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Livro - Teorias da Historia

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TEORIAS DA HISTÓRIA
Antonio Fontoura
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Curitiba
2016
Teorias da 
Historia
Antonio Fontoura
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Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501
F684t Fontoura, Antonio
Teorias da história / Antonio Fontoura. – Curitiba: Fael, 2016.
312 p.: il.
ISBN 978-85-60531-63-9
1. História I. Título
CDD 901
Direitos desta edição reservados à Fael.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.
FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão Editora Coletânea
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Vitor Bernardo Backes Lopes
Imagem da Capa Shutterstock.com/arosoft
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário
 Carta ao Aluno | 5
1. O surgimento da história | 7
2. Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico | 33
3. Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade | 61
4. A busca por uma ciência histórica no século XIX | 91
5. O início de uma historiagrafia brasileira | 119
6. As inovações teóricas da escola dos Annales | 149
7. Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil | 179
8. O pensamento marxista e a importância dos conceitos | 207
9. História cultural e a micro-história | 237
10.Os limites da linguagem e a objetividade histórica | 265
 Conclusão | 293
 Gabarito | 295
 Referências | 299
Carta ao aluno
Prezado(a) aluno(a),
Esse livro procurará demonstrar que a disciplina de histó-
ria, nos dias de hoje, está em constante mutação, produzindo uma 
forma de conhecimento sobre a realidade presente e passada que, 
nos últimos anos, vem se redescobrindo, adaptando, evoluindo. Se, 
de alguma forma, o grego Heródoto reaparecesse nos dias de hoje, 
poderia até compreender que a forma pela qual ele produziu sua obra 
Histórias possui algum parentesco com os métodos e teorias históricos 
atuais: mas seria obrigado a concluir que muita coisa se modificou.
– 6 –
Teorias da História
O primeiro objetivo desse livro é tratar desse processo de mudança: par-
tindo das origens gregas até os debates atuais, discutiremos as várias formas 
de pensar os objetivos e os métodos da história, construídas por historiadores 
e escolas de pensamento ao longo dos últimos séculos. Com isso, pretende-se 
demonstrar que a disciplina histórica que conhecemos hoje é resultado de 
uma construção, de um fazer-se, de uma historicidade. Essa é a parte do livro 
que trata das escolas históricas, organizadas em uma análise cronológica.
O segundo objetivo dessa obra – não menos importante que o primeiro 
– é o de discutir e buscar um aprofundamento em temas que são especifica-
mente teóricos no pensar e refletir sobre o conhecimento histórico. A obje-
tividade histórica e sua concepção de verdade, a relação entre a realidade do 
passado e as fontes primárias, a função dos conceitos e dos referenciais teóri-
cos, serão discutidos de uma maneira mais aprofundada, mais abrangente e, 
fazendo jus ao título do livro, mais teórica.
Porém, não pense em teoria como oposta à prática (como quando se 
diz que alguém apenas matuta, e pouco realiza). Teoria, aqui, é sinônimo de 
ferramenta: como bons historiadores, nossos instrumentos são intelectuais, e 
o propósito essencial desse livro, e que une os dois objetivos acima, é possibi-
litar que você se instrumentalize, de modo a pensar a sua própria realidade de 
uma maneira histórica. História não é aquilo que aconteceu: é o processo de 
refletir sobre aquilo que aconteceu. Mas, para isso, precisamos de bases, que 
no caso dos estudos históricos, são teóricas.
Em cada um dos capítulos você estudará tanto as escolas históricas, 
quanto refletirá sobre os fundamentos teóricos da história. E isso não é pouco: 
na verdade, é apenas o começo de um aprendizado que se estenderá por toda 
sua vida enquanto historiadora ou historiador. Meu único desejo, enquanto 
autor, é que você aprecie esse primeiro passo.
Abraços,
Antonio.
1
O surgimento 
da história
Buscando construir algumas definições preliminares e 
analisando as raízes gregas e o desenvolvimento romano, este capí-
tulo procura analisar o surgimento, bem como as especificidades 
da disciplina histórica e das características do conhecimento que 
produz. Iniciaremos discutindo alguns dos principais historiadores 
da Antiguidade dita “clássica”, para que possamos identificar o que é 
a “história”, como pode ser definida e quais são suas formas particu-
lares de estudar e compreender a realidade. Ao mesmo tempo, serão 
analisadas as peculiaridades do trabalho histórico atual, procurando 
estabelecer uma definição acadêmica para o conceito de “história”, 
que será utilizado em todo o livro. 
Teorias da História
– 8 –
1.1 Heródoto e as características 
do conhecimento histórico
Ainda nos dias de hoje, Heródoto, grego do século V a.C., nascido na 
cidade de Halicarnasso (localizada onde é atualmente o litoral oeste da Tur-
quia), é conhecido como o “Pai da história”. Esse título foi originalmente 
criado ainda na Antiguidade pelo filósofo e político romano Cícero (106 a.C. 
- 46 a.C.) e foram poucos aqueles que, ao longo do tempo, questionaram a 
validade dessa paternidade. 
Heródoto é o autor de “Histórias”, um extenso relato em que buscou 
identificar e analisar as origens dos conflitos entre os Persas e os Gregos. O 
enredo de seu texto é relativamente simples: seguindo, fundamentalmente, 
uma orientação cronológica dos reis persas, Heródoto narra as mudanças do 
Império Persa desde suas origens até, finalmente, a derrota diante dos Gre-
gos, já no século V a.C. Originalmente criada como um texto único, a obra 
foi posteriormente dividida em nove livros, tendo cada um recebido como 
subtítulo, já na Renascença, o nome de uma das musas da mitologia grega (o 
primeiro livro é dedicado a Clio, o segundo a Euterpe, o terceiro a Tália, e 
assim sucessivamente). É dessa forma que a obra é conhecida na atualidade. 
Membro da elite grega, Heródoto buscou compor o texto de sua obra 
buscando atingir um alto valor literário, de modo que satisfizesse o gosto de 
seus contemporâneos: leitores que, também membros da elite grega, podem 
ser calculados, no total, em torno de algumas centenas. A influência e pere-
nidade de “Histórias”, porém, não são dadas pelo inegável valor estético de 
sua criação. Tampouco é por causa disso que é conferida a seu autor, tradicio-
nalmente, a paternidade de uma disciplina tão tradicional e influente como a 
história. Onde estariam, efetivamente, a qualidade e a originalidade da obra 
de Heródoto?
No século V a.C., a palavra “história”, ἱστορία, significava, para os gre-
gos, uma pesquisa, ou uma investigação racional. O que Heródoto estava 
buscando fazer, pela primeira vez, era uma análise dos eventos do passado, 
buscando separá-los de interpretações e narrativas míticas. Em síntese, cons-
truía uma nova ideia de que a realidade do presente seria resultado de ações 
humanas no passado; que essas ações poderiam ser recuperadas a partir de 
vestígios; e que esses poderiam ser analisados a partir do uso da racionalidade. 
– 9 –
O surgimento da história
Isso pode, a princípio, não parecer muito, mas é um rompimento no modelo 
de conhecimento que existia na Grécia à época, quando lendas e fatos reais 
entrelaçavam-se de maneira indissociável e construíam interpretações que as 
pessoas do período acreditavam serem as “verdades” do próprio passado. 
Vamos analisar mais detidamente a originalidade do pensamento de 
Heródoto a partir das primeiras linhas de sua “Histórias”.
Ao escrever a sua História, Heródoto de Halicarnasso teve em mira 
evitar que os vestígios das ações praticadas pelos homensse apagassem 
com o tempo e que as grandes e maravilhosas explorações dos Gre-
gos, assim como as dos bárbaros, permanecessem ignoradas; desejava 
ainda, sobretudo, expor os motivos que os levaram a fazer guerra uns 
aos outros (HERÓDOTO, 1964, s/p).
Ainda que esteja em terceira pessoa, é o próprio Heródoto quem escreve 
que sua primeira motivação foi evitar que as ações praticadas pelos homens 
se apagassem pelo tempo. Note, aqui, duas características: em primeiro lugar, 
a importância da escrita histórica enquanto forma de evitar o esquecimento 
de determinadas pessoas e suas ações. Durante séculos, esse será um dos argu-
mentos recorrentes que justificarão a produção de textos históricos. Segundo 
ponto: trata-se de ação dos homens. Heródoto vai, inclusive, criticar Homero 
(poeta grego, talvez de origem lendária, a quem tradicionalmente se identifica 
como autor da Ilíada e da Odisseia), por sua inexatidão e por se fundamentar 
em lendas, além de difundi-las. 
É objetivo de Heródoto, ainda, apresentar detalhes, tanto da vida dos 
gregos, quanto daqueles que denomina “bárbaros”. De fato, sabe-se que Heró-
doto foi um grande viajante, e muito de sua obra “Histórias” possui informa-
ções que hoje poderíamos denominar de etnográficas: ou seja, a descrição de 
formas de vida e crenças de povos diferentes. Alguns dos mais importantes 
detalhes sobre a vida no Egito do período, por exemplo, devemos a Heró-
doto. Tais descrições, porém, não servem para efetivamente aceitar a cultura 
estrangeira, mas, especialmente, para salientar a especificidade e a validade do 
modo de vida dos gregos (STADTER, 2002). 
Heródoto afirma, ainda, que é seu objetivo “expor os motivos” que leva-
ram persas e gregos à guerra. Aqui há outra inovação importante: as explica-
ções que procurou construir e as relações de causa e efeito foram buscadas 
usualmente em uma tentativa de compreender as motivações humanas a par-
Teorias da História
– 10 –
tir de falhas de seu caráter, como a inveja, o desejo pelo poder, a necessidade 
de expansão imperial, a vingança (esse, aliás, um tema recorrente em “His-
tórias”) (ARNOLD, 2000). Era uma maneira, portanto, de entender mais 
sobre as pessoas e as sociedades.
De toda forma, é o esforço por identificar as causas dos eventos que 
torna a busca por vestígios importante, pois estariam neles as provas de sua 
ocorrência. Se foram ações humanas as responsáveis por eventos do passado, 
é necessário identificá-las. Comparando-se, porém, com a situação atual do 
conhecimento histórico, sua visão do que seriam vestígios (hoje diríamos 
“fontes” ou “documentos”) é restrita: resumem-se àquilo que ou observou 
por conta própria, ou recolheu a partir de depoimentos. 
Em vários momentos de sua narrativa, Heródoto quer passar a impres-
são de que era uma pessoa crítica. É por isso que ele coloca sob constante aná-
lise as informações que recebe: compara relatos, julga a possibilidade de certos 
eventos terem ocorrido e, por não raras vezes, exime-se de emitir alguma 
opinião caso perceba que não possui informações suficientes para realizar um 
julgamento adequado. 
Historiografia e Teoria: Em busca de 
uma definição de história
Busca por vestígios, análise das informações, preocupação com a vera-
cidade dos relatos: certamente a obra de Heródoto é um marco, na filosofia 
ocidental, de uma nova forma de compreender o passado. Não é sem razões, 
portanto, que ele é conhecido como o “pai da história”. Não se pode, porém, 
exagerar em sua modernidade (ARNOLD, 2000). Heródoto não é apenas tri-
butário de modelos mais antigos de exposição do conhecimento (remontando, 
inclusive, a Homero), mas também, pelos padrões atuais, poderíamos consi-
derá-lo por demais crédulo. Afinal, eventos claramente fictícios – como a via-
gem de um tocador de cítara de nome Arião de Metimna até Tenara, nas costas 
de um golfinho (HERÓDOTO, 1964, p. 44) – são tratados como verdadeiros.
 Sabe-se que Heródoto, em determinados momentos, simplesmente 
mentiu. Sua constrangedora descrição de um hipopótamo revela que ele 
nunca viu pessoalmente esse animal em toda sua vida (até porque, na época 
– 11 –
O surgimento da história
em que escrevera sua obra, os hipopótamos não mais existiam no Egito, onde 
ele afirmou tê-los encontrado):
Os hipopótamos, que ali encontramos com o nome de Papremito, 
são sagrados, não o sendo, contudo, no resto do Egito. É um possante 
animal de pés e focinho achatados, dentes salientes e possuindo crina 
e cauda semelhantes às do cavalo, rinchando como este (HERÓ-
DOTO, 1964, s/p). 
Escreve isso, a despeito de afirmar de forma recorrente que sempre bus-
cava a verdade. Sabe-se hoje que a descrição que fornece foi extraída da obra 
de outro grego, Hecateu de Mileto – que, a propósito, também jamais vira 
um hipopótamo.
Heródoto certamente funda uma determinada forma específica de cons-
truir conhecimento. Porém, a disciplina de história, na atualidade, não é a 
mesma que aquela produzida no século V. a.C.
“História” é uma palavra com cerca de 2 milênios e meio de idade, sur-
gida entre os gregos para caracterizar uma específica atividade intelectual da 
qual somos, indubitavelmente, herdeiros. Entretanto, de toda forma, como 
afirmou o historiador francês Marc Bloch (1886-1944), para o “grande deses-
pero” dos historiadores, “os homens não costumam mudar de vocabulário a 
cada vez que mudam de hábitos” (BLOCH, 2001, p. 24). E os “hábitos” do 
fazer história mudaram muito desde seu surgimento com Heródoto. Certa-
mente o que ele, ou seu contemporâneo Tucídides, chamavam de “história”, 
não possuía o mesmo significado – não partia dos mesmos princípios, não 
seguia os mesmos métodos, não desempenhava a mesma função social, tam-
pouco visava os mesmos objetivos – para o medieval Bede, o moderno Gib-
bon, ou o contemporâneo Bloch. 
O que permaneceu e o que se modificou da concepção que Heródoto 
criou para a “história”, até nossos dias? Em certo sentido, esse livro, como um 
todo, procurará apresentar a resposta: afinal, trata-se de um percurso mile-
nar, de ideias diferentes, que produziram o que hoje, no mundo acadêmico1, 
denomina-se de “história”. Permanecem, porém, alguns elementos importan-
tes: a busca por explicações a partir de vestígios; de entender o passado como 
responsável pela construção do presente; de repelir narrativas fabulosas, ou 
1 A palavra “academia” é utilizada, aqui, como sinônimo de “ensino superior”.
Teorias da História
– 12 –
ficcionais; de organizar o raciocínio cronologicamente – ou seja, dentro de 
períodos, épocas, reinados, anos.
Há, porém, um sem-número de diferenças. Atualmente, a história é uma 
disciplina institucionalizada, ou seja, participa de instituições, tais como uni-
versidades; está submetida a determinada exigências de rigor, a partir de prin-
cípios metodológicos; possui uma determinada tradição a que se deve respeitar, 
pois qualquer novo texto histórico é sempre escrito em diálogo com o que já 
foi produzido; possui funções sociais ligadas à construção e democratização do 
conhecimento; desenvolveu uma concepção mais profunda de verdade, objeti-
vidade, temporalidade e fontes. E isso tudo, obviamente, não surgiu do nada, 
mas é o próprio resultado de seus mais de dois mil anos de passado.
O parágrafo acima, aliás, nomeia alguns dos vários e importantes con-
ceitos que caracterizam o estudo histórico. Compreender as formas como 
foram entendidos em épocas distintas, dentro do que definimos serem dife-
rentes “escolas históricas” – ou seja, maneiras específicas de se pensar objeti-
vos, métodos e funções da história –, é uma das finalidades deste livro. 
Mas, enfim, o que é a disciplina de “história” para os dias de hoje?
 Definindo conceitos: HISTÓRIA
Estudo acadêmico e sistemático de grupos humanos, indivíduos e 
instituições ao longo do tempo, a partir de fontes históricas,dentro 
de uma determinada tradição de conhecimento.
Essa definição evidencia algumas semelhanças e diferenças em relação 
àquele conhecimento construído por Heródoto. O estudo de história, hoje 
(e, para o presente livro) é fundamentalmente acadêmico, ou seja, produ-
zido em instituições de ensino superior, que se responsabilizam pela guarda e 
manutenção de métodos e técnicas que são próprias à história. É, além disso, 
um estudo sistemático, ou seja, possui um modelo próprio para avaliação do 
rigor e produção de conhecimento, dentro de métodos que lhes são próprios. 
Seu objeto preferencial são as ações humanas, sejam elas individuais 
(uma biografia, por exemplo, é trabalho histórico) ou em grupos (podem 
ser sociedades inteiras, times de futebol, sindicatos, organizações de classe, 
– 13 –
O surgimento da história
turma de alunos). Nas palavras de Marc Bloch, “o bom historiador se parece 
com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça” 
(BLOCH, 2001, p. 54). 
Esse estudo envolve também uma análise dos objetos ao longo do tempo. 
Essa é, aliás, uma das características que mais são próprias do pensamento 
histórico. O intuito da disciplina não é descrever o que ficou para trás – o 
“passado”, esse termo amplo e complexo, cuja multiplicidade de significados 
teremos ainda oportunidade de discutir nessa obra. Mas sim de, analisando 
um mesmo objeto de estudo em dois momentos diferentes, perceber e iden-
tificar as razões de suas mudanças e permanências. O que nele mudou ou 
permaneceu, as razões das modificações e como se relacionam com o todo 
das sociedades. 
Trata-se de um conhecimento, por fim, construído dentro de uma deter-
minada tradição. Novos historiadores não começam do zero a cada geração. 
Toda nova pesquisa, aula, livro, resumo, fonte, resenha – enfim, todo novo 
trabalho de cada nova historiadora ou historiador – inicia-se a partir do diá-
logo com o conhecimento já acumulado. Pode-se questionar ou confirmar 
os textos já existentes; podem ser construídas hipóteses revolucionárias ou 
importantes estudos de confirmação ao que já se sabe. Não importa: sempre 
será a partir dos autores, obras, conceitos, temas consagrados, estabelecidos 
academicamente, que se constrói o conhecimento histórico.
Acompanhar cronologicamente a construção desse modo de pensar é 
uma das formas de entender as complexidades próprias dos estudos históricos 
nos dias de hoje. 
1.2 História, verdade e objetividade: Tucídides
Não é possível falar de uma “escola histórica grega” como se fosse uma 
forma específica de pensamento a respeito da história. Pode-se, certamente, 
identificar suas origens com o pensamento de Heródoto e Tucídides, mas, 
entre esses e outros historiadores gregos importantes – como Xenofonte, Polí-
bio e Plutarco – não há uma relação de continuidade. Mais correto é afirmar 
que se tratavam de indivíduos que pensavam a história a partir das próprias 
condições culturais e viam no ato de escrever sobre o passado uma forma de 
Teorias da História
– 14 –
atuar nas próprias sociedades. É por isso que discutir Tucídides lança luzes 
não apenas sobre as maneiras de pensar de Heródoto, mas, também, sobre a 
própria situação atual do conhecimento histórico.
Figura 1 - Período de vida de alguns historiadores gregos. Os pontos de 
interrogação indicam quando não há certeza em relação às datas.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Mais novo que Heródoto, Tucídides era seu contemporâneo e, certa-
mente, conhecia a sua obra, embora jamais a cite diretamente. É interessante, 
ainda, como construiu um modelo de escrita de história específico, com 
características diferentes das do “pai da história”: enquanto Heródoto bus-
cava uma abordagem ampla da análise histórica (tomando abordagens geo-
gráficas e etnográficas), Tucídides voltou-se exclusivamente para os eventos 
políticos e militares. Outro contraste foi sua visão mais rigorosa e objetiva de 
fontes históricas de onde buscou – ao contrário de Heródoto – extrair conclu-
sões abrangentes e generalizantes dos eventos que analisava. Para Tucídides, 
compreender historicamente determinado evento era uma das maneiras pelas 
quais se poderia compreender os seres humanos como um todo. É por essa 
razão, aliás, que sua atenção se centra na guerra: é diante do que ele denomina 
de maior kinêsis – distúrbio ou convulsão – da história grega, que seria possí-
vel identificar os danos causados à vida civilizada, e como os conflitos mudam 
as pessoas (LUCE, 1997, p. 50).
Em “História da Guerra do Peloponeso”, Tucídides buscou analisar as 
causas, bem como o desenvolvimento do conflito envolvendo as cidades de 
Atenas e Esparta, ocorrido entre os anos 431 a 404 a.C. A princípio, Tucí-
dides não pode ser considerado um observador imparcial: era ateniense de 
uma família aristocrática e, já durante a guerra, alcançou o posto de general. 
Porém, por não ter conseguido defender a cidade de Anfípolis, acabou exi-
lado, retornando a Atenas apenas após o final da guerra. 
– 15 –
O surgimento da história
Ainda assim, uma das características mais marcantes de seu trabalho é a 
busca pela objetividade. Ele afirma em determinado momento:
Quanto aos fatos da guerra, considerei meu dever relatá-los, não 
como apurados através de algum informante casual nem como me 
parecia provável, mas somente após investigar cada detalhe com o 
maior rigor possível, seja no caso de eventos dos quais eu mesmo 
participei, seja naqueles a respeito dos quais obtive informações de 
terceiros (TUCÍDIDES, 2001, p. 14).
A concepção original do termo “história”, ou seja, a investigação racio-
nal de um tema, é reforçada e aprofundada com Tucídides. É por isso que os 
eventos da Guerra do Peloponeso são apresentados apenas após terem sido 
cuidadosamente apurados e apresentados não como se fossem uma mera ver-
são, ou opinião, mas resultados de uma análise que teria levado à verdade. Em 
uma passagem, que talvez tenha como objetivo criticar diretamente Heró-
doto, Tucídides censurava aqueles que “compuseram as suas obras mais com 
a intenção de agradar aos ouvidos do que de dizer a verdade” (TUCÍDIDES, 
2001, p. 14). 
De fato, não era raro que Heródoto apresentasse versões conflitantes e 
dissesse não poder afirmar qual seria a verdade de determinado tema. Tucí-
dides, por sua vez, utiliza-se de análises, comparações, e inclusive probabili-
dades para buscar encontrar o que para ele era o mais importante: a verdade, 
enquanto uma maneira de alcançar a universalidade do conhecimento e da 
compreensão dos homens. Segundo afirmou, 
Pode acontecer que a ausência do fabuloso em minha narrativa pareça 
menos agradável ao ouvido, mas quem quer que deseje ter uma ideia 
clara tanto dos eventos ocorridos quanto daqueles que algum dia vol-
tarão a ocorrer em circunstâncias idênticas ou semelhantes em conse-
quência de seu conteúdo humano, julgará a minha história útil e isto 
me bastará (TUCÍDIDES, 2001, p. 14). 
Em busca dessa objetividade, Tucídides apresenta algumas diferenças 
significativas em relação à obra e aos métodos de Heródoto. Uma novidade 
que seria muito copiada na historiografia ocidental foi a utilização de uma 
narrativa fundada em uma cronologia rigorosa: a “História da Guerra do 
Peloponeso” avança gradualmente ano a ano, apresentando os eventos mais 
importantes ocorridos durante o verão e as poucas ações que poderiam, even-
tualmente, se passar durante o período do inverno.
Teorias da História
– 16 –
 Um segundo ponto de contraste diz respeito à análise das cau-
sas. Enquanto Heródoto não estabelece análises causais2, que seriam mais 
ou menos significativas, para Tucídides existem as causas que seriam mais 
amplas, ou mais estruturais – ou seja, deveriam ser buscadas em um passado 
mais distante nas relações entre Atenas e Esparta –, e que não podem ser con-
fundidas com causasmais imediatas, que acabaram por dar início ao conflito. 
Dentro de sua busca pela verdade, Tucídides constrói outra diferença 
em relação a Heródoto: sua preocupação com a veracidade das fontes. Era 
comum que Heródoto entrevistasse pessoas sobre eventos que haviam ocor-
rido anos, ou mesmo séculos, antes, e as informações eram apresentadas de 
forma pouco questionadora. Tucídides, por outro lado, era ciente dos proble-
mas gerados pela memória. 
O empenho em apurar os fatos se constituiu numa tarefa laboriosa, 
pois as testemunhas oculares de vários eventos nem sempre faziam os 
mesmos relatos a respeito das mesmas coisas, mas variavam de acordo 
com suas simpatias por um lado ou pelo outro, ou de acordo com sua 
memória (TUCÍDIDES, 2001, p. 14).
Isso o obrigava a tomar, como fontes privilegiadas, as pessoas que haviam 
participado, diretamente, dos eventos; ou mesmo as próprias lembranças, 
considerando que ele havia participado ativamente dos conflitos, em deter-
minado momento. Ainda assim, essas versões seriam aprovadas ou rejeitadas 
a partir de sua análise, para descartar enganos, ou a parcialidade. 
Por fim, Tucídides se destaca também por seu desejo de compreender a 
universalidade, a partir do específico exemplo da guerra.
Dessa forma as revoluções trouxeram para as cidades numerosas e 
terríveis calamidades, como tem acontecido e continuará a aconte-
cer enquanto a natureza humana for a mesma; elas, porém, podem 
ser mais ou menos violentas e diferentes em suas manifestações, de 
acordo com as várias circunstâncias presentes em cada caso (TUCÍ-
DIDES, 2001, p. 198).
Não era intenção de Tucídides simplesmente compreender aquele con-
flito específico, mas analisar e raciocinar sobre a natureza humana como um 
todo. A Guerra do Peloponeso seria uma forma específica de manifestação 
2 Repare que a palavra “causais” se parece muito com “casuais”. A primeira refere-se a 
causas, a segunda à causalidade. É importante não confundir ambas no momento da leitura.
– 17 –
O surgimento da história
violenta dessa natureza, e sua história tinha a pretensão de lançar luzes sobre 
as razões, os desdobramentos e as mudanças que tais conflitos provocavam 
nas pessoas e nos povos.
Assim proliferaram na Hélade3 todas as formas de perversidade em 
consequência de revoluções, e a simplicidade, que é a característica 
mais condizente com uma natureza nobre, provocava sorrisos de 
escárnio e desapareceu, enquanto florescia por toda a parte a hipo-
crisia combinada com a desconfiança (TUCÍDIDES, 2001, p. 199).
Historiografia e Teoria: História
e a ideia de verdade
Se o leitor deste livro tiver a sorte de ter mais de 30 anos, poderá lembrar 
de algum antigo professor, especialmente do Ensino Fundamental (o antigo 
“primário”), que na tentativa de ensinar às crianças a especificidade da dis-
ciplina de história, apelava à distinção que essa palavra possuía em relação à 
“estória”. Tratava-se de uma adaptação nacional dos vocábulos ingleses history 
e story, uma contraposição didática útil que visava evidenciar o que seria a 
diferença fundamental entre o compromisso com a verdade da primeira e o 
apelo ao ficcional, e ao fantástico, da segunda. Desse modo, as crianças não 
se confundiriam quando lhes caíssem às mãos tanto a “História da Guerra do 
Peloponeso” quanto as “Histórias da Carochinha”. 
Quem primeiro sugeriu o uso da palavra “estória” foi o escritor, e mem-
bro da Academia Brasileira de Letras, João Ribeiro (1860-1934), em 1919, 
com a boa intenção de estabelecer um termo que caracterizasse as específicas 
narrativas folclóricas e que se pudesse diferenciar, enfim, as “estórias” da “his-
tória”. Atualmente, porém, o termo é considerado um arcaísmo, um “brasi-
lianismo” e, em resumo, não deve ser utilizado. 
De toda forma, para o senso comum, essa é ainda a principal caracte-
rística específica da disciplina de história, ou seja, a tarefa de contar “o que 
realmente aconteceu”. Esse era, aliás, o objetivo fundamental de Tucídides: 
seu esforço de compreensão e diligência em relação ao cuidado com suas 
fontes tinha como objetivo construir não uma versão dos fatos, ou uma nar-
3 Grécia.
Teorias da História
– 18 –
rativa possível do que havia acontecido. Seu objetivo era maior: ele queria 
estabelecer a verdade.
 Saiba mais
As “fontes” são os materiais a partir dos quais a história é produ-
zida. Nos dias atuais, as fontes primárias, também denominadas de 
documentos históricos, são todos e quaisquer vestígios que permitem 
reconstruir aspectos das ações humanas no passado. Trata-se de uma 
definição bastante ampla, porque serão fontes primárias, por exem-
plo: objetos da vida material, textos escritos, depoimentos orais, jar-
dins, arquitetura das casas, estrutura urbana, instrumentos profissionais 
ou de uso cotidiano, enfeites, símbolos religiosos; podem ser durá-
veis como um prédio, ou efêmeros como convites de casamento; 
públicos como editos, ou privados como diários; recentes como o 
jornal de ontem, ou antigos como as fogueiras dos primeiros huma-
nos. Tudo o que se relacionar ao humano pode, em algum momento, 
ser uma fonte primária.
Além das fontes primárias existem, também, as fontes secundárias. 
Essas são todas as obras que analisam um determinado evento. Ou 
seja, são estudos sobre um acontecimento, processo ou pessoa. 
Quando essas fontes secundárias são obras de história, podem rece-
ber o nome específico de historiografia. Existe, portanto, uma historio-
grafia da segunda guerra mundial, uma historiografia do Brasil Colônia, 
uma historiografia da história da ciência: todas fontes secundárias a 
respeito de um tema específico da história.
A disciplina de história, como conhecemos nos dias de hoje, foi institu-
cionalizada no século XIX, quando pretendeu se definir enquanto uma ciên-
cia. Naquele momento, o modelo científico por excelência era especialmente 
o da física, que os historiadores oitocentistas4 queriam replicar nos estudos 
históricos. Buscava-se atingir, especialmente, o ideal de verdade e objetividade 
que parecia possível com as leis e a matematização dos fenômenos naturais. 
4 Que diz respeito aos anos 1800, portanto, ao século XIX. Assim como “quinhentis-
tas” refere-se aos anos 1500, ou seja, o século XVI.
– 19 –
O surgimento da história
Tucídides foi a grande inspiração para esse modelo de objetividade. Na 
verdade, o principal historiador do século XIX e principal responsável pela 
profissionalização da história, Leopold von Ranke (1795-1880), recuperou 
a frase do historiador grego e acabou adotando-a como um mote para sua 
própria atividade enquanto historiador: tomou para si a tarefa de “desco-
brir o que realmente aconteceu”. Criou-se, assim, uma continuidade entre 
Tucídides e os primeiros profissionais da história: aos historiadores caberia a 
tarefa de narrar a verdade dos fatos já ocorridos, esclarecendo, com a menor 
margem possível a dúvidas, quem fez o quê, quando, e por quê. 
Ainda hoje, no senso comum, parece ser esse o principal objetivo do 
trabalho de historiadoras e historiadores. Nosso primeiro profundo contato 
com a história antes de estudá-la academicamente é, de maneira usual, usual-
mente por meio dos livros didáticos, que parecem confirmar essa impressão: 
após um costumeiro e rápido primeiro capítulo em que se discutem alguns 
aspectos teóricos e metodológicos, todas as demais unidades, de todas as 
séries, não fazem mais do que apresentar aos alunos, em forma de narrativa, o 
que já aparece como sabido e estabelecido como verdade. Parecem “contar a 
história”. Impressão, aliás, reforçada por outras mídias, como novelas, roman-
ces, livros de divulgação popular de história e, mais recentemente, jogos digi-
tais, como a série de sucesso Assassin’s Creed.
Há razões para que esse modelo de história tenha se enraizado no senso 
comum (os capítulos 4 e 5 irãodiscutir esse tema mais detidamente), mas 
há, também, para que não seja essa a característica fundamental do conheci-
mento histórico que se estuda academicamente. Com isso, se está querendo 
dizer que a história não se preocupa mais com a verdade? 
(Certa vez, ouvi uma piada que dizia que ser historiador era fácil, pois 
bastava aprender duas frases: “as coisas não são assim tão simples” e “tudo 
isso, na verdade, começou bem antes”).
As coisas não são assim tão simples: certamente os historiadores mantêm 
seu compromisso com explicações que estejam adequadas aos vestígios, mas 
não se preocupam mais em reconstituir “A” verdade. Até porque, essa verdade 
única e imutável não existe. Especialmente em história, o que se acreditava 
como sendo “a verdade do que realmente aconteceu”, modelo paradigmático 
dos historiadores do século XIX, eram as específicas e muito limitadas ações 
Teorias da História
– 20 –
de um pequeno e particular grupo de pessoas (líderes políticos, ou militares), 
em um reduzidíssimo palco específico (o político, quando relacionado à for-
mação dos estados nacionais). Essa restrita concepção dos estudos históricos 
foi substituída por uma noção muito mais ampla e dinâmica, própria da atu-
alidade, e que afirma que será a partir de questões lançadas pelo presente que 
o passado será indagado em busca de respostas. 
Dizendo-se de outra forma, a partir de questões precisas, fundadas na 
necessidade do conhecimento do presente – e só o entendimento do presente 
realmente importa à história – é que serão lançados questionamentos a docu-
mentos históricos, estabelecidos os fatos, definidas as causas e consequên-
cias, realizadas as análises teóricas e construídas explicações. O presente dirige 
nosso olhar ao passado. 
Porque – e esse é um segundo erro do senso comum em relação à dis-
ciplina de história – passado e presente não estão separados, cindidos. Não é 
pelo seu caráter interessante e curioso que se estuda a Roma dos césares (ou, 
ao menos, não exclusivamente por isso), mas porque somos o resultado do 
passado. E é a história que nos permite entender as maneiras pelas quais nós, 
e nossa realidade, fomos construídos. 
Se você retornar à definição de história apresentada algumas pági-
nas atrás, verá que ela começa com a palavra “estudo”. Isso porque, den-
tro dessa visão acadêmica na atualidade, a história não é o passado, mas o 
que se estuda de um determinado passado. Na linguagem cotidiana, não há 
qualquer problema em usar “passado” e “história” como sinônimos (o que, 
aliás, acontece frequentemente), mas dentro da disciplina histórica cada um 
dos termos remete a um conceito e realidade bem específicos. Passado é tudo 
o que já aconteceu – e entenda esse “tudo” no sentido mais amplo possível. 
Não apenas o que aconteceu com reis e rainhas, mas o que aconteceu com 
cada pessoa, em cada lugar, em cada momento. O que acontecia, por exem-
plo, com o lavrador de cana português Manoel Rodrigues Penteado, quando 
morava na cidade Paranaguá (Paraná), em 8 de abril de 1716, às 8h da manhã, 
às 8h02, e a cada instante a partir disso. 
História, por sua vez, é o estudo desse passado. Da infinidade de coisas 
que já ocorreram, recorta-se um determinado tempo e local, que serão anali-
sados a partir dos métodos históricos, na busca por resolver questões que são, 
elas mesmas, históricas. 
– 21 –
O surgimento da história
Mas tudo isso, a bem da verdade, começou muito antes, pois não apenas 
a atividade de história tem também seu próprio passado – e uma história, por 
assim dizer, da história –, mas inclusive, uma forma específica de se pensar 
sobre ela, a sua “teoria”, que é também construída historicamente. Ou “teo-
rias”, porque não é apenas uma, mas várias, algumas delas até mesmo conflitu-
osas entre si. É por isso que esse livro utiliza uma abordagem cronológica, pois 
procurará definir gradualmente as características do conhecimento histórico 
a partir dos questionamentos lançados por diferentes épocas e práticas, em 
relação à escrita da história.
1.3 Historiografia romana e a 
importância da teoria
Os historiadores romanos são, na atualidade, muito menos influentes do 
que os gregos. Ainda hoje se estuda Heródoto e Tucídides, suas concepções de 
fonte e objetividade, seus ideais de verdade e noções a respeito da função da 
história. A presença de nomes como Salústio, Lívio e Tácito, por outro lado, 
são mais raros.
Figura 2 - Período de vida de alguns historiadores romanos.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Há algumas razões para esse esquecimento. A primeira é a que se rela-
ciona à qualidade da própria produção histórica. Os romanos demoraram 
a desenvolver uma historiografia local voltada ao conhecimento do próprio 
passado, separado do mito. Pode-se evidenciar também o caso de personali-
dades como o historiador Salústio, que procurou encontrar a origem do que 
entendia como corrupção e decadência de Roma, e julgou encontrá-la no 
Teorias da História
– 22 –
amor desenfreado dos romanos pelo luxo, que teria surgido após a vitória 
romana sobre Cartago (século II a.C.):
Antes da destruição de Cartago, o povo e o senado de Roma governa-
vam a república de forma pacífica e com moderação. Não havia confli-
tos entre os cidadãos fosse por glória ou poder; o medo ao inimigo pre-
servava a boa moral do estado. Mas quando as mentes do povo foram 
aliviadas desse medo, lascívia e arrogância surgiram naturalmente, 
vícios que são promovidos pela prosperidade (SALÚSTIO, 1921, s/p).
A obra de Salústio teve pouca influência na historiografia. Nas palavras 
do historiador austríaco Ernst Breisach (nascido em 1946), “não há um único 
aspecto da obra de Salústio que garanta seu lugar entre historiadores” (BREI-
SACH, 1983, p. 56). 
Há outras questões, porém, mais atuais, que se associam a este esque-
cimento dos romanos, como o quase total abandono do modelo clássico de 
ensino, comum até, especialmente, o século XIX. O estudo do latim era tra-
dicional presença nos currículos escolares e a releitura de autores clássicos tor-
nava suas obras conhecidas. Seus textos deveriam ser traduzidos e, por vezes, 
decorados, como parte da formação do estudante. Mais do que isso, quando 
ainda não existia uma disciplina específica para o estudo do passado, era a 
leitura desses e de outros autores que fazia as vezes de “ensino de história”. É 
por essa razão, aliás, que a imagem de uma “Roma decadente” que teria ruído 
por seus vícios, tornou-se tão comum no imaginário popular: afinal, interpre-
tações como a de Salústio (e, não muito diferentemente, Lívio e Tácito), de 
uma Roma corrupta e moralmente frágil, eram lidas pelos estudantes. 
Uma outra razão para esse esquecimento refere-se ao modelo de história 
que produziam. Embora discutissem, primordialmente, a política e a guerra, 
o estilo dos antigos romanos era por demais apaixonado para o gosto dos 
historiadores do século XIX que se acreditavam sóbrios e neutros. Afinal, os 
romanos não buscavam a objetividade com seus textos, mas o elevar dos espí-
ritos e a difusão, via comparação com o passado, de valores morais. 
Entretanto, não se deve desprezar a historiografia romana tão facilmente. 
A obra de Tito Lívio, ou simplesmente Lívio, por exemplo, é impressionante. 
Escreveu, por mais de 40 anos, sua “Ab Urbe condita”, traduzida como “Desde 
a fundação da cidade”. E é exatamente isso que ele procurou construir, uma 
narrativa que abrangesse os mais de 7 séculos da história romana, partindo da 
– 23 –
O surgimento da história
criação mítica, até sua contemporaneidade. O conjunto de textos totalizava, 
originalmente, mais de 140 livros, embora apenas cerca de 20% desse total 
tenha sobrevivido até os nossos dias. Se fossem impressos em estilo moderno, 
alcançariam mais de 8 mil páginas (LENDON, 2002, p. 62).
Tratava-se de uma obra nacionalista, escrita sob aperspectiva de um 
aristocrata. Assim, prezava as tradições romanas, condenava ações que reve-
lavam ausência de dignidade e valorizava a bravura, algo fundamental em 
uma sociedade altamente militarizada como a romana. Porém, há algo de 
“salustiano” na obra de Lívio: também ele acreditava viver em um período de 
decadência e buscava encontrar no passado, uma espécie de era de ouro de sua 
sociedade, que desejava ver restaurada. 
Talvez o mais conhecido dos historiadores romanos seja Tácito, cuja 
obra repete algumas características de seus companheiros. Ele era um homem 
ligado à política e sua obra também teve como uma das principais caracterís-
ticas a busca por compreender a sociedade do próprio tempo. Continuando 
as semelhanças, igualmente compreendia o presente em que vivia como deca-
dente, em especial, quando contrastado a períodos gloriosos do passado. Não 
é à toa que sua obra, “Histórias”, inicie no chamado “Ano dos quatro impe-
radores”, ou seja, 69 d.C., quando, após o suicídio de Nero, Roma entrou em 
guerra civil e se sucederam no poder Galba, Otão, Vitélio e Vespasiano. Tácito 
buscava compreender as razões para o surgimento desse intenso momento de 
crise na sociedade romana.
As razões que Tácito encontra para explicar tal decadência – assim como 
ocorrera com Lívio e mesmo com Salústio – estariam na perda daquilo que 
seriam os verdadeiros valores romanos, como a integridade mortal e o espírito 
cívico (BREISACH, 1983). Tratava-se da visão de um cidadão tradicional e, 
não se pode esquecer, o ponto de vista específico de um senador romano a 
respeito do próprio presente e passado. 
Observe-se, por exemplo, a maneira pela qual Tácito explicitamente 
valoriza a simplicidade e revela desgosto com os requintes próprios de seu 
tempo, ao descrever as ações de Cneu Agrícola na Bretanha, em sua obra 
“Vida de Agrícola”:
Para acostumar ao descanso e ao repouso e aos encantos de luxo uma 
população dispersa e bárbara e, portanto, inclinada para a guerra, 
Agrícola deu incentivo privado e ajuda pública para a construção de 
Teorias da História
– 24 –
templos, tribunais de justiça e construção de casas, elogiando o enér-
gico e reprovando o indolente. [...] Daí, também, um gosto levan-
tou-se em direção a nosso estilo de vestir, e a toga tornou-se moda. 
Passo a passo, eles foram levados aos vícios sedutores, os pórticos, 
os banhos, os elegantes banquetes. Tudo isso em sua ignorância eles 
chamavam civilização, quando era apenas uma parte de sua servidão 
(TÁCITO, Agrícola, cap. 21).
A despeito de exceções pontuais, como a recuperação de Lívio, na 
Europa do século XIV, e da de Tácito, nos Estados Unidos do século XVIII, 
foi apenas um determinado elemento do estilo dos historiadores romanos que 
acabou por se tornar relevante e continuou durante a Idade Média, e mesmo 
posteriormente: o uso da retórica. Para esses historiadores saudosos de uma 
antiga Roma que não mais existia, era fundamental convencer os cidadãos da 
possibilidade de melhoria das próprias ações e valores morais. Nesse sentido, 
seus textos de destacavam pelo uso de técnicas específicas que visavam con-
vencer a modificar comportamentos. A partir do crescimento da influência 
cristã na sociedade romana (como veremos no próximo capítulo), o uso da 
retórica permaneceu como uma técnica própria dos trabalhos históricos, mas, 
nesse novo momento, direcionados à difusão do cristianismo. 
Historiografia e Teoria: Por que uma 
“teoria” para a história?
Um ponto característico dos romanos no entendimento do passado é a 
sua forma complexa de explicar as mudanças. E por “complexa” não entenda 
“objetiva”. Na verdade, em alguns momentos, as causas dos eventos poderiam 
ser buscadas em ações humanas, enquanto em outros poderia haver impor-
tantes ações divinas ou míticas. Tome-se, por exemplo, as seguintes explica-
ções dadas por Plínio, o Velho (23-79), para o surgimento da tecnologia e de 
técnicas relacionadas à guerra:
Beleferon inventou o ato de cavalgar cavalos, Peletrônio rédeas e selas 
e os Centauros [...] as táticas de cavalaria. A raça Frígia foi a primeira 
a atrelar dois cavalos a uma charrete, e foi Erictônio quem adicionou 
dois a mais. Durante a Guerra de Tróia Palamedes inventou a forma-
ção militar, as senhas, os sinais para reconhecimento, e sentinelas. [...] 
Tréguas e tratados foram inventados por Licaão e Teseu, respectiva-
mente (PLÍNIO, apud SHERWOOD, 1998, p. 542).
– 25 –
O surgimento da história
Essa não era uma obra de história, a bem da verdade. Contudo, é inte-
ressante notarmos como, dentro da cultura romana, explicações que consi-
deraríamos fabulosas convivem sem constrangimentos com ações humanas. 
Várias características da produção histórica da atualidade diferenciam-se 
desse modelo criado por Plínio. A presença de definições explícitas, compre-
ensão de diferentes temporalidades e utilização de conceitos rigorosos impe-
dem que eventos históricos sejam atribuídos a, por exemplo, Centauros. Isso 
porque há uma fundamentação teórica que, atualmente, tem a função de 
sustentar as maneiras pelas quais se constrói a pesquisa em história.
Os estudos históricos não precisariam de teoria – ou essa seria reduzida 
a um mínimo – se o ato de encontrar fatos históricos fosse semelhante ao de 
coletar besouros. Nesse caso, bastaria ir ao ambiente selvagem dos arquivos, 
colecionar o maior número possível de fatos e organizá-los cronologicamente. 
Pronto: teríamos a história. Pouca teoria necessária, talvez alguma metodologia.
No entanto, a primeira complicação é que os fatos históricos não exis-
tem por si mesmos. Não são um dado óbvio da realidade. Não estão prontos, 
congelados nos documentos, aguardando serem coletados. 
Essa fotografia é exem-
plo de uma típica fonte pri-
mária. Analisando-a, pode-se 
dizer, imediatamente, quais 
“fatos” estariam ali presentes? 
“As pessoas, representadas na 
imagem, estavam realmente 
ali, e isso é um fato”, você 
pode argumentar. Não há 
dúvida de que, pressupondo 
que essa imagem não tenha 
sido adulterada (e não há 
qualquer razão para supor 
isso), aquelas pessoas esti-
veram reunidas e trata-se de 
um evento que realmente aconteceu. Um fato do passado, imutável, inalte-
rável, não importa o que façam, digam, pensem ou desejem os historiadores.
Figura 3 - Foto de 1922. Exemplo de fonte histórica.
Fonte: Casa de Rui Barbosa.
Teorias da História
– 26 –
Mas não é um fato histórico. Essa expressão – ou melhor, esse conceito 
– só será utilizado para definir aquelas informações que ajudem a solucionar 
questões propriamente históricas. Se nossa pesquisa for “Quais as relações 
políticas estabelecidas entre Brasil e Portugal no início do século XX? ”, o 
fato que nos interessará é o de que a imagem registra a visita de Antônio 
José Almeida, então Presidente de Portugal, a Rui Barbosa, em 1922. Outras 
pesquisas demandarão outras perguntas e, por consequência, gerarão novos 
fatos: “Qual o papel das mulheres nas discussões políticas do Brasil, no início 
do século XX? ”. Essa pergunta promove uma análise diferente da fotogra-
fia, bem como gera novos fatos. Repare que, no espelho, aparecem refletidas 
a imagem de Maria Augusta Rui Barbosa (esposa de Rui Barbosa), junto 
com a de outras mulheres. Pode-se analisar esse detalhe sobre a participação 
feminina na política e sua relação com seus papéis sociais: usualmente não 
representadas, mas presentes e participantes. 
“Fato histórico”, portanto, não é um dado da natureza. Não existe 
pronto e acabado. A transformação de um fato do passado em fato histórico 
dependerá, sempre, das questões levantadas pela pesquisa e dos objetivos da 
historiadora e do historiador. Serão essas questões que direcionarão o olhar 
para as fontes e construirão os fatos históricos que participarão das análises.
 Definindo conceitos: FATO HISTÓRICO
Todo dadoda realidade, encontrado em fontes primárias, utilizado 
para responder a determinada questão histórica.
Até mesmo Heródoto e Tucídides nos servem de exemplos. Sabemos 
que as pessoas eram suas fontes primárias preferenciais, mas que perguntas 
faziam a elas? Como definiam o que perguntar e como perguntaram? De 
que maneira escolhiam as testemunhas? Como decidiam o tema sobre o qual 
perguntar? Como selecionavam o que era relevante e o que era irrelevante, 
das respostas obtidas?
Eis que surge um novo elemento que demonstra a importância da abor-
dagem teórica da história: o papel ativo da historiadora e do historiador na 
construção do conhecimento. Pois passará necessariamente por eles (nós) a 
decisão da escolha do tema, recorte temporal, definição da perspectiva, coleta 
– 27 –
O surgimento da história
e organização dos dados, redação e apresentação dos resultados. Sem defini-
ções teóricas claras, os trabalhos históricos tornam-se, no mínimo, ingênuos 
e, muito comumente, terão suas conclusões comprometidas. 
Afinal, como definir, por exemplo, o que é uma “causa” em história? Que 
elementos teóricos e filosóficos sustentam a afirmação: “as punições impostas 
à Alemanha com o Tratado de Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial, 
são uma das causas da Segunda Guerra”? Devemos ter uma concepção teórica 
bem definida de causalidade, para sustentar tais afirmações.
Além disso, como podemos estabelecer o que é uma “explicação” em 
história? Como podemos dizer que algo está bem ou mal explicado? Para defi-
nir essa ideia deve-se levar em consideração a concepção de causa. Podemos 
considerar um esclarecimento adequado como uma das razões para a queda 
de João Goulart, em 1964, a perda de sustentação política para seu governo? 
O avanço do pensamento anticomunista? A influência do conservadorismo 
católico? Todas essas causas em conjunto? E se a explicação tem de ser mul-
ticausal – algo que é muito comum – como diferenciar as causas mais ou 
menos importantes? As estruturais das imediatas?
Na linguagem cotidiana, “teoria” muitas vezes é utilizada como sinô-
nimo de “hipótese”. Dentro da filosofia da ciência, não é esse, porém, o 
sentido dado a esse termo: “teoria” refere-se à utilização da racionalidade de 
modo a construir uma explicação coerente dos fenômenos observados. Evolu-
cionismo, por exemplo, é uma teoria biológica, sistematizada originalmente 
por Darwin, que procura explicar a diversidade de espécies tanto existentes 
como já extintas. Teorias relacionam-se, portanto, ao uso da razão para a 
construção de modelos mais ou menos generalizantes para a explicação dos 
fatos observados. 
Em história, a ideia de teoria pode, em primeiro lugar, significar um 
modelo explicativo da realidade, seja em sua totalidade (como é pretensão do 
pensamento Marxista), seja para épocas ou eventos específicos (como a cons-
trução de conceitos como “Feudalismo”, “Renascimento”, ou “Ditadura mili-
tar”). Em segundo lugar, é função da teoria definir as formas racionais pelas 
quais se podem pensar as explicações históricas dentro de suas especificidades. 
Ou seja, como conceber as diferentes temporalidades dentro da problemática 
dos “tempos históricos”; conceituar e definir a ideia de “sujeito histórico”, 
Teorias da História
– 28 –
e como discutir a relação que existe entre as determinações de uma época e 
as vontades individuais. Além disso, é também papel da teoria fundamentar 
alguns temas que já abordamos rapidamente, como a questão da causa, a ideia 
de explicação histórica e os debates sobre a objetividade.
Esse item objetiva lançar mais perguntas do que apresentar respostas. 
Afinal, é propósito desse livro promover a compreensão dos elementos que 
fazem parte da teoria da história em sua própria historicidade. Ou seja, em 
seu próprio processo de constituição, ao longo do tempo. É por isso que 
partimos das concepções históricas da Antiguidade até atingirmos, no último 
capítulo, as concepções contemporâneas (ou “pós-modernidade”) de teoria 
histórica. Nesse trajeto, discutiremos e apresentaremos as diferentes visões das 
ideias teóricas que fundamentam o conhecimento histórico.
Da teoria à prática
A palavra “história” não tinha o significado de uma disciplina específica 
quando Heródoto e Tucídides escreveram suas obras. Porém, na época de 
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) esse sentido já estava definido. Tanto assim 
que uma das mais famosas passagens relacionadas à teoria de história foi 
escrita por esse filósofo, em sua obra “Poética”. Em determinado trecho, Aris-
tóteles compara a atividade do historiador – que seria a de descrever aquilo 
que aconteceu – com a do poeta – que escreveria sobre o que poderia ter 
acontecido. A conclusão do filósofo: “a poesia é algo mais filosófico e sério 
do que a história, pois refere aquela [a poesia] principalmente ao universal, e 
esta [a história], ao particular” (ARISTÓTELES, 1994, p.115). “Universal” 
diz respeito a pensar tudo o que poderia ter acontecido com Alcebíades (algo 
próprio da poesia), enquanto o “particular” refere-se apenas ao que efetiva-
mente ocorreu com ele (raciocínio próprio da história). 
Em um livro de teoria, a primeira atividade prática será ela, também, 
teórica: você acredita que Aristóteles estava certo? 1. Em sua opinião, a poesia 
é mais filosófica do que a história? 2. Você acredita que a história lida apenas 
com o particular, o específico? Por quê? 
Por mais complexa que seja essa atividade, ela é importante. Ainda hoje, 
os historiadores discutem essa passagem de Aristóteles. O objetivo aqui é esti-
– 29 –
O surgimento da história
mular o raciocínio sobre as características do conhecimento histórico. Espera-
-se que, ao final do livro, você possa retornar a essa questão e verificar como 
o seu pensamento se modificou em relação aos significados e ao alcance do 
conhecimento produzido pela história.
Síntese
Neste capítulo foram apresentados alguns aspectos essenciais do surgi-
mento da história na Grécia Antiga, além das características fundamentais 
da historiografia romana. Discutiu-se, ainda, como as concepções atuais da 
história diferenciam-se daquelas da Antiguidade e como o conhecimento teó-
rico é importante para dar sustentação e validade ao conhecimento histórico 
produzido na atualidade. 
Atividades
1. O seguinte trecho está presente no capítulo LXXV, do Livro II, da 
obra “Histórias” de Heródoto. Leia-o com atenção.
Há na Arábia, perto da cidade de Buto, um certo lugar para onde me 
dirigi, a fim de me informar sobre as serpentes aladas. Vi, logo à minha 
chegada, uma quantidade prodigiosa de ossos e de espinhas dessas ser-
pentes (...). Dizem que as serpentes aladas voam da Arábia para o Egito 
assim que chega a Primavera. (HERÓDOTO, 1964, s/p).
Considerando-se o trecho acima, é correto afirmar, sobre o método 
de investigação desenvolvido por Heródoto, em sua obra “Histórias”:
a) Caracteriza-se pelo rigor metodológico, apreço à objetividade e à 
verdade, tanto que foi utilizado como modelo de pensador impar-
cial pelos historiadores do século XIX.
b) Traz evidências de que, antes do aumento da população humana, 
existiam animais que hoje são extintos, como as serpentes voadoras, 
então comuns no Egito.
c) Heródoto trabalhava apenas com fontes históricas escritas, pois 
objetivava recuperar narrativas que pudessem ser utilizadas em 
sua obra. 
Teorias da História
– 30 –
d) Ainda que afirmasse buscar a verdade, Heródoto não demonstrava 
muito rigor na avaliação de suas fontes, reproduzindo como ver-
dade afirmações obviamente falsas.
e) Assim como fez Homero na Ilíada, a obra de Heródoto traz uma 
análise fabulosa de eventos históricos, e este caracterizou-se como 
um poeta importante na história grega. 
2. São exemplos, respectivamente, de “fonte primária” e “fonte 
secundária”:
a) Pinturas do século XVIIIe fotografias do século XIX.
b) As obras de Heródoto e Tucídides.
c) Livros didáticos de história e a carta de Pero Vaz de Caminha.
d) Jornais e livros didáticos de história.
e) Os conceitos de historiografia e de fato histórico. 
3. Plutarco (46 d.C.-120d.C.) foi um escritor grego, famoso pela obra 
“Vidas Paralelas”, em que inaugurou o gênero histórico conhecido 
como “biografia”. Em seu livro, analisou a vida de um grande 
número de personalidades, procurando descobrir semelhanças e 
diferenças em relação a seus defeitos e virtudes. O trabalho de Plu-
tarco é exemplo da variedade da historiografia grega antiga, da qual 
participaram outros pensadores, como Heródoto e Tucídides.
Sobre a historiografia grega, é correto afirmar:
a) Não possui uma homogeneidade, nem se caracteriza como uma 
escola histórica, visto que cada historiador grego pensou a história 
e a desenvolveu de uma forma pessoal.
b) Iniciou-se com Salústio, que procurou no estudo do passado com-
preender a sociedade de seu tempo e explicar a decadência nos 
modos de seus contemporâneos.
c) Foi marcada pelo rigor objetivo, cuidado extremo com as fontes 
primárias e uma diversidade de análises geográficas e etnográficas, 
imitadas durante a Idade Média.
– 31 –
O surgimento da história
d) Marcada pela retórica, não se preocupava com a verdade, mas com 
o estímulo à mudança de comportamento de seus leitores em dire-
ção a uma vida mais virtuosa.
e) Foi influenciada pelo cristianismo e acabou por desenvolver con-
cepções históricas voltadas ao segundo retorno de Jesus, ao início 
do Apocalipse e ao fim da história. 
4. Assim afirma o historiador Marc Bloch, a respeito do desenvolvi-
mento da história:
A palavra história é uma palavra antiquíssima: tão antiga que às vezes 
nos cansamos dela. [...] Mesmo permanecendo pacificamente fiel a 
seu glorioso nome helênico, nossa história não será absolutamente, 
por isso, aquela que escrevia Hecateu de Mileto; assim como a física 
de lord Kelvin ou de Langevin não é a de Aristóteles. Qual é ela, 
então? (BLOCH, 2001, p. 45).
Essa reflexão de Marc Bloch procura destacar:
a) A permanência, ainda nos dias de hoje, dos mesmos princípios rela-
tivos a fontes históricas, o sentido de verdade e a ideia de objetivi-
dade, que existia entre os gregos.
b) A mudança promovida por Homero de Halicarnasso, ao construir 
um modelo de ciência histórica que permanece inalterado até os 
dias de hoje.
c) O fato de que, sob o termo “história”, definem-se práticas que, 
ao longo do tempo, foram bastante diferentes entre si e mudaram 
conforme as épocas.
d) A ideia construída por Tucídides da inviabilidade dos conceitos 
desenvolvidos por Hecateu de Mileto e Heródoto, em torno da 
busca pela objetividade em história.
e) A noção de que o conhecimento histórico não muda, pois estuda 
o que está no passado, que por razões óbvias, não sofre alterações. 
2
Medievo, Renascença 
e a ideia de tempo 
histórico
A ideia de tempo é fundamental para os estudos históricos. Em 
primeiro lugar, pelo fato de que os eventos e processos estudados estão 
localizados no passado e também porque a precisão nas datações é 
uma primeira condição para uma adequada atividade histórica. Mas, 
a relação entre a história e o tempo vai além: é pela discussão sobre 
o diálogo entre presente e passado que devem ser compreendidos os 
objetos de pesquisa estudados por historiadoras e historiadores. 
Nesse capítulo estudaremos, inicialmente, as condições 
pelas quais se forma uma múltipla e específica forma de se escrever 
história durante a Idade Média. Para isso, procuraremos analisar 
como se deu a interpretação cristã da história – muito influente no 
pensamento medieval. A seguir, buscaremos compreender como as 
mudanças sociais do Renascimento, influenciaram nas concepções 
a respeito da história e de tempo histórico. 
Teorias da História
– 34 –
2.1 Pode-se falar em uma 
historiografia medieval?
Histórias são ações verdadeiras que realmente aconteceram, narra-
ções plausíveis são aquelas que, mesmo que não tenham acontecido, 
poderiam de toda forma ter acontecido, e fábulas são coisas que não 
aconteceram e não podem acontecer, porque são contrárias à natureza 
(ISIDORO DE SEVILHA, 2006, p. 67).
Essa diferenciação entre historiae, argumenta e fabulae foram escritas pelo 
estudioso, e arcebispo da cidade de Sevilha, Isidoro (560-630). Não são muitos 
os textos medievais que discutem, de um ponto de vista teórico, o significado 
da ideia de história para os europeus do período; além disso, a obra de Isidoro 
foi muito consultada e referenciada ao longo dos séculos: essas são duas pri-
meiras razões que justificam o interesse pela citação. Mas há mais que se pode 
extrair do conceito de história, para a Idade Média, a partir desse trecho.
A localização é também significativa: essa citação aparece sob o item 
“Gramática”, que é o Livro I de sua obra “Etimologias”, logo após a discussão 
de pronomes, substantivos, verbos, ortografia. Mas, por que gramática? O 
próprio Isidoro justifica: “porque tudo que é digno de ser rememorado está 
comprometido com a escrita” (ISIDORO DE SEVILHA, 2006, p. 67). A 
primeira conclusão a respeito do estatuto da história no período medieval, 
portanto, é que não era não era um ramo de estudos autônomo – ou seja, 
dependia de outras áreas do conhecimento –, e se qualificava mais como uma 
“narrativa”, com peculiaridades próprias.
A maior parte dos trabalhos que poderíamos denominar de históricos, 
durante o período medieval, não explicava, ou o fazia muito brevemente, 
seus pressupostos teóricos. Isso é consequência de sua própria concepção de 
história: os textos tinham um profundo fundamento na retórica1, e não era 
raro que a narrativa visasse mais dar lições morais do que, realmente, regis-
trar eventos do passado (daí, aliás, a presença constante de mitos e lendas 
nos textos “históricos”); era frequente a ausência de fontes que embasas-
sem as afirmações, sendo comum considerar a Bíblia autoridade histórica; 
a organização cronológica não era prioridade, e eventos de épocas diferentes 
1 O termo retórica refere-se à arte dos discursos, em sua capacidade de persuadir os 
ouvintes. Ganhou importância já na Antiga Grécia e, desde então, foi considerada fundamen-
tal como parte da educação até aproximadamente o século XIX.
– 35 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
poderiam aparecer próximos uns aos outros em uma única narrativa. Como 
afirmou a historiadora Gabrielle Spiegel, “a historiografia medieval, de uma 
perspectiva moderna, é inautêntica, anticientífica, desconfiável, a-histórica, 
ocasionalmente irracional, frequentemente iletrada, e, em seu conjunto, não 
profissional” (SPIEGEL, 2002, p. 78). 
Além disso, e justamente por não se constituir em um gênero claramente 
definido, textos que poderíamos denominar históricos foram escritos não por 
especialistas, mas por pessoas de diferentes formações, principalmente membros 
da Igreja Católica (até pelo menos o século XII, eram em sua maioria monges), 
mas também oficiais de governo, ou estudiosos. Sem estudos específicos para a 
história, e sem um reconhecimento de seu valor enquanto campo de estudos, 
tais obras acabaram sendo marcadas, sobretudo, por sua baixa qualidade. 
Não se pode esquecer, por fim, que coexistiam diferentes conceitos para 
“história” no período, variando de uma forma de conhecimento, passando 
por um gênero literário, alcançando o próprio objeto sobre o qual se estudava 
(DELIYANNIS, 2003). Na verdade, muitas das pessoas que definimos, nesse 
capítulo, como exemplos de “historiadores medievais” não se viam como tais, 
mas como compiladores, copistas, redatores, meros responsáveis por criar 
resumos de trabalhos escritos por outros (SPIEGEL, 2002). Por isso, há que 
se ter cuidado ao falar de uma “históriano período medieval” e, mesmo, em 
“historiador” medieval, por conta da extensão temporal do período, das dife-
renças culturais regionais, e pelo simples fato de que existiam múltiplas defi-
nições para a ideia de “história” na Idade Média. O que se podem apreender 
são diferentes temas, tópicos específicos, e abordagens que lhes são próprias, 
sendo a mais importante, sem dúvida, a interpretação cristã para a história.
 Saiba mais
Dá-se o nome de Idade Média a um longo período da história europeia 
que se estende, aproximadamente, do século V ao século XV. Trata-
-se de uma denominação criada na Renascença sob a crença de que 
esse havia sido um período no qual nada de historicamente importante 
havia ocorrido. Tratava-se, porém, de uma incompreensão: sabe-se, 
atualmente, que esse período do medievo (refere-se ao “medieval”, ou 
seja, à Idade Média) teve sua própria dinâmica, com movimentos his-
tóricos – nas artes, crenças, política, economia – bastante importantes
Teorias da História
– 36 –
2.1.1 O pensamento historiográfico cristão no medievo
O principal elemento unificador da historiografia medieval foi o pen-
samento cristão. O cristianismo – bem como o judaísmo, do qual deriva – é 
uma religião histórica, tanto no sentido de que seus livros sagrados são basea-
dos em narrativas de acontecimentos, quanto na crença de que Deus atuaria, 
de forma decisiva e constante, nos acontecimentos do mundo. Talvez por isso 
a história e a religiosidade tenham se aproximado tanto, a ponto de ser pos-
sível afirmar que o mais característico dos modelos historiográficos medievais 
está fundamentado na religião e confunde-se com a hagiografia2.
No que se poderia configurar como a passagem do mundo romano ao 
cristão, os textos históricos desempenharam um duplo e importante papel: 
procuraram estabelecer uma continuidade da cristandade com a herança 
romana e legitimar, por meio dessa ligação com o passado, o pensamento cris-
tão e sua gradual ascensão e importância sociais. Pensadores como Eusébio 
de Cesareia, Santo Agostinho e Paulo Orósio marcaram essa transformação, 
digamos, historiográfica, entre o mundo antigo e o medieval. 
Figura 1 - Alguns pensadores cristãos sobre a história.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Escrita em torno de 325, a “História Eclesiástica”, de Eusébio de Cesa-
reia (265?-340?), marcou a primeira abordagem de construção de uma cro-
nologia cristã, procurando criar uma retórica que demonstrasse não apenas a 
validade de sua religião, mas também sua superioridade moral sobre as tradi-
cionais crenças politeístas dos romanos. Narrava a vida de Jesus Cristo e dos 
apóstolos, mas, também, buscou dar memória a mártires, pensadores cristãos, 
bispos, descrevendo o crescente desenvolvimento do cristianismo, passando 
pela perseguição dentro da sociedade romana, até o que seria a vitória dessa 
2 Textos de caráter religioso, voltados especialmente à narrativa das vidas de santos.
– 37 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
religião. Eusébio foi um dos conselheiros do imperador romano Constantino 
(272-337), que afirmou ter se convertido ao cristianismo e, mais do que isso, 
atuou para garantir seu desenvolvimento na sociedade romana. Marcava-se, 
portanto, uma ligação íntima entre o mundo romano e o pensamento cristão.
Santo Agostinho, ou Agostinho de Hipona (354-430), é ainda hoje consi-
derado um dos mais importantes teólogos do cristianismo. Nascido em Tagaste, 
região do norte da África em que hoje é a Argélia, Agostinho viveu, inicial-
mente, nas fronteiras do Império Romano. Indo estudar em Cartago, conheceu 
os principais pensadores romanos, e chegou a morar na cidade de Roma, onde 
ensinou retórica. Sua grande obra filosófica e teológica exerce profunda influ-
ência até os dias de hoje (tendo sido fundamental para a Idade Média), da qual 
se destacam “Confissões” – na qual narra, com detalhes, seu lento processo de 
conversão ao cristianismo – e, especialmente, a “A Cidade de Deus” – obra que 
procurou construir uma interpretação religiosa para a história.
“A Cidade de Deus” foi escrita como uma reposta teológica contra as 
acusações de que Roma fora saqueada pelos visigodos, em 410, como uma 
vingança pelo abandono dos deuses tradicionais romanos em favor do cristia-
nismo. O argumento de Agostinho parte da explicação de que existiriam, no 
universo, duas forças cósmicas, a cidade terrena e a Cidade de Deus, sendo 
que essa última não existiria no mundo secular. Ao mesmo tempo, não exis-
tia e não poderia existir nenhuma cidade na terra, nem mesmo Roma, que 
tivesse, em sua perfeição, o que existiria na Cidade de Deus. O mundo, até 
aquele momento, só havia conhecido uma mistura das duas cidades. 
Dois amores deram origem a duas cidades: o amor a si mesmo até o 
desprezo de Deus, a terrena; e o amor de Deus até o menosprezo de si, 
a celestial. A primeira se glorifica em si mesma; a segunda se glorifica 
no Senhor. A primeira está dominada pela ambição do domínio de 
seus príncipes ou das nações que submetem; a segunda utiliza mutu-
amente a caridade dos superiores mandando e os súditos obedecendo 
(CIDADE DE DEUS, XIV, 28).
Ao apresentar os eventos históricos enquanto o resultado dos desígnios 
de Deus, Agostinho construiu uma determinada teoria da história baseada 
em princípios cristãos e que, ao mesmo tempo, inseria a queda de Roma 
dentro de um projeto maior, divino. Os eventos que ocorriam no mundo 
deveriam ser entendidos como passos da cidade terrena em seu caminho de 
aproximação com a Cidade de Deus, em um lento e difícil processo de reden-
Teorias da História
– 38 –
ção do homem, em sua busca para reconquistar a graça de Deus. E é por isso 
que nenhuma cidade secular poderia ter estabilidade eterna. Em não sendo o 
ponto final, todas as cidades terrenas teriam uma determinada tarefa a cum-
prir e, realizado o seu papel, desapareceriam. 
Assim, para Agostinho, a função de guiar a cidade terrestre na direção 
correta seria da Igreja, a própria antecipação, no mundo, da cidade celeste. É 
por isso que, dentro de uma concepção histórica que irá durar pelo menos até 
o século XII, “história” confunde-se com a própria história da Igreja e de suas 
ações em direção ao progresso da cristianização.
Uma obra de história de fundo religioso, bastante difundida no medievo, 
foi a de Paulo Orósio (380?-420?), teólogo que viveu na região em que atual-
mente é a Espanha. A sua obra “Sete livros de história contra os pagãos3”, foi 
escrita como se fosse continuação do texto de Agostinho, embora com reda-
ção mais simples e mais objetiva, e demonstrar certo otimismo em relação 
aos problemas que pareciam existir em sua época. Para Orósio, Roma sofrera 
durante séculos, e teria sido apenas com a ascensão do pensamento cristão 
que a sociedade se aperfeiçoara. 
Uma originalidade própria desse pensamento histórico cristão foi sua 
busca pela universalidade. Afinal, ainda que produzidas em local e momentos 
específicos, e ligando-se fortemente a uma presença romana, o pensamento 
cristão via a ação de Deus não apenas para determinados povos, mas para 
todo o mundo. Nesse sentido – e durante toda a Idade Média – pensam-se as 
ações divinas nos eventos terrestres como partes de uma determinada história 
que pretendia ser universal. 
Historiografia e Teoria: O pensamento 
cristão e a direção do tempo
Descobrir as formas pelas quais uma sociedade organiza o próprio 
tempo – seus calendários, os termos que utiliza, os deuses que controlam 
esse tempo, os equipamentos que o medem – permite-nos entender como ela 
3 “Pagãs” foi o termo tomado pelos primeiros cristãos da Europa para denominar as 
religiões que não eram o próprio cristianismo. Daí o termo “pagãos” a seus devotos e “paganis-
mo” como sinônimo de sua religião.
– 39 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
compreende o passado,qual a importância que dá aos eventos que já ocorre-
ram na determinação do presente e do futuro e, em resumo, informa de que 
maneira constrói sua própria historicidade. Tome-se, por exemplo, a imagem 
asteca intitulada “As Cinco Regiões do Mundo”, criada no século XV. Trata-
-se da representação de determinada história cósmica, tendo cada uma das 
eras passadas seu próprio deus que aparece às margens, estando o presente, 
a quinta era, ao centro. Os dias, indicados por pontos, caminham em dire-
ção ao centro, revelando como o passado caminha em direção ao presente 
(CORFIELD, 2007, p. 2). Tal representação visual, mais do que uma simples 
alegoria, procura ordenar o passado, estruturar o conhecimento a respeito do 
mundo e do universo, e encontrar nele um sentido e uma racionalidade.
Figura 2 - Codex Fejérváry. Repare que o norte está à esquerda, e o leste, acima. 
Fonte: Museus Nacionais, Liverpool.
O mesmo acontece com o cristianismo e, particularmente, com os 
escritores que procuraram compreender a lógica dos eventos passados, den-
tro de uma perspectiva religiosa que foi, aliás, profundamente influente no 
pensamento medieval. O que os textos históricos cristãos, dos autores do 
início do medievo, permitem-nos compreender é a criação de uma tempo-
ralidade com duas características fundamentais: a elaboração de uma histó-
Teorias da História
– 40 –
ria linear e teleológica. Essa organização temporal assemelha-se àquela dos 
astecas em um sentido fundamental: também era interesse dos pensadores 
cristãos organizar todo o passado humano, literalmente toda a história do 
mundo, em uma busca por ordenar e desvendar a realidade. Possuía algo de 
controle e outro tanto de conhecimento: nesse caso, desvendar qual seria 
lógica de Deus para o mundo.
Vamos à primeira característica dessa historiografia cristã: sua lineari-
dade. Isso pode ser afirmado porque havia um sentido bastante claro para o 
qual os eventos deveriam caminhar: da criação do mundo caminhava-se ao 
Julgamento Final, sendo a vinda de Jesus não apenas um marco em si, mas 
um sinal para que as pessoas se aproximassem do reino celeste. O caráter 
linear, com eventos fixos, e uma conclusão já profetizada, construíram um 
modelo da temporalidade cristã com começo, meio, e fim.
Essa linearidade é facilmente observada nas propostas de organização 
temporal, apresentadas pelos escritores medievais, fortemente influencia-
das pelos textos bíblicos. Embora em “A Cidade de Deus”, Agostinho não 
tenha criado qualquer periodização histórica, em “De catechizandis rudibus” 
(“Sobre a catequização dos não-instruídos”), apresentou uma divisão da his-
tória do mundo em seis eras. A última – a sexta – teria começado exatamente 
com a vinda de Jesus, antecipando o último momento da história, a institui-
ção do reino de Deus na Terra. 
Outra cronologia religiosa bastante influente foi a que se baseou nas pro-
fecias do livro de Daniel, do Antigo Testamento. Nele, conta-se que Nabu-
codonosor, rei da Babilônia, havia sonhado com uma estátua com cabeça de 
ouro, peito e braços prateados, barrigas e coxas de bronze, sustentado por 
pernas de ferro e pés de ferro e barro. Para Daniel, esse sonho seria uma pro-
fecia dos quatro reinos que existiriam no mundo (cada um simbolizado por 
um metal) até a chegada do último, o de Deus, que seria eterno. Esse foi o 
modelo preferido por vários pensadores medievais, como Orósio.
A segunda característica da temporalidade cristã é a de ser teleológica. A 
palavra “teleologia” significa meta, objetivo último, fim. A história cristã seria, 
portanto, teleológica porque era vista como tendo um propósito: tratava-se de 
uma narrativa de como as pessoas seriam levadas a se aproximar de Deus e, 
portanto, da salvação, que inevitavelmente deveria ocorrer no fim dos tempos.
– 41 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
 Definindo conceitos: TELEOLOGISMO
Trata-se de um erro teórico em história, em que se concebem os 
eventos do passado como se estivessem caminhando, inevitavel-
mente, para um determinado propósito, ou objetivo último.
Um outro aspecto da organização temporal histórica que o Ocidente 
deve à cristandade é, ainda mais obviamente, a contagem do tempo que adota 
o nascimento de Jesus como marco temporal. Estamos tão acostumados a 
mencionar datas como a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo), 
que podemos esquecer que há por detrás dessa organização uma concepção 
religiosa, e determinada ideia a respeito da história. Tal periodização é devida 
a outro escritor-historiador do medievo: Beda, o Venerável.
2.2 Beda e os historiadores bárbaros
A importância da relação entre religião e história torna-se bastante evi-
dente com a adoção, por parte de Beda, o Venerável (672-735), da data de 
nascimento de Jesus como forma de contagem dos anos. Embora não tenha 
sido sua criação – e sim de Dionísio, um monge nascido nas últimas décadas 
do século V –, foi pelo sucesso da obra histórica de Beda que esse sistema 
tornou-se, gradualmente, conhecido.
Beda faz parte de um grupo de pensadores que, diferentemente de seus 
antecessores, buscavam compreender a historicidade da região e do povo onde 
moravam. Procuraram fazer uma história local e, pela perspectiva particular 
e original, acabaram sendo associados à produção de uma “história bárbara”. 
Os invasores bárbaros do império Romano moveram-se de forma 
triunfante ao interior da historiografia da mesma forma como fun-
daram seus estados-sucessores no antigo território imperial. Eles pro-
duziram quatro grandes historiadores: Jordanes (falecido em 554?) 
para os Godos; Gregório, bispo de Tours (falecido em 593/4), para os 
Francos; Beda (falecido em 735) para os Ingleses; e Paulo, o Diácono 
(falecido em 799?) para os Lombardos (SMALLEY, 1974, p. 50).
Ainda que sejam responsáveis por certas inovações, não se pode esque-
cer o quanto possuíam de continuidade com determinado pensamento 
Teorias da História
– 42 –
antigo, especialmente cristão: tanto a Bíblia, quanto as obras de Eusébio, 
ou Orósio, eram invocadas constantemente como principais referências 
(GOFFART, 1988, p.8).
Figura 3 - Linha do tempo dos chamados historiadores bárbaros do medievo. Não 
há dados suficientes sobre Jordanes.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Beda foi um monge praticamente durante toda a sua vida, sendo “A his-
tória eclesiástica do povo inglês” seu trabalho mais conhecido. Ainda que narre 
fatos políticos, ocorridos desde a época de Júlio César, sobre a região onde hoje 
se situa a Inglaterra, seu texto centra-se na construção da comunidade cristã e 
no desenvolvimento da Igreja Católica local. Como outros historiadores medie-
vais, objetivava compreender de que maneira a específica cristandade inglesa 
compartilhava da graça divina como um todo (HIGHAM, 2006, p.54). 
Ainda em concordância com outros historiadores da época, sua intenção 
era a de buscar, dentro dos eventos passados, determinado padrão de com-
portamentos humanos que permitisse compreender as maneiras de aproximar 
homens e mulheres de Deus. É por isso que, ao mesmo tempo em que narra o 
desenvolvimento político local, dentro de uma cronologia coerente, descreve 
a vida de santos, apresenta fatos maravilhosos, estabelece debates teológicos, 
discute aspectos morais. 
Foi a difusão do sistema de datação que utilizava o nascimento de Jesus 
como marco referencial, a sua mais duradoura contribuição aos estudos his-
tóricos, e à cultura ocidental, de uma maneira mais ampla. A popularização 
desse sistema exigiu, porém, bastante tempo. Seu uso começou a se difun-
dir de forma mais intensa com a sua adoção por Carlos Magno (742?-814), 
porém nem mesmo a Igreja Católica não o de forma sistemática antes do 
século XI. Sua difusão entre as regiões da Europa demandou séculos; Portugal 
adotou o sistema no século XV, e a Rússia, no XVIII.

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