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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Sabe-se que é da natureza das relações humanas a convergência de situações conflituosas, nas mais diversas áreas, e para solucionar os litígios “impõe-se a ado- ção de um mecanismo próprio para garantir a efetividade, no caso concreto, do direito previsto, mas não observado. Esse mecanismo, composto de uma série de atos que culminam, se necessário for, na aplicação forçada do direito violado, é denominado ‘processo’”1. No Direito Tributário, há (I) o processo administrativo, que tem trâmite na própria Administração, sendo regido pelas normas reguladoras do processo tributá- rio e, na hipótese de omissão legislativa, subsidiária ou supletivamente pelas regras do Código de Processo Civil, tendo em vista o que dispõe o seu artigo 152; e (II) o processo judicial, que tramita no Poder Judiciário, tendo como ditame o Código de Processo Civil e a legislação específica processual tributária, ou seja, o mandado de segurança, a execução fiscal e cautelar fiscal. Com efeito, processo, seja ele judicial ou administrativo, compreende o conjunto de atos ordenados lógica e cronologica- mente cujo fim é a solução de um conflito de interesse que, se havido na relação tributária, qualifica-se de processo tributário. Como preleciona Paulo Cesar Conrado, “processo tributário é processo civil, particularizado pela circunstância, única, de a relação jurídica que o precede logica- mente alinhar-se ao específico ramo didático do direito tributário”.3 1. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 5. 2. Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposi- ções deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. 3. CONRADO, Paulo Cesar. Processo tributário, 2. ed., São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 26. CAPÍTULO EXTRA PROCESSO TRIBUTÁRIO Eduardo Sabbag Manual de Direito Tributário2| |2 Pode-se afirmar, então, que processo tributário é meio (instrumento) de solu- ção de conflito de interesse entre Fisco e sujeito passivo, não possuindo um fim em si mesmo. A máquina judiciária pode ser movimentada pelo contribuinte, que se mostre irresignado diante dos atos praticados pelo Fisco, por meio de um processo judicial (de conhecimento), ainda que já tenha se utilizado do processo administrativo. Por sua vez, o Fisco pode buscar a tutela judicial quando detentor de crédito, utilizando- -se do processo de execução, ou do processo cautelar, visando assegurar o pagamen- to do crédito inadimplido pelo contribuinte. Assim ensina Dejalma de Campos4: Mesmo vencido na fase administrativa do contencioso fiscal, o sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte ou responsável) pode impetrar judicialmente ações para garantia de seus direitos. Já o sujeito ativo dessa mesma obrigação (o Estado), tendo sido vencido na fase administrativa, não mais pode pleitear o crédi- to fruto da contenda. Se vencedor, vai utilizar-se do Judiciário para recebê-lo. O Direito Processual é de suma importância à área tributária, sendo utilizado para garantir que a lei seja devidamente observada e aplicada pela Administração, de forma a prevalecer a moralidade e a legalidade nos atos do Fisco, ofertando seguran- ça na relação deste com o contribuinte. É possível distinguir as ações tributárias de acordo com o sujeito que provoca o judiciário, observando os sujeitos da relação jurídica tributária, portanto, o fisco e o contribuinte. São classificadas exacionais as ações de iniciativa do Fisco, compreendendo, assim, a execução fiscal e a medida cautelar fiscal. Por sua vez as antiexacionais correspondem às ações de iniciativa do contribuinte, portanto, à ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária, a ação anulatória de débito tributário, a ação de consignação em pagamento, a ação de repetição do indébito tributário, os embargos à execução fiscal e o mandado de segurança que pode ser impetrado em caráter preventivo ou repressivo. 2 DOS DIREITOS E DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS Em consonância com o art. 5º, XXXV, da Carta Magna, estão assegurados os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos que buscam o acesso à justiça, uma vez que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se de princípio constitucional que traz à baila uma sublime garantia “de que nada afastará a intervenção do Poder Judiciário quando houver lesão ou simples ameaça de lesão ao direito”5. 4. CAMPOS, Dejalma de. Direito processual tributário, 8. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 72. 5. JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito constitucional, 2. ed., Bahia: JusPodivm, 2008, p. 677. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |3 A proeminência dessa garantia constitucional individual é tão destacada que o Código de Processo Civil de 2015 reproduz o conteúdo do texto constitucional em seu artigo 3º como reforço para não deixar margem de dúvida da necessidade de ser respeitado o princípio do livre acesso ao Judiciário: Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. O acesso à justiça é princípio que, “configura a explosão máxima do Estado de Direito, outorgando o exercício do direito de ação, mediante o preenchimento de suas condições, visando a aplicação da norma e a consequente solução dos conflitos. Isso acontece mediante processo e o exercício da jurisdição”6. A bem da verdade, o inciso XXXV do art. 5° encerra duas relevantes proteções constitucionais, que se correlacionam, quais sejam: 1. Inafastabilidade do controle jurisdicional: trata-se de uma fiança constitucio- nal que se destaca como “a mais elementar e mais fundamental de todas as garan- tias jurídicas, que pode ser considerada, em termos bem simples, como ‘direito de ter direito’”7. O contribuinte tem a garantia de, não estando de acordo com os atos do Fisco, ingressar em juízo para que o Estado se apresente, por intermédio do Poder Judiciário, e se pronuncie sobre os conflitos apresentados de modo a garan- tir a aplicação da lei e da justiça. 2. Inafastabilidade do controle judicial: é a garantia de que nenhuma lei exclui- rá da apreciação judicial a lesão ou ameaça a direito, sob pena de ser considerada inconstitucional. Ao Estado compete não só se pronunciar diante dos conflitos entre o Fisco e o contribuinte, mas também afastar leis que impeçam a apreciação de tais conflitos pelo Poder Judiciário, uma vez que a exclusão dessa premissa fere essencialmente o direito constitucional de acesso à justiça, além de ser um inequí- voco retrocesso. É de todo oportuno salientar que, a fim de dar operatividade ao princípio da inafastabilidade do acesso ao Judiciário, o inciso LV do art. 5º, LV, da Carta Magna, assegura “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Como é cediço, o contraditório e a ampla defesa são a base do princípio do devido processo legal. O contraditório está intimamente ligado ao direito de res- posta, decorrente da bilateralidade do processo. A ampla defesa adstringe-se ao direito de produção e de defesa de provas, sempre se observando a boa-fé e a leal- dade processual. Em uma leitura menos atenta, o contraditório e ampla defesa podem vir a ser compreendidos como algo único, entretanto não é esta a melhor exegese. “O contra- 6. CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 81. 7. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 29. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 461. Manual de Direito Tributário4| |4 ditório é uma forma de assegurar-se a ampla defesa, e por isto, sob certo aspecto, com ela se confunde. Por contraditório entende-se o procedimento no qual tudo o que de relevante é praticado no processo por uma das partes deve ser do conhecimento da parte contrária. Enquantoa ampla defesa quer dizer que as partes tudo podem alegar que seja útil na defesa da pretensão posta em Juízo. Todos os meios lícitos de prova podem ser utilizados”8. Não é demais destacar que a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, tal princípio, o do contraditório, foi maximizado ou superdimensionado, como sugere Paulo Cesar Conrado9, quando em seu art. 1010 veda a concessão de “decisões- -surpresa” ao impor ao magistrado o dever de conceder às partes o direito de mani- festação antes da prolação de qualquer decisão, mesmo aquelas que devem ser profe- ridas ex officio. Discorre Dirley da Cunha Júnior11, com a precisão científica que lhe é pe- culiar: Tais garantias completam e dão sentido e conteúdo à garantia do devido processo legal, pois seria demasiado desatino garantir a regular instauração formal de pro- cesso e não se assegurar o contraditório e a ampla defesa àquele que poderá ter a sua liberdade ou o seu bem cerceado; ademais, também não haveria qualquer in- dício de razoabilidade e justiça numa decisão quando não se permitiu ao indivíduo as mesmas garantias do contraditório e ampla defesa. É imperioso destacar que, consoante o art. 5º, LV, da Carta Magna, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. De fato, para que um cidadão venha sofrer privação de liberdade ou de bens é necessário haver um processo. O devido processo legal vem exatamente garantir que este processo obedeça rigorosamente à legislação vigente, sob pena de todos os atos praticados serem fulminados pela nulidade. No tocante ao Direito Tributário, “o princípio em referência deve orientar não apenas o processo judicial, mas também o processo administrativo de controle de legalidade do lançamento”12. A propósito, faz-se mister trazer a lume o didático trecho do voto do Minis- tro Carlos Velloso, prolatado no julgamento da ADI n. 1.511-MC, com julgamento em 16-10-1996: 8. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 29. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 461. 9. Perspectivas do contencioso tributário, judicial e administrativo, em vista do novo Código de Processo Civil. In: MACEDO, Alberto [et al.], Direito tributário e os novos horizontes do processo, XII Congresso Nacional de Estudos Tributários, São Paulo: Noeses, p. 1019-1049. 10. Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. 11. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional, 2. ed., Bahia: JusPodivm, 2008, p. 682. 12. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 36. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |5 “Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal no seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV, do art. 5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo – substantive due process – constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasona- bleness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa”. Conforme pontifica Cleide Previtalli Cais, “em matéria tributária, o princípio do devido processo legal adquire contornos específicos, de extraordinária importân- cia diante da relação fisco/contribuinte, considerando-se que o poder administrati- vo no exercício da atividade tributária cria limitações patrimoniais, impondo-se a observância das suas fronteiras, a fim de ensejar ao administrado o respeito aos di- reitos constitucionais que lhe foram assegurados”13. O devido processo legal deve ser observado tanto no processo administrativo, quanto no judicial, pois nele encontra-se a preservação do direito de defesa do con- tribuinte, direito este aclamado não só pela legislação brasileira, mas em todo país democrático. Sendo assim, devemos partir da premissa de que, se “observados os princípios basilares do processo, estará obedecida a garantia constitucional do devido processo legal (due process of law, CF/88, art. 5º, LIV), porque dela decorrem os mesmos”14. 3. O PROCESSO CONFORME O TIPO DE PROVIMENTO Antes de adentrar no processo judicial tributário, há que primeiro estabelecer a diferença entre processo e procedimento. Alexandre Barros Castro traz um pontual delineamento distintivo: A lei reguladora, abstrata e geral, aplicando-se ao fato, manifestar-se-á através de operações e órgãos adequados, sob a forma de lei especial e concreta, resolvendo a lide. A essa soma de atos que convergem, ordenada e sucessivamente, para o justo e imparcial solucionamento do litígio, denomina-se procedimento. Processo é o meio ou instrumento da composição da lide. Se o procedimento, como vimos, é a marcha dos atos processuais, coordenados sob formas e ritos, o processo por seu turno, tem significado diverso, porquanto constitui uma relação de direito que se estabelece entre seus sujeitos durante a substanciação do litígio15. 13. CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 97. 14. LOPES, Mauro Luís Rocha. Processo judicial tributário – execução fiscal e ações tributárias, 3. ed., Rio de Ja- neiro: Lumen Juris, 2005, p. 264. 15. CASTRO, Alexandre Barros. Teoria e prática do direito processual tributário, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 116. Manual de Direito Tributário6| |6 Neste sentido Agustin A. Gordillo16 conota que, “processo é um conceito tele- ológico; procedimento, um conceito formal. Ao falar de processo destaca-se que o conjunto de atos em consideração tem por finalidade essencial chegar ao ditado de um determinado ato: no conceito que adotamos, esse ato é o jurisdicional. Ao falar de procedimento, ao contrário, se prescinde do fim que a sequência de atos pode ter, e se indica tão somente esse aspecto externo, de que existe uma série de atos que se desenvolvem progressivamente”. O processo e o procedimento são utilizados na área administrativa tributária e, igualmente, na área judicial tributária. Neste breve capítulo de noções, deveremos nos ater ao processo judicial tributário. Segundo preleciona Hugo de Brito Machado17, “o objetivo genérico do proces- so judicial é a aplicação do Direito”. Nesse desiderato, ensina Mauro Luís Rocha Lopes18 que “processo judicial tributário é expressão que traduz o direito tributário ‘em juízo’, isto é, o processo a se desenrolar visando à composição de lide instaurada em relação material de direi- to tributário”. O processo é dotado de forma própria, condicionado ao pedido do postulante em juízo, podendo ser: a) Processo de conhecimento: é aquele que diz o direito através da ampla cognição realizada pelo juiz. Este conhecerá o processo, analisando-o e formando a convicção, por meio da qual colocará fim ao litígio, ao aplicar o direito ao caso con- creto. Tem como esteio a lide entre as partes. No processo de conhecimento “a parte realiza afirmação de direito, demons- trando sua pretensão de vê-lo reconhecido pelo Poder Judiciário, mediante a formu- lação de um pedido, cuja solução será ou no sentido positivo ou no sentido negativo, conforme esse pleito da parte seja resolvido por sentença de procedência ou improcedência”19. Esta figura de processo é de uso exclusivo do contribuinte, pois o Fisco é que aplica a decisão no processo administrativo, logo, não tem este qualquer funda- mento em ingressar com uma ação que visa recorrer da sua própria decisão, ainda que vencido. b) Processo de execução: é aquele que tem como pressuposto um título exe- cutivo judicial (sentençajudicial) ou extrajudicial (documento, com força de título, firmado entre as partes) de forma que, para alcançar o direito, ora já constituído, é 16. GORDILLO, Agustin A. Procedimiento y recursos administrativos, 2. ed., Buenos Aires: Marchi, 1971, p. 23. 17. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 29. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 462. 18. LOPES, Mauro Luís Rocha. Processo judicial tributário – execução fiscal e ações tributárias, 3. ed., Rio de Ja- neiro: Lumen Juris, 2005, pp. 262-263. 19. WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; e TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, v.1, p. 115. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |7 necessária a execução do respectivo título sem a etapa da cognição do juiz. Nesta modalidade, não há lide, há um direito a ser executado. Em matéria tributária, este processo é mormente utilizado pelo Fisco para efetuar a execução do crédito tributário em atraso, aplicando-se o disposto na legis- lação da execução fiscal (Lei n. 6.830/80). c) Processo cautelar: pela sistemática do Código de Processo Civil de 1973, o processo cautelar era aquele que, fundamentado no perigo da demora e na “fumaça do bom direito”, buscava conservar e assegurar um direito, por meio de um proces- so de cognição sumária. Tal processo era acessório, em regra, ao processo de execução ou ao processo de conhecimento. Com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, tal sistemática sofreu mudanças significativas. Atualmente, não há mais uma espécie processual autônoma destinada à obtenção e efetivação de medidas cautelares, agora, tem-se a figura da tutela provisória requerida nos mesmos autos do processo principal de natureza cautelar ou antecipatória, fundamentada na urgência ou na evidência do direito à luz do art. 294 do Código20. O que se deu a partir do Código de Processo Civil de 2015 foi a retirada da autonomia processual da medida cautelar com a sua sincretização ao processo de conhecimento. Deu-se a unificação procedimental da agora denominada tutela pro- visória cautelar que passa a integrar o processo de conhecimento, como um pedido específico e ensejador da prolação de uma decisão interlocutória atacável por agravo de instrumento21, isso dentro da manifesta intenção do legislador processual de tor- nar o processo mais eficiente, como destacado em sua exposição de motivos: “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a rea- lização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo.” Em que pese a instituição de um novo procedimento para as tutelas provisó- rias de natureza cautelar no âmbito do sistema processual geral, permanece vigente o sistema processual especial da medida cautelar fiscal regulado pela lei federal 8.397/1992 que mantém autonomia processual e sua função de assegurar a satisfação do processo principal, a execução fiscal, mediante a concessão de medida que torna indisponível os bens do contribuinte-executado até o limite do valor da dívida, dian- 20. Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. 21. Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I – tutelas provisórias. Manual de Direito Tributário8| |8 te do que dispõe o seu art. 4º22. Trata-se, portanto, de medida que visa “obter a in- disponibilidade patrimonial dos devedores para com o Fisco até o limite do valor exigido, frustrando com isso a tentativa de ser lesado o Estado, tanto na fase admi- nistrativa como na judicial de cobrança”23. Com efeito, “para certas situações em que o fisco verifique risco de tornar-se ineficaz a execução fiscal, a legislação brasileira prevê a ação cautelar fiscal”. A assertiva (adaptada) foi considerada CORRETA, em prova realizada pelo CESPE, para o cargo de Juiz de Direito/SE, em 21-10-2007. Com a configuração do lançamento e seu consequente crédito tributário, o processo judicial tributário torna-se o veículo que o contribuinte possui para ques- tionar a legalidade da exigência do respectivo tributo, e o instrumento da Fazenda Pública para efetivar tal crédito. Sabe-se, todavia, que antes ou depois do lançamen- to, poderá o particular provocar o Poder Judiciário por meio das ações respectivas: se antes, por meio das ações preventivas; se depois, pela via de ações repressivas. Observe o quadro mnemônico que as contempla: LANÇAMENTO ANTES AÇÕES JUDICIAIS PREVENTIVAS Declaratória (com pedido de tutela provisória) Mandado de Segurança Preventivo (com pedido de liminar) Consignação em Pagamento (com depósito) DEPOIS AÇÕES JUDICIAIS REPRESSIVAS Anulatória (com pedido de tutela provisória) Mandado de Segurança Repressivo (com pedido de liminar) Embargos à Execução Fiscal Consignação em Pagamento (com depósito) Repetição do Indébito 22. Art. 4º A decretação da medida cautelar fiscal produzirá, de imediato, a indisponibilidade dos bens do reque- rido, até o limite da satisfação da obrigação. 23. CAMPOS, Dejalma de. Direito processual tributário, 8. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 81-82. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |9 Importante destacar que a distinção das ações em preventivas e repressivas está assentada em preceito constitucional, especificamente no já mencionado inci- so XXXV do art. 5º, que assegura como garantia individual do cidadão não apenas o livre acesso ao Judiciário, mas o acesso: (i) quando há risco (ameaça) de violação a direito, assumindo a ação aqui natureza preventiva, de maneira que o Judiciário é provocado para que produza uma decisão que impeça a violação do direito; ou (ii) depois de concretizada a violação a direito (lesão), quando então a medida judicial passa a ter natureza repressiva, em que o Judiciário produz decisão judicial “corretiva”. Postas essas premissas conceituais, é possível apresentarmos as principais ações judiciais do contribuinte, esclarecendo, em tempo, que o presente capítulo visa ofer- tar ao leitor um conjunto de noções básicas do processo judicial tributário, acompa- nhando-as de um “toque” de cunho prático, como se notará na apresentação das peças. São elas: 1. Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária; 2. Ação anulatória de lançamento tributário (ou de débito fiscal); 3. Mandado de segurança; 4. Ação de repetição de indébito; 5. Ação de consignação em pagamento; 6. Embargos à Execução Fiscal. Passemos, então, ao estudo das ações judiciais de iniciativa do contribuinte: 1. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO- TRIBUTÁRIA 1.1 Embasamento A previsão infraconstitucional da Ação Declaratória, como comumente é cha- mada, encontra-se no art. 19, I, do CPC: Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica; A ação declaratória é uma ação que se projeta mediante o procedimento24 (ou rito) ordinário, o que significa que admite produção de provas no curso do processo e pressupõe para tanto a conjugação de um maior número de fases, especificamente, (a) a postulatória, instaurada mediante atuação da parte, (b) a ordinatória, promo- vida pela atuação do magistrado com a determinação da citação da parte contrária, 24. Apenas para relembrar o leitor, o procedimento ou rito do processo compreende o conjunto de atos promo- vidos no curso desse mesmo processo para que ele chegue ao seu fim com o trânsito em julgado da decisão judicial. Manual de Direito Tributário10| |10 (c) a probatória, também de iniciativadas partes e por fim (d) a decisória, de com- petência do juiz e se refere ao momento da prolação da sentença. Na hipótese de ajuizamento da ação declaratória deverá o autor atentar para os compulsórios requisitos da petição inicial, requisitos esses, ressalte-se, aplicáveis a toda e qualquer petição inicial, e que lhe darão logicidade25, constantes do art. 319 do CPC, como aptos a bem instruí-la, no intuito de propiciar ao juiz o impulso oficial do processo com a determinação de citação do réu: Art. 319. A petição inicial indicará: I – o juízo a que é dirigida; II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV – o pedido com as suas especificações; V – o valor da causa; VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação. Os requisitos da petição inicial possuem importância inafastável: o inciso I, ao versar sobre o juiz a que se dirige o petitório, delimita o campo da competência do juízo; o inciso II, ao prever a necessidade de identificação das partes, serve para identificar a legitimação processual ativa e passiva; o inciso III, ao determinar a importância da demarcação do fato e dos fundamentos do pedido, evidencia a inafas- tabilidade do encadeamento lógico entre fato e pedido; o inciso IV, ao mencionar o pedido, permite que o juiz decida a lide nos termos em que foi proposta (art. 141, CPC); o inciso V, ao se referir ao valor da causa, merece destaque conforme acentua Theotonio Negrão porque “o valor da causa, na ação declaratória, será, em regra, o do negócio a que corresponde a relação jurídica cuja existência se quer afirmar ou negar (STF, 2ª T., RE 91.447/RJ-1979, DJU de 09-11-79, p. 8402)”26, assumindo papel relevante na petição inicial ainda, pois, eventualmente servirá de parâmetro para fixação das custas judiciais27, bem como dos honorários advocatícios a serem supor- 25. PIMENTEL, Wellington Moreira Pimentel. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 8, pp. 150-151. 26. NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 9. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 90. 27. É o caso do estado de São Paulo em que as custas judicias (taxa judiciária pela prestação de serviço forense) têm como base de cálculo o valor atribuído à causa, consoante dispõe a Lei 11.608/2003 do Estado de São Paulo: Artigo 4º O recolhimento da taxa judiciária será feito da seguinte forma: I – 1% (um por cento) sobre o valor da causa no momento da distribuição ou, na falta desta, antes do despacho inicial; essa mesma regra se aplica às hipóteses de reconvenção e de oposição; CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |11 tados pelo vencido, calculados que serão de acordo com o benefício econômico obtido com a ação consoante prevê os §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015; o inciso VI, permitindo-se a produção de provas, lastreará o juízo de convencimento do magistrado, “com os documentos destinados a provar-lhe as alegações” (arts. 434 e 320, CPC); o inciso VII inova ao exigir que o autor já indique na petição inicial sua pretensão de promover audiência de conciliação ou mediação de maneira a direcionar a atuação jurisdicional a esse respeito, prestigiando-se a economia processual. 1.2 Finalidade A ação declaratória objetiva a obtenção de “certeza jurídica” da existência ou inexistência do fato e das consequências jurídicas a este relacionadas. Assim, mostra- -se adequada nos casos em que há “divergência de interpretação que produza a incer- teza objetiva quanto à vontade concreta da lei” (RE 90.875-7/SP-1979). Sua propositura demanda a iminência de um ato concreto, “de que se possa inferir o propósito do Fisco de instaurar a ação fiscal”28. De fato, sem um episódio concreto sobre o qual surja a incerteza de ser a relação jurídica que dele se irradia uma relação hábil a conferir ao Fisco o poder de constituir um crédito em desfavor do sujeito passivo da mencionada relação não é possível se falar em interesse de agir para a ação declaratória. Acresça-se a isso que a ação declaratória constitui impor- tante meio processual na proteção do particular diante da iminência de atos da Administração Pública. Sendo assim, o Poder Judiciário não pode ser instado a declarar a existência de uma relação jurídica, “ante um fato que se projeta no futuro, tão incerto ao acon- tecer quanto a suposta relação jurídica de cuja natureza se pretende a declaração judicial, no momento”29. O que autoriza concluir que o pedido da ação declaratória em matéria tributária deve ser o de inexistência de relação jurídica, o que se confirma pelo fato de que ela é proposta em caráter preventivo, antes do lançamento, da cons- tituição do vínculo entre fisco e contribuinte, já que o Judiciário deve ser provocado na iminência da constituição do crédito tributário, quando há ameaça de aplicação da legislação tributária pela autoridade pública. Nesse passo, a ação declaratória não veicula pretensão relativa à nulidade de débito fiscal, plasmado em lançamento tributário, pois tal temática se adstringe à II – 4% (quatro por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 511 do Código de Processo Civil, como preparo da apelação e do recurso adesivo, ou, nos processos de competência originária do Tribunal, como pre- paro dos embargos infringentes. 28. FELIPE, Jorge Franklin Alves. Direito tributário na prática forense, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 80. 29. Embargos na Apel. Cív. n. 76.542/SP-1984, Ementário, vol. 58, p. 29. Manual de Direito Tributário12| |12 ação diversa, ou seja, a uma ação repressiva de eficácia desconstitutiva ou constitu- tiva negativa, na qual está sempre implícita a postulação de anulação ou desconsti- tuição de débito fiscal constituído – a intitulada “ação anulatória de débito fiscal” (ou ação de lançamento tributário) que será melhor estudada a seguir. Com efeito, é entendimento corrente que o pressuposto da ação declaratória é a inexistência de um lançamento30, devendo ser proposta antes deste. Assim, a ação declaratória “pressupõe a inexistência de um lançamento fiscal ou que este ainda não esteja dotado de eficácia preclusiva”31. Nas lições de Paulo Cesar Conrado, o que se pretende por meio de medida judicial preventiva, dentre as quais se insere a ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária é “invariavelmente neutralizar a autoexecutoriedade ad- ministrativa, impedindo o fisco de praticar atos tendentes à exigência do crédito que se encontra por ser ainda constituído”, e complementa ao afirmar que, eliminam “mesmo que indiretamente, suposta incerteza quanto à (in)existência de vínculo jurídico entre fisco e contribuinte”32. 1.3 Particularidades a) A ação declaratória e os tributos: em matéria fiscal, a ação declaratória poderá ser utilizada no âmbito de quaisquer espécies tributárias, à luz da pentapar- tição do sistema tributário atual, na visão do STF, aplicando-se, assim, aos impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições. Vale dizer que, na seara dos tributos (art. 3°, CTN), o sujeito passivo na relação jurídico- -tributária (art. 121, parágrafo único, I e II, CTN) poderá buscar o provimento de- claratório, afeto às obrigações principal e acessória (art. 113, §§ 1°e 2°, CTN), por meio da indigitada ação, consagrando-se ele sujeito passivo a parte legítima ativa para ajuizamento da ação. b) A ação declaratória e o procedimento: o procedimento da ação declarató- ria, como regra, é o procedimento comum ordinário, pelo qual basicamente é regida. c) Polo passivo:nas ações ordinárias, o polo passivo será identificado a partir do tributo que for objeto da lide, de maneira que será o seu sujeito ativo da obrigação tributária a parte legítima para figurar como réu. Note o esquema: Tributo federal: no polo passivo, constará UNIÃO; Tributo estadual: no polo passivo, constará ESTADO... (ou DF); Tributo municipal: no polo passivo, constará MUNICÍPIO (ou DF)... 30. BOTTALO, Eduardo Domingos. Dívidas fiscais; processo judicial, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 25. 31. FLAKS, Milton. Comentários à Lei de Execução Fiscal, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1981, § 127, n. 349, p. 335. 32. CONRADO, Paulo Cesar. Processo judicial tributário, Rio de Janeiro: Ed. Forense, São Paulo: Método, 2014, p. 20. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |13 Esclareça-se que a competência tributária do Distrito Federal compreende a mesma atribuída para instituição de tributos estaduais e municipais, tendo em vista o que dispõe o art. 32 § 1º da Constituição Federal de 1988: Art. 32. (...) § 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios. 1.4 Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária com pedido de tutela provisória: uma apresentação simplificada da petição inicial. Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da ... Vara da Subseção Judiciária de (de onde?), Nome da empresa..., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas sob o n. ..., inscrição estadual n. ..., sediada no endereço..., endereço eletrônico..., por intermédio de seu advogado (mandato incluso) ao final assinado, com escritório para receber intimação no endereço..., vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 19, I, combinado com os artigos 300 e 319, todos do Código de Processo Civil, propor AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA com Pedido de Tutela Provisória em face de (sujeito ativo do crédito tributário – exs.: União, IBAMA, etc.), pessoa jurídica de direito público interno, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas sob o n. ..., com sede no endereço, de acordo com as razões de fato e de Direito a seguir expostas: DOS FATOS (...) DO DIREITO (...) DA TUTELA PROVISÓRIA (...) DO PEDIDO Pelo exposto, a Autora requer a Vossa Excelência: a) a concessão da tutela provisória, de acordo com o art. 300 e seguintes, do CPC, a fim de que (...); b) o julgamento procedente do pedido, declarando-se a inexistência de relação jurídico- tributária e confirmando-se a tutela anteriormente concedida; c) a citação da União, na pessoa de seu representante judicial, para, se quiser, apresentar contestação; Manual de Direito Tributário14| |14 d) a condenação da Ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, nos termos do art. 85, §§ 3ºa 6º do Código de Processo Civil; e) a produção de todos os meios de prova em Direito admitidos. Dá-se à causa o valor de R$.... Nesses termos, pede deferimento. Local... e data.... Advogado... OAB n. ... 2. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL 2.1 Embasamento A previsão infraconstitucional em legislação específica da Ação Anulatória, como costumeiramente é chamada, encontra-se no art. 38 da Lei n. 6.830/80: Art. 38. A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta pre- cedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos. Parágrafo Único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto. Na hipótese de ajuizamento dessa ação que segue o procedimento ordinário, deverá o autor atentar para os compulsórios requisitos da petição inicial, que lhe darão logicidade33, constantes do art. 319 do CPC, como aptos a bem instruí-la, no intuito de propiciar ao juiz o impulso oficial do processo. Os requisitos da petição inicial foram detalhados em tópico precedente. 2.2 Finalidade A “ação anulatória de débito fiscal”, também conhecida por “ação anulatória de lançamento tributário” (ou, ainda, da forma como é intitulada na Lei n. 6.830/80, por “ação anulatória do ato declarativo da dívida”), objetiva a desconstituição do 33. PIMENTEL, Wellington Moreira Pimentel. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 8, p. 150-151. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |15 lançamento tributário. Em outras palavras, o pressuposto dessa ação é que exista um precedente crédito tributário constituído pelo lançamento e passível de anulação. Nesse passo, a ação anulatória não se confunde com a ação declaratória, já estudada, uma vez que veicula pedido no sentido da anulação do débito fiscal, plas- mado em lançamento tributário. Mostra-se, assim, como uma ação desconstitutiva ou constitutiva negativa, na qual está sempre implícita a postulação de anulação ou desconstituição de débito fiscal constituído. Trata-se a ação anulatória de típica ação repressiva por meio da qual consoan- te preleciona Paulo Cesar Conrado o “Estado-juiz constitui eficácia desconstitutiva da obrigação tributária” na hipótese de julgamento de procedência34. Porque pela via da ação anulatória o contribuinte objetiva a anulação do cré- dito tributário, o valor da causa deve ser o do montante do crédito tributário devido à época do protocolo da petição inicial, já que corresponde ao proveito econômico com ela obtido. 2.3 Particularidades a) A ação anulatória e o depósito: uma leitura apressada do art. 38 da Lei n. 6.830/80 sempre induziu à equivocada interpretação por parte dos Fiscos de que o depósito judicial do montante da dívida discutida era condição para o processamen- to da ação anulatória, uma vez que ao prever a possibilidade de discussão da dívida por essa via dispõe que ela deve ser “precedida do depósito preparatório do valor do débito”. Diante da inequívoca restrição de acesso à Jurisdição que esse regra impõe, os contribuinte questionaram-na e obtiveram êxito na invalidação dessa exigência, tendo sido editada pelo Supremo Tribunal Federal a Súmula Vinculante n. 28 reco- nhecendo a inconstitucionalidade de disposição que condicione o acesso ao Judiciá- rio ao depósito do valor da dívida. Essa Súmula tem o seguinte teor: Note o item considerado CORRETO, em prova realizada pela VUNESP, Prefeitura de São José dos Campos-SP, em 2017: “A exigência de depósito prévio é inconstitucional como requi- sito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretende discutir a exigibilidade do crédito tributário”. “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.” Muito embora não seja exigido o depósito como condição para o processamen- to da ação anulatória, fato é que não havendo causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN), que também poderá se consagrar por meio de uma tutela provisória nos molde dos Código de Processo Civil de 2015, a cobrança 34. CONRADO, Paulo Cesar. Processo judicial tributário, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2014, p. 46. Manual de Direito Tributário16| |16 judicial da dívida por meio da execução será promovida pelo Fisco, neste sentido é orientação do STF (RE 103400, Relator Min. Rafael Mayer, Primeira Turma, julgado em 10/12/1984) “o depósito preparatório do valor do débito não é condição de procedibi- lidade da ação anulatória, apenas, na circunstância, não é impeditiva da execução fiscal, que com aquela não produz litispendência, embora haja conexidade. Entretanto, a satis- fação do ônus do depósito prévio da ação anulatória, por ter efeitode suspender a exigi- bilidade do crédito (art-151, II do CTN), desautoriza a instauração da execução fiscal”. A respeito dessa questão não se pode deixar de mencionar a orientação do STJ (REsp 962.838/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009) firmada em julgamento de caso repetitivo na sistemática do Código de Processo Civil de 1973, a qual, na mesma linha da orientação do STF, reconhece que (a) o depósito não é condição de processamento da ação anulatória e (b) a au- sência de suspensão da exigibilidade não impede o ajuizamento da ação de cobrança do crédito tributário pelo Fisco. Veja a ementa desse julgado: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CON- TROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. AJUIZAMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA DO CRÉDI- TO FISCAL. CONDICIONAMENTO AO DEPÓSITO PRÉVIO DO MONTANTE INTEGRAL. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. 1. A propositura de ação anulatória de débito fiscal não está condicionada à reali- zação do depósito prévio previsto no art. 38 da Lei de Execuções Fiscais, posto não ter sido o referido dispositivo legal recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em virtude de incompatibilidade material com o art. 5º, inciso XXXV, verbis: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 2. “Ação anulatória de débito fiscal. art. 38 da Lei 6.830/80. Razoável a interpretação do aresto recorrido no sentido de que não constitui requisi- to para a propositura da ação anulatória de débito fiscal o depósito previsto no refe- rido artigo. Tal obrigatoriedade ocorre se o sujeito passivo pretender inibir a Fazenda Pública de propor a execução fiscal. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 105552, Relator Min. DJACI FALCAO, Segunda Turma, DJ 30-08-1985) 3. Deveras, o depósito prévio previsto no art. 38, da LEF, não constitui condição de procedibilidade da ação anulatória, mas mera faculdade do autor, para o efeito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151 do CTN, inibindo, dessa forma, o ajuiza- mento da ação executiva fiscal, consoante a jurisprudência pacífica do E. STJ (Prece- dentes do STJ: AgRg nos EDcl no Ag 1107172/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 11/09/2009; REsp 183.969/SP, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2000, DJ 22/05/2000; REsp 60.064/SP, Rel. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/04/1995, DJ 15/05/1995; REsp 2.772/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/03/1995, DJ 24/04/1995) . 4. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |17 Destaque-se, ademais, “sobre a tutela antecipada em matéria tributária, terá cabimento em sede de ação anulatória de débito fiscal, com o fim de suspender a exigibilidade do crédito tributário, tal como acontece com a liminar no mandado de segurança”. A assertiva foi considerada CORRETA, em prova realizada pela Fundação Carlos Chagas, para o cargo de Juiz de Direito/RR, em março de 2008. b) A ação anulatória e os tributos: em matéria fiscal, a ação anulatória pode- rá ser utilizada no âmbito de quaisquer espécies tributárias, à luz da pentapartição do sistema tributário atual, na visão do STF, aplicando-se, assim, aos impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições. Vale dizer que, na seara dos tributos (art. 3°, CTN), o sujeito passivo na relação jurídico-tribu- tária (art. 121, parágrafo único, I e II, CTN) poderá buscar o provimento anulatório, afeto às obrigações principal e acessória (art. 113, §§ 1° e 2°, CTN), por meio da in- digitada ação. c) A ação anulatória e o procedimento: o procedimento da ação anulatória, como regra, é o procedimento comum ordinário, pelo qual basicamente é regida. c) Polo passivo: nas ações ordinárias, o polo passivo será identificado a partir do tributo que for objeto da lide. Note o esquema: Tributo federal: no polo passivo, constará UNIÃO; Tributo estadual: no polo passivo, constará ESTADO... (ou DF); Tributo municipal: no polo passivo, constará MUNICÍPIO (ou DF)... 2.4 Ação anulatória de débito fiscal com pedido de tutela provisória: uma apresentação simplificada da petição inicial. Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ... Vara da Fazenda Pública da Comarca de ..., Nome da empresa..., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas sob o n. ..., inscrição estadual n. ..., sediada no endereço..., endereço eletrônico..., por intermédio de seu advogado (mandato incluso) ao final assinado, com escritório para receber intimação no endereço..., vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 300 e seguintes e 319 do Códgo de Processo Civil, bem assim com suporte no art. 38, da Lei n. 6.830/80, propor AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL com Pedido de Tutela Provisória em face de (sujeito ativo do crédito tributário – ex.: o Município de São Paulo), pessoa jurídica de direito público interno, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas sob o n. ..., com sede no endereço, de acordo com as razões de fato e de Direito a seguir expostas: Manual de Direito Tributário18| |18 DOS FATOS (...) DO DIREITO (...) DA TUTELA PROVISÓRIA (...) DO PEDIDO Em face do exposto, o Autor requer a Vossa Excelência: a) a concessão da tutela provisória, para fins de que ...(especificar o pedido), ou, subsidiariamente, caso Vossa Excelência não entenda cabível a tutela de urgência, seja autorizada a realização de depósito para suspender a exigibilidade do crédito tributário; b) julgamento procedente do pedido, anulando-se o débito fiscal atinente ao crédito tributário formalizado por intermédio do lançamento de ofício, referente ao exercício de..., em razão da violação do princípio da legalidade, e confirmando-se a tutela provisória anteriormente concedida; c) a citação do Réu, na pessoa de seu representante judicial, para, se quiser, apresentar contestação; d) a condenação da Ré nas custas processuais e nos honorários advocatícios, nos termos do art. 85, §§ 3ºa 6º do Código de Processo Civil. e) a produção de todos os meios de prova em Direito admitidos. Dá-se à causa o valor de R$.... Nesses termos, pede deferimento. Local... e data.... Advogado... OAB n. ... 3 MANDADO DE SEGURANÇA Longe de pretender esgotar, em obra prática e sucinta, toda a matéria adstrita ao mandado de segurança, propomos adiante as linhas mestras deste importante instrumento processual. Como remédio constitucional, o mandado de segurança foi inserido na ordem jurídica nacional pela Constituição Federal de 1934. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |19 José da Silva Pacheco bem relembra que o mandado de segurança surgiu num momento em que se objetivava “ultrapassar o formalismo do procedimento ordinário, no processo judicial, a fim de obter solução rápida e urgente, impedindo o ato violador ou tornando-o insubsistente, antes que se consumasse ou aumentasse o prejuízo”, num contexto em que “a) a ação sumária era insuficiente por carecer de procedimento rápi- do e expedito; b) o habeas corpus restringia-se aos casos de violação ou ameaça da li- berdade de locomoção; c) os interditos tinham aplicação restrita à proteção da posse das coisas corpóreas”35. Desqualificado como garantia do indivíduo com a chegada da Constituição Federal de 1937, retornou ao texto Constitucional com a redemocratização do país à época da promulgaçãoda Constituição Federal de 1946 e nessa condição permanece até hoje na vigência da Constituição Federal de 1988. O que de novo previu a CF/1988 foi a possibilidade de propositura do manda- do de segurança coletivo como mecanismo para a defesa dos interesses de direito coletivo, “aquele que tem como suporte relação-base de determinada categoria”, “à série de “interesses” ou direitos de determinada classe”36. 3.1 Embasamento A previsão básica do mandado de segurança encontra-se no art. 5°, LXIX e LXX, CF c/c art. 1° da Lei n. 12.016/2009, que assim dispõem: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan- tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; (...) LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: (...) Art. 1º (Lei n. 12.016/2009). Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. Na hipótese de ajuizamento do mandado de segurança, deverá o impetran- te atentar para os compulsórios requisitos da petição inicial, que lhe darão logici- 35. PACHECO, José da Silva. Mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, 6. ed., São Paulo: Revis- ta dos Tribunais, 2002, p. 106-107. 36. FIGUEIREDO, Lucia Valle. Mandado de segurança, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 32. Manual de Direito Tributário20| |20 dade37, constantes do art. 319 do CPC, como aptos a bem instruí-la, no intuito de propiciar ao juiz o impulso oficial do processo com a intimação da autoridade coa- tora para prestar informações, bem como da pessoa jurídica de direito público para se manifestar, que irá integrar a ação mandamental se quiser (a respeito o teor do art. 7º, I e II da Lei n. 12.016/200938). O mandado de segurança é uma ação que se projeta mediante o procedi- mento (ou rito) sumário, o que significa que não admite produção de provas no curso do processo, a qual deve instruir a petição inicial, desenvolvendo-se tem- poralmente de uma maneira mais célere por conjugar-se um número menor de fases processuais, especificamente, (a) a postulatória, instaurada mediante atuação da parte e (b) a decisória, de competência do juiz e se refere ao momento da pro- lação da sentença A petição inicial do mandado de segurança deve observar os requisitos do art. 319 do CPC, apontados no tópico que tratou da ação declaratória, bem como aquele previsto no art. 6º da Lei n. 12.016/2009 que determina a indicação da pessoa jurídi- ca à qual a autoridade coatora integre ou se encontre vinculada. 3.2 Finalidade Trata-se de ação de natureza civil, de rito sumário, que, como já apontado, des- fruta de status de remédio constitucional, dedicada a proteger o direito líquido e certo daquele que sofrer ilegalidade ou abuso de poder – ou tiver o receio de sofrê-la –, de atos perpetrados por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica, no exercício de atribuições do poder público. Para Maria da Sylvia Zanella Di Pietro39, “mandado de segurança é a ação civil de rito sumaríssimo pela qual a pessoa pode provocar o controle jurisdicional quan- do sofrer lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo, não amparado por Ha- beas Corpus nem Habeas Data, em decorrência de ato de autoridade, praticado com ilegalidade ou abuso de poder”. O mandado de segurança (mandamus ou writ) é de enorme valia na seara fiscal, principalmente em razão do fato de que a relação jurídico-tributária sujeita-se em sua inteireza à legalidade. Com efeito, se o tributo apresenta-se em desconformi- dade com a lei, inequívoca será a lesão a direito líquido e certo do contribuinte, chancelando a sua acertada opção pelo mandado de segurança. 37. PIMENTEL, Wellington Moreira Pimentel. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 8, p. 150-151. 38. Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: I – que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações; II – que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito. 39. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 11. ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 612. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |21 3.3 Particularidades a) Tipos de mandados de segurança: o mandado de segurança pode ser pre- ventivo ou repressivo. O mandado de segurança preventivo será utilizado sempre que o contribuinte estiver diante da iminência (ameaça) de sofrer uma exigência tribu- tária descabida, veiculada na lei que deflagra a relação jurídico-tributária, assumin- do nesse momento natureza preventiva (tal como a ação declaratória). Frise-se que a lei tributária possui efeitos concretos ante a inexorabilidade do tributo. Aliás, como é cediço, não se admite o Mandado de Segurança contra lei em tese (Súmula 266 do STF), e, não fosse assim, a autoridade coatora – cujo detalhamento será adiante ex- plicitado – nunca seria o agente administrativo, mas sempre o autor da lei contra a qual se insurge. O mandado de segurança repressivo, por sua vez, será utilizado para combater atos de autoridade pública ou agente seu efetivamente praticados, visando anulá-lo (desconstituí-lo, tal como a ação anulatória de débito fiscal) de maneira que, tratando-se de direito tributário, poderá atacar, por exemplo, o ato de lançamento e o ato de inscrição em dívida ativa. b) A liquidez e a certeza do direito: o “direito líquido e certo” traduz-se no direito induvidoso que deve ser comprovado pelo impetrante de plano e constatado pelo julgador, tão logo ocorra a impetração da ação mandamental, independente- mente de provas sobejas. Sendo assim, descabe a sua comprovação posterior, uma vez cabal o elemento probatório, sobre o qual não pairam quaisquer dúvidas. Nesse passo, diz-se que a prova nesta ação é pré-constituída e segura, e o fato alegado deve ser provado de plano, por meio de documentação inequívoca, no momento do seu ajuizamento (art. 6° da Lei n. 12.016/2009). c) A liminar no mandado de segurança: autoriza o inciso III40 do art. 7º da Lei n. 12.016/2009 que o juiz suspenda o ato coator quando presentes os requisitos do fumus boni iuris (fundamento jurídico relevante) e do periculum in mora (risco de dano temporal, seja ao resultado do processo, seja ao bem da vida que se pretende proteger com a ação mandamental). A referência é à denominada liminar do man- dado de segurança. Seu fundamento, assim como a própria ação mandamental, é constitucional. Deveras, é o conteúdo do já referido inciso XXXV do art. 5º da CF/1988 que consagra (também) o poder geral de cautela da jurisdição judicial, o qual auto- riza a concessão de decisão com essa potência (suspensão do ato coator), ao admitir que os magistrados de qualquer instância adotem “providências destinadas a eliminar os inconvenientes causados pelos efeitos do tempo necessário à plena cognição dos fatos e dos fundamentos desse suposto direito” 41. 40. Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impug- nado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida,sendo facultado exigir do impe- trante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. 41. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 82. Manual de Direito Tributário22| |22 Sobre a pré-existência à legislação federal de um direito constitucional da concessão de medidas judiciais que preservem direitos discutidos num processo em detrimento do tempo, já afirmou o Plenário do STF na ADC n. 4 MC42 pelo voto do Ministro Carlos Velloso: “Ensinam os processualistas que o poder geral de cautela é inerente à atividade jurisdi- cional. Esse é, na verdade, um princípio processual, princípio processual constitucional, dado que a Lei Maior confere ao Poder Judiciário o poder-dever de curar qualquer lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV)”. Na mesma assentada afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence que o: “poder cautelar é inerente à jurisdição, menos como proteção ao direito da parte do que como proteção à eficácia do processo, instrumento da função pública da jurisdição. É um poder absolutamente publicístico. É o Poder Judiciário o titular da jurisdição, como todo poder, destinada a atuar sobre a realidade, o que lhe traz, implicitamente, o poder de resguardar a eficácia futura do exercício legítimo do seu poder”. Daí se afirmar que a liminar no mandado de segurança cumpre papel princi- pal: ela legitima a medida de urgência e justifica o remédio constitucional. Note o item considerado CORRETO, em prova realizada pela FGV, para o cargo de Fiscal de Rendas/MS, em 21-05-2006: “A Empresa X pretende participar de procedimento licitatório para fornecimento de equipamentos de informática à Secretaria de Saúde do Estado. No en- tanto, está se vendo impedida de participar de tal certame por possuir obrigações tributárias vencidas junto ao Fisco Estadual, no valor de R$100.000,00 as quais considera indevidas. Não viabiliza a participação da Empresa X na referida concorrência a impetração de mandado de segurança preventivo”. No processo tributário, a liminar concedida no mandado de segurança terá o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, tendo em vista o que dispõe o inciso IV do art. 151 do CTN. Note o item considerado CORRETO, em prova realizada pela FGV, SEFIN-RO, para o cargo de Auditor Fiscal de Tributos Estaduais, em 2018: “ Impedir o lançamento do crédito não é efeito da concessão de liminar em mandado de segurança com a finalidade de suspender a exigibilidade do crédito tributário”. d) As partes no mandado de segurança: nesta ação, o demandante, comu- mente chamado de “impetrante”, é sempre pessoa física ou jurídica, pública ou pri- vada, possuidora do direito líquido e certo, por outras palavras, o detentor do direi- to que se reputa lesionado ou sob ameaça de lesão. Por sua vez, o demandado, conhecido como “impetrado” ou “autoridade coatora” deverá ser aquela que “prati- 42. Relator: Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 11-2-1998, DJ 21-5-1999, p. 00002, ement.vol. 01951- 01, p. 00001. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |23 ca o ato concreto, individualizando as ordens emanadas do arcabouço normativo ou de superior hierárquico, e que tem poder de neutralizar o ato praticado”43. A respeito do conceito de autoridade coatora, já afirmou o STJ no RMS 4.697/DF: PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. 1. LEI EM TESE. O MANDADO DE SE- GURANÇA NÃO PODE ATACAR A LEI EM TESE. 2. AUTORIDADE COATORA. A AUTO- RIDADE COATORA, PARA OS EFEITOS DO MANDADO DE SEGURANÇA, NÃO E AQUE- LA QUE EDITA NORMAS GENÉRICAS, MAS A QUE FAZ POR APLICÁ-LAS EM CONCRETO. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO (Rel. Ministro Ari Pargendler, Segun- da Turma, julgado em 18-9-1995, DJ 23-10-1995, p. 35645). A propósito, a escolha da autoridade coatora é um dos detalhes mais impor- tantes na impetração do Mandado de Segurança. A indicação incorreta da autorida- de coatora, por evidenciar uma postulação contra pessoa que não é parte legítima, pode provocar a carência da ação, extinguindo-se o feito sem julgamento de mérito com fundamento no inciso VI do art. 485 do Código de Processo Civil de 2015, em face da ilegitimidade passiva ad causam. O que não impede a repropositura da de- manda posteriormente, desde que seja indicada corretamente a autoridade coatora, consoante o art. 486, § 1º do código processual. Frise-se, a propósito, que a autoridade coatora não é o elaborador da lei, inte- grante do Poder Legislativo, nem o Ministro ou Secretário de Fazenda, nem mesmo a autoridade lançadora do tributo, que lavra o auto de infração, cientificando o con- tribuinte da exigência fiscal. Segundo Hely Lopes Meirelles44, “o coator é o chefe do serviço que arrecada o tributo e impõe as sanções fiscais respectivas, usando do seu poder de decisão”. Note um quadro mnemônico das principais autoridades coatoras na seara tributária: Autoridades Coatoras Tributo Municipal Tributo Estadual Tributo Federal ISS: Diretor do Departamento de Rendas Mobiliárias Delegado Regional Tributário Não Aduaneiro: Delegado da Receita Federal do Brasil ITBI / IPTU: Diretor do Departamento de Rendas Imobiliárias Aduaneiro (portos e aeroportos): Inspetor da Receita Federal do Brasil e) O prazo decadencial: o direito de impetrar mandado de segurança em caráter repressivo, portanto, contra ato de autoridade já praticado (lançamento ou 43. CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Mandado de segurança, 2. ed., São Paulo: Dialética, 2010, p. 70. 44. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular, 10. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 29-30. Manual de Direito Tributário24| |24 ato de inscrição em dívida ativa) extinguir-se-á decorridos 120 dias contados da ciência oficial pelo interessado do ato a ser impugnado (art. 23 da Lei n. 12.016/2009). Vale salientar que o prazo é decadencial, de maneira que uma vez iniciado, f lui continuamente porque não se suspende e nem se interrompe, à luz do art. 207 do Código Civil. É evidente que, não se preenchendo os requisitos mínimos para a impetração do mandado de segurança, deverá o interessado arguir o direito por meio das ações ordinárias respectivas. Note o item considerado INCORRETO, em prova realizada pelo CESPE, para o cargo de Auditor do Tribunal de Contas da União, em 03-03-2007: “O contribuinte que, notificado a pagar certo tributo, entender que a cobrança é indevida, deverá, obrigatoriamente, ajuizar um mandado de segurança ao pretender a suspensão da exigibilidade do crédito tributário por decisão judicial”. Note a jurisprudência: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS – ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE NA COBRANÇA – TERMO INICIAL – LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO – DECADÊNCIA CONFIGURADA. 1. O prazo decadencial para a impetração de mandado de segurança, em que se alega a inconstitucionalidade e ilegalidade da cobrança do ICMS, tem início com a notificação do contribuinte acerca do auto de infração lavrado pelo fisco, em razão do não recolhimento do tributo. 2. A impugnação, em mandado de segurança preventivo, de ato de autoridade re- lacionado à inscrição em dívida ativa de tributo não pago deve ter por fundamento questões atinentes ao procedimento legal da inscrição, decaindo o impetrante do direito de questionar a inconstitucionalidade e ilegalidade da exação pela via man- damental, se ultrapassados cento e vinte dias da notificação para pagamento (art. 18 da Lei 1.533/51). 3. Recurso não provido (REsp 847.398/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 14-10-2008, DJe 6-11-2008). Por derradeira, frise-se que, quando o mandamus for preventivo, a ameaça ao direito líquido e certo do impetrante renovar-se-á continuamente no tempo, sendo incabível, dessarte, a aplicação do prazo de 120 dias. Note o item considerado CORRETO, em prova realizada pela FMP Concursos, PGE-AC, para o cargo de Procurador do Estado,em 2017: “Sobre eventual mandado de segurança em matéria tributária, caso o pedido seja de compensação com pagamento indevido usualmente inadmitido pelo Fisco, o mandamus é preventivo porque o ato coator, a negativa, ainda está por ocorrer, não se computando o prazo decadencial de 120 dias”. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |25 f) o pedido de compensação: “Com base na jurisprudência sumulada pelo STF e pelo STJ, o mandado de segurança constitui ação adequada para declaração do direito à compensação tributária”. Note o item considerado CORRETO, em prova realizada pelo CESPE, DPU, para o cargo de Defensor Público Substituto, em 2017: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária, porém, a compensação não poderá ser deferida liminarmente pelo juiz”. A assertiva foi considerada CORRETA, em prova realizada pela FGV, para o cargo de Juiz de Direito Substituo de Carreira/MS, em 04-05-2008. Deveras, tão consolidada era a orientação firmada nos Tribunais de cúpula, que o STJ editou a Súmula 213 dispondo: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.” Importante destacar a respeito os apontamentos feitos por Camila Campos Vergueiro45: “a Súmula no 213 do STJ reconheceu que a via do mandado de segurança era útil e necessária para declarar que o crédito era compensável e não para assegurar a com- pensação em si, direito este já garantido por lei. Os casos analisados nos precedentes que culminaram na edição da referida Súmula não discutiam o crédito (indébito tri- butário) do contribuinte, pois este já havia sido reconhecido judicial ou administrati- vamente (já era líquido e certo nos moldes do que exige o artigo 170 do CTN), a questão envolvia tão somente o óbice criado pelo Fisco à utilização desse crédito para compensar com outros tributos da mesma espécie, porque, como mencionado, as autoridades fiscais somente admitiam como da mesma espécie os tributos que tinham o mesmo código de receita46. Vale a transcrição de voto da Ministra Eliana Calmon que, apesar de bem posterior à edição da Súmula no 213 do STJ, identifica bem os limites do mandado de segurança que pretenda declarar que o crédito é compensável: ‘(…) De fato, o mandado de segurança impetrado pela contribuinte objetiva a apuração dos créditos a serem compensados, bem como a determinação judicial dos critérios a 45. VERGUEIRO, Camila Campos. Concessão de liminares em mandado de segurança: vedações jurisprudenciais e legais. In: Sistema Tributário Nacional e Estabilidade da Federação Brasileira IX Congresso Nacional de Estu- dos Tributários, São Paulo: Noeses. 46. Aqui vale lembrar o que afirmou o Ministro Antonio de Pádua Ribeiro no julgamento do EREsp 78.301/BA: “(...) Então, se o tributo é da mesma espécie e o Fisco atribuiu a ele um código diferente, deixará de ser da mesma espécie? Evidentemente que não. (...)” (EREsp 78301/BA, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em 11-12-1996, DJ 28-4-1997, p. 15803). Manual de Direito Tributário26| |26 serem utilizados no procedimento compensatório, tais como correção monetária, afas- tamento das limitações impostas pelas Leis ns. 9.032/95 e 9.129/95, dentre outros. Com efeito, dessume-se da leitura da inicial do mandado de segurança que pretende a recorrente apurar os valores a serem compensados. (…) Ora, a questão não é apenas de direito, pois discute a homologação dos cálculos apre- sentados pela impetrante, o que afasta o requisito do direito líquido e certo amparável por mandado de segurança, previsto no art. 1º da Lei 1.533/51. Assim sendo, entendo correto o encaminhamento dado pelo Tribunal no sentido de considerar indispensável a dilação probatória e, consequentemente, inadequada a via mandamental. Ademais, o que se infere da narrativa expendida na inicial é que a pretensão da impetrante é de cunho claramente condenatório, uma vez que pretende a apuração do quantum, como se objetivasse garantir a própria compensação na via estreita do mandamus, o qual não se confunde com ação de cobrança. Diante desse contexto, aplicável a Súmula 269 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe: ‘O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança’. (…)’ 47” Cumpre destacar sobre a medida liminar em mandado de segurança que o § 2º do mencionado art. 7º da Lei n. 12.016/2009 expressamente veda o seu deferi- mento para autorizar a compensação de tributos: Art. 7º (...) § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. Vedação essa “estendida” às tutelas provisórias do Código de Processo Civil de 2015, tendo em vista a redação do seu art. 1.059: Art. 1.059. À tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o dis- posto nos arts. 1º a 4º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992, e no art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. g) o mandado de segurança e os honorários advocatícios: uma das vantagens do remédio constitucional, além de sua celeridade (lembre-se de que o seu procedi- mento é o sumário), é a ausência de condenação em honorários da parte vencida, o que significa que se o contribuinte perder o mandado de segurança não terá que pagar honorários ao Fisco. É o que prevê o art. 25 da Lei n. 12.016/2009. Trata-se de uma verdadeira vantagem do mandado de segurança em relação às ações de rito ordinário (declaratória e anulatória), pois nessas o vencido deve 47. AgRg no REsp 660803/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/09/2005, DJ 20/02/2006, p. 288. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |27 necessariamente pagar honorários ao vencedor, tal como dispõe o art. 85, § 3º48 do Código de Processo Civil de 2015. 3.4 O mandado de segurança com pedido de liminar: uma apresentação simplificada da petição inicial. Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da ... Vara da Subseção Judiciária de Santos, Nome da empresa..., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas sob o n. ..., inscrição estadual n. ..., sediada no endereço..., endereço eletrônico..., por intermédio de seu advogado (mandato incluso) ao final assinado, com escritório para receber intimação no endereço..., vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no inciso LXIX do art. 5º da CF/88, no art. 319 do Código de Processo Civil e em conformidade com o art. 1º e seguintes da Lei n. 12.016/2009, impetrar MANDADO DE SEGURANÇA com pedido de LIMINAR em face do ato do Ilustríssimo Senhor Inspetor da Receita Federal em Santos, nacionalidade..., estado civil..., inscrito no Registro Geral n. .... e no Cadastro de Pessoas Físicas sob o n. ..., com domicílio no endereço...., representante da União, pessoa jurídica de direito público interno, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas sob o n. ..., com sede no endereço, de acordo com as razões de fato e de Direito a seguir expostas: DOS FATOS (...) DO DIREITO DO PEDIDO DE LIMINAR (...) DO PEDIDO Em face do exposto, a Impetrante requer a Vossa Excelência: 48. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabele- cidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais: I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obti- do até 200 (duzentos) salários-mínimos; II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obti- do acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos; III – mínimode cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos; IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos; V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obti- do acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos. Manual de Direito Tributário28| |28 a) a concessão da liminar, ordenando à autoridade coatora a liberação imediata da mercadoria importada, sem a exigência do recolhimento do Imposto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): b) seja julgado procedente o pedido, confirmando-se a liminar anteriormente concedida e concedendo-se a segurança em definitivo; c) a notificação da autoridade coatora para prestar informações no prazo legal de dez (10) dias, como de direito, bem como a oitiva do Ministério Público; d) a intimação da União, pessoa jurídica de direito público que esta integra, com fundamento no art. 6º da Lei n. 12.016/2009; e) a condenação ao pagamento das custas judiciais. Dá-se à causa o valor de R$.... Nesses termos, pede deferimento. Local... e data.... Advogado... OAB n. ... 4. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO 4.1 Embasamento e Finalidade O CTN, além dos prazos tradicionalmente oponíveis à Fazenda (decadência e prescrição, nos arts. 173 e 174), cuida de lapsos temporais voltados para o contribuin- te, que deseja pleitear a restituição de quantias pagas indevidamente. Se for pago o tributo a maior, aquele que o fez terá direito à restituição sem qualquer empecilho a ser atribuído pelo Fisco (art. 165, caput, CTN). Vê-se, portan- to, que é dispensável a prova do erro, bastando ao sujeito passivo que prove que pagou sem causa jurídica, uma vez que o ônus da prova recai sobre quem alega ter indevi- damente pago o gravame. Preleciona Paulo Cesar Conrado que “o que definirá uma ação como de repeti- ção de indébito não será propriamente sua causa de pedir (na medida em que é possível replicar, em repetição causas de pedir tipicamente declaratórias ou anulatórias, mas sim o respectivo pedido (objeto): constituir o fato do pagamento indevido e a consequente relação jurídica de débito do Fisco”49. 49. CONRADO, Paulo Cesar. Processo judicial tributário, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2014, p. 70. CAPÍTULO EXTRA Processo tributário | |29 Nesse passo, o pagamento indevido ou a maior será restituído (administrativa ou judicialmente), independentemente de provas sobejas, ou seja, será suficiente a apresentação da guia de recolhimento (autenticada, conforme o entendimento do STJ, no REsp 267.007/SP, 1ª T., rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 27-09-2005) para que se formalize o pedido do valor. Na órbita judicial – de interesse desta obra –, destaca-se a ação de restituição de indébito tributário ou ação de repetição de indébito, ou seja, mecanismo processual cabível quando o contribuinte paga indevidamente qualquer tributo, ou o faz a maior, pretendendo judicialmente reavê-lo. Fundamenta-se na ideia de que é defeso o enriquecimento sem causa. Ademais, não é despiciendo relembrar que o tributo decorre da lei, e não da vontade do con- tribuinte, havendo total irrelevância do fato de ter havido pagamento voluntário, sem que houvesse necessidade de sua ocorrência. Frise-se, ainda, que o particular não está obrigado a primeiramente postular na órbita administrativa, para, após, recorrer à via judicial. Aliás, para o STJ, o prazo para a repetição de indébito não se interrompe e/ou suspende, em face de pedido formulado na esfera administrativa, como demonstra a ementa do julgado abaixo transcrita: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. OFENSA AOS ARTS. 202 DO CC; 219 DO CPC; E 150, §4º E 168, I, DO CTN. INOCORRÊNCIA. PROVIMENTO MANDAMENTAL TRANSITADO EM JULGADO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PEDIDOS ADMINISTRATIVOS E TENTATIVAS JU- DICIAIS MAL SUCEDIDAS. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Constatado que a Corte a quo empregou fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, é de se afastar a alegada violação do art. 535 do CPC. 2. O pedido administrativo de compensação não tem o condão de interromper o prazo prescricional para ajuizamento da respectiva ação de execução. Prece- dentes: REsp 805.406/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, DJe 30/03/2009 EREsp 669.139/SE, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 04/06/2007; REsp 815.738/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10/04/2006; AgRg no AgRg no REsp 1.217.558/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 19/04/2013. Quiçá do prazo prescricional para ajuizamento de ação de repetição de in- débito. 3. O manejo de mandado de segurança é capaz de interromper o prazo prescricio- nal em relação à ação de repetição de indébito tributário (Precedentes: REsp 1.181.834/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 20/9/2010, AgRg no REsp 1.181.970/SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 27/4/2010, AgRg no REsp 1.210.652/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 4/2/2011). Isso, nos termos do previsto no art. 202 do Código Civil, somente pode ocorrer uma vez. 4. No caso, com a impetração do mandado de segurança em 10/12/1998, o prazo prescricional para a repetição do indébito foi interrompido e recomeçou a ser con- tado a partir do trânsito em julgado do provimento jurisdicional, perpetrado em Manual de Direito Tributário30| |30 14/08/2002. Entretanto, tal ação somente foi ajuizada em 27/06/2008. Logo, a pretensão está fulminada pela prescrição. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1248618/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18-12-2014, DJe 13-2-2015). Ressalte-se que, em 12 de dezembro de 2018, a Primeira Seção do STJ aprovou a Súmula n. 625, com o seguinte enunciado: “O pedido administrativo de compensa- ção ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o artigo 168 do CTN nem o da execução de título judi- cial contra a Fazenda Pública”. A previsão básica da Ação de Repetição de Indébito ou Ação Repetitória, como comumente é chamada, encontra-se no art. 165 e incisos, do CTN: Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamen- to, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer do- cumento relativo ao pagamento; III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. Como se notou, as hipóteses que dão guarida à ação de repetição de indébito estão catalogadas no artigo 165 do CTN. Reveja-as: a) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido, em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorridas; b) erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; c) reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. O CTN, ao mencionar “sujeito passivo”, como titular do direito, abrange as figuras do contribuinte e do responsável (art. 121, parágrafo único, I e II, CTN). Quanto ao rito, insta mencionar que a ação de repetição de indébito desenro- la-se no rito ordinário. É classificada
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