelas, tem musgo no tronco, é redonda e fina. O nome dela é ipê amarelo. Ela é seca e não dá frutos. Tem flores na primavera e no inverno caem todas as folhas dela. Nos escritos de Samambaia, percebemos a preocupação e o cuidado em esclarecer como a planta se desenvolve em cada estação, sendo que agora é primavera e ela possui flores. Alguns alunos descreveram sua árvore, os galhos, folhas… sem expor o que sentiram ao ver a árvore, como a aluna Orquídea (2018). Em seus escritos ela diz que: É bem grande, tem um pouco de musgo, as raízes grandes, tem bastante galhos que são grandes e altos, as folhas são verdes e um pouco amareladas, tem manchas e orquídeas. As raízes são bem grandes e saem para fora da terra, tem galhos grandes e grossos e tem várias folhas. O que podemos observar nesses escritos foi o cuidado ao descrever sua árvore, tentando lembrar todos os detalhes dela. Já o aluno Pinheirinho (2018) coloca em seus escritos que “minha árvore não dá frutos nem flor, mas é especial, a folha é diferente,tem musgo, cascas, galhos grossos”. Percebe-se, nos escritos do aluno, que ele enfatiza a importância de todas as árvores, demonstrando que não são apenas as plantas frutíferas por nos alimentar e as que tem flores por tornar o local mais belo que merecem nosso cuidado e atenção. Esta primeira proposta vem com o intuito de despertar o ser sensível dos alunos, buscando atingi-los de diferentes formas, seja ficando em silêncio, observando, criando um vínculo com a árvore, desenhando, escrevendo… mas principalmente pelo olhar. Tudo está para ser olhado, não importa o modo que olhemos e nem com o que: olhos orgânicos, olhos da alma, olhos do corpo, olhos tecnológicos. Porém, neste mundo contemporâneo, as imagens são tão excessivas e rápidas, que na realidade não temos como olhá-las com o olhar reflexivo-sensível. Olhamos apenas com o olho físico, janela que capta estímulos. O excesso e a velocidade provocam este mecanismo, esta superficialidade do olhar (ARAÙJO, 2007, p. 21). 35 Em meio disso vemos a necessidade e a importância do professor de Artes que, ao proporcionar atividades neste sentido, onde seja só o aluno e a natureza, o aluno e o silêncio, este se desconecte do mundo para poder se reconectar de uma forma mais sensível, compreendendo o mundo e a si mesmo. 3.2.2 Desenhar e colorir as árvores que fazem parte do pátio da CEJUME A proposta inicial era questionar se os alunos sabiam qual a importância que a natureza tem em nossas vidas. Comentei sobre a importância das árvores, de nos dar sombra, frutos, ar puro… também comentei sobre a poluição do ar, da água, da terra… Fizemos a reflexão sobre a importância de todos os tipos de seres vivos. Em meio a questionamentos sobre a importância da natureza em nossas vidas, a aluna Orquídea (2018) disse que “as árvores pegam o ar ruim e transformam em ar bom, para a gente respirar”. Os alunos me questionaram como a árvore faz isso. Novamente podemos ressaltar que a emoção, desejo e curiosidade procura o conhecimento. Lembramos que “o significado e o sentido das coisas acompanham o processo de percepção delas” (FERREIRA, 2001, p. 157). Nesse sentido, percebemos que, por meio da arte, temos inúmeras possibilidades de despertar em nossos alunos um olhar mais sensível ao seu entorno, a natureza, assim como o resto terá outro significado para ele. Ao questionar o que seria esse ar ruim e como poderíamos diminui-lo, o aluno Eucalipto (2018) disse que “os carros poluem muito o ar, e que poderíamos usar a bicicleta para chegar aos lugares”. Questionei também sobre a importância dos animais, e dei ênfase à importância da abelha. A maioria falou sobre ela fazer o mel. A aluna Orquídea (2018) disse que “a abelha faz a polinização, e que isso ajuda de alguma forma a árvore”. Percebeu-se que os alunos necessitam observar situações que os façam perceber além da superficialidade que normalmente observamos. Então expliquei que dentro da flor existe um pó chamado pólen, e que ele vai virar mel. Quando a abelha vai buscar o pólen nas flores, ela acaba misturando o pólen de uma flor com a outra, e isso ajuda na formação das frutas, legumes. Questionei o que aconteceria se não tivéssemos mais abelhas. Os alunos pensaram, demoraram para responder. Mas o Pinheirinho (2018) disse que “não teríamos mais comida”. Respostas como estas nos fazem perceber que algo está mudando na percepção dos alunos, e que algo tão pequeno como a abelha, que antes, para eles, só fazia mel, agora passa a ter uma importância maior. 36 Mostrei aos alunos um vídeo de uma abelha colhendo pólen. Os alunos ficaram empolgados com o vídeo e admirados em como a abelha fazia para coletar o pólen. Imagem 7 - Assistindo vídeo Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Após, os alunos receberam um papelão cortado em tamanho A4, uma folha A4, e um lápis de escrever. Orientei que nós iríamos até o pátio, e cada um se colocaria em frente a sua árvore, observando com cuidado toda sua forma, troncos, galhos, copa e, ao observar a árvore, deveriam classificar a intensidade de cores presentes nela: 1 para claro, 2 para médio e 3 para escuro. No pátio, o aluno Taquara (2018) fez muito rápido o seu desenho e saiu correndo e gritando: “terminei primeiro”. Ao observar seu desenho, vi que ele não havia feito toda a copa. Pedi para que fôssemos juntos observar a sua árvore. Observamos a copa da árvore, com mais calma, observando os detalhes. “Cada criança percebe a mesma imagem de formas diferentes e isso se dá porque a percepção está ligada ao sentido” (FERREIRA, 2001, p. 157). Neste sentido, cabe ressaltar que, para alguns, observar a árvore lhes proporcionou prazer; para outros era apenas uma atividade, e cabe a nós, professores, despertar os alunos adormecidos. 37 Imagem 8 - Desenhando sua árvore Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Imagem 9 - Desenhando sua árvore Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 38 Nesta atividade, os alunos encontraram um lugar confortável em frente a sua árvore para observá-la e desenhá-la. Atividades como estas, que tiram o aluno de dentro da sala de aula, “nos permitem manter relações sensíveis com o nosso espaço vital, criando vínculos e desenvolvendo nossos sentidos, foi sendo progressivamente banido, restando-nos, assustados habitantes das cidades modernas” (DUARTE, 2010, p. 27). O nosso dia a dia não nos permite mais termos experiências sensíveis sem que nós as proporcionemos. Os sons altos dos carros e buzinas não nos permitem mais ouvir os pássaros, e os prédios enormes escondem a beleza das árvores. Para que o aluno crie esse vínculo significativo com o seu processo de aprendizagem, que lhes permita aguçar as capacidades perceptivas dos seus sentidos, cabe ao professor proporcionar esses momentos fora da sala de aula. Imagem 10 e 11 - Desenho da árvore dos alunos Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 39 Imagem 12 e 13 - Desenho da árvore dos alunos Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Imagem 14 e 15 - Desenho da árvore dos alunos Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018. 40 Imagem 16 e 17 - Desenho da árvore dos alunos Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 3.2.3 As cores da minha árvore Para que os alunos pudessem materializar a cor nos desenhos, propus que desenhassem a árvore em caixas de remédio, com o intuito que observassem a possibilidade de realizar trabalhos em suportes alternativos, sendo que a grande maioria vai parar no lixo. Devolvi a cada um o seu desenho, junto com uma caixa de medicamento. Observando o mapa que fizeram no desenho da árvore, eles deveriam desenhá-la novamente, usando a parte de dentro da caixa como suporte. Na etapa seguinte, deveriam aplicar a cor, com uso do lápis de cor. Cada um teve liberdade para compor a cor da sua árvore, desde que obedecesse a classificação de tonalidades que eles fizeram na atividade anterior. A cor deveria ser aplicada com uma cor que permitisse materializar o contraste, ou seja, que desse destaque para a árvore. Durante a atividade, enfatizei que iríamos usar caixa de medicamento ao invés de usar uma cartolina nova. A aluna Orquídea (2018) disse que uma cartolina custava R$ 0,80, que era barato e poderíamos comprar. Outra oportunidade de lembrar os alunos sobre os pequenos gestos que contribuem para a não poluição. Falei que estas caixinhas, se não fossemos usá-las, iriam para o lixo, poluindo mais ainda o mundo, e nós estaríamos consumindo mais papel. 41 Questionei do queera feito o papel. Percebi que todos sabiam que é feito de árvores. Os alunos ficaram pensativos, e não comentaram mais nada. Nesse sentido, precisamos oportunizar momentos que promovam o exercício reflexivo. Desse modo, o contato com diferentes materiais e suportes, “[...] materiais diferentes dos comumentes empregados, podem provocar a imaginação e o pensamento sobre novas estratégias para compor um desenho” (FERREIRA, 2001, p.163). Manter-se sempre em atividades com folha branca, tamanho a4, e lápis 12 cores cria um padrão, não faz o aluno perceber possibilidades. Além disso, o professor que proporciona aos alunos conhecerem e experimentarem diferentes suportes, técnicas e materiais, faz os alunos trabalharem com suportes inusitados, desperta o lado criativo deles, fazendo com que comecem a ver caixas e tantos outros de uma forma diferente, uma possibilidade para criar. Expliquei que as caixinhas serviriam de suporte para desenhar, como uma possibilidade de reaproveitamento dos materiais que normalmente são descartados, permitindo, assim, que eles experimentem outros suportes, não somente a folha de papel ofício ou cartolina. Para que pudéssemos iniciar a proposta, entreguei também o desenho que eles haviam produzido na última aula com a classificação de tonalidades. Eles deveriam desenhar de novo o mesmo desenho, mas no papel da caixinha. O aluno Pinheirinho (2018) me questionou se o desenho tinha que ser igual, se poderia fazer melhor. Devemos lembrar aos nossos alunos que “não existe o mais bonito nem o mais feio. O que existe é o possível e o provável, e não o certo e o errado” (FERREIRA, 2001, p. 153). Os alunos chegam até nós com uma opinião previamente formada do que é bom ou ruim, criada em referências estereotipadas, desenhos prontos, imagens na TV ou na internet, e eles refletem isso em seus trabalhos, fazendo cobranças e julgamentos contra si mesmos. Não percebem a beleza que está na essência do seu trabalho. O professor precisa mostrar a ele o valor que o trabalho dele tem por ele ter feito sozinho, sem copiar de algum lugar, fazendo com que ele sinta prazer em produzir algo. Assim, aos poucos, ele irá valorizar o seu trabalho e não fazer tantas cobranças. Ao longo do processo, percebemos que os alunos não estavam satisfeitos com os seus desenhos, o que nos mostra que perceberam que eles possuem capacidade para melhorar o seu trabalho. Eles manifestavam, dizendo que o seu desenho estava feio, não queriam que alguém olhasse. Nesse sentido, dialogamos sobre a importância de dedicar atenção àquilo que é proposto para eles em sala de aula, pois as atividades são oportunidades de aprendizagem, e que no ensino da arte não existe competição, que eles poderiam ficar tranquilos quanto a isso. Aos poucos eles foram se soltando, e no final estavam socializando bem. 42 Ao questioná-los se lembravam dos números no desenho, a aluna Orquídea (2018) falou que o número um era cor clara, dois mais ou menos e o três escuro. Então, orientei para que pintassem o seu desenho na caixinha, acrescentando as cores de acordo com a numeração que fizeram no primeiro desenho. Apenas dois alunos ousaram usar outras cores e seguir a tonalidade. Aos poucos os alunos iam desenhando, atentos ao seu mapa, buscando redesenhar o mais parecido possível. Ao colocar cores no desenho, estavam atentos às marcações que fizeram, buscando segui-las com fidelidade. Imagem 18 - Desenhando na caixa de medicamento Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Imagem 19 - Desenhando na caixa de medicamento Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 43 Imagem 20 - Desenhando na caixa de medicamento Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Imagem 21 - Desenhando na caixa de medicamento Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Ao fazer o desenho de sua árvore, a aluna se preocupou em dar detalhes às folhas. Realizava a atividade com calma e atenção, para conseguir reproduzir todas as particularidades. “Um observador atento e sensível” (GONÇALVES E DIAS, 2010, p. 52), 44 sensível às minúcias do seu entorno, que perceba o seu espaço. É assim que queremos que nossos alunos se desenvolvam. Imagem 22 - Pintando as tonalidades Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 45 Imagem 23 - Pintando as tonalidades Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Desenhar a árvore em material alternativo, caixa de medicamento, possibilita ao aluno perceber outras possibilidades, aguçando a criatividade. Por ser um grupo pequeno, socializaram bastante suas escolhas de cores e desenho. Busquei sempre incentivar para que fizessem suas próprias escolhas, pois a ideia de um trabalho individual é [...] um tempo de trabalho de maior concentração, em que a escolha do material e do tema seja pessoal, em que o aluno trabalhe praticamente sozinho, com a supervisão e auxílio do professor, quando este for solicitado. É um momento de recolhimento, de aprendizado dos hábitos do devaneio particular, tão necessário para o desenvolvimento do pensamento criador (GONÇALVES E DIAS, 2010, p. 54). E esse momento particular se faz necessário, para que não perceba o mundo com os olhos dos outros. Neste sentido, fomos percebendo e, ao longo do processo, nos aproximamos cada vez mais das particularidades dos alunos, questões que podem ser reveladas por meio das situações que lhe são permitidas. Ao inserir as tonalidades em sua árvore, poucos ousaram trocar a cor dela. Esse sair do comum mostra que o aluno já possui opinião e coragem de se desafiar em novas situações. 46 Imagem 24 - Pintando as tonalidades Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 Imagem 25 - Pintando as tonalidades Fonte: Fotografia pertencente ao acervo particular, 2018 47 3.2.4 Saberes que permitem o despertar da sensibilidade do aluno por meio da arte Ao longo do processo de inserir as tonalidades de cores, cada aluno respondeu de uma forma diferente. Uns pareciam ter entendido a proposta, mas, no momento de aplicá-la, se mostraram confusos. Outros estavam inseguros, sempre pedindo a opinião dos colegas sobre qual cor deveriam usar. Mas também tinha aquele que compreendeu a proposta e se sentiu seguro para produzir, sem precisar pedir ajuda. “Deve-se, sempre, lembrar que cada criança tem um ritmo próprio de desenvolvimento” (GONÇALVES E DIAS, 2010, p. 58). As atividades artísticas permitem ao educador conhecer o universo do aluno. Neste percurso, cada um no seu processo, percebeu-se que as árvores foram tomando forma, “a arte revive em nós, ainda que no modo simbólico, sentimentos e vivências que se baseiam em nossa história pregressa, em nossas experiências de vida” (DUARTE, 2010, p. 41). Essas experiências que carregamos refletem em nossa forma de ver o mundo e também de como representá-lo. “As impressões que as crianças têm da realidade experienciada não se amontoam, imóveis, em seu cérebro. Elas constituem processos móveis e transformadores, que possibilitam à criança agrupar os elementos que ela mesma selecionou e modificou e combiná-los pela imaginação” (FERREIRA, 2001, p. 151). A proposta possibilitou vivenciar algo fora da sala de aula, observando atentamente a sua árvore, buscando identificar as tonalidades dela. Esse conhecimento provavelmente despertou seus olhares a perceberem a mesma árvore de formas diferentes,
Compartilhar