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TEORIAS DA HISTÓRIA
Antonio Fontoura
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Curitiba
2016
Teorias da 
Historia
Antonio Fontoura
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Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501
F684t Fontoura, Antonio
Teorias da história / Antonio Fontoura. – Curitiba: Fael, 2016.
312 p.: il.
ISBN 978-85-60531-63-9
1. História I. Título
CDD 901
Direitos desta edição reservados à Fael.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.
FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão Editora Coletânea
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Vitor Bernardo Backes Lopes
Imagem da Capa Shutterstock.com/arosoft
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário
 Carta ao Aluno | 5
1. O surgimento da história | 7
2. Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico | 33
3. Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade | 61
4. A busca por uma ciência histórica no século XIX | 91
5. O início de uma historiagrafia brasileira | 119
6. As inovações teóricas da escola dos Annales | 149
7. Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil | 179
8. O pensamento marxista e a importância dos conceitos | 207
9. História cultural e a micro-história | 237
10.Os limites da linguagem e a objetividade histórica | 265
 Conclusão | 293
 Gabarito | 295
 Referências | 299
Carta ao aluno
Prezado(a) aluno(a),
Esse livro procurará demonstrar que a disciplina de histó-
ria, nos dias de hoje, está em constante mutação, produzindo uma 
forma de conhecimento sobre a realidade presente e passada que, 
nos últimos anos, vem se redescobrindo, adaptando, evoluindo. Se, 
de alguma forma, o grego Heródoto reaparecesse nos dias de hoje, 
poderia até compreender que a forma pela qual ele produziu sua obra 
Histórias possui algum parentesco com os métodos e teorias históricos 
atuais: mas seria obrigado a concluir que muita coisa se modificou.
– 6 –
Teorias da História
O primeiro objetivo desse livro é tratar desse processo de mudança: par-
tindo das origens gregas até os debates atuais, discutiremos as várias formas 
de pensar os objetivos e os métodos da história, construídas por historiadores 
e escolas de pensamento ao longo dos últimos séculos. Com isso, pretende-se 
demonstrar que a disciplina histórica que conhecemos hoje é resultado de 
uma construção, de um fazer-se, de uma historicidade. Essa é a parte do livro 
que trata das escolas históricas, organizadas em uma análise cronológica.
O segundo objetivo dessa obra – não menos importante que o primeiro 
– é o de discutir e buscar um aprofundamento em temas que são especifica-
mente teóricos no pensar e refletir sobre o conhecimento histórico. A obje-
tividade histórica e sua concepção de verdade, a relação entre a realidade do 
passado e as fontes primárias, a função dos conceitos e dos referenciais teóri-
cos, serão discutidos de uma maneira mais aprofundada, mais abrangente e, 
fazendo jus ao título do livro, mais teórica.
Porém, não pense em teoria como oposta à prática (como quando se 
diz que alguém apenas matuta, e pouco realiza). Teoria, aqui, é sinônimo de 
ferramenta: como bons historiadores, nossos instrumentos são intelectuais, e 
o propósito essencial desse livro, e que une os dois objetivos acima, é possibi-
litar que você se instrumentalize, de modo a pensar a sua própria realidade de 
uma maneira histórica. História não é aquilo que aconteceu: é o processo de 
refletir sobre aquilo que aconteceu. Mas, para isso, precisamos de bases, que 
no caso dos estudos históricos, são teóricas.
Em cada um dos capítulos você estudará tanto as escolas históricas, 
quanto refletirá sobre os fundamentos teóricos da história. E isso não é pouco: 
na verdade, é apenas o começo de um aprendizado que se estenderá por toda 
sua vida enquanto historiadora ou historiador. Meu único desejo, enquanto 
autor, é que você aprecie esse primeiro passo.
Abraços,
Antonio.
1
O surgimento 
da história
Buscando construir algumas definições preliminares e 
analisando as raízes gregas e o desenvolvimento romano, este capí-
tulo procura analisar o surgimento, bem como as especificidades 
da disciplina histórica e das características do conhecimento que 
produz. Iniciaremos discutindo alguns dos principais historiadores 
da Antiguidade dita “clássica”, para que possamos identificar o que é 
a “história”, como pode ser definida e quais são suas formas particu-
lares de estudar e compreender a realidade. Ao mesmo tempo, serão 
analisadas as peculiaridades do trabalho histórico atual, procurando 
estabelecer uma definição acadêmica para o conceito de “história”, 
que será utilizado em todo o livro. 
Teorias da História
– 8 –
1.1 Heródoto e as características 
do conhecimento histórico
Ainda nos dias de hoje, Heródoto, grego do século V a.C., nascido na 
cidade de Halicarnasso (localizada onde é atualmente o litoral oeste da Tur-
quia), é conhecido como o “Pai da história”. Esse título foi originalmente 
criado ainda na Antiguidade pelo filósofo e político romano Cícero (106 a.C. 
- 46 a.C.) e foram poucos aqueles que, ao longo do tempo, questionaram a 
validade dessa paternidade. 
Heródoto é o autor de “Histórias”, um extenso relato em que buscou 
identificar e analisar as origens dos conflitos entre os Persas e os Gregos. O 
enredo de seu texto é relativamente simples: seguindo, fundamentalmente, 
uma orientação cronológica dos reis persas, Heródoto narra as mudanças do 
Império Persa desde suas origens até, finalmente, a derrota diante dos Gre-
gos, já no século V a.C. Originalmente criada como um texto único, a obra 
foi posteriormente dividida em nove livros, tendo cada um recebido como 
subtítulo, já na Renascença, o nome de uma das musas da mitologia grega (o 
primeiro livro é dedicado a Clio, o segundo a Euterpe, o terceiro a Tália, e 
assim sucessivamente). É dessa forma que a obra é conhecida na atualidade. 
Membro da elite grega, Heródoto buscou compor o texto de sua obra 
buscando atingir um alto valor literário, de modo que satisfizesse o gosto de 
seus contemporâneos: leitores que, também membros da elite grega, podem 
ser calculados, no total, em torno de algumas centenas. A influência e pere-
nidade de “Histórias”, porém, não são dadas pelo inegável valor estético de 
sua criação. Tampouco é por causa disso que é conferida a seu autor, tradicio-
nalmente, a paternidade de uma disciplina tão tradicional e influente como a 
história. Onde estariam, efetivamente, a qualidade e a originalidade da obra 
de Heródoto?
No século V a.C., a palavra “história”, ἱστορία, significava, para os gre-
gos, uma pesquisa, ou uma investigação racional. O que Heródoto estava 
buscando fazer, pela primeira vez, era uma análise dos eventos do passado, 
buscando separá-los de interpretações e narrativas míticas. Em síntese, cons-
truía uma nova ideia de que a realidade do presente seria resultado de ações 
humanas no passado; que essas ações poderiam ser recuperadas a partir de 
vestígios; e que esses poderiam ser analisados a partir do uso da racionalidade. 
– 9 –
O surgimento da história
Isso pode, a princípio, não parecer muito, mas é um rompimento no modelo 
de conhecimento que existia na Grécia à época, quando lendas e fatos reais 
entrelaçavam-se de maneira indissociável e construíam interpretações que as 
pessoas do período acreditavam serem as “verdades” do próprio passado. 
Vamos analisar mais detidamente a originalidade do pensamento de 
Heródoto a partir das primeiras linhas de sua “Histórias”.
Ao escrever a sua História, Heródoto de Halicarnasso teve em mira 
evitar que os vestígios das ações praticadas pelos homensse apagassem 
com o tempo e que as grandes e maravilhosas explorações dos Gre-
gos, assim como as dos bárbaros, permanecessem ignoradas; desejava 
ainda, sobretudo, expor os motivos que os levaram a fazer guerra uns 
aos outros (HERÓDOTO, 1964, s/p).
Ainda que esteja em terceira pessoa, é o próprio Heródoto quem escreve 
que sua primeira motivação foi evitar que as ações praticadas pelos homens 
se apagassem pelo tempo. Note, aqui, duas características: em primeiro lugar, 
a importância da escrita histórica enquanto forma de evitar o esquecimento 
de determinadas pessoas e suas ações. Durante séculos, esse será um dos argu-
mentos recorrentes que justificarão a produção de textos históricos. Segundo 
ponto: trata-se de ação dos homens. Heródoto vai, inclusive, criticar Homero 
(poeta grego, talvez de origem lendária, a quem tradicionalmente se identifica 
como autor da Ilíada e da Odisseia), por sua inexatidão e por se fundamentar 
em lendas, além de difundi-las. 
É objetivo de Heródoto, ainda, apresentar detalhes, tanto da vida dos 
gregos, quanto daqueles que denomina “bárbaros”. De fato, sabe-se que Heró-
doto foi um grande viajante, e muito de sua obra “Histórias” possui informa-
ções que hoje poderíamos denominar de etnográficas: ou seja, a descrição de 
formas de vida e crenças de povos diferentes. Alguns dos mais importantes 
detalhes sobre a vida no Egito do período, por exemplo, devemos a Heró-
doto. Tais descrições, porém, não servem para efetivamente aceitar a cultura 
estrangeira, mas, especialmente, para salientar a especificidade e a validade do 
modo de vida dos gregos (STADTER, 2002). 
Heródoto afirma, ainda, que é seu objetivo “expor os motivos” que leva-
ram persas e gregos à guerra. Aqui há outra inovação importante: as explica-
ções que procurou construir e as relações de causa e efeito foram buscadas 
usualmente em uma tentativa de compreender as motivações humanas a par-
Teorias da História
– 10 –
tir de falhas de seu caráter, como a inveja, o desejo pelo poder, a necessidade 
de expansão imperial, a vingança (esse, aliás, um tema recorrente em “His-
tórias”) (ARNOLD, 2000). Era uma maneira, portanto, de entender mais 
sobre as pessoas e as sociedades.
De toda forma, é o esforço por identificar as causas dos eventos que 
torna a busca por vestígios importante, pois estariam neles as provas de sua 
ocorrência. Se foram ações humanas as responsáveis por eventos do passado, 
é necessário identificá-las. Comparando-se, porém, com a situação atual do 
conhecimento histórico, sua visão do que seriam vestígios (hoje diríamos 
“fontes” ou “documentos”) é restrita: resumem-se àquilo que ou observou 
por conta própria, ou recolheu a partir de depoimentos. 
Em vários momentos de sua narrativa, Heródoto quer passar a impres-
são de que era uma pessoa crítica. É por isso que ele coloca sob constante aná-
lise as informações que recebe: compara relatos, julga a possibilidade de certos 
eventos terem ocorrido e, por não raras vezes, exime-se de emitir alguma 
opinião caso perceba que não possui informações suficientes para realizar um 
julgamento adequado. 
Historiografia e Teoria: Em busca de 
uma definição de história
Busca por vestígios, análise das informações, preocupação com a vera-
cidade dos relatos: certamente a obra de Heródoto é um marco, na filosofia 
ocidental, de uma nova forma de compreender o passado. Não é sem razões, 
portanto, que ele é conhecido como o “pai da história”. Não se pode, porém, 
exagerar em sua modernidade (ARNOLD, 2000). Heródoto não é apenas tri-
butário de modelos mais antigos de exposição do conhecimento (remontando, 
inclusive, a Homero), mas também, pelos padrões atuais, poderíamos consi-
derá-lo por demais crédulo. Afinal, eventos claramente fictícios – como a via-
gem de um tocador de cítara de nome Arião de Metimna até Tenara, nas costas 
de um golfinho (HERÓDOTO, 1964, p. 44) – são tratados como verdadeiros.
 Sabe-se que Heródoto, em determinados momentos, simplesmente 
mentiu. Sua constrangedora descrição de um hipopótamo revela que ele 
nunca viu pessoalmente esse animal em toda sua vida (até porque, na época 
– 11 –
O surgimento da história
em que escrevera sua obra, os hipopótamos não mais existiam no Egito, onde 
ele afirmou tê-los encontrado):
Os hipopótamos, que ali encontramos com o nome de Papremito, 
são sagrados, não o sendo, contudo, no resto do Egito. É um possante 
animal de pés e focinho achatados, dentes salientes e possuindo crina 
e cauda semelhantes às do cavalo, rinchando como este (HERÓ-
DOTO, 1964, s/p). 
Escreve isso, a despeito de afirmar de forma recorrente que sempre bus-
cava a verdade. Sabe-se hoje que a descrição que fornece foi extraída da obra 
de outro grego, Hecateu de Mileto – que, a propósito, também jamais vira 
um hipopótamo.
Heródoto certamente funda uma determinada forma específica de cons-
truir conhecimento. Porém, a disciplina de história, na atualidade, não é a 
mesma que aquela produzida no século V. a.C.
“História” é uma palavra com cerca de 2 milênios e meio de idade, sur-
gida entre os gregos para caracterizar uma específica atividade intelectual da 
qual somos, indubitavelmente, herdeiros. Entretanto, de toda forma, como 
afirmou o historiador francês Marc Bloch (1886-1944), para o “grande deses-
pero” dos historiadores, “os homens não costumam mudar de vocabulário a 
cada vez que mudam de hábitos” (BLOCH, 2001, p. 24). E os “hábitos” do 
fazer história mudaram muito desde seu surgimento com Heródoto. Certa-
mente o que ele, ou seu contemporâneo Tucídides, chamavam de “história”, 
não possuía o mesmo significado – não partia dos mesmos princípios, não 
seguia os mesmos métodos, não desempenhava a mesma função social, tam-
pouco visava os mesmos objetivos – para o medieval Bede, o moderno Gib-
bon, ou o contemporâneo Bloch. 
O que permaneceu e o que se modificou da concepção que Heródoto 
criou para a “história”, até nossos dias? Em certo sentido, esse livro, como um 
todo, procurará apresentar a resposta: afinal, trata-se de um percurso mile-
nar, de ideias diferentes, que produziram o que hoje, no mundo acadêmico1, 
denomina-se de “história”. Permanecem, porém, alguns elementos importan-
tes: a busca por explicações a partir de vestígios; de entender o passado como 
responsável pela construção do presente; de repelir narrativas fabulosas, ou 
1 A palavra “academia” é utilizada, aqui, como sinônimo de “ensino superior”.
Teorias da História
– 12 –
ficcionais; de organizar o raciocínio cronologicamente – ou seja, dentro de 
períodos, épocas, reinados, anos.
Há, porém, um sem-número de diferenças. Atualmente, a história é uma 
disciplina institucionalizada, ou seja, participa de instituições, tais como uni-
versidades; está submetida a determinada exigências de rigor, a partir de prin-
cípios metodológicos; possui uma determinada tradição a que se deve respeitar, 
pois qualquer novo texto histórico é sempre escrito em diálogo com o que já 
foi produzido; possui funções sociais ligadas à construção e democratização do 
conhecimento; desenvolveu uma concepção mais profunda de verdade, objeti-
vidade, temporalidade e fontes. E isso tudo, obviamente, não surgiu do nada, 
mas é o próprio resultado de seus mais de dois mil anos de passado.
O parágrafo acima, aliás, nomeia alguns dos vários e importantes con-
ceitos que caracterizam o estudo histórico. Compreender as formas como 
foram entendidos em épocas distintas, dentro do que definimos serem dife-
rentes “escolas históricas” – ou seja, maneiras específicas de se pensar objeti-
vos, métodos e funções da história –, é uma das finalidades deste livro. 
Mas, enfim, o que é a disciplina de “história” para os dias de hoje?
 Definindo conceitos: HISTÓRIA
Estudo acadêmico e sistemático de grupos humanos, indivíduos e 
instituições ao longo do tempo, a partir de fontes históricas,dentro 
de uma determinada tradição de conhecimento.
Essa definição evidencia algumas semelhanças e diferenças em relação 
àquele conhecimento construído por Heródoto. O estudo de história, hoje 
(e, para o presente livro) é fundamentalmente acadêmico, ou seja, produ-
zido em instituições de ensino superior, que se responsabilizam pela guarda e 
manutenção de métodos e técnicas que são próprias à história. É, além disso, 
um estudo sistemático, ou seja, possui um modelo próprio para avaliação do 
rigor e produção de conhecimento, dentro de métodos que lhes são próprios. 
Seu objeto preferencial são as ações humanas, sejam elas individuais 
(uma biografia, por exemplo, é trabalho histórico) ou em grupos (podem 
ser sociedades inteiras, times de futebol, sindicatos, organizações de classe, 
– 13 –
O surgimento da história
turma de alunos). Nas palavras de Marc Bloch, “o bom historiador se parece 
com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça” 
(BLOCH, 2001, p. 54). 
Esse estudo envolve também uma análise dos objetos ao longo do tempo. 
Essa é, aliás, uma das características que mais são próprias do pensamento 
histórico. O intuito da disciplina não é descrever o que ficou para trás – o 
“passado”, esse termo amplo e complexo, cuja multiplicidade de significados 
teremos ainda oportunidade de discutir nessa obra. Mas sim de, analisando 
um mesmo objeto de estudo em dois momentos diferentes, perceber e iden-
tificar as razões de suas mudanças e permanências. O que nele mudou ou 
permaneceu, as razões das modificações e como se relacionam com o todo 
das sociedades. 
Trata-se de um conhecimento, por fim, construído dentro de uma deter-
minada tradição. Novos historiadores não começam do zero a cada geração. 
Toda nova pesquisa, aula, livro, resumo, fonte, resenha – enfim, todo novo 
trabalho de cada nova historiadora ou historiador – inicia-se a partir do diá-
logo com o conhecimento já acumulado. Pode-se questionar ou confirmar 
os textos já existentes; podem ser construídas hipóteses revolucionárias ou 
importantes estudos de confirmação ao que já se sabe. Não importa: sempre 
será a partir dos autores, obras, conceitos, temas consagrados, estabelecidos 
academicamente, que se constrói o conhecimento histórico.
Acompanhar cronologicamente a construção desse modo de pensar é 
uma das formas de entender as complexidades próprias dos estudos históricos 
nos dias de hoje. 
1.2 História, verdade e objetividade: Tucídides
Não é possível falar de uma “escola histórica grega” como se fosse uma 
forma específica de pensamento a respeito da história. Pode-se, certamente, 
identificar suas origens com o pensamento de Heródoto e Tucídides, mas, 
entre esses e outros historiadores gregos importantes – como Xenofonte, Polí-
bio e Plutarco – não há uma relação de continuidade. Mais correto é afirmar 
que se tratavam de indivíduos que pensavam a história a partir das próprias 
condições culturais e viam no ato de escrever sobre o passado uma forma de 
Teorias da História
– 14 –
atuar nas próprias sociedades. É por isso que discutir Tucídides lança luzes 
não apenas sobre as maneiras de pensar de Heródoto, mas, também, sobre a 
própria situação atual do conhecimento histórico.
Figura 1 - Período de vida de alguns historiadores gregos. Os pontos de 
interrogação indicam quando não há certeza em relação às datas.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Mais novo que Heródoto, Tucídides era seu contemporâneo e, certa-
mente, conhecia a sua obra, embora jamais a cite diretamente. É interessante, 
ainda, como construiu um modelo de escrita de história específico, com 
características diferentes das do “pai da história”: enquanto Heródoto bus-
cava uma abordagem ampla da análise histórica (tomando abordagens geo-
gráficas e etnográficas), Tucídides voltou-se exclusivamente para os eventos 
políticos e militares. Outro contraste foi sua visão mais rigorosa e objetiva de 
fontes históricas de onde buscou – ao contrário de Heródoto – extrair conclu-
sões abrangentes e generalizantes dos eventos que analisava. Para Tucídides, 
compreender historicamente determinado evento era uma das maneiras pelas 
quais se poderia compreender os seres humanos como um todo. É por essa 
razão, aliás, que sua atenção se centra na guerra: é diante do que ele denomina 
de maior kinêsis – distúrbio ou convulsão – da história grega, que seria possí-
vel identificar os danos causados à vida civilizada, e como os conflitos mudam 
as pessoas (LUCE, 1997, p. 50).
Em “História da Guerra do Peloponeso”, Tucídides buscou analisar as 
causas, bem como o desenvolvimento do conflito envolvendo as cidades de 
Atenas e Esparta, ocorrido entre os anos 431 a 404 a.C. A princípio, Tucí-
dides não pode ser considerado um observador imparcial: era ateniense de 
uma família aristocrática e, já durante a guerra, alcançou o posto de general. 
Porém, por não ter conseguido defender a cidade de Anfípolis, acabou exi-
lado, retornando a Atenas apenas após o final da guerra. 
– 15 –
O surgimento da história
Ainda assim, uma das características mais marcantes de seu trabalho é a 
busca pela objetividade. Ele afirma em determinado momento:
Quanto aos fatos da guerra, considerei meu dever relatá-los, não 
como apurados através de algum informante casual nem como me 
parecia provável, mas somente após investigar cada detalhe com o 
maior rigor possível, seja no caso de eventos dos quais eu mesmo 
participei, seja naqueles a respeito dos quais obtive informações de 
terceiros (TUCÍDIDES, 2001, p. 14).
A concepção original do termo “história”, ou seja, a investigação racio-
nal de um tema, é reforçada e aprofundada com Tucídides. É por isso que os 
eventos da Guerra do Peloponeso são apresentados apenas após terem sido 
cuidadosamente apurados e apresentados não como se fossem uma mera ver-
são, ou opinião, mas resultados de uma análise que teria levado à verdade. Em 
uma passagem, que talvez tenha como objetivo criticar diretamente Heró-
doto, Tucídides censurava aqueles que “compuseram as suas obras mais com 
a intenção de agradar aos ouvidos do que de dizer a verdade” (TUCÍDIDES, 
2001, p. 14). 
De fato, não era raro que Heródoto apresentasse versões conflitantes e 
dissesse não poder afirmar qual seria a verdade de determinado tema. Tucí-
dides, por sua vez, utiliza-se de análises, comparações, e inclusive probabili-
dades para buscar encontrar o que para ele era o mais importante: a verdade, 
enquanto uma maneira de alcançar a universalidade do conhecimento e da 
compreensão dos homens. Segundo afirmou, 
Pode acontecer que a ausência do fabuloso em minha narrativa pareça 
menos agradável ao ouvido, mas quem quer que deseje ter uma ideia 
clara tanto dos eventos ocorridos quanto daqueles que algum dia vol-
tarão a ocorrer em circunstâncias idênticas ou semelhantes em conse-
quência de seu conteúdo humano, julgará a minha história útil e isto 
me bastará (TUCÍDIDES, 2001, p. 14). 
Em busca dessa objetividade, Tucídides apresenta algumas diferenças 
significativas em relação à obra e aos métodos de Heródoto. Uma novidade 
que seria muito copiada na historiografia ocidental foi a utilização de uma 
narrativa fundada em uma cronologia rigorosa: a “História da Guerra do 
Peloponeso” avança gradualmente ano a ano, apresentando os eventos mais 
importantes ocorridos durante o verão e as poucas ações que poderiam, even-
tualmente, se passar durante o período do inverno.
Teorias da História
– 16 –
 Um segundo ponto de contraste diz respeito à análise das cau-
sas. Enquanto Heródoto não estabelece análises causais2, que seriam mais 
ou menos significativas, para Tucídides existem as causas que seriam mais 
amplas, ou mais estruturais – ou seja, deveriam ser buscadas em um passado 
mais distante nas relações entre Atenas e Esparta –, e que não podem ser con-
fundidas com causasmais imediatas, que acabaram por dar início ao conflito. 
Dentro de sua busca pela verdade, Tucídides constrói outra diferença 
em relação a Heródoto: sua preocupação com a veracidade das fontes. Era 
comum que Heródoto entrevistasse pessoas sobre eventos que haviam ocor-
rido anos, ou mesmo séculos, antes, e as informações eram apresentadas de 
forma pouco questionadora. Tucídides, por outro lado, era ciente dos proble-
mas gerados pela memória. 
O empenho em apurar os fatos se constituiu numa tarefa laboriosa, 
pois as testemunhas oculares de vários eventos nem sempre faziam os 
mesmos relatos a respeito das mesmas coisas, mas variavam de acordo 
com suas simpatias por um lado ou pelo outro, ou de acordo com sua 
memória (TUCÍDIDES, 2001, p. 14).
Isso o obrigava a tomar, como fontes privilegiadas, as pessoas que haviam 
participado, diretamente, dos eventos; ou mesmo as próprias lembranças, 
considerando que ele havia participado ativamente dos conflitos, em deter-
minado momento. Ainda assim, essas versões seriam aprovadas ou rejeitadas 
a partir de sua análise, para descartar enganos, ou a parcialidade. 
Por fim, Tucídides se destaca também por seu desejo de compreender a 
universalidade, a partir do específico exemplo da guerra.
Dessa forma as revoluções trouxeram para as cidades numerosas e 
terríveis calamidades, como tem acontecido e continuará a aconte-
cer enquanto a natureza humana for a mesma; elas, porém, podem 
ser mais ou menos violentas e diferentes em suas manifestações, de 
acordo com as várias circunstâncias presentes em cada caso (TUCÍ-
DIDES, 2001, p. 198).
Não era intenção de Tucídides simplesmente compreender aquele con-
flito específico, mas analisar e raciocinar sobre a natureza humana como um 
todo. A Guerra do Peloponeso seria uma forma específica de manifestação 
2 Repare que a palavra “causais” se parece muito com “casuais”. A primeira refere-se a 
causas, a segunda à causalidade. É importante não confundir ambas no momento da leitura.
– 17 –
O surgimento da história
violenta dessa natureza, e sua história tinha a pretensão de lançar luzes sobre 
as razões, os desdobramentos e as mudanças que tais conflitos provocavam 
nas pessoas e nos povos.
Assim proliferaram na Hélade3 todas as formas de perversidade em 
consequência de revoluções, e a simplicidade, que é a característica 
mais condizente com uma natureza nobre, provocava sorrisos de 
escárnio e desapareceu, enquanto florescia por toda a parte a hipo-
crisia combinada com a desconfiança (TUCÍDIDES, 2001, p. 199).
Historiografia e Teoria: História
e a ideia de verdade
Se o leitor deste livro tiver a sorte de ter mais de 30 anos, poderá lembrar 
de algum antigo professor, especialmente do Ensino Fundamental (o antigo 
“primário”), que na tentativa de ensinar às crianças a especificidade da dis-
ciplina de história, apelava à distinção que essa palavra possuía em relação à 
“estória”. Tratava-se de uma adaptação nacional dos vocábulos ingleses history 
e story, uma contraposição didática útil que visava evidenciar o que seria a 
diferença fundamental entre o compromisso com a verdade da primeira e o 
apelo ao ficcional, e ao fantástico, da segunda. Desse modo, as crianças não 
se confundiriam quando lhes caíssem às mãos tanto a “História da Guerra do 
Peloponeso” quanto as “Histórias da Carochinha”. 
Quem primeiro sugeriu o uso da palavra “estória” foi o escritor, e mem-
bro da Academia Brasileira de Letras, João Ribeiro (1860-1934), em 1919, 
com a boa intenção de estabelecer um termo que caracterizasse as específicas 
narrativas folclóricas e que se pudesse diferenciar, enfim, as “estórias” da “his-
tória”. Atualmente, porém, o termo é considerado um arcaísmo, um “brasi-
lianismo” e, em resumo, não deve ser utilizado. 
De toda forma, para o senso comum, essa é ainda a principal caracte-
rística específica da disciplina de história, ou seja, a tarefa de contar “o que 
realmente aconteceu”. Esse era, aliás, o objetivo fundamental de Tucídides: 
seu esforço de compreensão e diligência em relação ao cuidado com suas 
fontes tinha como objetivo construir não uma versão dos fatos, ou uma nar-
3 Grécia.
Teorias da História
– 18 –
rativa possível do que havia acontecido. Seu objetivo era maior: ele queria 
estabelecer a verdade.
 Saiba mais
As “fontes” são os materiais a partir dos quais a história é produ-
zida. Nos dias atuais, as fontes primárias, também denominadas de 
documentos históricos, são todos e quaisquer vestígios que permitem 
reconstruir aspectos das ações humanas no passado. Trata-se de uma 
definição bastante ampla, porque serão fontes primárias, por exem-
plo: objetos da vida material, textos escritos, depoimentos orais, jar-
dins, arquitetura das casas, estrutura urbana, instrumentos profissionais 
ou de uso cotidiano, enfeites, símbolos religiosos; podem ser durá-
veis como um prédio, ou efêmeros como convites de casamento; 
públicos como editos, ou privados como diários; recentes como o 
jornal de ontem, ou antigos como as fogueiras dos primeiros huma-
nos. Tudo o que se relacionar ao humano pode, em algum momento, 
ser uma fonte primária.
Além das fontes primárias existem, também, as fontes secundárias. 
Essas são todas as obras que analisam um determinado evento. Ou 
seja, são estudos sobre um acontecimento, processo ou pessoa. 
Quando essas fontes secundárias são obras de história, podem rece-
ber o nome específico de historiografia. Existe, portanto, uma historio-
grafia da segunda guerra mundial, uma historiografia do Brasil Colônia, 
uma historiografia da história da ciência: todas fontes secundárias a 
respeito de um tema específico da história.
A disciplina de história, como conhecemos nos dias de hoje, foi institu-
cionalizada no século XIX, quando pretendeu se definir enquanto uma ciên-
cia. Naquele momento, o modelo científico por excelência era especialmente 
o da física, que os historiadores oitocentistas4 queriam replicar nos estudos 
históricos. Buscava-se atingir, especialmente, o ideal de verdade e objetividade 
que parecia possível com as leis e a matematização dos fenômenos naturais. 
4 Que diz respeito aos anos 1800, portanto, ao século XIX. Assim como “quinhentis-
tas” refere-se aos anos 1500, ou seja, o século XVI.
– 19 –
O surgimento da história
Tucídides foi a grande inspiração para esse modelo de objetividade. Na 
verdade, o principal historiador do século XIX e principal responsável pela 
profissionalização da história, Leopold von Ranke (1795-1880), recuperou 
a frase do historiador grego e acabou adotando-a como um mote para sua 
própria atividade enquanto historiador: tomou para si a tarefa de “desco-
brir o que realmente aconteceu”. Criou-se, assim, uma continuidade entre 
Tucídides e os primeiros profissionais da história: aos historiadores caberia a 
tarefa de narrar a verdade dos fatos já ocorridos, esclarecendo, com a menor 
margem possível a dúvidas, quem fez o quê, quando, e por quê. 
Ainda hoje, no senso comum, parece ser esse o principal objetivo do 
trabalho de historiadoras e historiadores. Nosso primeiro profundo contato 
com a história antes de estudá-la academicamente é, de maneira usual, usual-
mente por meio dos livros didáticos, que parecem confirmar essa impressão: 
após um costumeiro e rápido primeiro capítulo em que se discutem alguns 
aspectos teóricos e metodológicos, todas as demais unidades, de todas as 
séries, não fazem mais do que apresentar aos alunos, em forma de narrativa, o 
que já aparece como sabido e estabelecido como verdade. Parecem “contar a 
história”. Impressão, aliás, reforçada por outras mídias, como novelas, roman-
ces, livros de divulgação popular de história e, mais recentemente, jogos digi-
tais, como a série de sucesso Assassin’s Creed.
Há razões para que esse modelo de história tenha se enraizado no senso 
comum (os capítulos 4 e 5 irãodiscutir esse tema mais detidamente), mas 
há, também, para que não seja essa a característica fundamental do conheci-
mento histórico que se estuda academicamente. Com isso, se está querendo 
dizer que a história não se preocupa mais com a verdade? 
(Certa vez, ouvi uma piada que dizia que ser historiador era fácil, pois 
bastava aprender duas frases: “as coisas não são assim tão simples” e “tudo 
isso, na verdade, começou bem antes”).
As coisas não são assim tão simples: certamente os historiadores mantêm 
seu compromisso com explicações que estejam adequadas aos vestígios, mas 
não se preocupam mais em reconstituir “A” verdade. Até porque, essa verdade 
única e imutável não existe. Especialmente em história, o que se acreditava 
como sendo “a verdade do que realmente aconteceu”, modelo paradigmático 
dos historiadores do século XIX, eram as específicas e muito limitadas ações 
Teorias da História
– 20 –
de um pequeno e particular grupo de pessoas (líderes políticos, ou militares), 
em um reduzidíssimo palco específico (o político, quando relacionado à for-
mação dos estados nacionais). Essa restrita concepção dos estudos históricos 
foi substituída por uma noção muito mais ampla e dinâmica, própria da atu-
alidade, e que afirma que será a partir de questões lançadas pelo presente que 
o passado será indagado em busca de respostas. 
Dizendo-se de outra forma, a partir de questões precisas, fundadas na 
necessidade do conhecimento do presente – e só o entendimento do presente 
realmente importa à história – é que serão lançados questionamentos a docu-
mentos históricos, estabelecidos os fatos, definidas as causas e consequên-
cias, realizadas as análises teóricas e construídas explicações. O presente dirige 
nosso olhar ao passado. 
Porque – e esse é um segundo erro do senso comum em relação à dis-
ciplina de história – passado e presente não estão separados, cindidos. Não é 
pelo seu caráter interessante e curioso que se estuda a Roma dos césares (ou, 
ao menos, não exclusivamente por isso), mas porque somos o resultado do 
passado. E é a história que nos permite entender as maneiras pelas quais nós, 
e nossa realidade, fomos construídos. 
Se você retornar à definição de história apresentada algumas pági-
nas atrás, verá que ela começa com a palavra “estudo”. Isso porque, den-
tro dessa visão acadêmica na atualidade, a história não é o passado, mas o 
que se estuda de um determinado passado. Na linguagem cotidiana, não há 
qualquer problema em usar “passado” e “história” como sinônimos (o que, 
aliás, acontece frequentemente), mas dentro da disciplina histórica cada um 
dos termos remete a um conceito e realidade bem específicos. Passado é tudo 
o que já aconteceu – e entenda esse “tudo” no sentido mais amplo possível. 
Não apenas o que aconteceu com reis e rainhas, mas o que aconteceu com 
cada pessoa, em cada lugar, em cada momento. O que acontecia, por exem-
plo, com o lavrador de cana português Manoel Rodrigues Penteado, quando 
morava na cidade Paranaguá (Paraná), em 8 de abril de 1716, às 8h da manhã, 
às 8h02, e a cada instante a partir disso. 
História, por sua vez, é o estudo desse passado. Da infinidade de coisas 
que já ocorreram, recorta-se um determinado tempo e local, que serão anali-
sados a partir dos métodos históricos, na busca por resolver questões que são, 
elas mesmas, históricas. 
– 21 –
O surgimento da história
Mas tudo isso, a bem da verdade, começou muito antes, pois não apenas 
a atividade de história tem também seu próprio passado – e uma história, por 
assim dizer, da história –, mas inclusive, uma forma específica de se pensar 
sobre ela, a sua “teoria”, que é também construída historicamente. Ou “teo-
rias”, porque não é apenas uma, mas várias, algumas delas até mesmo conflitu-
osas entre si. É por isso que esse livro utiliza uma abordagem cronológica, pois 
procurará definir gradualmente as características do conhecimento histórico 
a partir dos questionamentos lançados por diferentes épocas e práticas, em 
relação à escrita da história.
1.3 Historiografia romana e a 
importância da teoria
Os historiadores romanos são, na atualidade, muito menos influentes do 
que os gregos. Ainda hoje se estuda Heródoto e Tucídides, suas concepções de 
fonte e objetividade, seus ideais de verdade e noções a respeito da função da 
história. A presença de nomes como Salústio, Lívio e Tácito, por outro lado, 
são mais raros.
Figura 2 - Período de vida de alguns historiadores romanos.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Há algumas razões para esse esquecimento. A primeira é a que se rela-
ciona à qualidade da própria produção histórica. Os romanos demoraram 
a desenvolver uma historiografia local voltada ao conhecimento do próprio 
passado, separado do mito. Pode-se evidenciar também o caso de personali-
dades como o historiador Salústio, que procurou encontrar a origem do que 
entendia como corrupção e decadência de Roma, e julgou encontrá-la no 
Teorias da História
– 22 –
amor desenfreado dos romanos pelo luxo, que teria surgido após a vitória 
romana sobre Cartago (século II a.C.):
Antes da destruição de Cartago, o povo e o senado de Roma governa-
vam a república de forma pacífica e com moderação. Não havia confli-
tos entre os cidadãos fosse por glória ou poder; o medo ao inimigo pre-
servava a boa moral do estado. Mas quando as mentes do povo foram 
aliviadas desse medo, lascívia e arrogância surgiram naturalmente, 
vícios que são promovidos pela prosperidade (SALÚSTIO, 1921, s/p).
A obra de Salústio teve pouca influência na historiografia. Nas palavras 
do historiador austríaco Ernst Breisach (nascido em 1946), “não há um único 
aspecto da obra de Salústio que garanta seu lugar entre historiadores” (BREI-
SACH, 1983, p. 56). 
Há outras questões, porém, mais atuais, que se associam a este esque-
cimento dos romanos, como o quase total abandono do modelo clássico de 
ensino, comum até, especialmente, o século XIX. O estudo do latim era tra-
dicional presença nos currículos escolares e a releitura de autores clássicos tor-
nava suas obras conhecidas. Seus textos deveriam ser traduzidos e, por vezes, 
decorados, como parte da formação do estudante. Mais do que isso, quando 
ainda não existia uma disciplina específica para o estudo do passado, era a 
leitura desses e de outros autores que fazia as vezes de “ensino de história”. É 
por essa razão, aliás, que a imagem de uma “Roma decadente” que teria ruído 
por seus vícios, tornou-se tão comum no imaginário popular: afinal, interpre-
tações como a de Salústio (e, não muito diferentemente, Lívio e Tácito), de 
uma Roma corrupta e moralmente frágil, eram lidas pelos estudantes. 
Uma outra razão para esse esquecimento refere-se ao modelo de história 
que produziam. Embora discutissem, primordialmente, a política e a guerra, 
o estilo dos antigos romanos era por demais apaixonado para o gosto dos 
historiadores do século XIX que se acreditavam sóbrios e neutros. Afinal, os 
romanos não buscavam a objetividade com seus textos, mas o elevar dos espí-
ritos e a difusão, via comparação com o passado, de valores morais. 
Entretanto, não se deve desprezar a historiografia romana tão facilmente. 
A obra de Tito Lívio, ou simplesmente Lívio, por exemplo, é impressionante. 
Escreveu, por mais de 40 anos, sua “Ab Urbe condita”, traduzida como “Desde 
a fundação da cidade”. E é exatamente isso que ele procurou construir, uma 
narrativa que abrangesse os mais de 7 séculos da história romana, partindo da 
– 23 –
O surgimento da história
criação mítica, até sua contemporaneidade. O conjunto de textos totalizava, 
originalmente, mais de 140 livros, embora apenas cerca de 20% desse total 
tenha sobrevivido até os nossos dias. Se fossem impressos em estilo moderno, 
alcançariam mais de 8 mil páginas (LENDON, 2002, p. 62).
Tratava-se de uma obra nacionalista, escrita sob aperspectiva de um 
aristocrata. Assim, prezava as tradições romanas, condenava ações que reve-
lavam ausência de dignidade e valorizava a bravura, algo fundamental em 
uma sociedade altamente militarizada como a romana. Porém, há algo de 
“salustiano” na obra de Lívio: também ele acreditava viver em um período de 
decadência e buscava encontrar no passado, uma espécie de era de ouro de sua 
sociedade, que desejava ver restaurada. 
Talvez o mais conhecido dos historiadores romanos seja Tácito, cuja 
obra repete algumas características de seus companheiros. Ele era um homem 
ligado à política e sua obra também teve como uma das principais caracterís-
ticas a busca por compreender a sociedade do próprio tempo. Continuando 
as semelhanças, igualmente compreendia o presente em que vivia como deca-
dente, em especial, quando contrastado a períodos gloriosos do passado. Não 
é à toa que sua obra, “Histórias”, inicie no chamado “Ano dos quatro impe-
radores”, ou seja, 69 d.C., quando, após o suicídio de Nero, Roma entrou em 
guerra civil e se sucederam no poder Galba, Otão, Vitélio e Vespasiano. Tácito 
buscava compreender as razões para o surgimento desse intenso momento de 
crise na sociedade romana.
As razões que Tácito encontra para explicar tal decadência – assim como 
ocorrera com Lívio e mesmo com Salústio – estariam na perda daquilo que 
seriam os verdadeiros valores romanos, como a integridade mortal e o espírito 
cívico (BREISACH, 1983). Tratava-se da visão de um cidadão tradicional e, 
não se pode esquecer, o ponto de vista específico de um senador romano a 
respeito do próprio presente e passado. 
Observe-se, por exemplo, a maneira pela qual Tácito explicitamente 
valoriza a simplicidade e revela desgosto com os requintes próprios de seu 
tempo, ao descrever as ações de Cneu Agrícola na Bretanha, em sua obra 
“Vida de Agrícola”:
Para acostumar ao descanso e ao repouso e aos encantos de luxo uma 
população dispersa e bárbara e, portanto, inclinada para a guerra, 
Agrícola deu incentivo privado e ajuda pública para a construção de 
Teorias da História
– 24 –
templos, tribunais de justiça e construção de casas, elogiando o enér-
gico e reprovando o indolente. [...] Daí, também, um gosto levan-
tou-se em direção a nosso estilo de vestir, e a toga tornou-se moda. 
Passo a passo, eles foram levados aos vícios sedutores, os pórticos, 
os banhos, os elegantes banquetes. Tudo isso em sua ignorância eles 
chamavam civilização, quando era apenas uma parte de sua servidão 
(TÁCITO, Agrícola, cap. 21).
A despeito de exceções pontuais, como a recuperação de Lívio, na 
Europa do século XIV, e da de Tácito, nos Estados Unidos do século XVIII, 
foi apenas um determinado elemento do estilo dos historiadores romanos que 
acabou por se tornar relevante e continuou durante a Idade Média, e mesmo 
posteriormente: o uso da retórica. Para esses historiadores saudosos de uma 
antiga Roma que não mais existia, era fundamental convencer os cidadãos da 
possibilidade de melhoria das próprias ações e valores morais. Nesse sentido, 
seus textos de destacavam pelo uso de técnicas específicas que visavam con-
vencer a modificar comportamentos. A partir do crescimento da influência 
cristã na sociedade romana (como veremos no próximo capítulo), o uso da 
retórica permaneceu como uma técnica própria dos trabalhos históricos, mas, 
nesse novo momento, direcionados à difusão do cristianismo. 
Historiografia e Teoria: Por que uma 
“teoria” para a história?
Um ponto característico dos romanos no entendimento do passado é a 
sua forma complexa de explicar as mudanças. E por “complexa” não entenda 
“objetiva”. Na verdade, em alguns momentos, as causas dos eventos poderiam 
ser buscadas em ações humanas, enquanto em outros poderia haver impor-
tantes ações divinas ou míticas. Tome-se, por exemplo, as seguintes explica-
ções dadas por Plínio, o Velho (23-79), para o surgimento da tecnologia e de 
técnicas relacionadas à guerra:
Beleferon inventou o ato de cavalgar cavalos, Peletrônio rédeas e selas 
e os Centauros [...] as táticas de cavalaria. A raça Frígia foi a primeira 
a atrelar dois cavalos a uma charrete, e foi Erictônio quem adicionou 
dois a mais. Durante a Guerra de Tróia Palamedes inventou a forma-
ção militar, as senhas, os sinais para reconhecimento, e sentinelas. [...] 
Tréguas e tratados foram inventados por Licaão e Teseu, respectiva-
mente (PLÍNIO, apud SHERWOOD, 1998, p. 542).
– 25 –
O surgimento da história
Essa não era uma obra de história, a bem da verdade. Contudo, é inte-
ressante notarmos como, dentro da cultura romana, explicações que consi-
deraríamos fabulosas convivem sem constrangimentos com ações humanas. 
Várias características da produção histórica da atualidade diferenciam-se 
desse modelo criado por Plínio. A presença de definições explícitas, compre-
ensão de diferentes temporalidades e utilização de conceitos rigorosos impe-
dem que eventos históricos sejam atribuídos a, por exemplo, Centauros. Isso 
porque há uma fundamentação teórica que, atualmente, tem a função de 
sustentar as maneiras pelas quais se constrói a pesquisa em história.
Os estudos históricos não precisariam de teoria – ou essa seria reduzida 
a um mínimo – se o ato de encontrar fatos históricos fosse semelhante ao de 
coletar besouros. Nesse caso, bastaria ir ao ambiente selvagem dos arquivos, 
colecionar o maior número possível de fatos e organizá-los cronologicamente. 
Pronto: teríamos a história. Pouca teoria necessária, talvez alguma metodologia.
No entanto, a primeira complicação é que os fatos históricos não exis-
tem por si mesmos. Não são um dado óbvio da realidade. Não estão prontos, 
congelados nos documentos, aguardando serem coletados. 
Essa fotografia é exem-
plo de uma típica fonte pri-
mária. Analisando-a, pode-se 
dizer, imediatamente, quais 
“fatos” estariam ali presentes? 
“As pessoas, representadas na 
imagem, estavam realmente 
ali, e isso é um fato”, você 
pode argumentar. Não há 
dúvida de que, pressupondo 
que essa imagem não tenha 
sido adulterada (e não há 
qualquer razão para supor 
isso), aquelas pessoas esti-
veram reunidas e trata-se de 
um evento que realmente aconteceu. Um fato do passado, imutável, inalte-
rável, não importa o que façam, digam, pensem ou desejem os historiadores.
Figura 3 - Foto de 1922. Exemplo de fonte histórica.
Fonte: Casa de Rui Barbosa.
Teorias da História
– 26 –
Mas não é um fato histórico. Essa expressão – ou melhor, esse conceito 
– só será utilizado para definir aquelas informações que ajudem a solucionar 
questões propriamente históricas. Se nossa pesquisa for “Quais as relações 
políticas estabelecidas entre Brasil e Portugal no início do século XX? ”, o 
fato que nos interessará é o de que a imagem registra a visita de Antônio 
José Almeida, então Presidente de Portugal, a Rui Barbosa, em 1922. Outras 
pesquisas demandarão outras perguntas e, por consequência, gerarão novos 
fatos: “Qual o papel das mulheres nas discussões políticas do Brasil, no início 
do século XX? ”. Essa pergunta promove uma análise diferente da fotogra-
fia, bem como gera novos fatos. Repare que, no espelho, aparecem refletidas 
a imagem de Maria Augusta Rui Barbosa (esposa de Rui Barbosa), junto 
com a de outras mulheres. Pode-se analisar esse detalhe sobre a participação 
feminina na política e sua relação com seus papéis sociais: usualmente não 
representadas, mas presentes e participantes. 
“Fato histórico”, portanto, não é um dado da natureza. Não existe 
pronto e acabado. A transformação de um fato do passado em fato histórico 
dependerá, sempre, das questões levantadas pela pesquisa e dos objetivos da 
historiadora e do historiador. Serão essas questões que direcionarão o olhar 
para as fontes e construirão os fatos históricos que participarão das análises.
 Definindo conceitos: FATO HISTÓRICO
Todo dadoda realidade, encontrado em fontes primárias, utilizado 
para responder a determinada questão histórica.
Até mesmo Heródoto e Tucídides nos servem de exemplos. Sabemos 
que as pessoas eram suas fontes primárias preferenciais, mas que perguntas 
faziam a elas? Como definiam o que perguntar e como perguntaram? De 
que maneira escolhiam as testemunhas? Como decidiam o tema sobre o qual 
perguntar? Como selecionavam o que era relevante e o que era irrelevante, 
das respostas obtidas?
Eis que surge um novo elemento que demonstra a importância da abor-
dagem teórica da história: o papel ativo da historiadora e do historiador na 
construção do conhecimento. Pois passará necessariamente por eles (nós) a 
decisão da escolha do tema, recorte temporal, definição da perspectiva, coleta 
– 27 –
O surgimento da história
e organização dos dados, redação e apresentação dos resultados. Sem defini-
ções teóricas claras, os trabalhos históricos tornam-se, no mínimo, ingênuos 
e, muito comumente, terão suas conclusões comprometidas. 
Afinal, como definir, por exemplo, o que é uma “causa” em história? Que 
elementos teóricos e filosóficos sustentam a afirmação: “as punições impostas 
à Alemanha com o Tratado de Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial, 
são uma das causas da Segunda Guerra”? Devemos ter uma concepção teórica 
bem definida de causalidade, para sustentar tais afirmações.
Além disso, como podemos estabelecer o que é uma “explicação” em 
história? Como podemos dizer que algo está bem ou mal explicado? Para defi-
nir essa ideia deve-se levar em consideração a concepção de causa. Podemos 
considerar um esclarecimento adequado como uma das razões para a queda 
de João Goulart, em 1964, a perda de sustentação política para seu governo? 
O avanço do pensamento anticomunista? A influência do conservadorismo 
católico? Todas essas causas em conjunto? E se a explicação tem de ser mul-
ticausal – algo que é muito comum – como diferenciar as causas mais ou 
menos importantes? As estruturais das imediatas?
Na linguagem cotidiana, “teoria” muitas vezes é utilizada como sinô-
nimo de “hipótese”. Dentro da filosofia da ciência, não é esse, porém, o 
sentido dado a esse termo: “teoria” refere-se à utilização da racionalidade de 
modo a construir uma explicação coerente dos fenômenos observados. Evolu-
cionismo, por exemplo, é uma teoria biológica, sistematizada originalmente 
por Darwin, que procura explicar a diversidade de espécies tanto existentes 
como já extintas. Teorias relacionam-se, portanto, ao uso da razão para a 
construção de modelos mais ou menos generalizantes para a explicação dos 
fatos observados. 
Em história, a ideia de teoria pode, em primeiro lugar, significar um 
modelo explicativo da realidade, seja em sua totalidade (como é pretensão do 
pensamento Marxista), seja para épocas ou eventos específicos (como a cons-
trução de conceitos como “Feudalismo”, “Renascimento”, ou “Ditadura mili-
tar”). Em segundo lugar, é função da teoria definir as formas racionais pelas 
quais se podem pensar as explicações históricas dentro de suas especificidades. 
Ou seja, como conceber as diferentes temporalidades dentro da problemática 
dos “tempos históricos”; conceituar e definir a ideia de “sujeito histórico”, 
Teorias da História
– 28 –
e como discutir a relação que existe entre as determinações de uma época e 
as vontades individuais. Além disso, é também papel da teoria fundamentar 
alguns temas que já abordamos rapidamente, como a questão da causa, a ideia 
de explicação histórica e os debates sobre a objetividade.
Esse item objetiva lançar mais perguntas do que apresentar respostas. 
Afinal, é propósito desse livro promover a compreensão dos elementos que 
fazem parte da teoria da história em sua própria historicidade. Ou seja, em 
seu próprio processo de constituição, ao longo do tempo. É por isso que 
partimos das concepções históricas da Antiguidade até atingirmos, no último 
capítulo, as concepções contemporâneas (ou “pós-modernidade”) de teoria 
histórica. Nesse trajeto, discutiremos e apresentaremos as diferentes visões das 
ideias teóricas que fundamentam o conhecimento histórico.
Da teoria à prática
A palavra “história” não tinha o significado de uma disciplina específica 
quando Heródoto e Tucídides escreveram suas obras. Porém, na época de 
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) esse sentido já estava definido. Tanto assim 
que uma das mais famosas passagens relacionadas à teoria de história foi 
escrita por esse filósofo, em sua obra “Poética”. Em determinado trecho, Aris-
tóteles compara a atividade do historiador – que seria a de descrever aquilo 
que aconteceu – com a do poeta – que escreveria sobre o que poderia ter 
acontecido. A conclusão do filósofo: “a poesia é algo mais filosófico e sério 
do que a história, pois refere aquela [a poesia] principalmente ao universal, e 
esta [a história], ao particular” (ARISTÓTELES, 1994, p.115). “Universal” 
diz respeito a pensar tudo o que poderia ter acontecido com Alcebíades (algo 
próprio da poesia), enquanto o “particular” refere-se apenas ao que efetiva-
mente ocorreu com ele (raciocínio próprio da história). 
Em um livro de teoria, a primeira atividade prática será ela, também, 
teórica: você acredita que Aristóteles estava certo? 1. Em sua opinião, a poesia 
é mais filosófica do que a história? 2. Você acredita que a história lida apenas 
com o particular, o específico? Por quê? 
Por mais complexa que seja essa atividade, ela é importante. Ainda hoje, 
os historiadores discutem essa passagem de Aristóteles. O objetivo aqui é esti-
– 29 –
O surgimento da história
mular o raciocínio sobre as características do conhecimento histórico. Espera-
-se que, ao final do livro, você possa retornar a essa questão e verificar como 
o seu pensamento se modificou em relação aos significados e ao alcance do 
conhecimento produzido pela história.
Síntese
Neste capítulo foram apresentados alguns aspectos essenciais do surgi-
mento da história na Grécia Antiga, além das características fundamentais 
da historiografia romana. Discutiu-se, ainda, como as concepções atuais da 
história diferenciam-se daquelas da Antiguidade e como o conhecimento teó-
rico é importante para dar sustentação e validade ao conhecimento histórico 
produzido na atualidade. 
Atividades
1. O seguinte trecho está presente no capítulo LXXV, do Livro II, da 
obra “Histórias” de Heródoto. Leia-o com atenção.
Há na Arábia, perto da cidade de Buto, um certo lugar para onde me 
dirigi, a fim de me informar sobre as serpentes aladas. Vi, logo à minha 
chegada, uma quantidade prodigiosa de ossos e de espinhas dessas ser-
pentes (...). Dizem que as serpentes aladas voam da Arábia para o Egito 
assim que chega a Primavera. (HERÓDOTO, 1964, s/p).
Considerando-se o trecho acima, é correto afirmar, sobre o método 
de investigação desenvolvido por Heródoto, em sua obra “Histórias”:
a) Caracteriza-se pelo rigor metodológico, apreço à objetividade e à 
verdade, tanto que foi utilizado como modelo de pensador impar-
cial pelos historiadores do século XIX.
b) Traz evidências de que, antes do aumento da população humana, 
existiam animais que hoje são extintos, como as serpentes voadoras, 
então comuns no Egito.
c) Heródoto trabalhava apenas com fontes históricas escritas, pois 
objetivava recuperar narrativas que pudessem ser utilizadas em 
sua obra. 
Teorias da História
– 30 –
d) Ainda que afirmasse buscar a verdade, Heródoto não demonstrava 
muito rigor na avaliação de suas fontes, reproduzindo como ver-
dade afirmações obviamente falsas.
e) Assim como fez Homero na Ilíada, a obra de Heródoto traz uma 
análise fabulosa de eventos históricos, e este caracterizou-se como 
um poeta importante na história grega. 
2. São exemplos, respectivamente, de “fonte primária” e “fonte 
secundária”:
a) Pinturas do século XVIIIe fotografias do século XIX.
b) As obras de Heródoto e Tucídides.
c) Livros didáticos de história e a carta de Pero Vaz de Caminha.
d) Jornais e livros didáticos de história.
e) Os conceitos de historiografia e de fato histórico. 
3. Plutarco (46 d.C.-120d.C.) foi um escritor grego, famoso pela obra 
“Vidas Paralelas”, em que inaugurou o gênero histórico conhecido 
como “biografia”. Em seu livro, analisou a vida de um grande 
número de personalidades, procurando descobrir semelhanças e 
diferenças em relação a seus defeitos e virtudes. O trabalho de Plu-
tarco é exemplo da variedade da historiografia grega antiga, da qual 
participaram outros pensadores, como Heródoto e Tucídides.
Sobre a historiografia grega, é correto afirmar:
a) Não possui uma homogeneidade, nem se caracteriza como uma 
escola histórica, visto que cada historiador grego pensou a história 
e a desenvolveu de uma forma pessoal.
b) Iniciou-se com Salústio, que procurou no estudo do passado com-
preender a sociedade de seu tempo e explicar a decadência nos 
modos de seus contemporâneos.
c) Foi marcada pelo rigor objetivo, cuidado extremo com as fontes 
primárias e uma diversidade de análises geográficas e etnográficas, 
imitadas durante a Idade Média.
– 31 –
O surgimento da história
d) Marcada pela retórica, não se preocupava com a verdade, mas com 
o estímulo à mudança de comportamento de seus leitores em dire-
ção a uma vida mais virtuosa.
e) Foi influenciada pelo cristianismo e acabou por desenvolver con-
cepções históricas voltadas ao segundo retorno de Jesus, ao início 
do Apocalipse e ao fim da história. 
4. Assim afirma o historiador Marc Bloch, a respeito do desenvolvi-
mento da história:
A palavra história é uma palavra antiquíssima: tão antiga que às vezes 
nos cansamos dela. [...] Mesmo permanecendo pacificamente fiel a 
seu glorioso nome helênico, nossa história não será absolutamente, 
por isso, aquela que escrevia Hecateu de Mileto; assim como a física 
de lord Kelvin ou de Langevin não é a de Aristóteles. Qual é ela, 
então? (BLOCH, 2001, p. 45).
Essa reflexão de Marc Bloch procura destacar:
a) A permanência, ainda nos dias de hoje, dos mesmos princípios rela-
tivos a fontes históricas, o sentido de verdade e a ideia de objetivi-
dade, que existia entre os gregos.
b) A mudança promovida por Homero de Halicarnasso, ao construir 
um modelo de ciência histórica que permanece inalterado até os 
dias de hoje.
c) O fato de que, sob o termo “história”, definem-se práticas que, 
ao longo do tempo, foram bastante diferentes entre si e mudaram 
conforme as épocas.
d) A ideia construída por Tucídides da inviabilidade dos conceitos 
desenvolvidos por Hecateu de Mileto e Heródoto, em torno da 
busca pela objetividade em história.
e) A noção de que o conhecimento histórico não muda, pois estuda 
o que está no passado, que por razões óbvias, não sofre alterações. 
2
Medievo, Renascença 
e a ideia de tempo 
histórico
A ideia de tempo é fundamental para os estudos históricos. Em 
primeiro lugar, pelo fato de que os eventos e processos estudados estão 
localizados no passado e também porque a precisão nas datações é 
uma primeira condição para uma adequada atividade histórica. Mas, 
a relação entre a história e o tempo vai além: é pela discussão sobre 
o diálogo entre presente e passado que devem ser compreendidos os 
objetos de pesquisa estudados por historiadoras e historiadores. 
Nesse capítulo estudaremos, inicialmente, as condições 
pelas quais se forma uma múltipla e específica forma de se escrever 
história durante a Idade Média. Para isso, procuraremos analisar 
como se deu a interpretação cristã da história – muito influente no 
pensamento medieval. A seguir, buscaremos compreender como as 
mudanças sociais do Renascimento, influenciaram nas concepções 
a respeito da história e de tempo histórico. 
Teorias da História
– 34 –
2.1 Pode-se falar em uma 
historiografia medieval?
Histórias são ações verdadeiras que realmente aconteceram, narra-
ções plausíveis são aquelas que, mesmo que não tenham acontecido, 
poderiam de toda forma ter acontecido, e fábulas são coisas que não 
aconteceram e não podem acontecer, porque são contrárias à natureza 
(ISIDORO DE SEVILHA, 2006, p. 67).
Essa diferenciação entre historiae, argumenta e fabulae foram escritas pelo 
estudioso, e arcebispo da cidade de Sevilha, Isidoro (560-630). Não são muitos 
os textos medievais que discutem, de um ponto de vista teórico, o significado 
da ideia de história para os europeus do período; além disso, a obra de Isidoro 
foi muito consultada e referenciada ao longo dos séculos: essas são duas pri-
meiras razões que justificam o interesse pela citação. Mas há mais que se pode 
extrair do conceito de história, para a Idade Média, a partir desse trecho.
A localização é também significativa: essa citação aparece sob o item 
“Gramática”, que é o Livro I de sua obra “Etimologias”, logo após a discussão 
de pronomes, substantivos, verbos, ortografia. Mas, por que gramática? O 
próprio Isidoro justifica: “porque tudo que é digno de ser rememorado está 
comprometido com a escrita” (ISIDORO DE SEVILHA, 2006, p. 67). A 
primeira conclusão a respeito do estatuto da história no período medieval, 
portanto, é que não era não era um ramo de estudos autônomo – ou seja, 
dependia de outras áreas do conhecimento –, e se qualificava mais como uma 
“narrativa”, com peculiaridades próprias.
A maior parte dos trabalhos que poderíamos denominar de históricos, 
durante o período medieval, não explicava, ou o fazia muito brevemente, 
seus pressupostos teóricos. Isso é consequência de sua própria concepção de 
história: os textos tinham um profundo fundamento na retórica1, e não era 
raro que a narrativa visasse mais dar lições morais do que, realmente, regis-
trar eventos do passado (daí, aliás, a presença constante de mitos e lendas 
nos textos “históricos”); era frequente a ausência de fontes que embasas-
sem as afirmações, sendo comum considerar a Bíblia autoridade histórica; 
a organização cronológica não era prioridade, e eventos de épocas diferentes 
1 O termo retórica refere-se à arte dos discursos, em sua capacidade de persuadir os 
ouvintes. Ganhou importância já na Antiga Grécia e, desde então, foi considerada fundamen-
tal como parte da educação até aproximadamente o século XIX.
– 35 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
poderiam aparecer próximos uns aos outros em uma única narrativa. Como 
afirmou a historiadora Gabrielle Spiegel, “a historiografia medieval, de uma 
perspectiva moderna, é inautêntica, anticientífica, desconfiável, a-histórica, 
ocasionalmente irracional, frequentemente iletrada, e, em seu conjunto, não 
profissional” (SPIEGEL, 2002, p. 78). 
Além disso, e justamente por não se constituir em um gênero claramente 
definido, textos que poderíamos denominar históricos foram escritos não por 
especialistas, mas por pessoas de diferentes formações, principalmente membros 
da Igreja Católica (até pelo menos o século XII, eram em sua maioria monges), 
mas também oficiais de governo, ou estudiosos. Sem estudos específicos para a 
história, e sem um reconhecimento de seu valor enquanto campo de estudos, 
tais obras acabaram sendo marcadas, sobretudo, por sua baixa qualidade. 
Não se pode esquecer, por fim, que coexistiam diferentes conceitos para 
“história” no período, variando de uma forma de conhecimento, passando 
por um gênero literário, alcançando o próprio objeto sobre o qual se estudava 
(DELIYANNIS, 2003). Na verdade, muitas das pessoas que definimos, nesse 
capítulo, como exemplos de “historiadores medievais” não se viam como tais, 
mas como compiladores, copistas, redatores, meros responsáveis por criar 
resumos de trabalhos escritos por outros (SPIEGEL, 2002). Por isso, há que 
se ter cuidado ao falar de uma “históriano período medieval” e, mesmo, em 
“historiador” medieval, por conta da extensão temporal do período, das dife-
renças culturais regionais, e pelo simples fato de que existiam múltiplas defi-
nições para a ideia de “história” na Idade Média. O que se podem apreender 
são diferentes temas, tópicos específicos, e abordagens que lhes são próprias, 
sendo a mais importante, sem dúvida, a interpretação cristã para a história.
 Saiba mais
Dá-se o nome de Idade Média a um longo período da história europeia 
que se estende, aproximadamente, do século V ao século XV. Trata-
-se de uma denominação criada na Renascença sob a crença de que 
esse havia sido um período no qual nada de historicamente importante 
havia ocorrido. Tratava-se, porém, de uma incompreensão: sabe-se, 
atualmente, que esse período do medievo (refere-se ao “medieval”, ou 
seja, à Idade Média) teve sua própria dinâmica, com movimentos his-
tóricos – nas artes, crenças, política, economia – bastante importantes
Teorias da História
– 36 –
2.1.1 O pensamento historiográfico cristão no medievo
O principal elemento unificador da historiografia medieval foi o pen-
samento cristão. O cristianismo – bem como o judaísmo, do qual deriva – é 
uma religião histórica, tanto no sentido de que seus livros sagrados são basea-
dos em narrativas de acontecimentos, quanto na crença de que Deus atuaria, 
de forma decisiva e constante, nos acontecimentos do mundo. Talvez por isso 
a história e a religiosidade tenham se aproximado tanto, a ponto de ser pos-
sível afirmar que o mais característico dos modelos historiográficos medievais 
está fundamentado na religião e confunde-se com a hagiografia2.
No que se poderia configurar como a passagem do mundo romano ao 
cristão, os textos históricos desempenharam um duplo e importante papel: 
procuraram estabelecer uma continuidade da cristandade com a herança 
romana e legitimar, por meio dessa ligação com o passado, o pensamento cris-
tão e sua gradual ascensão e importância sociais. Pensadores como Eusébio 
de Cesareia, Santo Agostinho e Paulo Orósio marcaram essa transformação, 
digamos, historiográfica, entre o mundo antigo e o medieval. 
Figura 1 - Alguns pensadores cristãos sobre a história.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Escrita em torno de 325, a “História Eclesiástica”, de Eusébio de Cesa-
reia (265?-340?), marcou a primeira abordagem de construção de uma cro-
nologia cristã, procurando criar uma retórica que demonstrasse não apenas a 
validade de sua religião, mas também sua superioridade moral sobre as tradi-
cionais crenças politeístas dos romanos. Narrava a vida de Jesus Cristo e dos 
apóstolos, mas, também, buscou dar memória a mártires, pensadores cristãos, 
bispos, descrevendo o crescente desenvolvimento do cristianismo, passando 
pela perseguição dentro da sociedade romana, até o que seria a vitória dessa 
2 Textos de caráter religioso, voltados especialmente à narrativa das vidas de santos.
– 37 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
religião. Eusébio foi um dos conselheiros do imperador romano Constantino 
(272-337), que afirmou ter se convertido ao cristianismo e, mais do que isso, 
atuou para garantir seu desenvolvimento na sociedade romana. Marcava-se, 
portanto, uma ligação íntima entre o mundo romano e o pensamento cristão.
Santo Agostinho, ou Agostinho de Hipona (354-430), é ainda hoje consi-
derado um dos mais importantes teólogos do cristianismo. Nascido em Tagaste, 
região do norte da África em que hoje é a Argélia, Agostinho viveu, inicial-
mente, nas fronteiras do Império Romano. Indo estudar em Cartago, conheceu 
os principais pensadores romanos, e chegou a morar na cidade de Roma, onde 
ensinou retórica. Sua grande obra filosófica e teológica exerce profunda influ-
ência até os dias de hoje (tendo sido fundamental para a Idade Média), da qual 
se destacam “Confissões” – na qual narra, com detalhes, seu lento processo de 
conversão ao cristianismo – e, especialmente, a “A Cidade de Deus” – obra que 
procurou construir uma interpretação religiosa para a história.
“A Cidade de Deus” foi escrita como uma reposta teológica contra as 
acusações de que Roma fora saqueada pelos visigodos, em 410, como uma 
vingança pelo abandono dos deuses tradicionais romanos em favor do cristia-
nismo. O argumento de Agostinho parte da explicação de que existiriam, no 
universo, duas forças cósmicas, a cidade terrena e a Cidade de Deus, sendo 
que essa última não existiria no mundo secular. Ao mesmo tempo, não exis-
tia e não poderia existir nenhuma cidade na terra, nem mesmo Roma, que 
tivesse, em sua perfeição, o que existiria na Cidade de Deus. O mundo, até 
aquele momento, só havia conhecido uma mistura das duas cidades. 
Dois amores deram origem a duas cidades: o amor a si mesmo até o 
desprezo de Deus, a terrena; e o amor de Deus até o menosprezo de si, 
a celestial. A primeira se glorifica em si mesma; a segunda se glorifica 
no Senhor. A primeira está dominada pela ambição do domínio de 
seus príncipes ou das nações que submetem; a segunda utiliza mutu-
amente a caridade dos superiores mandando e os súditos obedecendo 
(CIDADE DE DEUS, XIV, 28).
Ao apresentar os eventos históricos enquanto o resultado dos desígnios 
de Deus, Agostinho construiu uma determinada teoria da história baseada 
em princípios cristãos e que, ao mesmo tempo, inseria a queda de Roma 
dentro de um projeto maior, divino. Os eventos que ocorriam no mundo 
deveriam ser entendidos como passos da cidade terrena em seu caminho de 
aproximação com a Cidade de Deus, em um lento e difícil processo de reden-
Teorias da História
– 38 –
ção do homem, em sua busca para reconquistar a graça de Deus. E é por isso 
que nenhuma cidade secular poderia ter estabilidade eterna. Em não sendo o 
ponto final, todas as cidades terrenas teriam uma determinada tarefa a cum-
prir e, realizado o seu papel, desapareceriam. 
Assim, para Agostinho, a função de guiar a cidade terrestre na direção 
correta seria da Igreja, a própria antecipação, no mundo, da cidade celeste. É 
por isso que, dentro de uma concepção histórica que irá durar pelo menos até 
o século XII, “história” confunde-se com a própria história da Igreja e de suas 
ações em direção ao progresso da cristianização.
Uma obra de história de fundo religioso, bastante difundida no medievo, 
foi a de Paulo Orósio (380?-420?), teólogo que viveu na região em que atual-
mente é a Espanha. A sua obra “Sete livros de história contra os pagãos3”, foi 
escrita como se fosse continuação do texto de Agostinho, embora com reda-
ção mais simples e mais objetiva, e demonstrar certo otimismo em relação 
aos problemas que pareciam existir em sua época. Para Orósio, Roma sofrera 
durante séculos, e teria sido apenas com a ascensão do pensamento cristão 
que a sociedade se aperfeiçoara. 
Uma originalidade própria desse pensamento histórico cristão foi sua 
busca pela universalidade. Afinal, ainda que produzidas em local e momentos 
específicos, e ligando-se fortemente a uma presença romana, o pensamento 
cristão via a ação de Deus não apenas para determinados povos, mas para 
todo o mundo. Nesse sentido – e durante toda a Idade Média – pensam-se as 
ações divinas nos eventos terrestres como partes de uma determinada história 
que pretendia ser universal. 
Historiografia e Teoria: O pensamento 
cristão e a direção do tempo
Descobrir as formas pelas quais uma sociedade organiza o próprio 
tempo – seus calendários, os termos que utiliza, os deuses que controlam 
esse tempo, os equipamentos que o medem – permite-nos entender como ela 
3 “Pagãs” foi o termo tomado pelos primeiros cristãos da Europa para denominar as 
religiões que não eram o próprio cristianismo. Daí o termo “pagãos” a seus devotos e “paganis-
mo” como sinônimo de sua religião.
– 39 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
compreende o passado,qual a importância que dá aos eventos que já ocorre-
ram na determinação do presente e do futuro e, em resumo, informa de que 
maneira constrói sua própria historicidade. Tome-se, por exemplo, a imagem 
asteca intitulada “As Cinco Regiões do Mundo”, criada no século XV. Trata-
-se da representação de determinada história cósmica, tendo cada uma das 
eras passadas seu próprio deus que aparece às margens, estando o presente, 
a quinta era, ao centro. Os dias, indicados por pontos, caminham em dire-
ção ao centro, revelando como o passado caminha em direção ao presente 
(CORFIELD, 2007, p. 2). Tal representação visual, mais do que uma simples 
alegoria, procura ordenar o passado, estruturar o conhecimento a respeito do 
mundo e do universo, e encontrar nele um sentido e uma racionalidade.
Figura 2 - Codex Fejérváry. Repare que o norte está à esquerda, e o leste, acima. 
Fonte: Museus Nacionais, Liverpool.
O mesmo acontece com o cristianismo e, particularmente, com os 
escritores que procuraram compreender a lógica dos eventos passados, den-
tro de uma perspectiva religiosa que foi, aliás, profundamente influente no 
pensamento medieval. O que os textos históricos cristãos, dos autores do 
início do medievo, permitem-nos compreender é a criação de uma tempo-
ralidade com duas características fundamentais: a elaboração de uma histó-
Teorias da História
– 40 –
ria linear e teleológica. Essa organização temporal assemelha-se àquela dos 
astecas em um sentido fundamental: também era interesse dos pensadores 
cristãos organizar todo o passado humano, literalmente toda a história do 
mundo, em uma busca por ordenar e desvendar a realidade. Possuía algo de 
controle e outro tanto de conhecimento: nesse caso, desvendar qual seria 
lógica de Deus para o mundo.
Vamos à primeira característica dessa historiografia cristã: sua lineari-
dade. Isso pode ser afirmado porque havia um sentido bastante claro para o 
qual os eventos deveriam caminhar: da criação do mundo caminhava-se ao 
Julgamento Final, sendo a vinda de Jesus não apenas um marco em si, mas 
um sinal para que as pessoas se aproximassem do reino celeste. O caráter 
linear, com eventos fixos, e uma conclusão já profetizada, construíram um 
modelo da temporalidade cristã com começo, meio, e fim.
Essa linearidade é facilmente observada nas propostas de organização 
temporal, apresentadas pelos escritores medievais, fortemente influencia-
das pelos textos bíblicos. Embora em “A Cidade de Deus”, Agostinho não 
tenha criado qualquer periodização histórica, em “De catechizandis rudibus” 
(“Sobre a catequização dos não-instruídos”), apresentou uma divisão da his-
tória do mundo em seis eras. A última – a sexta – teria começado exatamente 
com a vinda de Jesus, antecipando o último momento da história, a institui-
ção do reino de Deus na Terra. 
Outra cronologia religiosa bastante influente foi a que se baseou nas pro-
fecias do livro de Daniel, do Antigo Testamento. Nele, conta-se que Nabu-
codonosor, rei da Babilônia, havia sonhado com uma estátua com cabeça de 
ouro, peito e braços prateados, barrigas e coxas de bronze, sustentado por 
pernas de ferro e pés de ferro e barro. Para Daniel, esse sonho seria uma pro-
fecia dos quatro reinos que existiriam no mundo (cada um simbolizado por 
um metal) até a chegada do último, o de Deus, que seria eterno. Esse foi o 
modelo preferido por vários pensadores medievais, como Orósio.
A segunda característica da temporalidade cristã é a de ser teleológica. A 
palavra “teleologia” significa meta, objetivo último, fim. A história cristã seria, 
portanto, teleológica porque era vista como tendo um propósito: tratava-se de 
uma narrativa de como as pessoas seriam levadas a se aproximar de Deus e, 
portanto, da salvação, que inevitavelmente deveria ocorrer no fim dos tempos.
– 41 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
 Definindo conceitos: TELEOLOGISMO
Trata-se de um erro teórico em história, em que se concebem os 
eventos do passado como se estivessem caminhando, inevitavel-
mente, para um determinado propósito, ou objetivo último.
Um outro aspecto da organização temporal histórica que o Ocidente 
deve à cristandade é, ainda mais obviamente, a contagem do tempo que adota 
o nascimento de Jesus como marco temporal. Estamos tão acostumados a 
mencionar datas como a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo), 
que podemos esquecer que há por detrás dessa organização uma concepção 
religiosa, e determinada ideia a respeito da história. Tal periodização é devida 
a outro escritor-historiador do medievo: Beda, o Venerável.
2.2 Beda e os historiadores bárbaros
A importância da relação entre religião e história torna-se bastante evi-
dente com a adoção, por parte de Beda, o Venerável (672-735), da data de 
nascimento de Jesus como forma de contagem dos anos. Embora não tenha 
sido sua criação – e sim de Dionísio, um monge nascido nas últimas décadas 
do século V –, foi pelo sucesso da obra histórica de Beda que esse sistema 
tornou-se, gradualmente, conhecido.
Beda faz parte de um grupo de pensadores que, diferentemente de seus 
antecessores, buscavam compreender a historicidade da região e do povo onde 
moravam. Procuraram fazer uma história local e, pela perspectiva particular 
e original, acabaram sendo associados à produção de uma “história bárbara”. 
Os invasores bárbaros do império Romano moveram-se de forma 
triunfante ao interior da historiografia da mesma forma como fun-
daram seus estados-sucessores no antigo território imperial. Eles pro-
duziram quatro grandes historiadores: Jordanes (falecido em 554?) 
para os Godos; Gregório, bispo de Tours (falecido em 593/4), para os 
Francos; Beda (falecido em 735) para os Ingleses; e Paulo, o Diácono 
(falecido em 799?) para os Lombardos (SMALLEY, 1974, p. 50).
Ainda que sejam responsáveis por certas inovações, não se pode esque-
cer o quanto possuíam de continuidade com determinado pensamento 
Teorias da História
– 42 –
antigo, especialmente cristão: tanto a Bíblia, quanto as obras de Eusébio, 
ou Orósio, eram invocadas constantemente como principais referências 
(GOFFART, 1988, p.8).
Figura 3 - Linha do tempo dos chamados historiadores bárbaros do medievo. Não 
há dados suficientes sobre Jordanes.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Beda foi um monge praticamente durante toda a sua vida, sendo “A his-
tória eclesiástica do povo inglês” seu trabalho mais conhecido. Ainda que narre 
fatos políticos, ocorridos desde a época de Júlio César, sobre a região onde hoje 
se situa a Inglaterra, seu texto centra-se na construção da comunidade cristã e 
no desenvolvimento da Igreja Católica local. Como outros historiadores medie-
vais, objetivava compreender de que maneira a específica cristandade inglesa 
compartilhava da graça divina como um todo (HIGHAM, 2006, p.54). 
Ainda em concordância com outros historiadores da época, sua intenção 
era a de buscar, dentro dos eventos passados, determinado padrão de com-
portamentos humanos que permitisse compreender as maneiras de aproximar 
homens e mulheres de Deus. É por isso que, ao mesmo tempo em que narra o 
desenvolvimento político local, dentro de uma cronologia coerente, descreve 
a vida de santos, apresenta fatos maravilhosos, estabelece debates teológicos, 
discute aspectos morais. 
Foi a difusão do sistema de datação que utilizava o nascimento de Jesus 
como marco referencial, a sua mais duradoura contribuição aos estudos his-
tóricos, e à cultura ocidental, de uma maneira mais ampla. A popularização 
desse sistema exigiu, porém, bastante tempo. Seu uso começou a se difun-
dir de forma mais intensa com a sua adoção por Carlos Magno (742?-814), 
porém nem mesmo a Igreja Católica não o de forma sistemática antes do 
século XI. Sua difusão entre as regiões da Europa demandou séculos; Portugal 
adotou o sistema no século XV, e a Rússia, no XVIII.– 43 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
2.3 A história e sociedade em 
mudança no medievo
A ausência de uma suposta “cientificidade” da historiografia medieval, 
como a importância dada às interpretações religiosas, e o desapego à compro-
vação factual, poderia ser interpretada como uma despreocupação dos medie-
vos em relação ao passado. Mas, se de fato a história não era uma disciplina 
em si, o passado era, ao mesmo tempo, algo fundamental para seu cotidiano, 
central à compreensão do presente, e fonte de autoridade do que seria consi-
derado certo ou errado, válido ou inválido, justo ou injusto. 
Estavam no passado as referências que manteriam inalteradas as regras 
definidas pelo costume. Em uma sociedade como a europeia medieval, a 
mudança era vista como ameaça à estabilidade e à continuidade, daí o cons-
tante contato com o passado como forma de garantir que o presente se manti-
vesse correto. Tal concepção relacionava-se com a ideia da intervenção divina 
na história: entender o passado era entender os caminhos definidos por Deus 
aos povos. Assim, a existência do presente deveria ser, de alguma forma, um 
sinal das intenções divinas. Sobre essa concepção própria do pensamento 
medieval, Marc Bloch assinala:
Aos olhos de todas as pessoas capazes de reflexão, o mundo sensível 
não era mais do que uma espécie de máscara atrás da qual se passa-
vam todas as coisas verdadeiramente importantes, uma linguagem, 
também encarregada de exprimir, por sinais, uma realidade mais pro-
funda. Tal como a aparência de um tecido, em si, pouco interesse tem, 
desta atitude resultava que a observação era geralmente descuidada 
em favor da interpretação (BLOCH, 1987, p. 106).
A preocupação com o passado, mesclada à influência religiosa e à busca 
por significados sagrados na realidade, limitava – também dentro de um 
ponto de vista historiográfico – a análise e busca pelas causas dos eventos, 
que eram vistos como significativos em si mesmos. É por isso que um monge 
beneditino inglês afirmava, ainda no século XII, que “a pedido dos meus 
companheiros, escrevo uma simples história onde relato os fatos ano a ano. 
(...) Não posso esclarecer a vontade divina pela qual tudo acontece. Não 
quero divulgar as causas das coisas” (apud BOURDÉ, 1990, p. 16). 
E é também por isso que a principal forma de se representar grafica-
mente as mudanças históricas era por meio da utilização de tábuas de datas. 
Teorias da História
– 44 –
As cronologias não eram representadas em linhas do tempo, tão comuns nos 
dias de hoje, mas em quadros, com os locais ocupando o eixo horizontal, os 
anos o eixo vertical e, na interseção, os eventos considerados notáveis. 
A ideia de utilizar a linha do tempo para indicar determinadas mudanças 
históricas está ligada à ideia de causalidade: quando os eventos são represen-
tados em uma linha, presume-se determinado sentido, porque se sucedem, 
sendo o anterior antecipando e muitas vezes causando, o posterior. Mas esse 
modelo era ignorado no medievo: como as causas não eram, usualmente, 
buscadas, e considerando que os eventos eram compreendidos neles mesmos, 
não se pensava em criar qualquer indicação gráfica que os unisse como se 
fossem pontos em uma linha reta.
Historiografia e Teoria: As
representações do passado
Segundo o historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012), uma das 
características da contemporaneidade é o fato de que as pessoas não mantêm 
mais uma relação com o passado, porque “quase todos os jovens de hoje cres-
cem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com 
o passado público da época em que vivem” (HOBSBAWM, 1995, p. 13). 
Ou seja: viveríamos em algo como um eterno presente no qual o passado – 
embora saibamos que exista, e inclusive o estudemos – pouco influenciaria 
nas decisões das pessoas. Pode-se ou não concordar com a opinião de Hobs-
bawm, ou mesmo de outros historiadores que pensam dessa forma. Mas há 
algo fundamental que essa discussão nos traz: a noção de que cada sociedade, 
em cada momento, constrói uma relação específica com o próprio passado. 
Dizendo de outra maneira: é variável, histórica e culturalmente, a forma 
como o passado é relembrado, invocado, e utilizado no presente.
Percebe-se, contrastando as concepções medievais e as contemporâneas, 
como esses dois momentos históricos possuem, cada um, sua própria relação 
presente-passado. Em cada um desses momentos, as ações dos antepassados, 
os costumes ditos tradicionais, os valores considerados atemporais, podem 
prescrever ações, ou serem considerados irrelevantes. Porém, e ao mesmo 
tempo, estas relações presente-passado podem ser modificar quando a própria 
sociedade sofre transformações. 
– 45 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
De forma gradual, mudanças socais na Europa medieval a partir do 
século XII acabaram por consolidar a importância política de determinadas 
famílias que se tornaram aristocráticas. E isso estava relacionado à compre-
ensão de passado, de história e causalidade. O apelo à antiguidade tornou-se, 
nesse momento, uma das formas pelas quais se legitimavam linhagens e, com 
isso, a manutenção dos nomes das famílias, e a preservação de direitos e pro-
priedades. Nesse novo contexto, tornou-se importante a pesquisa e a escrita 
de genealogias, pois se fazia necessário demonstrar, e reforçar, a existência de 
antepassados que garantissem a nobreza. 
Essa nova ideia de genealogia influenciou a concepção de causalidade na 
relação passado-presente. Afinal, para que fosse possível legitimar o direito 
familiar de um indivíduo, fazia-se necessário estabelecer relações diretas com 
os pais, avós, bisavós. Nas genealogias, não se pode considerar os eventos 
históricos como encerrados neles mesmos: uma pessoa sempre será gerada 
(ou, pode-se dizer, “causada”) por aqueles que vieram antes; e estas mesmas 
terão antepassados e, assim, sucessivamente. Desta maneira, as árvores gene-
alógicas se tornaram cada vez mais comuns enquanto representações gráficas 
de mudança temporal na Idade Média, justamente para indicar uma ligação 
direta de causa-efeito, entre certos sujeitos e seus antepassados. 
A ampliação do uso das árvores genealógicas – ainda hoje, aliás, bastante 
comuns – acompanha uma mudança da concepção de história: se os eventos 
do passado são considerados isolados neles mesmos, as tábuas cronológicas 
bastavam; para essa concepção, em que é preciso garantir que se é fruto, resul-
tado, ou consequência de certos antepassados, há a necessidade da represen-
tação de continuidade. E essa continuidade é representada pelas linhas que 
unem os progenitores aos filhos.
Figura 4 - Representação visual de cronologia em tabela, seguindo o modelo de 
Eusébio; e genealogia dos reis ingleses.
Fonte: Universidade de St. Andrews, séc. XVI; Biblioteca Britânica, séc. XIV.
Teorias da História
– 46 –
Essas mudanças fizeram parte de processos mais amplos da sociedade 
europeia após o século X, em que os modelos históricos, como um todo, 
começaram a se modificar. Ainda que a religiosidade não tenha sido abando-
nada, foram cada vez mais comuns as narrativas que objetivavam legitimar o 
poder de reis e príncipes, por meio do apelo ao passado.
2.4 O Renascimento europeu e 
a ideia de tempo histórico
Embora o modelo de interpretação histórica fundado na religião não 
suma ao final do medievo, surgiu no Renascimento – uma denominação 
que, aliás, já denuncia sua relação com o passado – uma forma bastante dife-
rente, mais humanista4, de relação com a história, a partir da recuperação de 
saberes e valores antigos. Parte da identidade europeia foi construída, nesse 
momento, por meio de um diálogo com a Antiguidade. Por isso, os estudos 
históricos passaram a ser valorizados devido à importância do conhecimento 
preciso do passado, a partir especialmente dos clássicosgregos e romanos, 
para o entendimento do presente.
 Saiba mais
É bastante difícil definir, com precisão, o período e as características 
que definiriam o que se chama “Renascimento” na Europa. Em pri-
meiro lugar, o nome: ainda que os europeus do período utilizassem 
eventualmente a expressão “renascença”, essa ficou mais conhecida 
apenas no século XIX, pelos trabalhos do historiador suíço Jacob 
Burckhardt (1818-1897). Segundo: o período. Historiadores na 
atualidade localizam o Renascimento entre os séculos XIV e XVII, 
embora deva ficar claro que formas antigas de pensar a sociedade 
ainda permaneciam na Europa. Terceiro, as características: além da 
recuperação de textos, ideias, valores, estética, de parte da Antigui-
dade, o humanismo ficou marcado como ponto comum de várias 
ideias renascentistas. Deve-se ter em mente, porém, que diferentes
4 O humanismo, na Renascença, referia-se à valorização da racionalidade e da intelec-
tualidade humanas para a compreensão da realidade.
– 47 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
locais e períodos tiveram características, detalhes, e aprofundamentos 
específicos dos ideais humanistas. O Renascimento, como um todo, 
não foi um movimento uniforme.
Tradicionalmente, o Renascimento é visto, dentro do ponto de vista da 
historiografia, como um período de nascimento (ou ressurgimento) de certa 
consciência histórica. O aumento da importância dada à Antiguidade, e o 
humanismo como princípio para compreensão da realidade, características 
próprias do movimento, ajudaram a desenvolver um maior cuidado com as 
fontes, uma atenção à precisão cronológica, uma busca por causas humanas, 
e não divinas, de eventos. Houve, inclusive, discussões sobre a necessidade da 
objetividade para o estudo da história, de modo que fosse possível construir 
um conhecimento efetivamente válido. 
O primeiro nome que deve ser destacado na construção desse sentido 
histórico não é, porém, de um historiador, mas de um poeta florentino: 
Petrarca (1304-1374). Credita-se a ele a redescoberta da Antiguidade euro-
peia, especialmente romana, como um período áureo das artes e do conheci-
mento, que poderia e deveria ser resgatado. A novidade de Petrarca estava em 
sua sensibilidade para com o passado, e na construção de uma autoidentidade 
que se relacionava com o conhecimento dos valores e da grandeza dos antigos 
romanos: “O que é história, senão o louvor a Roma?” (apud KELLEY, 1991, 
p. 131), afirmou.
Tratava-se, em seu caso, de uma relação mais emotiva do que racional: 
“Buscando esquecer de minha própria época, constantemente luto para me 
colocar, em espírito, em outras eras, e consequentemente eu me deliciei com 
a história” (apud SPIEGEL, 2002, p. 99). Mas Petrarca não via o seu próprio 
presente como resultado de um processo evolutivo linear, e sim como um 
salto: partindo da glória da Antiguidade, teria se seguido uma “Idade das 
Trevas” (essa denominação, aliás, foi inspirada em Petrarca, que descreveu a 
“escuridão” cultural que teria sido a Idade Média), até alcançar a recuperação 
do valor dos antigos em seu próprio tempo.
Teorias da História
– 48 –
Figura 5 - Linha do tempo com alguns pensadores renascentistas da história.
Fonte: Elaborado pelo autor.
O pensamento de Petrarca, a recuperação de pensadores da Antiguidade, 
e o desenvolvimento de novas concepções humanistas fizeram com que a his-
tória ganhasse um novo estatuto, sendo valorizada enquanto disciplina. Não 
se renegava a religiosidade, mas recuperava-se a concepção de que o passado 
poderia trazer explicações a problemas modernos, desde que fossem busca-
das suas causas humanas. E, particularmente nas cidades italianas, era uma 
maneira de compreender as próprias origens, e o caminho tomado durante 
seu desenvolvimento. É isso que permitiu o aparecimento de situações como 
a de Pietro Bembo (147-1547) que chegou a conquistar o cargo de historió-
grafo oficial de sua cidade, Veneza. 
Originalmente copiando o modelo retórico dos historiadores romanos, 
os renascentistas gradualmente passaram a construir, porém, suas próprias 
formas de apresentação textual e, principalmente, de pesquisa. E é dentro 
desse interesse renovado que surgiram discussões sobre a verdade e a história, 
dúvidas sobre se o que produziam era arte ou ciência, além de aprofundaram 
técnicas para determinar a validade de um documento. Em meados do século 
XVI, já se possuía uma ideia bem definida da importância e das formas de 
identificação de uma fonte original.
Nesse aspecto, os antiquaristas desempenharam um papel essencial: 
tratavam-se de colecionadores eruditos, que construíram coleções significati-
vas de documentos e objetos do passado. Sem existir, à época, metodologias 
precisas de datação ou de identificação de origem dos objetos – os museus, 
como os conhecemos, surgirão apenas no final do século XVIII – foram esses 
antiquaristas os primeiros a desenvolver práticas, compartilhar dados e infor-
mações, que permitiriam a avaliação da veracidade e contexto das fontes, 
essenciais ao desenvolvimento da história. 
– 49 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
Novos métodos e o reconhecimento 
do passado
Um dos personagens mais significativos dessa mudança 
de comportamento em relação à história foi Lorenzo Valla 
(1407?-1457), nascido em Roma, e que se especializou em 
retórica e em linguística, além de desenvolver técnicas próprias 
para analisar a validade dos documentos. Utilizando de forma 
intensa os arquivos da Biblioteca do Vaticano, Valla tornou-se 
famoso ao demonstrar que o documento chamado “Doação 
de Constantino” era forjado. A Doação afirmava que o Impe-
rador Constantino teria transferido ao Papa a autoridade sobre 
Roma. Foi utilizado, especialmente no século XIII, como uma 
forma de legitimar a autoridade do Papado, ligando-a direta-
mente aos imperadores romanos.
Valla descobriu que esse documento fora forjado (provavel-
mente no século VIII). Duas características dessa descoberta 
importam para entendermos as novas concepções renascen-
tistas sobre a história. Em primeiro lugar, Valla comprovou a 
falsidade ao demonstrar que o latim utilizado no documento 
não existia à época de Constantino; ou seja, havia a compre-
ensão da importância do método para verificar a veracidade 
das informações sobre o passado. E, em segundo lugar, Valla 
demonstrou consciência histórica ao perceber que a língua, e 
a cultura de uma forma geral, modificavam-se no tempo. 
Outros pensadores contribuíram com discussões metodológi-
cas importantes. O napolitano Francesco Guicciardini (1483-
1540) preocupou-se em diferenciar documentos falsos dos 
verdadeiros, além de debater temas como a verdade histórica, 
e a descoberta de leis próprias à história. O francês Jean 
Bodin (1530-1596), inconformado com as contradições exis-
tentes nos textos históricos de seu tempo, discutiu em seu 
“Método para o simples conhecimento da história” formas de 
interpretação de documentos históricos.
 
Teorias da História
– 50 –
Historiografia e Teoria: O tempo histórico
A história é mais do que ape-
nas o “conhecimento das ações de 
homens do passado” (RICOEUR, 
1994, p. 139). É um conheci-
mento que tem como preocupa-
ção fundamental compreender 
como ocorrem as mudanças nos 
indivíduos enquanto seres sociais, 
ou de suas próprias instituições e 
sociedades. Trata-se, portanto, de 
uma forma específica de saber que 
se dá no tempo, ou seja, na con-
traposição entre ao menos duas 
temporalidades. E, mais propria-
mente, no diálogo entre o pre-
sente e o passado. 
A relação que a história 
mantém com a ideia de “tempo” 
é, portanto, essencial. Não há 
dúvida que localizar adequada-
mente os eventos em datas precisas é uma condição básica do trabalho em 
história. Como afirmou o historiador britânico Moses Finley (1912-1986), 
as“datas e um esquema coerente de datação são tão essenciais para a história 
quanto a medição exata é para a física” (FINLEY, 1965, p. 285). Mas o que 
se pode denominar de “tempo histórico” relaciona-se a mais do que isso. A 
definição de sua ideia parte do pressuposto de que, em cada sociedade do 
passado, os indivíduos se organizavam social, política, econômica, e cultural-
mente de maneira própria e específica. 
Observe, por exemplo, como Petrarca finaliza sua carta que, em sua ima-
ginação, remeteria ao historiador romano Lívio:
Adeus para sempre, historiador inigualável! Escrita na terra dos viven-
tes, naquela parte da Itália e naquela cidade na qual eu estou agora 
Figura 6 - Usualmente, não é possível perceber 
as pequenas mudanças em nossos dias que, 
acumuladas após certo período, resultarão em 
mudanças significativas. Assim como cada tom de 
cinza é quase idêntico aos que o cercam, é muito 
comum que as pessoas, em seu cotidiano não 
percebam que estão sujeitas às mudanças. Apenas 
pela contraposição de dois momentos diferentes 
é possível identificá-las. O papel da história é 
entender as diferenças entre esses dois momentos, 
e as razões que as motivaram. É bastante comum 
que o próprio presente do historiador seja o “tempo 
2”, contra o qual o passado é contrastado.
Fonte: elaborado pelo autor.
– 51 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
vivendo e onde você um dia nasceu e foi enterrado, no vestíbulo do 
Templo da Virgem Justina, e na visão de seu próprio túmulo; no vigé-
simo segundo de Fevereiro, no ano mil trezentos e cinquenta de Seu 
nascimento, que você deve ter visto, ou de cujo nascimento você teria 
ouvido, tivesse você vivido um pouco mais (PETRARCA, apud KEL-
LEY, 1991, p. 225).
Exprimem-se aqui noções que nos ajudarão a compreender o sentido 
do “tempo histórico”: a consciência de Petrarca de que o ano de 1350 era 
diferente da época em que vivera Lívio, ainda que estivessem na mesma 
região; e, ainda mais importante, sua convicção de que o “presente” era 
conceitualmente diferente do “passado”. Tal concepção, existente entre os 
gregos, era pouco importante para boa parte dos autores de trabalhos his-
tóricos da Idade Média. 
Essa percepção do poeta Petrarca foi transformada efetivamente em 
um trabalho historiográfico de início com Leonardo Bruni (1370?-1444), 
político e pensador florentino, que escreveu 12 volumes sobre a “História 
do Povo Florentino”. Nessa obra, e inspirado nas ideias de Petrarca, Bruni 
explicitou essa nova concepção temporal, de que as ações humanas, no pas-
sado, ajudavam a explicar o presente: a secularização da análise histórica 
associava-se, portanto, a essa compreensão da necessária relação entre pas-
sado e presente. 
Se a divisão da história Asteca era uma maneira de organizar a compre-
ensão do cosmos; se as Seis Eras, de Agostinho, visavam organizar os desíg-
nios divinos para o mundo; é significativo que Bruni organize a sua história, 
utilizando, pela primeira vez, uma divisão famosa ainda nos dias de hoje: 
Antiga, Média e Moderna. Bruni buscou, também aqui, organizar o mundo, 
mas essa organização temporal não possuía ligação com a religiosidade. É 
uma divisão caracteristicamente humanista, fundada na racionalidade e na 
secularização. Isso fica ainda mais evidente quando se constata que Bruni 
renegou explicações mitológicas para explicar as origens de sua cidade.
Essas novas concepções temporais aparecem sintetizadas na imagem 
“O triunfo do tempo”, criada pelo artista holandês Pieter Bruegel, o Velho 
(1525-1569).
Teorias da História
– 52 –
Figura 7 – “O triunfo do tempo” de Peter Bruegel, século XVI. Nessa imagem 
aparecem vários símbolos sobre o significado da passagem temporal, que passou a 
ser aprofundado no período renascentista. Cronos, o senhor do tempo, aparece ao 
centro, sentado sobre uma ampulheta, andando em uma carroça movida por rodas 
da fortuna. Está segurando, em uma das mãos, uma cobra que morde o próprio 
rabo, símbolo da continuidade e do perpétuo renascimento. É puxado por dois 
cavalos, que levam emblemas do sol e da lua, representando a luz e as trevas. Ao 
fundo, podem ser vistos os símbolos do zodíaco. Ao chão encontram-se coroas, 
armaduras, capacetes, instrumentos musicais, livros, significando como, diante do 
tempo, tudo tende a desaparecer. Ao fundo, à direita, há a representação de uma 
cidade que, à esquerda, aparece destruída, tendo sucumbido à ação do tempo. Vários 
outros símbolos podem ser encontrados na imagem.
Fonte: Galeria Nacional de Arte, Washington, Estados Unidos.
Os regimes de Historicidade
Para compreender as diferentes e complexas relações que cada 
período desenvolve em torno da história, o historiador francês 
François Hartog (nascido em 1946) desenvolveu a ideia de 
“regimes de historicidade”. Segundo ele, em cada época, as 
pessoas constroem, a partir das experiências vividas (que, na 
atualidade, seria a nossa ideia de “passado”), concepções a 
respeito do próprio presente, e de ambas desenvolvem um 
específico horizonte de expectativas (o “futuro”).
– 53 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
Hartog identifica, então, um “regime heroico” de historici-
dade, próprio das sociedades antigas, quando as ações míti-
cas participavam da construção da interpretação da realidade. 
No “regime cristão”, haveria o nascimento e a morte de Jesus 
enquanto elementos centrais, indicando tanto um sentido, 
quanto uma incompletude do tempo. A partir do século 
XVIII teria surgido o “regime moderno de historicidade”, mar-
cado pela crença no progresso, e pela ideia de aperfeiçoa-
mento (HARTOG, 2013).
 
Essa diferença entre o presente e passado foi brilhantemente expressa 
pelo romancista britânico L. P. Hartley (1895-1972) em uma frase hoje bas-
tante famosa: “O passado é um país estrangeiro. Eles fazem as coisas dife-
rentes lá” (apud ARNOLD, 2000, p. 6). A intenção de Hartley era definir 
algo semelhante a Petrarca, embora cerca de meio milênio os separem: existe 
um passado, e ele é distinto do presente; as razões, as formas de vida, as con-
cepções, as visões de mundo, enfim – como acontece com países distantes e 
exóticos – são diferentes das do presente. 
Seríamos, enquanto historiadores (e mal comparando), tal qual navegan-
tes a aportar em terras estrangeiras do passado. E, penetrando em um mundo 
que já não mais existe, estaríamos diante desses estrangeiros que, em muito, 
diferenciam-se de nós. Mas seria essa diferença absoluta ou irredutível? 
Não. Em contraposição à frase de Hartley, podemos usar outra, dessa 
vez extraída do “Guia do Mochileiro das Galáxias”, do escritor estadunidense 
Douglas Adams (1952-2001): “O passado é como um país estrangeiro. Eles 
fazem exatamente as mesmas coisas lá” (ADAMS, 2009, p. 113). Afinal, pen-
semos juntos: se o passado fosse totalmente diferente, seria incompreensível. 
Se as pessoas do passado fossem diferentes de nós em todos os seus aspectos 
– dos mais complexos, como sua linguagem, aos mais básicos, como suas 
funções biológicas ou sua aparência humana – seriam absolutamente ininte-
ligíveis para nós. 
Poucos exemplos de contatos entre culturas profundamente diversas 
são tão fortes quando os encontros ocorridos no período das navegações. 
No momento em que Cabral aportou na Baía de Todos Santos em 1500, 
Teorias da História
– 54 –
defrontou-se com um “outro” radicalmente diferente de todos que conhecia: 
os indígenas que vivam naquela região. Cabral via aquelas pessoas (e eram 
também vistos) como “outros” radicalmente diferentes: não compartilhavam 
história, idioma, costumes. Eram, literalmente, dois mundos separados por 
milênios. De toda forma, algum tipo de compreensão mútua foi possível. Não 
há dúvida de que podem ser encontrados também exemplos de equívocos 
nesses encontros: ficou famoso o caso de Vasco daGama que, chegando em 
Calicute, na Índia, confundiu os templos locais por igrejas cristãs, e as divin-
dades hindus por santos católicos. Ainda assim, em determinado momento, 
e de alguma forma, o diálogo foi construído. A diferença que existe entre o 
presente e o passado, portanto, pode ser maior ou menor; gigantesca, até. 
Mas sempre parece ser possível encontrar pontos de contato a partir do qual 
diálogos são iniciados. 
Um teste de conceito: a mais antiga piada conhecida data de cerca de 
quatro mil anos atrás, tem origem na Suméria, e diz assim: “Algo que nunca 
aconteceu desde tempos imemoriais; uma jovem mulher nunca soltou um 
pum no colo do marido”. Outro exemplo, agora do Antigo Egito, data de 
1600 a.C.: “Como você entretém um faraó entediado? Encha um navio cheio 
de jovens mulheres vestidas apenas com redes de pesca e mande Nilo abaixo, 
e incentive o faraó a pegar um peixe”. 
Podemos achá-las mais ou menos engraçadas. Provavelmente eram 
muito mais hilárias em seus idiomas originais. Além disso, certamente muito 
se perdeu do contexto em que costumavam ser contadas, bem como as razões 
pelas quais eram populares. Mas, independentemente da existência dessa 
diferença (são, afinal, exemplos de um “país estrangeiro” do passado), esse 
estranhamento não é total, ou absoluto. Conseguimos compreender que há 
uma intenção de hilaridade, podemos pensar em anedotas semelhantes que 
conhecemos, e é possível inclusive intuir o que haveria de engraçado original-
mente quando contadas. Sem dúvida, os piadistas de outros tempos são dife-
rentes de nós; mas não tão diferentes a ponto de não conseguirmos compre-
ender suas intenções. Se, como diziam os antigos, “a virtude está ao centro”, a 
relação que os historiadores estabelecem com o passado tem algo de Hartley, 
e outro tanto de Adams: um mundo diferente, por certo, mas que pode ser 
traduzido para nossa própria realidade (ARNOLD, 2000).
“Tradução” é, aliás, um termo apropriado para nos referirmos à ativi-
dade histórica e sua relação com o passado. O trabalho da historiadora ou 
– 55 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
do historiador é, em grande medida, o de um tradutor: compreendendo o 
significado das ações do “país estrangeiro” que se estuda no passado, deve-se 
construir uma ponte de inteligibilidade para o presente.
Esse processo de tradução, porém, deve ter seus próprios cuidados espe-
cíficos. Se formos ao passado, e tentarmos entender aquela realidade apenas 
pelos termos deles, e não realizarmos nenhum processo de adaptação à nossa 
realidade, estaremos cometendo o erro do ventriloquismo (GINZBURG, 
2012, p. 110). Deixaremos o passado falar por conta própria, e isso nos dirá 
muito pouco. Limitaremo-nos a repetir o que encontramos nas fontes, tais 
quais bonecos de ventríloquo, sem compreender seu significado. 
E se, de forma oposta, formos ao passado e impormos, sobre eles, nossas 
concepções, estaremos cometendo anacronismo. Aqui, o passado fica mudo, e 
serve apenas de palco para impormos nossas próprias ideias e conceitos.
 Definindo conceitos: VENTRILOQUISMO e 
ANACRONISMO
Ventriloquismo é o erro histórico de recuperar do passado ideias, 
termos, concepções, sem que sejam reinterpretados por uma estru-
tura conceitual do presente, permitindo que o passado “fale por si 
mesmo”, sem a ação de historiadores.
Anacronismo é o erro histórico de impor a um período histórico as 
características de outro; por exemplo, ignorando o significado das ideias 
do passado, e tomando-as com o significado que possuem no presente.
A construção dessa “ponte de inteligibilidade”, ou seja, desse caminho 
para a compreensão do passado, é parte da atividade da historiadora e do 
historiador e não pode ser feito de qualquer forma, ou sem uma direção 
definida. Será na busca por respostas construídas no presente, em função de 
determinada questão histórica que se pretende resolver, que os documentos 
serão lidos e o passado será interpretado. 
Repare como essa abordagem constrói uma relação de dialógica – ou 
seja, de diálogo – entre o passado e o presente. Por um lado serão os interes-
ses da atualidade que dirigirão a atenção ao passado – o presente conduz a 
Teorias da História
– 56 –
forma como o passado se apresentará a nós; por outro, o passado, assim lido, 
entendido, consultado – ou traduzido – permitirá uma leitura diferente do 
presente. Há, portanto, uma influência mútua, uma troca, entre dois tempos 
históricos específicos. 
Da teoria à prática
A seguir há dois textos que não estão em ordem. Um deles foi escrito 
por Beda, o Venerável, e é um exemplo de historiografia medieval. Outro é 
de Leonardo Bruni, historiador e seguidor das ideias de Petrarca, e marca 
o início de uma produção histórica Renascentista. É sua tarefa não apenas 
descobrir qual texto pertence a qual autor, mas também fornecer indícios e 
argumentos que sustentem a sua escolha.
Texto 1: Texto 2:
Tenho o prazer de reconhecer o 
entusiasmo sincero com o qual, 
não contente em apenas ter ouvidos 
atentos às palavras da Sagrada Escri-
tura, você compromete-se a apren-
der as palavras e atos dos homens de 
tempos antigos. Quando a história 
fala de homens bons e de seu bom 
estado, o ouvinte atencioso é estimu-
lado a imitar o bem; quando registra 
os fins perversos de homens maus, 
com muito mais cuidado perseguirá 
as coisas que ele aprendeu serem 
boas e agradáveis aos olhos de Deus 
(apud HIGHAM, 2006, p. 69).
Mas não devemos esquecer que a 
verdadeira distinção é para ser adqui-
rida por uma ampla e variada gama 
de tais estudos, de forma a conduzir 
um aproveitamento rentável da vida 
(...). O primeiro entre tais estudos 
eu coloco a História: um tema que 
não deve, sob nenhum argumento, 
ser negligenciado por aquele que 
aspira um verdadeiro refinamento. 
Pois é nosso dever entender as ori-
gens de nossa própria história e seu 
desenvolvimento; e as conquistas 
de Povos e de Reis (apud KELLEY, 
1991, p. 245).
Qual o objetivo da história para cada um dos textos? Como se relacio-
nam com o conhecimento religioso? O que consideram mais importante para 
ser conhecido? Utilize essas questões como guias à sua investigação. 
– 57 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
Síntese
Do mundo medieval à Renascença houve mudanças importantes no 
conhecimento histórico. De um conhecimento pouco valorizado, e tomado 
por princípios religiosos, passou, a partir da influência humanista, para um 
estudo mais secular, sobre o qual se buscaram desenvolver debates teóricos e 
metodologias. Essa mudança no estatuto permitiu compreender, também, 
a importância fundamental para a história da ideia de tempo histórico, sua 
relação com as sociedades, e sua importância enquanto ferramenta teórica 
para análise do passado. 
Atividades
1. O trecho a seguir foi extraído da obra “A Cidade de Deus” escrita 
por Santo Agostinho. Leia-o e, a seguir, faça o que se pede.
Eu diferencio dois ramos da humanidade: uma feita dos que vivem de 
acordo com o homem, e outra dos que vivem de acordo com Deus. 
Eu falo desses ramos também alegoricamente como duas cidades, isto 
é, duas sociedades de seres humanos, uma das quais está predestinada 
a reinar eternamente com Deus e a outra a receber punição eterna 
com o demônio (AGOSTINHO, apud KELLEY, 1991, p 143).
Sobre a concepção agostiniana a respeito da história, é correto 
afirmar:
a) A Cidade de Deus era representação alegórica de Roma, enquanto 
a cidade dos homens eram as cidades em que o cristianismo ainda 
não havia penetrado.
b) A concepção cíclica da história foi fundamental na obra de 
Santo Agostinho, enquanto representação da eterna redenção 
dada por Jesus. 
c) Sendo o livre arbítrio algo dado por Deus aos homens, para Agosti-
nho não haveria qualquer participação divina nos eventos históricos.
d) Agostinho pensavaa história como um caminho em direção à 
Cidade de Deus, ou seja, em direção às concepções cristãs de 
religiosidade.
Teorias da História
– 58 –
e) Nessa obra Agostinho famosamente declarou que o estudo da his-
tória era fútil, pois era impossível entender os desígnios de Deus. 
2. O historiador estadunidense Francis Fukuyama (nascido em 1952) 
publicou, no ano de 1992, a obra “O fim da História e o último 
homem”, em que afirmava que o colapso da União Soviética repre-
sentava o fim da história, pois teria significado a vitória do mais avan-
çado estágio de organização social, qual seja, a democracia liberal.
Fukuyama, nessa obra, comete um erro histórico conhecido como:
a) Ventriloquismo, por não compreender o passado a partir dos ter-
mos do presente, lendo equivocadamente as fontes.
b) Anacronismo, por lançar, ao passado, determinadas concepções e 
valores que seriam próprios de sua época.
c) Datação equivocada, afinal, não consegue perceber que diferentes 
eventos ocorrem em diferentes épocas
d) Teleologismo, por ler os eventos do passado como se estivessem 
direcionados para um objetivo ou propósito.
e) Concepção cíclica do tempo, o considerar que, no presente, encon-
tra-se um tempo histórico que seria próprio do futuro. 
3. No trecho abaixo, François Hartog procura definir aspectos impor-
tantes do conceito que denominou de “regimes de historicidade”. 
Leia-o com atenção.
O uso que proponho do regime de historicidade pode ser tanto 
amplo, como restrito: macro ou micro-histórico. Ele pode ser um 
artefato para esclarecer a biografia de um personagem histórico (tal 
como Napoleão, que se encontrou entre o regime moderno, tra-
zido pela Revolução, e o regime antigo, simbolizado pela escolha do 
Império e pelo casamento com Maria-Luisa de Áustria), ou a de um 
homem comum (...). (HARTOG, 2013, p. 13).
Os regimes de historicidade caracterizam-se:
a) Por cada período histórico construir uma determinada relação entre 
a experiência (o que já ocorreu), a vida presente, e o horizonte de 
expectativas (o que poderá ocorrer). 
– 59 –
Medievo, Renascença e a ideia de tempo histórico
b) Por construir um entendimento do passado a partir do presente, 
fazendo que com que se encontre nas fontes históricas apenas 
aquilo que já se sabe ou se deseja encontrar.
c) Por uma relação de clivagem, ou separação radical, entre o presente 
e o passado, pois são dois momentos temporais que não mantêm 
relação entre si. 
d) Pelo entendimento da historiografia como “fontes secundárias” o 
que permite a compreensão de determinadas épocas históricas sem 
consulta a fontes. 
e) Por estabelecer as características dos vários períodos históricos, 
servindo como referencial seguro para identificarmos as várias 
eras da história. 
4. O trecho do artigo abaixo, extraído de uma revista de história, trata 
do trabalho do historiador francês Lucien Febvre (1878-1956). 
Leia-o com atenção. 
Na contramão de teorias contemporâneas, Febvre lançou no livro a 
hipótese de que, na Europa do século XVI, o ateísmo não era ape-
nas uma realidade distante, mas algo literalmente inimaginável. Para 
tanto, toma a vida e obra do humanista François Rabelais (1483-
1553) para demonstrar que a ideia de Deus estava impregnada na cul-
tura europeia de tal modo que não se poderia falar em descrença sem 
incorrer em um erro histórico, pois o conceito simplesmente inexistia 
do modo como o vemos hoje (BELISARIO, 2009, s/p).
Nessa sua obra, Febvre queria demonstrar o erro de imputar, ao 
passado, determinadas concepções do presente como, por exemplo, 
afirmar que Rabelais seria “ateu”. A esse erro histórico, que Feb-
vre considerava o “pecado irremissível” da profissão de historiador, 
dá-se dá o nome de:
a) Voluntarismo.
b) Pós-modernismo.
c) Ventriloquismo.
d) Populismo.
e) Anacronismo.
3
Iluminismo, 
romantismo e a 
relação indivíduo 
e sociedade
Dentro de qualquer análise histórica, não basta à historia-
dora ou ao historiador listar datas e eventos. É essencial que, na 
busca por construir respostas para problemas históricos, sejam apre-
sentadas análises que sustentem determinado argumento, fundado 
no estudo das fontes. Em resumo: é necessário explicar. Mas, para 
isso, deve-se ter, inicialmente, determinada teoria a respeito de como 
as pessoas agem, seja isoladamente, seja em grupo. Sem concepções 
adequadas sobre a relação existente entre indivíduo e sociedade, não 
é possível compreender as ações das pessoas nos eventos históricos. 
O que as motiva? É sua natureza, ou as formas pelas quais reagem a 
experiências? Razões religiosas são mais importantes que as econô-
micas? E os costumes locais, que papel exercem? 
Procuraremos discutir, nesse capítulo, algumas ideias das 
relações que os indivíduos estabelecem com a própria sociedade e de 
que maneira atuam em função do contexto a que estão submetidos. 
Para isso, iniciaremos uma análise da historiografia do período Ilumi-
nista, discutiremos as particularidades do pensamento histórico dos 
alemães Herder e Hegel, até alcançarmos as visões específicas de Jules 
Michelet. Encerraremos com uma importante discussão a respeito do 
debate entre agência e estrutura, do ponto de vista da história. 
Teorias da História
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3.1 A concepção iluminista da história
História, s. f., é o registro das coisas representadas como verdadeiras, 
contrastando com a fábula, que é o registro das coisas representadas 
como falsas (VOLTAIRE, apud KELLEY, 1991, p. 225).
Essa definição simples de história aparece na “Enciclopédia”, e foi escrita 
por Voltaire (1694-1778), um dos mais famosos pensadores iluministas. A 
princípio, não parece haver diferenças significativas em relação à definição de 
Isidoro de Sevilha, de quem tratamos no início do capítulo 2, e sem dúvida 
remete à nossa discussão sobre “história” e “estória” do primeiro capítulo. 
De fato, o pensamento historiográfico iluminista deve muito às abordagens 
anteriores, seja de antigos como Heródoto ou Tucídides, seja do pensamento 
Renascentista e seu renovado cuidado em relação à importância das provas e 
a preocupação com a verdade histórica.
 Saiba mais
O Iluminismo foi um movimento intelectual da Europa do século 
XVIII que defendia a razão como forma de conhecimento a respeito 
da natureza e da humanidade. Por isso, combatia todo conheci-
mento fundado na superstição, no medo ou na irracionalidade, além 
de defender valores como tolerância e liberdade. Analisando das 
leis à religião, passando pela economia, educação, política, ética, 
os iluministas acreditavam que poderiam descobrir as leis racionais 
que regeriam o mundo, cabendo à humanidade utilizar suas capacida-
des para melhorá-lo. Talvez o melhor símbolo desse objetivo fosse a 
“Enciclopédia”, editada por Denis Diderot e Jean d’Alembert, entre 
1751 e 1772, e tinha como objetivo descrever e analisar todo conhe-
cimento humano existente no período. Os pensadores definiam a 
si mesmos como “filósofos”, embora não fizessem apenas filosofia. 
Poucos se definiam como historiadores ou acreditavam que a escrita 
da história uma das formas de exercer sua atividade intelectual. A 
França destacou-se como iniciadora e principal local do iluminismo, 
embora pensadores de diversas regiões tenham aderido e implemen-
tado características próprias ao movimento.
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Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
Os iluministas, especialmente os pensadores franceses, estavam cientes 
dessa herança. Porém, acreditavam superá-la. Enquanto no Renascimento 
os pensadores se viam como recuperadores de um conhecimento antigo 
que valorizavam, os iluministas viam o próprio presente como superior ao 
passado. Não se tratava, portanto, de “renascer” conhecimentos antigos (o 
que seria um retorno ao passado), mas de construir um conhecimento ainda 
melhor(que era uma valorização do presente). Essas ideias foram influencia-
das pelo sucesso do método científico, que acabou alcançando também os 
estudos sobre as sociedades. 
Os resultados obtidos pelo físico britânico Isaac Newton (1643-1727) 
na descrição das leis da natureza, criaram um entusiasmo, na Europa, pelas 
possibilidades do método científico. Em sua obra “Principia”1, de 1687, 
Newton apresentava as principais leis do funcionamento do universo, e não 
fazia isso apelando a filósofos da Antiguidade ou a verdades religiosas: mas 
por meio da prática da observação sistemática do mundo ao seu redor, aliada 
ao uso da razão. E apenas dois anos depois, em 1689, o filósofo inglês John 
Locke (1632-1704) lançava seu “Ensaio acerca do entendimento humano”. 
Nessa obra, argumentava que as pessoas eram como folhas em branco – 
tabula rasa, como se adaptou ao latim – e tudo o que sabiam provinha dos 
sentidos. Ouvir, ver, tocar, cheirar, degustar: era assim que o ambiente escre-
via na mente as experiências que formariam um indivíduo. Não existiriam, 
portanto, ideias inatas, apenas aquelas aprendidas durante a vida.
A partir das ideias de Locke, parecia claro que o progresso era possível. 
Afinal, mudando-se o ambiente mudavam-se as experiências e, com isso, as 
pessoas. E, ao final, seria possível inclusive mudar a sociedade. Mas, de que 
forma? Assim como Newton fez com as leis da física, a razão deveria ser 
usada para entender as leis que regiam a sociedade, permitindo-se encontrar 
os caminhos para aperfeiçoá-la. 
Esse raciocínio foi influente no movimento iluminista como um todo, 
e também deixou marcas nos estudos históricos. O mitológico e o fabuloso 
foram excluídos das explicações, e as ações humanas tornaram-se o ponto 
1 O nome completo da obra é, em latim, “Philosophiæ Naturalis Principia Mathema-
tica”, ou “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”. “Filosofia natural” era como, à época, 
denominava-se a disciplina que hoje chamamos Física.
Teorias da História
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central das análises causais. Era a ideia de “filosofia da história” que pessoas 
como Voltaire, por exemplo, tinham em mente: uma narrativa do passado 
que fosse também crítica, e seguisse os ideias iluministas.
Voltaire escreveu algumas obras históricas bastante populares em seu 
tempo, como “História de Carlos XII”, “O século de Luís XIV”, e o “Ensaio 
sobre os costumes”. Nessa última, Voltaire deu um grande destaque ao conhe-
cimento histórico, atribuindo-o função essencial na formação dos indivíduos, 
e meio necessário para as sociedades alcançarem a prosperidade. Construindo 
um texto que procurava levar em consideração os diferentes modos de vida 
de cada povo, Voltaire selecionava eventos que considerava mais relevantes: 
aqueles dos personagens vistos como mais importantes, em espacial reis. Se, 
por um lado, Voltaire buscava descobrir as razões que motivavam as ações 
humanas, por outro procurava dar espaço ao acaso, ao banal, ao surpreen-
dente (BOURDÉ, 1990, p. 73). Deixar sua narrativa aberta a diferentes 
possibilidades concordava com sua visão de que alcançar a verdade absoluta 
não era possível em história: “Toda certeza que não parte de demonstrações 
matemáticas é apenas extrema probabilidade. Não há certeza histórica” (apud 
KELLEN, 1991, p. 445). 
O pensamento histórico iluminista tinha, porém, uma contradição. 
Por um lado, reconhecia a diversidade de culturas, pregava a tolerância 
como forma racional de relacionamento entre as pessoas, defendia ideias 
libertárias. Mas, ao mesmo tempo, passava a conceber a possibilidade de 
melhoria do gênero humano, o que era, aliás, uma consequência direta da 
utilização das ideias de Newton e Locke no estudo das sociedades: utiliza-
-se a razão (Newton) para melhorar as pessoas; afinal, em sendo “folhas 
em branco” pode-se escrever o que se quiser nelas (Locke). O problema: 
qual direção a história deveria tomar? Como seria melhorada? Qual o 
modelo tomado como ideal? Daí surgia uma contradição, pois, ainda que 
se devesse ter tolerância com outras culturas, uma delas seria concebida 
como melhor, e modelo para as demais: e os iluministas escolheram a 
própria, a europeia ocidental, como referência. 
Dentro desse objetivo de construir e entender a história sob um ponto de 
vista racional e natural, pouco a pouco o processo histórico foi sendo pensado 
como um caminho em direção à civilização. Gradualmente foram estabelecidos 
níveis de civilidade, que representavam desde o mais atrasado momento da his-
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Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
tória, até o mais avançado. Se o objetivo da história era de explicar o caminho 
pelo qual um povo se civilizava; e se a Europa ocidental era o modelo civilizado 
por excelência; então, cada vez mais a ideia de “história” passou a significar “his-
tória do ocidente”. Essa concepção de história em direção à civilização – e mais 
particularmente, “civilização europeia” – aparece bastante claramente no texto 
de outro filósofo francês, Condorcet (1743-1794).
Todos os povos cuja história está registrada estão colocados em algum 
lugar entre nosso presente grau de civilização e aqueles que vemos entre 
as tribos selvagens; se analisarmos amplamente a história universal dos 
povos, os veremos às vezes fazendo novos progressos, às vezes retor-
nando à ignorância, às vezes sobrevivendo entre esses extremos ou para-
lisados em certo ponto, às vezes desaparecendo da face da terra sob o 
julgo do conquistador, misturando-se com os vencedores ou vivendo 
em escravidão (CONDORCET, apud BENTLEY, 2006, p. 384).
O “nosso presente grau de civilização”, afirmou Condorcet: ou seja, o 
seu próprio, escrevendo na França em 1795. Uma ideia, aliás, que não era 
apenas dele: Voltaire já havia afirmado que Paris superara Atenas e Roma na 
“arte de viver” (MAH, 2002, p. 146). No reforço dessa ideia de civilização, 
a disciplina histórica desempenhou um importante papel; e suas consequên-
cias, aliás, estão presentes até hoje nos livros didáticos. É pela história que se 
construiu determinada herança com a Grécia Antiga, que passou a ser identi-
ficada como a “origem” da Europa moderna. 
À ideia da supremacia da razão, própria dos iluministas, foi adicionado 
o sistema tripartite de divisão histórica (Antiga, Média, Moderna) constru-
ída no Renascimento; e, a ambos, aliou-se a visão de progresso, ou seja, de 
melhoria da humanidade, oriunda da Revolução Científica, sendo a Europa 
o suposto ápice da civilização. 
Figura 1 – Tempos de vida dos principais autores iluministas citados nesse item. 
Fonte: Elaborado pelo autor.
Teorias da História
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Porém, a maior influência historiográfica resultante do pensamento ilu-
minista não foi francesa, mas inglesa. Edward Gibbon (1737-1794) foi o 
autor de “Declínio e queda do Império Romano”, longo estudo marcado pela 
precisão das informações, construção de uma análise filosófica dos eventos, 
e cuidado com as fontes primárias. Gibbon acreditava poder reconstruir o 
passado, desde que desse atenção suficiente aos detalhes. 
A obra abrange um longo período, que vai do século I ao XVI, buscando 
narrar a construção histórica do Ocidente. Em sua análise, Gibbon preocu-
pou-se em discutir e encontrar leis históricas que pudessem ser, inclusive, 
universais. Em certo sentido seu trabalho é tanto confluência do que veio 
antes, como antecipação do que se seguiu, do ponto de vista historiográfico. 
Com ele, a preocupação com os detalhes e o conhecimento erudito, surgidos 
com os antiquaristas do Renascimento, somou-se à análise filosófica do Ilu-
minismo. Ao mesmo tempo, a sua obra antecipava o rigor com as fontes, e a 
preocupação com o método, que serão essenciais para o desenvolvimento de 
uma “ciência histórica” que surgiu a partir da segunda metade do século XIX. 
3.2 O pensamento alemão: Herder e Hegel
Quais foramas pessoas mais felizes da história? Essa é uma boa pergunta. 
Como você a responderia? De que forma você organizaria dados, coletaria 
fontes, sustentaria argumentos? Pense nela por um instante: o que ela pre-
sume? Quais os termos fundamentais da questão?
Por singela que fosse, a pergunta gerou uma discussão historiográfica e 
teórica importante. Formulada pela Academia Prussiana de Ciências no final 
do século XVIII, a sua simples enunciação presumia que todas as pessoas são 
iguais, em todo mundo e em todas as épocas, tornando-se possível, de alguma 
forma, “medir” a felicidade a partir de algum padrão universal. Essa era uma 
resposta possível no pensamento iluminista francês, porém, não recebeu a 
mesma compreensão dentro do Esclarecimento2 alemão. 
2 Para os países de fala alemã, o termo Esclarecimento (Aufklärung) era mais comum 
que o termo Iluminismo (em francês Lumières) para indicar o movimento filosófico de valo-
rização da racionalidade. Em ambos, porém, permanece a ideia fundamental de trazer à luz: 
“esclarecer” e “iluminar”.
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Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
Sem dúvida, os pensadores franceses e alemães concordavam na valo-
rização da capacidade racional do intelecto humano, para conhecer a rea-
lidade e desvendá-la. Porém, o “esclarecimento” alemão não concordava 
em tudo, nem apresentava exatamente as mesmas características, que sua 
contrapartida “iluminista” francesa. Enquanto, na França, os pensadores 
acreditavam que seu pensamento poderia ser aplicado a todos os países, e o 
modelo francês deveria ser imitado (afinal, não acreditava Condorcet que a 
França era o auge da civilização?), muitos pensadores alemães acreditavam 
que o importante era salientar as diferenças de cada local, as regras de cada 
sociedade e seus costumes.
Ou seja, não seria possível encontrar as pessoas mais felizes da história 
porque eram todas diferentes, deveriam ser entendidas dentro de suas especi-
ficidades, e cada uma teria a própria medida do que seria ou não “felicidade”. 
Essa é a ideia central do que se denomina “historicismo alemão”: a 
crença de que os povos devem ser compreendidos, historicamente, dentro 
de suas realidades sociais específicas, e não a partir de parâmetros univer-
sais, generalizantes. O principal iniciador dessa corrente de pensamento foi 
o alemão Johann Gottfried Herder (1744-1803) para quem as sociedades 
deveriam ser entendidas como indivíduos: ao invés de buscar elementos 
generalizantes, o importante seria descobrir suas características próprias, 
exclusivas, específicas. Assim o povo “inglês” seria fundamentalmente 
diferente do “alemão” ou do “francês”, por exemplo. Contrastando com a 
visão francesa de superioridade intelectual e capacidade de lançar, a todos 
os povos e períodos, suas próprias concepções, Herder argumentava pela 
validade de se entender os diferentes povos e costumes, cada um tendo seu 
próprio direito à existência (IGGERS, 2008, p. 32). 
Sua compreensão de história estava ligada a essa ideia. Nas palavras de 
Herder, “você precisa entrar no espírito de uma nação antes de poder divisar 
sequer um de seus pensamentos e ações” (apud KELLEY, 1998, p. 181), pois, 
apenas assim, seria possível encontrar as características de determinada socie-
dade. Foi, aliás, pensando dessa forma que o próprio Herder respondeu à per-
gunta que iniciou esse item: “cada nação tem seu próprio centro de felicidade 
em si mesma, assim como cada esfera tem seu próprio centro de gravidade” 
(apud KELLEY, 1998, p. 184).
Teorias da História
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 Definindo conceitos: HISTORICISMO
Compreensão de que cada sociedade possui uma irredutível indivi-
dualidade, que só pode ser analisada, compreendida, e avaliada, a 
partir exclusivamente de seus próprios parâmetros.
 
Herder se notabilizou, ainda, por utilizar o influente termo “cultura” (kul-
tur) para designar esse modo particular de existir de cada sociedade. Ou seja, seria 
apenas dentro de seus referenciais culturais específicos que a sociedade poderia 
ser compreendida. Veremos mais sobre esse conceito ainda nesse capítulo. 
Figura 2 - Tempo de vida de Herder e Hegel, dois pensadores alemães sobre a 
filosofia da história.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Historiografia e Teoria: Entre
a natureza e a cultura
Dentro da filosofia iluminista, a natureza era eterna, universal e imutá-
vel. Porém, apresentava, também, características que poderíamos chamar de 
valores: era entendida como racional (as leis da física, por exemplo, poderiam 
ser traduzidas em matemática), virtuosa (tudo o que se afastava dela seria mau 
ou indesejável), simples (em contraposição ao refinado, visto como exagerado 
e superficial). A natureza possuía, ainda, autoridade: se algo era “natural”, 
seria considerado bom, preferível, correto. Distanciar-se da natureza, por sua 
vez, levava à falsidade, à corrupção. Se todas as pessoas poderiam se aperfei-
çoar (não eram elas “folhas em branco”, como afirmara Locke?), a educação 
deveria, necessariamente, estar de acordo com a natureza. 
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Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
Figura 3 - Pedro, “o jovem selvagem”, é mostrado em panfleto de 1726. À 
esquerda a imagem de um urso, que supostamente o teria criado, e à direita Pedro é 
representado sobre uma árvore, local onde foi encontrado.
Fonte: DOUTHWAITE, 2002, p. 26.
Se a revolução científica prometia a descoberta das leis que regiam o fun-
cionamento do universo, tornou-se o principal objetivo dos pensadores ilu-
ministas compreender quais seriam as características da “natureza humana”. 
Havia relativa concordância em relação a alguns elementos essenciais: seria 
essencialmente boa, a razão tinha um papel central, e todo indivíduo visava 
a felicidade. Mas existiam, também, muitas dúvidas: que comportamentos, 
atos, pensamentos poderiam ser considerados “naturais”?
Em 1725, um menino de cerca de 12 anos de idade foi encontrado em 
uma floresta no norte da Alemanha. Andava à maneira dos cães, tinha a pele 
escura e, quando ouviu pessoas se aproximando, fugiu rapidamente, subindo 
em uma árvore. Acabou capturado e levado ao Reino Unido, onde se tor-
nou atração local, sendo apresentado inclusive ao rei. Era tratado com um 
bicho de estimação: foram-lhe dadas roupas, ainda que preferisse dormir no 
chão; eventualmente, conseguia escapar de novo para matas próximas, mas 
era recapturado. Não dispunha de qualquer vocabulário, não tinha modos 
à mesa, e preferia alimentos que fossem crus. Passou a ser conhecido como 
“Pedro, o menino selvagem” ou “Pedro de Hanover”.
Para os filósofos do século XVIII, o caso de Pedro parecia ideal como 
teste para suas teorias. Afinal, ele seria a “folha em branco” na qual poderia 
ser escrito qualquer coisa: uma criança verdadeiramente selvagem, no mais 
absoluto “estado da natureza”. Compreender sua humanidade, entender o 
que e como aprendia, descobrir de que maneira ingressava na sociedade como 
um todo, seria descobrir, pensavam, como seria a natureza humana. Afinal, 
apenas uma pessoa sem qualquer contato com a sociedade poderia revelar 
Teorias da História
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essa verdadeira natureza – e Pedro parecia o sel-
vagem ideal para revelá-la. Do interesse que des-
pertou surgiram opiniões conflitantes a respeito 
da relação entre os seres humanos, a natureza e 
a sociedade. 
Esse caso do século XVIII proporciona 
uma oportunidade para discutirmos as relações 
que os indivíduos mantêm com a sociedade: é 
a natureza que define nossas ações e escolhas? 
Ou é mais relevante aquilo que aprendemos em 
nossa sociedade?
 2 A influência da natureza. Se a natu-
reza só traria o certo e o justo, aqueles 
que viviam próximos a ela deveriam 
ser, também, melhores. Por isso foram 
comuns, no século XVIII, as referên-
cias ao chamado “bom selvagem”: 
pessoas de comunidades tradicionaisexóticas (como os indígenas brasi-
leiros, por exemplo), consideradas 
moralmente superiores, socialmente 
mais justas, e mais verdadeiras do que 
os europeus, porque viviam próximas 
do “estado de natureza”. Apenas em 
sociedades complexas poderia haver a 
falsidade, o ciúme, a injustiça, a cruel-
dade: sinais de seu distanciamento em 
relação à racionalidade natural.
O naturalista Georges-Louis Leclerc, 
conde de Buffon (1707-1788), assim 
imaginou como seria um hipotético 
encontro entre Pedro, e outra criança, 
uma menina encontrada em 1731, na 
França, também considerada selvagem:
Figura 4 - Para o médico e 
criminalista italiano Cesare 
Lombroso (1835-1909), a 
tendência para o crime fazia parte 
da natureza humana. E, mais do 
que isso, seria possível identificar, 
por meio de traços físicos, quais os 
crimes teriam tendência a cometer. 
A imagem acima, originalmente 
legendada como “Cabeça de 
um criminoso” é seguida pela 
explicação: “cabelos negros 
prevalecem especialmente em 
assassinos, e cabelos crespos e cheios 
em trapaceiros. Em ambos o cabelo 
grisalho é raro. (...) A barba é rala, 
e frequentemente inexistente. Por 
outro lado, a testa é frequentemente 
coberta de penugem. As 
sobrancelhas são cheias”. Portanto, 
sua explicação para os problemas 
sociais, como a existência do crime, 
era fundada apenas na natureza, 
aqui, degenerada.
Fonte: LOMBROSO, 1911, p. 18.
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Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
A menina selvagem encontrada nas matas de Champagne, e o homem 
encontrado nas florestas de Hanover [Pedro] (...) viveram em absoluta 
solidão; e não poderiam, por isso, ter qualquer ideia de sociedade, ou 
do uso das palavras: mas se eles um dia se encontrassem, a força da 
Natureza os teria direcionado, e os unido com prazer. Ligados um ao 
outro, eles em breve se teriam feito entender; teriam primeiro apren-
dido a linguagem do amor, e então a ternura de seus descendentes 
(BUFFON, apud DOUTHWAITE, 2002, p. 28).
Para Buffon, claramente a natureza direcionava o comportamento 
humano em direção à sociabilidade, ao amor, e à reprodução – 
mesmo que não tivessem qualquer tipo de ideia de sociedade, e 
nem sequer soubessem usar as palavras. Fazia parte de sua natureza, 
era-lhes algo inato, instintivo.
Ideias semelhantes tornaram-se populares no século XIX, e foram 
comuns até pelo menos meados do XX. Reforçaram-se, nessa 
época, concepções semelhantes à de Buffon: o comportamento 
dos seres humanos seria consequência de suas tendências naturais. 
Selvagens ou não, todos teriam uma natureza humana que definia 
atitudes, direcionava ações, e mesmo determinava escolhas indivi-
duais e inclusive sociais. A biologia e a medicina do período, gra-
dualmente, ganharam destaque na explicação dos comportamentos 
humanos, e diferenças sociais. 
Mas, quais seriam essas características “naturais”? Aqueles compor-
tamentos que eram os mais comuns da sociedade europeia. Fora 
disso, tudo o que fosse diferente ou desviante seria considerado 
não-natural, ou “anormal”. 
Além disso, se a natureza tendia à bondade, como seria explicar os 
crimes, ou os problemas sociais? A resposta passou a ser encontrada 
também na natureza: quando se degenerava, ou se corrompia, pro-
duzia os “anormais” – homossexuais, criminosos, prostitutas, por 
exemplo. Ou seja, aqueles que não se encaixavam no modelo con-
siderado adequado e normal para o período. Seriam pessoas “não 
naturais”, doentes, e que precisavam de cura, ou isolamento. 
Esse modelo de argumento criou o que se denomina naturalização 
de diferenças sociais. As pessoas não cometiam crimes por conta das 
Teorias da História
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questões sociais a que estavam submetidas, mas porque era de sua 
natureza: a explicação para o crime foi naturalizada. As mulheres 
não eram retidas no espaço doméstico a despeito de seu interesse 
em participar da vida pública, mas porque eram mais frágeis, ou 
menos racionais: as diferenças entre gêneros foram naturalizadas. 
Esse modelo de raciocínio construiu espaço para o desenvolvi-
mento do racismo dito “científico”. A partir dessa visão precon-
ceituosa defendia-se que africanos ou asiáticos não tinham uma 
cultura própria, mas eram pouco evoluídos e, por isso, desconhe-
ciam os princípios básicos da civilização: as diferenças de modo 
de vida foram naturalizadas, ou seja, entendidas como naturais. 
Esse modelo explicativo foi reforçado quando o biólogo Charles 
Darwin (1809-1882) publicou seu livro “A origem das espécies”. 
Nele, Darwin argumentava que os animais que evoluem, ao longo 
do tempo, são os adaptados ao ambiente. Suas ideias – e a despeito 
da aprovação de Darwin – foram equivocadamente adaptadas às 
diferenças entre as sociedades: também os povos teriam diferentes 
graus de evolução, com os europeus colocando-se a si mesmos no 
topo dessa escada evolutiva. 
Para nós, historiadoras e historiadores, esse é um ponto funda-
mental: todas as explicações que se fundamentam na natureza, não 
deixam espaço para intenções, contextos, condicionantes. Afinal, 
tudo é explicado pelo que é inato, próprio aos indivíduos. As expe-
riências e o aprendizado, a forma de vida, as crenças e os valores 
tornam-se irrelevantes, pois os motivos das ações serão sempre bus-
cados no que é natural. Não há classe social, cultura, economia, 
crenças, preferências: apenas aquilo com o que se nasce, e que se 
torna naturalmente destino.
Por isso, para o pensamento histórico, explicações sobre eventos 
sociais que se fundamentam no “natural” levantam importantes 
problemas teóricos. Supondo-se que a natureza seja eterna e imutá-
vel, a insistência em uma “natureza” que defina os comportamentos, 
as crenças individuais, a organização social, levará à consequência 
inevitável de que um egípcio de 1600 a.C., um romano de 2 d.C., 
e um asteca do século XV, serão fundamentalmente iguais. Nesse 
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Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
caso, sobraria à história apenas estudar o superficial, o decorativo, 
ou o curioso. Afinal, o apelo à natureza leva à atemporalidade e ao 
determinismo. E sem mudança no tempo não há história.
 2 A influência da cultura: Voltemos a Pedro. Sendo uma “folha em 
branco”, supunha-se, poderia ser educado para se tornar um cida-
dão ideal. “Tal qual uma grosseira tábua de madeira é o homem 
na mera condição em que nasce, saído das mãos da natureza”, afir-
mou o escritor Daniel Defoe (1660-1731), após conhecer o caso 
de Pedro: “e, por consequência, a melhoria da alma pela instrução, 
que nós denominamos educar, é da mais alta importância” (apud 
DOUTHWAITE, 2002, p. 23).
Para essa corrente de pensamento, o que determinava o futuro de 
Pedro não era a natureza, mas sua educação e sociabilização. No 
que, afinal, desapontou os teóricos: apesar dos esforços de vários 
tutores, Pedro jamais conseguiu pronunciar senão algumas poucas 
palavras, adquiriu apenas vagamente os costumes da sociedade de 
sua época, e foi considerado alguém que não se poderia ensinar. 
Ao envelhecer, passou a viver junto a camponeses, sobrevivendo 
de recursos da monarquia. Apenas após sua morte concluiu-se que 
Pedro não era a folha em branco de Locke, mas uma pessoa com 
doenças mentais, razão pela qual não poderia ser ensinado. 
A educação sempre foi um tema importante para os iluministas, 
como uma estratégia para melhoria dos indivíduos e socieda-
des. Em certos momentos, contrapunha-se à busca pela natureza 
humana, pois enquanto uma defendia a perfectibilidade do ser 
humano, outra acreditava na existência de princípios inatos, pode-
rosos e determinantes. 
Herder, como vimos, foi ainda mais radical na valorização do apren-
dizado, e da herança cultural. Para ele, o que caracterizava um indi-
víduo era o que se aprendia a partir dos pais e da comunidade em 
que vivia: e era isso que construíasua identidade individual. Por 
essa razão, só seria possível compreender as sociedades a partir de 
seus próprios valores, que as gerações mais velhas ensinavam às mais 
novas, e não de ideias generalizantes. Utilizando-se de um termo 
que acabou por se tornar fundamental não apenas aos estudos his-
Teorias da História
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tóricos, mas às Ciências Humanas e Sociais como um todo, Herder 
defendia a importância de se compreender a cultura de cada povo. 
Até aquele momento, o termo “cultura” apresentava dois significa-
dos essenciais. Um primeiro ligado à agricultura, no mesmo sentido 
que utilizamos, ainda hoje, expressões como “cultura do arroz”. E 
um segundo associado ao refinamento dos modos e saberes: dispu-
nha de mais cultura aquele que apreciasse as artes, a literatura, a 
música, além de comportar-se de certas maneiras. Tratava-se de um 
termo que designava distinção social (cultura era algo próprio da 
elite) e que uma pessoa poderia ou não ter. 
Herder, porém, compreendia o termo dentro de um significado 
diferente. A cultura seria o conjunto de elementos que formam 
determinada sociedade, tornando-a particular, e específica. As 
forma de cozinhar, crer, pensar, agir, organizar-se socialmente, 
construir objetos, trabalhar, aprender a própria língua, definir valo-
res, estabelecer regras, enfim, só poderiam ser compreendidas den-
tro da própria realidade local, e eram fundamentalmente diferentes 
tanto das de outros povos, quanto das pessoas de outros tempos.
 Saiba mais
Foi apenas no século XIX, porém, que o termo “cultura” passou a 
ser utilizado enquanto um conceito, seguindo os avanços da Antro-
pologia, nos trabalhos do britânico Edward Tylor (1832-1917) e do 
teuto-americano Franz Boas (1858-1942). A partir de estudos em 
populações não ocidentais – particularmente, sociedades ditas tradicio-
nais – desenvolveu-se a antropologia enquanto uma forma de estudar, 
cientificamente, como se construíam as diferentes culturas: as “inven-
ções, vida econômica, estrutura social, arte, religião, morais” que cul-
turalmente estariam “todas inter-relacionadas” (BOAS, 1940, p. 255).
As explicações culturais vão por caminhos opostos aos que apelam à 
natureza. Afinal, não serão ideias inatas, ou determinação dos instintos que 
modelam as sociedades, mas apenas as opções das pessoas, a partir do que 
aprenderam, e que procuraram repassar às gerações seguintes. Pouco, ou 
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Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
nada, é deixado à natureza: as explicações serão buscadas nos contextos sociais 
específicos, que são criações humanas. 
Por isso as explicações que partem da cultura estão entre as preferidas de 
historiadoras e historiadores. Porque, dentro da cultura, o indivíduo é, por 
assim dizer, histórico: deve ser contextualizado em seu tempo, dentro de suas 
crenças, a partir de seus próprios valores, e considerando as condicionantes 
sociais, políticas e econômicas em que vivem. Só assim será entendido. As 
sociedades e suas mudanças tornam-se resultados de opções, mais ou menos 
conscientes e voluntárias, analisadas historicamente. 
3.2.1 Hegel e a razão na história
O filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) con-
cordava com o pensamento historicista de que valores como a liberdade não 
eram dados universais, como desejavam os iluministas franceses, mas sim 
resultado de processos históricos. Porém, diferentemente de Herder, Hegel 
procurou construir uma filosofia que explicasse a história como um todo, que 
definisse sua lógica interna e, inclusive, seus objetivos. 
Hegel tinha uma convicção: “a forma que a plena compreensão do Espí-
rito assume na existência [é] o Estado” (HEGEL, 2001, p. 67). Ou seja, o 
Estado nacional era, para Hegel, o ponto máximo da evolução histórica, seu 
estágio final, sua verdadeira conclusão. A razão era incorporada, manifestada 
nos Estados, e é neles que se encontra o mais alto estágio da história. Estabe-
lecido o Estado racionalizado, que garantiria a liberdade para seus cidadãos, a 
história não precisaria mais evoluir. Certamente haveria eventos, novos fatos, 
velhos e novos governantes, mas o processo histórico deixaria de avançar, pois 
o Espírito teria alcançado seu autoconhecimento e sua concretização.
Espírito? Sim, espírito. O raciocínio histórico de Hegel é não apenas 
filosófico, mas metafísico, e abstrato. Os termos que utiliza para explicar as 
maneiras pelas quais os processos históricos ocorrem podem gerar confusão e 
são, por vezes, altamente complexos. 
Para Hegel, o Estado era o fim da história, e a realização plena da razão. 
Quanto mais as sociedades e suas instituições se tornavam racionais, mais se 
aproximavam do modelo de Estado que Hegel conhecia e admirava (o Estado 
Teorias da História
– 76 –
em que vivia, a Prússia do final do século XVIII e início do XIX). A história, 
portanto, evoluía pelo aumento de sua racionalidade; e tinha, ainda, um obje-
tivo: atingir a suprema razão, que se corporificava no Estado.
Nessa filosofia, as pessoas importavam pouco para as explicações histó-
ricas. Desejos, interesses, lutas, motivações, não eram as forças motrizes do 
desenvolvimento histórico. Como o próprio Hegel mesmo afirmou:
Ao contemplar a história como sendo o cadafalso em que foram sacri-
ficadas a felicidade dos povos, a sabedoria dos Estados e a virtude dos 
indivíduos, necessariamente surge uma pergunta: para que princípio, 
a que objetivo final foram oferecidos estes sacrifícios monstruosos? 
(HEGEL, 2001, p. 67). 
Esse processo da razão que gradualmente se desenvolve não era con-
duzido segundo a vontade humana. Pessoas que tiveram, na visão de Hegel, 
um impacto fundamental na história, como Júlio César ou Napoleão, não 
fizeram outra coisa senão servir de instrumento a esse processo maior da qual 
participavam involuntariamente. Eram úteis para que a história se desenro-
lasse, mas não eram, propriamente, seus agentes. 
O que motivaria a história em direção à razão era o Espírito, agindo por 
meio das ações humanas. Porém, não há algo de religioso nessa concepção, 
embora o uso do termo “espírito” pareça implicar a religiosidade. Para Hegel, 
Espírito é a forma como as instituições sociais foram movidas pelo Espírito 
em direção a essa racionalidade. Cada momento de conturbação e contradição 
seria superado, dialeticamente, por outro mais racional: entrava-se em um novo 
estágio, mais racional que o anterior, e no qual o Espírito se conhecia um pouco 
melhor. Até superar as novas dificuldades e entrar em um novo estágio que 
deveria novamente ser superado. E, assim, sucessivamente. Até atingir a total 
racionalidade, a total liberdade, em que o Espírito conhece a si mesmo. 
 Saiba mais
Dialética é o nome que se dá a uma forma de argumentação em que 
duas ideias contrárias são confrontadas e, pelo uso da racionalidade, 
busca-se encontrar uma solução ao impasse. A dialética, na filosofia 
moderna, tomou usualmente a forma de determinada ideia (a tese) 
que é apresentada à sua refutação (a antítese), e da racionalização das 
duas surge a solução (ou síntese).
– 77 –
Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
Você pode pensar: “mas isso é por demais abstrato! Não é possível que 
a história funcione dessa maneira”. Sim, é bastante abstrato. Mas há duas 
razões bastante concretas pelas quais não se deve desconsiderar Hegel: pri-
meira, porque ele constrói um modelo de evolução da história que se dirige 
à racionalidade (nesse sentido, cai no erro do teleologismo) sem que isso seja 
resultado da intenção ou ações conscientes das pessoas. Ou seja, o processo 
histórico hegeliano é explicado sem a necessidade de entender os interesses e 
motivações humanos: isso será importante para discutirmos outras filosofias 
que também procuraram criar leis históricas excluindo as próprias pessoas. 
Segunda:o pensamento de Hegel vai ser utilizado como fundamento para 
uma filosofia fundamental para os estudos históricos, o pensamento mar-
xista3. Vários elementos do pensamento de Hegel estarão presentes em Marx: 
o teleologismo, a dialética, a concepção de que a história caminharia para 
uma racionalidade superior (no caso de Marx, o comunismo), fundada em 
uma lógica interna de progresso. 
Historiografia e Teoria: Determinismo
Uma das características do pensamento de Hegel é seu determinismo 
histórico: em outras palavras as pessoas são determinadas a agir de certa 
maneira. Não têm opção, porque a história lhes obrigaria a agir de certa 
forma. Utilizando uma terminologia teórica, podemos dizer que, para Hegel, 
as pessoas não teriam “agência”, ou seja, não seriam agentes, ou protagonistas 
conscientes, de suas próprias ações históricas. 
Várias foram as filosofias que, na busca por compreender o sentido dos 
eventos do passado, construíram modelos interpretativos em que descarta-
vam a atuação histórica dos indivíduos. Nelas, as pessoas seriam determinadas 
pelos acontecimentos. A seguir estão alguns exemplos: 
 2 Giambattista Vico (1668-1744), filósofo. Para ele, a história era 
uma mente superior às vontades individuais.
 2 Friedrich Engels (1820-1895), filósofo. O “evento histórico deve 
ser visto como produto de um poder que opera inconscientemente” 
(apud THOMPSON,1987, p.102).
3 Relativo ao filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), sobre o qual estudaremos no 
capítulo 8.
Teorias da História
– 78 –
 2 Norbert Elias (1897-1990), sociólogo. A história associa-se à dire-
ção que a sociedade toma, embora ninguém seja o diretor.
 2 Michel Foucault (1926-1984), filósofo. As relações de poder são 
intencionais e não subjetivas. Ou seja, têm uma intencionalidade, 
mas não dependem de um sujeito.
 2 Louis Althusser (1918-1990), filósofo. A história é um processo 
sem sujeito.
Cada uma dessas concepções parte de fundamentos diferentes, chega a 
conclusões diversas, e apresenta perspectivas específicas. O que todas têm em 
comum é seu determinismo: indivíduos não participam do modelo explica-
tivo e, para esses pesquisadores, a história pode ser analisada sem preocupação 
com as intenções das pessoas.
O pensamento histórico determinista parte do pressuposto de que as 
mudanças históricas não são resultado, propriamente, das ações humanas, 
mas de forças profundas de outra ordem, não controladas por indivíduos. 
São concepções que não podem ser comprovadas por evidências ou, quando 
muito, extraem-se das fontes primárias exemplos escolhidos de maneira sele-
tiva para demonstrar a falaciosa tese principal.
Atualmente, há severas críticas a esse viés determinista na história. Um 
dos principais argumentos apesentados hoje é que não existem fenômenos 
políticos, ou econômicos, ou religiosos que existam independentemente das 
ações humanas. São todos resultados sociais de escolhas individuais, dentro 
de contextos sociais, culturais, políticos, econômicos específicos. 
Vimos que buscar na natureza a explicação de eventos sociais é flertar 
com o determinismo. Ao mesmo tempo, discutimos como o conceito de cul-
tura nos ajuda a compreender sociedades e indivíduos como historicamente 
localizados. Porém, mesmo a cultura pode, eventualmente, ser utilizada de 
modo determinista. Isso ocorre quando se defende que apenas a cultura – e 
nada mais – explica o comportamento dos indivíduos e as formas pelas quais 
as sociedades se organizam. 
Um exemplo: o antropólogo brasileiro Roque de Barros Laraia (nas-
cido em 1932) é autor de uma obra bastante popular de introdução ao 
estudo da antropologia: “Cultura, um conceito antropológico”. Nela, Laraia 
– 79 –
Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
demonstra como as sociedades constroem culturalmente suas sociedades e 
de que maneira determinismos biológicos e geográficos não são capazes 
de explicar a diversidade de coletividades humanas. Em certos momentos, 
porém, transmite uma ideia de determinismo cultural quando, por exem-
plo, afirma: “Um menino e uma menina agem diferentemente não em fun-
ção de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada” 
(LARAIA, 2001, p. 12).
Não há dúvidas de que a infância é vivida diferentemente em cada socie-
dade, e em diferentes grupos sociais. E mais, que os papéis sociais dados ao 
masculino e ao feminino (ou seja, o que significa ser homem” e ser “mulher”) 
em determinada sociedade, são construídos cultural e historicamente. Porém, 
a biologia interfere, em certa medida, nas maneiras pelas quais meninos e 
meninas crescem e se inserem socialmente.
Acreditar que apenas a cultura molda as pessoas é retornar ao século 
XVII, e às ideias de Locke. Seríamos nada mais do que “folhas em branco” 
nós mesmos, modelados apenas, e tão somente, pelo que aprendêssemos dos 
mais velhos. Além disso, acreditar que as crianças se formam apenas por conta 
do que lhes é dito e ensinado, é tomá-las por bonecos vazios: ao contrário de 
serem meras massas modeladas passivamente, sabe-se que agem ativamente 
dentro do próprio aprendizado. E mais: tentar separar os seres humanos da 
natureza, colocando-os no mundo exclusivo da cultura (ao contrário de todos 
os demais animais), é retornar à concepção medieval cristã, que via o Homem 
como um ser totalmente diferenciado dentro da criação divina. Pesquisas em 
diversas áreas do conhecimento – da biologia à pedagogia; da antropologia à 
neurologia – demonstram que existem componentes biológicos importantes 
que interferem no comportamento e na formação humanos. Tais componen-
tes podem ser sublimados, acentuados, modificados: mas existem. De toda 
forma, o diálogo que há entre natureza e cultura ainda é algo ainda a ser 
estudado dentro das Ciências Humanas. 
3.2.2 A visão romântica de Jules Michelet
Uma das principais características do ocidente no século XIX foi o surgi-
mento de sentimentos nacionalistas. Desde o final do século XVIII, particu-
larmente na Europa – mas não somente –, cresceu a ideia de que uma nação 
Teorias da História
– 80 –
seria uma entidade única, absolutamente particular em suas características, 
que possuiria não apenas um passado específico, mas determinado caráter 
ou espírito, além de um idioma próprio. Seria marcada pela sua unidade e 
identidade étnica. O desenvolvimento de tais sentimentos não era dirigido ao 
governo, ou ao Estado (ainda que fossem seus representantes), mas a valores 
abstratos, concretizados em símbolos como bandeiras, hinos, monumentos, 
ou mesmo em particularidades naturais. 
A história foi influenciada por esse processo, e a ele influenciou forte-
mente. Dos mais importantes símbolos para a construção desses sentimentos 
nacionalistas, estavam aqueles ligados à constituição histórica do país. Assim, 
o sentimento nacional foi construído, também, com o apelo a determinado 
passado, a lembrança de certas lutas (fossem vitoriosas ou não), a veneração 
de heróis. O culto à nação assemelhava-se a uma devoção religiosa, que cons-
truiu seus próprios ritos (como os feriados nacionais), objetos devocionais (os 
símbolos nacionais) e tinha seus próprios mártires e altares (os heróis, reme-
morados em monumentos espalhados pelas praças das cidades). 
Historiadores como o francês Jules Michelet (1798-1874) ou o britâ-
nico Thomas Macaulay (1800-1859) destacaram-se na escrita de uma história 
caracterizada por apoiar a criação de estados nacionais (ou seja, países inde-
pendentes), por meio de narrativas que explicavam o surgimento das caracte-
rísticas únicas da nação. Os objetivos nacionalistas de suas obras influencia-
vam a forma como selecionavam os eventos, como os analisavam e, também, 
o modelo de escrita histórica que produziam.
Figura 5 - Tempos de vida de Michelet e Macaulay.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Em texto escrito datado de1869, Michelet afirmou que seu trabalho 
como historiador surgiu ao perceber que a França “tinha anais, e não uma 
– 81 –
Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
história” (MICHELET apud BOURDÉ, 1990, p. 93). Em sua visão, os his-
toriadores que lhe antecederam eram culpados por fragmentar a história fran-
cesa: um se preocupava com a questão da raça, outro com as instituições, um 
terceiro somente com a política. Faltavam a eles, na concepção de Michelet, 
a ideia de uma integralidade. 
Em Michelet, o texto não apenas citava ou descrevia eventos. Sua análise 
buscava, e não incomumente criava, significados para o passado: procurava 
encontrar nos personagens e ações já desaparecidos, determinada mensagem 
que serviria às pessoas do presente. E, para que fosse possível produzir essa 
história, era necessário apaixonar-se por ela, fazer dela parte da própria iden-
tidade. Observe, no trecho abaixo, como Michelet entendia como sua própria 
vida estava integrada aos estudos do passado. 
Minha esposa morreu e meu coração estava em pedaços. Mas desde 
aquele rompimento surgiu uma energia violenta e quase frenética: 
mergulhei com um prazer sombrio sobre a morte da França no século 
XV, misturando com ele essas paixões ferozmente sensuais que eu 
encontrava igualmente em mim e em meu tema. (MICHELET apud 
CROSSLEY, 2002, p. 187).
O objetivo de Michelet com sua história era construir uma ideia de inte-
gralidade, de totalidade dos elementos que teriam participado da constituição 
da França. “Meu problema histórico”, afirmou, era buscar a “ressurreição da 
vida integral, não nas suas superfícies, mas nos seus organismos interiores 
mais profundos” (MICHELET apud BOURDÉ, 1990, p. 94). Imaginava 
reconstruir o passado e, com isso, recuperar a unidade do que seria a França. 
Por isso, ao contrário de seus antecessores, preocupou-se com elementos 
como a cultura ou a geografia, e não se centrou apenas em temas políticos. 
Agindo dessa forma, a França era pensada enquanto um ser vivo, uma enti-
dade mergulhada em determinadas forças vitais. 
Para encontrar a vida histórica, seria preciso segui-la pacientemente 
em todas as suas vias, todas as suas formas, todos os seus elementos. 
Mas também seria preciso, com uma paixão ainda maior, refazer e 
restabelecer o jogo de tudo isto, a ação recíproca destas forças diversas 
num poderoso movimento que se tornaria a própria vida (MICHE-
LET apud BOURDÉ, 1990, p. 93).
O discurso histórico de Michelet é diferente dos modelos que encontra-
mos até aqui. Ele se preocupava com as fontes primárias (na verdade, criticava 
Teorias da História
– 82 –
seus predecessores por desconsiderá-las), mas iria buscar nelas mais do que 
fatos, dados, informações. Queria resgatar determinada vida, determinado 
movimento que havia construído a França. Sua narrativa apaixonada, pró-
pria do período Romântico em que vivia, visava exaltar esse passado heroico 
dos franceses, além de glorificar, de uma forma quase religiosa, a sua própria 
nação. Por essa razão, a objetividade – o que significaria, também, a ausência 
de paixão –, era um problema que não lhe importava.
 Saiba mais
O Romantismo foi um movimento estético que se iniciou na Europa 
em finais do século XVIII, mas difundiu-se no Ocidente, sendo impor-
tante pelo menos até meados do século XIX. Caracterizava-se por uma 
valorização dos sentimentos sobre a razão, do individualismo, além de 
glorificar tanto a natureza, quanto o passado, que eram idealizados.
Historiografia e Teoria: Agência e Estrutura
Para Michelet, o grande agente histórico era o “povo”. Tomado como 
um ente único, homogêneo, com identidade e interesses próprios, esse povo 
era o responsável, em última instância, por revoluções e atos de coragem que 
marcariam o desenvolvimento francês. 
Em nacionalidade, é tal como em geologia, o calor está em baixo. 
[...] O camponês casou com a França em legítimo casamento; é a 
sua mulher, para sempre; é um com ela. Para o operário, é a sua bela 
amante; nada tem, mas tem a França, o seu nobre passado, a sua gló-
ria. (MICHELET, apud BOURDÉ, 1990, p. 91).
Esse “povo”, imaginado por Michelet, porém, não existe, senão como abs-
tração. Nenhuma comunidade, não importa seu tamanho, é homogênea: toda 
sociedade é composta por indivíduos únicos, organizados em diferentes grupos 
sociais, religiosos, culturais que apresentam diferentes gêneros e etnias; são de dife-
rentes idades, com variáveis graus de instrução. Para cada um a realidade é dife-
rente e, dentro dela, conduz sua vida diante das opções que lhe são disponíveis. 
Tome-se um indivíduo, mulher ou homem, de qualquer época ou lugar. 
O que define suas escolhas? O que condiciona a tomada de decisão, de pro-
blemas simples do cotidiano (“O que vestirei hoje?”), até ações complexas 
– 83 –
Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
(“Vendo a minha propriedade para pagar minhas dívidas?”)? Nesse capítulo 
observamos buscas por respostas a questões de como as explicações à natureza 
costumam gerar explicações a-históricas, e como o apelo à cultura, ainda que 
escape desse problema, pode construir seus próprios determinismos. Vimos 
ainda que existem filosofias que se fundamentam, justamente, na exclusão das 
ações humanas da história. 
Não há dúvida de que as pessoas são agentes históricos: ou seja, são 
de ações humanas, individuais e coletivas, que partem a organização social, 
sua perpetuação, e suas mudanças. Somos indivíduos e, assim, realizamos 
escolhas, atribuímos valores às opções de que dispomos e, dentro de certas 
possibilidades, procuramos conduzir nossas próprias vidas. Contudos, nossas 
opções não são tomadas no vácuo, mas fazem parte, elas também, da vida 
social. Por mais íntimas e privadas que sejam as decisões que tomamos, elas 
sempre participam de um contexto. Estão sempre submetidas a uma socie-
dade, a um grupo, a determinadas expectativas e possibilidades. Somos agen-
tes de nossas próprias decisões, mas apenas parcialmente, pois estamos condi-
cionados pelas opções estruturais.
Figura 6 - Em 2014, a revista eletrônica estadunidense “This is colossal” apresentou 
os resultados do trabalho do fotógrafo holandês Hans Eijkelboom. Durante mais de 
20 anos ele viajou o mundo fotografando pessoas em algumas cidades do mundo, 
e notou que, em cada lugar, era muito comum a repetição de determinados padrões 
de roupas, tanto masculinos quanto femininos. Ainda que reflitam preferências 
pessoais, as pessoas tendiam a vestir conjuntos similares. A criação desses padrões 
reflete as influências da moda e da mídia, os produtos disponíveis, as expectativas 
dos grupos, a classe social em que as pessoas se encontram, o clima, a ocasião para 
que se vestem. A repetição demonstra que, por mais individuais que possam parecer 
nossas escolhas, estamos submetidos a opções que estão disponíveis socialmente. 
Fonte: thisiscolossal.com/Hans Eijkelboom 
Teorias da História
– 84 –
Se não há possibilidade de tomarmos decisões exclusivamente com base 
em nossa vontade – afinal, somos seres sociais e históricos – o inverso também 
é impossível: não existe apenas a estrutura que, por si só, define os caminhos 
tomados pelas sociedades, e exclui a agência. Isso seria retornar ao pensa-
mento determinista.
As ações individuais importam; como também importam os contextos; 
sabemos, ainda, que as sociedades se modificam (caso contrário, não haveria 
história). Como, então, podem ser conjugadas essas diversas relações entre 
agência (os objetivos e interesses individuais) e a estrutura (as sociedades, a 
cultura, como um todo)?
 2 Há uma relação de diálogo entre agência e estrutura. Nem as 
pessoas agem a despeito do que existe na sociedade, nem as socieda-
des mudam sem que sejam modificadas pelas próprias pessoas. As 
condições sociais influenciam as decisões individuais;essas escolhas 
repercutem no contexto como um todo. 
 2 Aos indivíduos é oferecido um conjunto de possibilidades. 
Não podemos escolher qualquer coisa, a qualquer momento, mas 
apenas aquilo que está disponível social, e historicamente. Assim 
como nossas roupas, também há um número limitado de crenças, 
comportamentos, empregos, opções de vida, locais de moradia, 
sentimentos, relacionamentos. Nossa inserção em determinada 
cultura, bem como o contexto social em que vivemos, condicio-
nam as decisões que tomamos. E, como regra geral, pode-se dizer 
que sempre optamos por aquilo que simbólica ou materialmente 
valorizamos mais.
 2 As pessoas podem ser originais. As opções sociais não determi-
nam escolhas, apenas apontam as possibilidades mais prováveis, ou 
usuais. Sempre poderão existir pessoas que, sob certas condições, 
constroem soluções novas, mais ou menos radicais, para qualquer 
problema. Isso pode gerar uma mudança, ainda que pequena, na 
estrutura. 
 2 Os diferentes elementos da sociedade são interdependentes. 
Isso significa que mudanças importantes na religião, por exemplo, 
impactarão a economia; e ambas influenciarão e serão influencia-
– 85 –
Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
das pela política. Nas últimas décadas no Brasil houve um sen-
sível aumento no número de pessoas que passaram a frequentar 
igrejas evangélicas (uma mudança religiosa) o que produziu, entre 
tantos outros impactos, consequências políticas (tais como líderes 
religiosos atuando em cargos públicos). 
 2 Os contextos são dinâmicos. Mudanças individuais e coletivas 
impactam contextos que acabam se modificando. Criam-se assim 
novos contextos que, por sua vez, oferecerão às pessoas novos con-
juntos de possibilidades. Daí surgirão novas opções, que poderão 
construir novos contextos. Do constante diálogo entre contexto e 
opções individuais, permitem-se as mudanças que podem ser, ao 
final, objeto de estudo da história. 
Da teoria à prática
Nos últimos anos do final do século XIX, no interior da Bahia, o exército 
brasileiro destruiu uma localidade chamada Canudos e seus habitantes, em 
um episódio que entrou para a história com o nome “Guerra de Canudos”. 
Liderados por Antônio Conselheiro, pessoas que de alguma forma se encon-
travam marginalizadas pela estrutura política e econômica, organizaram-se 
em torno dessa comunidade, fundada a partir de sentimentos religiosos e 
mesmo messiânicos. Acredita-se que, em seu auge, tenha reunido cerca de 25 
mil pessoas.
O primeiro que buscou explicar o evento foi o médico Nina Rodrigues, 
escrevendo em 1897, ainda antes do final do conflito: “Antônio Conselheiro 
é seguramente um simples louco”, afirmou; e seus seguidores seriam “um 
bando de fanáticos” (RODRIGUES, 2006, p. 42). E qual seria a origem desse 
fanatismo? “O jagunço é um produto tão mestiço no físico que reproduz os 
caracteres antropológicos combinados das raças de que provém”. Tratava-se, 
portanto, de algo da própria natureza da população que tinha, para Rodri-
gues, “o instinto belicoso, herdado por essa população do indígena ameri-
cano” (RODRIGUES, 2006, p. 56). 
Para explicar aquele evento, Nina Rodrigues fundamentou-se na medi-
cina de sua época. 
Teorias da História
– 86 –
O contexto, o passado, as crenças religiosas, para ele, pouco importa-
vam: em sua explicação, Canudos é consequência da uma corrupção da natu-
reza humana. 
Trata-se de uma resposta historicamente ultrapassada. Contudo, como os 
eventos de Canudos são explicados atualmente? Ainda há determinantes (natu-
rais, sociais, culturais) nas explicações? Pesquise em livros didáticos, sites da 
internet, e obras de história, para encontrar explicações atuais sobre o evento, 
e compare-as com as apresentadas por Rodrigues. Procure descobrir quais as 
causas que historiadores indicam, e verifique se Canudos está sendo estudado 
historicamente, e se ainda persistem explicações deterministas sobre o episódio. 
Síntese
Analisando o pensamento histórico do Iluminismo a Michelet, pudemos 
analisar as diferentes maneiras pelas quais filósofos e historiadores pensaram 
a história, e as relações estabelecidas entre indivíduos e sociedade, entre mea-
dos do século XVIII e XIX. Percebemos, ainda, que as explicações fundadas 
na natureza, bem como todos os determinismos de maneira geral, devem ser 
evitados, pois negam a historicidade da sociedade e cultura humanas. 
– 87 –
Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
Atividades
Leia com atenção os textos seguintes, ambos escritos por pensadores do 
século XVIII. Atente ao fato de que ambos os textos serão utilizados para as 
questões 1 e 2.
Voltaire, “História de Carlos XII”, 
1730.
David Hume, “Ensaio sobre o 
entendimento humano”, 1777.
É preciso, ao ler-se uma história, ter-
-se em conta a época em que o autor 
a escreveu [...]. Quem lesse somente a 
história dos belos tempos de Luís XIV 
diria: os franceses nasceram para obe-
decer, para vencer e para cultivar as 
artes. [...] Os ingleses de hoje já não se 
assemelham aos fanáticos de Cromwell, 
assim como os monges e os monsig-
nori de que Roma está povoada não se 
parecem com os Cipiões (VOLTAIRE, 
apud LOPES, 2003, p.36).
A humanidade é de tal modo a mesma, 
em todas as épocas e lugares, que a his-
tória não nos informa nada de novo 
ou estranho a este respeito. A sua utili-
dade principal é apenas a de descobrir 
os princípios constantes e universais 
da natureza humana, mostrando-nos 
os homens em todas as variedades de 
circunstâncias e situações (HUME, 
apud BARROS, 2012, p. 34).
1. A respeito do conceito de história durante o período Iluminista, é 
correto dizer: 
a) Preocupou-se com a fundamentação em fontes, enquanto causas 
eram buscadas em ações humanas, reflexos da preocupação dos filó-
sofos com a verdade e a rejeição a mitos. 
b) Foi baseada no princípio religioso cristão caracterizado pela con-
trarreforma católica, marcada pelo aumento da autoridade papel 
sobre os temas seculares. 
c) Defendia a escrita de narrativas apaixonadas e vibrantes, buscando 
enaltecer heróis e líderes dos países, processo resultante da atuação 
dos chamados “déspotas esclarecidos”.
d) Caracterizou-se por seu voluntarismo, isto é, a crença de que cada 
sociedade deveria ser compreendida a partir dos próprios valores, 
crenças e visão de mundo. 
Teorias da História
– 88 –
e) Foi marcada pelo abandono do uso de fontes, e uma ampliação 
das chamadas filosofias da história, em que não se faziam pesquisas 
originais, mas comentários de obras já escritas.
2. Além dos filósofos iluministas mencionados ao longo desse capí-
tulo, houve outros ilustres como o escocês David Hume (1711-
1776). Leia o trecho de autoria de Voltaire e o outro de Hume. 
Estabeleça uma comparação entre eles e, depois, identifique a alter-
nativa correta.
a) Enquanto Voltaire demonstra um determinismo cultural, Hume 
expressa a possibilidade da variabilidade da natureza humana, 
resultado da ação do próprio passado. 
b) Tanto Voltaire quanto Hume defendem que as sociedades só podem 
ser conhecidas dentro de suas realidades específicas, ou pode-se cair 
na naturalização dos fenômenos sociais. 
c) Para Voltaire, a história deve ser entendida a partir de variações 
políticas, enquanto David Hume compreende os seres humanos 
como resultados de opções culturais e sociais. 
d) Enquanto Voltaire está valorizando a diversidade das possibilida-
des, Hume está acentuando a presença de uma natureza, atemporal 
e universal, regendo as ações humanas.
e) A natureza humana, para ambos, é resultado de construções his-
tóricas, pois cada época e sociedade modelam a própria natureza 
segundo os próprios princípios culturais e religiosos.
3. O texto a seguir foi escrito em 1831, e aparece na obra “Introdução 
à história universal”,do historiador francês Jules Michelet. Leia o 
trecho com atenção.
A França não é uma raça como a Alemanha; é uma nação. Sua origem 
é a mistura, a ação é sua vida. Toda ocupada do presente, do real, seu 
caráter é vulgar, prosaico. O indivíduo retira sua glória de sua partici-
pação voluntária ao conjunto; ele pode dizer também: eu me chamo 
legião (MICHELET, 1831, p. 64).
Considerando o trecho acima, e aquilo que você conhece sobre as 
concepções de Michelet a respeito da história, é correto afirmar:
– 89 –
Iluminismo, romantismo e a relação indivíduo e sociedade
a) Michelet desenvolveu o conceito de cultura de modo a se contrapor 
às definições biológicas, como a ideia de “raça”.
b) Na França do século XVIII iniciou-se um movimento a favor da 
objetividade em história, do qual Michelet foi um dos líderes.
c) Michelet via a França como uma unidade, e glorificava sua história 
como parte de um projeto nacionalista. 
d) Concordando com o pensamento do alemão Hegel, Michelet acre-
ditava que os eventos eram determinados pela razão. 
e) Michelet buscava a neutralidade e, por isso, acreditava que a produ-
ção de “anais” era a melhor forma de se escrever história. 
4. A respeito do debate “agência e estrutura”, e sua relação com a his-
tória, pode-se afirmar que:
a) há uma mútua influência entre os indivíduos e o contexto em 
que vivem. 
b) há o determinismo das ações humanas sobre a sociedade em que 
moram.
c) há a naturalização dos desejos e ações humanas, como resultado 
da cultura.
d) trata-se de um debate que não pertence à teoria da história, mas 
à filosofia. 
e) é resultado das determinações culturais sobre as sociedades. 
4
A busca por uma 
ciência histórica 
no século XIX
Qual é a causa de um evento histórico? Como determinamos 
quais foram os fatores essenciais para que ocorresse uma mudança cul-
tural, uma crise, uma revolução? Como diferenciamos eventos impor-
tantes de eventos irrelevantes? Na busca por construir uma disciplina 
histórica que fosse absolutamente objetiva e científica, alguns histo-
riadores do século XIX construíram um modelo de pensar e organizar 
os eventos do passado que visava explicar a história, mas a partir de 
uma redução da importância das reflexões teóricas e filosóficas. Isso 
acabou gerando modelos explicativos bastante simplificadores.
Neste capítulo, estudaremos duas escolas influentes do 
período – a liderada pelo alemão Ranke, e a francesa denominada 
“metódica” – para compreendermos seus modos de pensar a cons-
trução dessa “ciência histórica”. E, em seguida, iremos contrapor as 
maneiras pelas quais os historiadores ligados a essas correntes pen-
savam o tema da causalidade com as concepções históricas atuais.
Teorias da História
– 92 –
4.1 Leopold von Ranke
O alemão Leopold von Ranke (1795-1886) é considerado o precursor 
da história científica, além de importante referência na criação de métodos 
sistemáticos para leitura de fontes na busca pela objetividade no trabalho his-
tórico. Foi com Ranke que surgiu uma pretensão fortalecida no século XIX, 
que durou até as primeiras décadas do século XX (e, nos livros didáticos de 
história no Brasil, até os anos 1980), de que a função de historiadores seria 
evitar apresentar julgamentos sobre o passado, e alcançar a verdade histó-
rica narrando o que realmente aconteceu.
O historiador deve evitar julgamentos sobre o passado: esta não era uma 
concepção exclusiva de Ranke. Na verdade, nessa questão, ele estava dialo-
gando com outros pensadores alemães, como Johann Gottfried von Herder. 
Como vimos no capítulo anterior, o historicismo alemão era contrário à con-
cepção de que existiriam valores universais que poderiam ser aplicados a todas 
as sociedades. Basta lembrarmos da polêmica sobre o “povo mais feliz da his-
tória”. Ranke, nesse sentido, também era historicista, pois defendia que não 
se deveria julgar os povos do passado, pois isso seria impor, sobre eles, valores 
que eram próprios do presente. Assim, a primeira tarefa do historiador seria 
compreender cada sociedade em sua própria especificidade. “Cada época é 
próxima a Deus”, afirmava Ranke, “e seu valor não é baseado naquilo que car-
rega adiante, mas em sua própria existência, em si mesma, o que, de qualquer 
forma, não exclui a possibilidade de que algo surja dela” (apud HARDWIG, 
2001, p. 12740).
O que realmente aconteceu: esta é uma das mais famosas frases de Ranke, 
e não raro aparece grafada em alemão (wie es eigentlich gewesen). Aparente-
mente inócua, a frase não apenas sintetiza determinadas concepções ranke-
anas sobre a história como também foi apropriada por seus adversários para 
caricaturar seu pensamento.
Buscar “o que realmente aconteceu” traz uma pretensão de obtenção da 
verdade. Afinal, Ranke deixava claro que queria separar o que não aconteceu 
do que realmente aconteceu: “a estrita apresentação dos fatos, contingente e 
desinteressante que possam ser, é sem dúvida a lei suprema” (RANKE, 1824, 
p. 57). Trata-se de um objetivo, convenhamos, bastante ambicioso e que 
– 93 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
implicava buscar, por meio da análise minuciosa das fontes primárias, como 
os fatos teriam realmente ocorrido, as verdadeiras motivações dos persona-
gens, bem como a ordem particular dos eventos: “ninguém pode estar mais 
convencido do que eu de que a pesquisa histórica exige o método mais estrito: 
criticismo dos autores, banimento de toda fábula, a extração dos fatos puros” 
(apud CHENG, 2012, p. 74). Essa é a forma mais comum pela qual a expres-
são “o que realmente aconteceu” é usualmente analisada.
Porém, há mais nela. Vamos compreendê-la em seu contexto original:
A história recebeu a tarefa de julgar o passado; de instruir o presente 
para o benefício das eras futuras. O presente estudo não aspira tão 
grandiosas funções. Seu único objetivo é meramente mostrar como 
as coisas realmente aconteceram (wie es eigentlich gewesen) (apud 
TOSH, 2011, p. 21). 
Ranke afirmava, aqui, que o principal objetivo da história não estava 
em buscar valores universais ou modelos de comportamento para o futuro 
(ainda que, a princípio, isso fosse possível). Tratava-se de uma nova referên-
cia à concepção historicista de compreender a sociedade nela mesma, den-
tro de sua própria integridade. Dessa forma, buscar “o que realmente acon-
teceu”, significava, também, compreender o passado dentro de sua lógica 
particular, e não impor interpretações ou significados que, originalmente, 
não estavam presentes.
Por sua vez, a busca por compreender “o que realmente aconteceu” com 
as sociedades do passado – ou seja, tanto a verdade dos fatos quando os sig-
nificados para aqueles povos – exigia um comprometimento com a leitura 
correta e precisa das fontes, fundado em uma metodologia. Para Ranke, a 
verdadeira história só poderia ser feita com a consulta a documentos origi-
nais, preferencialmente próximos aos eventos estudados. Em texto de 1824, 
definiu assim as fontes utilizadas em seu estudo sobre as nações latinas e ale-
mães entre 1494 e 1515:
Mas, quais as fontes de tal inédita investigação? As bases do presente 
trabalho, as fontes deste material, são memórias, diários, cartas, regis-
tros diplomáticos, e narrativas originais de testemunhas oculares. (...) 
Estas fontes serão identificadas em cada página; um segundo volume, 
a ser publicado a seguir, apresentará o método de investigação e as 
conclusões críticas (RANKE, 1824, p. 57).
Teorias da História
– 94 –
Rigor metodológico, fundado na objetividade do historiador, em busca 
da verdade do passado: este é o modelo de história científica empirista1 criado 
por Ranke.
Mas, além da herança historicista, Ranke também se aproximava das 
ideias de outro pensador alemão, Hegel, quando afirmava, por exemplo (em 
uma frase famosa já citada anteriormente),que “cada época é próxima a 
Deus”. A frase demonstra que Ranke não enxergava contradição em sua busca 
pela objetividade e a defesa de certa religiosidade, além de evidenciar a pro-
ximidade com as ideias hegelianas de que a história, como um todo, possuía 
determinado significado: “Deus habita, vive, e pode ser conhecido em toda a 
história”, afirmou Ranke (apud CHENG, 2012, p. 74).
Outro ponto de aproximação entre Ranke e Hegel está na concepção de 
que os Estados – que seriam verdadeiros “pensamentos de Deus”, segundo 
Ranke – seriam o ápice da realização da racionalidade humana. Por essa razão, 
seus estudos históricos deveriam se centrar no desenvolvimento político dos 
países e na construção da nacionalidade. Dentro do pensamento rankeano, os 
Estados seriam os verdadeiros agentes da história e expressão do poder divino 
que se revelaria no mundo. A ideia de uma espiritualidade que está na base 
dos fenômenos históricos toma, com Ranke, um verdadeiro sentido religioso.
As ideias de Ranke se difundiram também por conta de sua atuação 
como professor. Criando cursos universitários de história, separados de outras 
disciplinas como Letras, Filosofia ou Religião, às quais usualmente estavam 
associados, ele contribuiu de forma decisiva para a profissionalização do his-
toriador. Como afirmou o brasileiro Sérgio Buarque de Holanda:
Foi ele [Ranke] quem criou para os estudos históricos o sistema dos 
seminários, que aos poucos iriam proliferar em outros países. Ao 
mesmo tempo desenvolveu recursos de pesquisa e crítica das fontes, 
adaptando para isso, à História, processos já em uso, antes dele, entre 
filólogos e exegetas da Bíblia (HOLANDA, 1979, p. 16).
Seus seminários tornaram-se bastante famosos na Europa e mesmo fora 
dela: estudantes de vários locais do mundo iam assistir a suas aulas e, ao retornar 
1 Empirismo refere-se à doutrina de que todo conhecimento provém da experiência. 
No caso da história, significa afirmar que todo conhecimento tem origem nos dados das fontes. 
Assim, concepções filosóficas a respeito da história seriam desprezadas.
– 95 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
a seus locais de origem, acabavam por aplicar o modelo rankeano de se pensar 
história. Difundiram-se, assim, suas ideias e, fundamentalmente, seu método. 
4.2 A escola metódica francesa
O historiador alemão Georg Iggers (nascido em 1926), publicou em 
2008 um ambicioso livro com o título A história global da moderna historio-
grafia. Seu objetivo era descrever o desenvolvimento, a nível mundial, das 
diferentes escolas históricas. Apenas sobre o século XIX, o livro analisa as 
várias correntes historiográficas europeias, a influência do nacionalismo entre 
os historiadores islâmicos, as transformações ocorridas na pesquisa na Índia, 
as influências de Ranke no Japão, entre outras.
Este livro que tem em mãos e a grande maioria das obras de história da 
historiografia à disposição no Brasil usualmente optam por apresentar o desen-
volvimento do pensamento histórico na segunda metade do século XIX a partir 
de uma perspectiva bem específica: apresenta-se o trabalho de Ranke e, a seguir, 
passa-se a discutir a historiografia francesa, iniciando-se com a escola metódica 
(que veremos neste capítulo), seguindo-se a Escola de Annales (que veremos no 
Capítulo 6). Por que, do grande número possível de perspectivas historiográfi-
cas, estaremos nos centrando nos franceses? O que eles têm de especial? Afinal, 
é comum que a maior parte dos livros de história da historiografia produzidos 
na Inglaterra ou nos Estados Unidos, por exemplo, não deem grande destaque 
à Escola de Annales e mal citem os chamados metódicos.
O grande número de nomes franceses que encontramos nas bibliogra-
fias históricas no Brasil ainda nos dias de hoje se explica não porque tenham 
produzido uma visão histórica universalmente revolucionária – vários histo-
riadores, em diferentes países, produziram visões semelhantes –, mas por sua 
profunda influência no Brasil, desde o século XIX, a qual, apesar da globali-
zação, de certa forma ainda persiste.
Essa influência começou com a presença do modelo metódico de pensar 
a produção histórica tanto nos cursos de graduação em história quanto na 
produção de livros didáticos no Brasil. Aliás, antes da existência de manu-
ais nacionais de história (ainda no século XIX), os estudantes utilizavam os 
próprios títulos franceses nas aulas. E mesmo hoje existem vestígios de sua 
Teorias da História
– 96 –
presença: não é difícil encontrar, por exemplo, livros didáticos brasileiros que 
apresentem capítulos sobre as dinastias Merovíngias e Capetíngias francesas; 
e possivelmente você aprendeu que a chamada Idade Contemporânea iniciou 
em 1789, com a Revolução Francesa – uma divisão histórica que foi inven-
tada na França, importada pelo Brasil, e está longe de ser consenso mundial.
Assim, estudamos os metódicos por sua importância relativa, e não 
absoluta: o modelo histórico que construíram acabou sendo importado pelo 
Brasil e, para entendermos a historiografia nacional, estudá-los é importante.
Então quem foram os metódicos e o que defendiam? A escola metódica, 
também chamada de tradicional, surgiu nas últimas décadas do século XIX, na 
França. Buscando construir um modelo de história absolutamente científico, 
inspirou-se tanto nas ideias de Ranke quanto do positivismo para criar uma 
tradição historiográfica fundada no rigor metodológico: “Tudo o que não estiver 
provado deve permanecer provisoriamente duvidoso”, defendeu Charles Seigno-
bos (1854-1942), um dos principais divulgadores desse modo de pensamento.
O positivismo e a História
A filosofia positivista afirmava que todo conhecimento só seria 
válido se partisse de informações capturadas pelos sentidos 
humanos e analisadas racional e logicamente. Para os positi-
vistas, apenas as informações construídas pela ciência, que 
poderiam ser testadas e verificadas, eram verdadeiras. Trata-
-se de um modelo de pensamento ligado ao filósofo francês 
Augusto Comte (1798-1857), que pretendia construir um 
conhecimento sociológico das sociedades, procurando deter-
minar as leis que as regeriam, seguindo-se o método científico.
O que se pode denominar de “história positivista” é aquela 
escrita sob influência de preceitos dessa filosofia, especial-
mente copiados do método das ciências naturais. Para o his-
toriador positivista, a própria maneira de produzir história seria 
a única verdadeiramente objetiva: neutralidade diante dos 
eventos para manter a objetividade; agregando dados e infor-
– 97 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
mações, evitando julgar o passado; listando os fatos obtidos 
em cronologias e unindo-as em uma narrativa que considera-
vam isenta e objetiva; apegando-se ao particular e específico, 
recusando-se a generalizações; centrando-se na história polí-
tica tanto por ser a que mantinha relação com o Estado (con-
siderado o principal agente histórico) quanto por se relacionar 
a eventos que poderiam ser datados precisamente, como a 
queda da Bastilha (14 de julho de 1789) ou a independência 
do Brasil (7 de setembro de 1822).
Porém, não houve desenvolvimento pleno de escola histórica 
positivista. Acabou por se configurar mais como um adjetivo 
que serve para designar determinadas práticas historiográficas 
que seguiam, integral ou parcialmente, preceitos do positivismo. 
Ranke teve aspectos de seu trabalho definidos como “positi-
vistas”; os historiadores da chamada “escola metódica” francesa 
são, por vezes, também denominados historiadores positivistas.
Os princípios teóricos do positivismo são hoje considerados 
ultrapassados para os estudos históricos: sua noção simplista de 
fato, sua necessária linearidade cronológica, o apelo ao político 
como único tema possível, a crença na existência de uma única 
verdade a ser obtidapelo estudo do passado e sua ingênua 
concepção de objetividade são alguns dos aspectos do pensa-
mento positivista superados pelos atuais estudos históricos.
 
O principal veículo divulgador das concepções metódicas de história 
surgiu em 1876, quando foi criada a Revista histórica, por Gabriel Monod 
(1844-1912) e Gustave Faignez (1842-1927). Apresentou-se, inicialmente, 
como uma ruptura ao modelo histórico romântico de escrita da história, 
caracterizada pelos trabalhos de Jules Michelet (1798-1874). Considerado 
um modelo pouco objetivo – afinal, Michelet claramente escrevia como um 
apaixonado pela história e pela França –, os metódicos afirmavam basear suas 
concepções no modelo rankeano: “O seminário (...) na Alemanha é a verda-
deira escola dos historiadores”, afirmou Seignobos (1934, p. 90).
Teorias da História
– 98 –
O objetivo da escola metódica, segundo Monod, era fazer da história 
“uma ciência positiva”. E isso significava adotar determinada atitude cientí-
fica fundada na busca pela objetividade dos eventos, e não no julgamento do 
passado. Além disso, defendia determinada “vocação nacional” ou “simpatia 
intuitiva” para com o patriotismo, nas palavras de Monod: acreditava que era 
função da história participar da construção e do reforço da unidade nacional, 
o que foi feito por meio da construção de narrativas heroicas para a histó-
ria da França, legitimando o sistema de governo então vigente (BOURDÉ, 
1991, p. 97).
 Saiba mais
Ao tomar para si a função tanto de construir uma história científica 
quanto de contribuir para a união nacional (no caso, da França), a 
escola metódica influenciou fortemente os estudos históricos: participou 
da escrita de manuais escolares, definiu temas e abordagens, construiu 
maneiras específicas de se ensinar e estudar história. Essa foi uma influ-
ência duradoura, que se refletiu também no Brasil. Mas, além disso, 
influenciou também o ensino superior de história, com a organização 
de cursos e a publicação de um influente manual para estudantes: Intro-
dução ao Estudo da História, escrito por Charles Langlois (1863-1929) 
e Charles Seignobos e lançado originalmente em 1898. Nesse manual, 
procuravam ensinar seu pensamento a respeito da história, bem como 
os métodos que consideravam adequados à abordagem de documen-
tos. No Brasil, esse livro ainda era publicado em 1946, o que mostra a 
extensão de sua influência no País.
Figura 1 - Tempos de vida de Leopold von Ranke, e de três importantes 
historiadores da escola metódica.
Fonte: Elaborado pelo autor.
– 99 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
Sua concepção de história era fundada na primazia do acontecimento, 
nos “grandes homens” como agentes históricos, na naturalidade do fato, na 
temporalidade linear, na política; privilegiava as fontes escritas e, por fim, era 
supostamente objetiva e desencarnada. São muitas as características: a seguir, 
vamos analisá-las uma a uma. 
O acontecimento como ponto básico da história: o termo “aconteci-
mento”, aqui, tem o mesmo sentido que no mundo jornalístico. Certos mate-
riais didáticos de história que chegaram a criar “jornais da história”, inseridos 
entre as páginas do livro, utilizavam-se dessa mesma compreensão de evento. 
Para os metódicos, o evento histórico era um acontecimento específico, que 
poderia ser localizado temporalmente, de forma usual, em uma data bem 
específica.
Esse apelo ao acontecimento, ao fato singular, é consequência da convic-
ção dos historiadores metódicos de que não eram grupos sociais ou contextos 
que definiam os eventos históricos. Ainda que se estudassem crises, eventos 
políticos, mudanças religiosas, concepções culturais, o fundamental eram os 
atos dos indivíduos, os chamados “grandes homens”.
Figura 2 – “Jornal da história”: uma concepção factual que ainda persiste.
Fonte: VICENTINO, 1997
Teorias da História
– 100 –
Em trecho de um livro didático de 1997 (portanto, de cerca de um 
século depois do surgimento da chamada escola metódica), reproduzido 
na imagem, eventos históricos aparecem reduzidos a manchetes jornalísti-
cas. Trata-se de uma concepção bastante restrita de história: o que era con-
siderado importante, digno de aparecer na “notícia”, era um determinado 
acontecimento – “Escravos importados de Angola”, “Já são 60 os engenhos 
de açúcar no Brasil” – ligado a uma determinada data. Nessa concepção de 
história, o que importa é o acontecimento, um fato específico, ocorrido em 
certo momento. O que aparece nesse livro didático é ilustrativo da forma 
como os metódicos percebiam a história: uma série de acontecimentos, de 
curta duração, ligados a datas bastante específicas. Apenas por comparação, 
a história atualmente lida com temporalidades bastante variadas. Os fatos 
particulares reduzidos a acontecimentos específicos ainda existem, mas não 
são fundamentais, e quando aparecem sempre são analisados a partir de seu 
contexto mais amplo; ou seja, não têm valor em si. 
Os “grandes homens”: se história era sinônimo de política, consequen-
temente os principais personagens desse modelo historiográfico eram aqueles 
que atuavam politicamente: reis, imperadores, generais que se denominam 
genericamente de “grandes homens” eram, para os metódicos, os verdadeiros 
agentes históricos. Não se considerava, usualmente, que a população comum 
fizesse história ou que contextos condicionassem as escolhas. Valorizavam-se 
as ações individuais.
O fato natural: para os metódicos, o fato histórico era algo que existia 
por si só e bastava ao historiador ir às fontes para “descobri-los”. Cada docu-
mento histórico tinha um número limitado de fatos, por isso acreditavam que 
seria possível para os historiadores, um dia, analisar todos os fatos históricos 
e, assim, dar seu trabalho por concluído. Trata-se, como vimos no primeiro 
capítulo, de uma visão ultrapassada: atualmente sabe-se que os documentos 
históricos não trazem fatos históricos prontos, apenas informações que res-
pondem a determinadas perguntas de historiadores.
Temporalidade linear: para os metódicos, a temporalidade era linear; 
a um acontecimento seguia-se outro (usualmente entendido como causa) de 
uma maneira progressiva e uniforme, semelhante à derrubada de uma fileira 
– 101 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
de dominós. Os eventos históricos eram narrados, assim, como se tivessem 
determinado objetivo ou finalidade.
Centralidade da política: uma das características mais próprias da 
escola metódica era a preocupação quase exclusiva com eventos políticos. 
Contextos sociais e econômicos interessavam pouco, pois, acreditando que 
o Estado era o objeto central da história, tornava-se essencial compreender 
seu surgimento, desenvolvimento, crises, e sua formação. É por isso que datas 
específicas, como assinaturas de tratados, declarações de guerra, fundação de 
cidades, eram essenciais para um historiador metódico.
As fontes escritas: “Sem documentos, sem história”, afirmavam Lan-
glois e Seignobos (1904, p. 17), porém, sua concepção de documentos, com-
parando-se com a atual, era bastante restrita. Para os metódicos, as fontes 
primárias privilegiadas eram os textos de instituições – como o Estado, ou a 
Igreja – que fossem escritos. Outros objetos eventualmente eram utilizados, 
tanto que fazia parte da formação do historiador metódico o estudo de disci-
plinas como heráldica (que estuda o significado dos brasões) e numismática 
(que se especializa em moedas e medalhas). Tais documentos eram, porém, 
complementares, e não substituíam a autoridade dos textos. A presença da 
escrita em uma sociedade, portanto, tornava-se sinônimo da possibilidade de 
história. Não é à toa que, por essa razão, os povos sem escrita acabaram sendo 
denominados, de forma genérica e imprecisa, como “pré-históricos”.
A história objetiva e desencarnada: o rigordo método era uma das 
principais características dessa escola histórica; daí, aliás, seu nome. Para os 
metódicos, o cuidado minucioso com as fontes, o respeito estrito às datas, 
aos eventos e aos personagens e a construção de uma crítica dos documentos 
eram as principais atividades do historiador:
O primeiro grupo de investigações preliminares, que se debruça sobre 
a escrita, a linguagem, a forma, a fonte, constitui o domínio especial 
da CRÍTICA EXTERNA. A seguir, vem a CRÍTICA INTERNA: 
busca, com ajuda de analogias emprestadas especialmente da psicolo-
gia geral, reproduzir os estados mentais que passavam pela mente do 
autor do documento. (...) 1. O que ele quis dizer? 2. Ele acredita no 
que disse? 3. Era justificável crer no que ele acreditava? (SEIGNO-
BOS, 1904, p. 66-7)
Teorias da História
– 102 –
Para os metódicos, esse rigor metodológico era garantia tanto da objeti-
vidade quanto das verdades obtidas com o estudo da história. Dava certeza da 
correta interpretação dos documentos e da real intenção dos agentes históri-
cos e prevenia os preconceitos dos historiadores. O que pretendiam com esse 
modelo era atingir nada menos que a verdade:
Nós não mais vamos à história por lições de moral, nem por bons 
exemplos de conduta, nem mesmo por cenas dramáticas ou diver-
tidas. (...) Nós entendemos que o valor de toda ciência consiste em 
ser verdadeira, e o que pedimos da história é a verdade, e nada mais 
(SEIGNOBOS, 1904, p. 331).
A citação anterior tem um dado curioso, porém. No texto original, há 
uma nota de rodapé na qual Langlois afirma que, ao serem perguntados, em 
julho de 1897, “A qual propósito serve o ensino da história?”, oitenta por 
cento dos alunos de bacharelado em história responderam: “Para promover 
o patriotismo”.
Trata-se de uma incoerência nesse desejo de metódico de objetividade, 
embora os metódicos não compreendessem desse modo. Ainda que buscassem 
construir uma “ciência” e vissem seu método como um caminho trabalhoso, 
mas seguro, em direção à verdade, seus textos dialogavam com a formação 
dos nacionalismos europeus. Tratavam-se, portanto, de textos pouco isen-
tos, pois compartilhavam do objetivo de construir heróis, valorizar eventos 
históricos, construir narrativas memoráveis. Eram nacionalistas e, por isso, 
escolhiam uma perspectiva favorável, e não raro laudatória, quando narravam 
os acontecimentos do próprio país.
Ligado a essa história pretensamente objetiva estava seu caráter – na 
falta de um termo melhor – idealmente desencarnado. Com isso se quer dizer 
que os historiadores metódicos acreditavam que existia uma separação radical 
entre sujeito que analisa e objeto pesquisado, ou seja, entre presente e pas-
sado. O historiador se colocava quase como um espírito, um fantasma que 
viajava ao passado e estudava os acontecimentos como se os testemunhasse de 
uma posição privilegiada. Esses historiadores não acreditavam que levavam 
preconceitos aos documentos ou eram por eles influenciados; viam suas obras 
como expressão da objetividade, do desinteresse e, em síntese, da verdade.
– 103 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
Figura 3 – A complexa relação entre historiadores e passado.
Fonte: tomgauld.com.
Historiadores não podem modificar os eventos do passado. Porém, sabe-
-se atualmente que, ao analisarem os documentos históricos, carregavam con-
sigo visões de mundo e preconceitos próprios da época. E, mais do que isso, 
levavam as questões do presente que deverão ser respondidas pelos documen-
tos. Presente e passado estão sempre próximos, e as concepções do primeiro 
interferem na compreensão do segundo. A charge de Tom Gauld, de 2016, 
ajuda-nos a pensar que historiadores não podem realmente interferir no pas-
sado, mas não há dúvida de que interferem na história.
Para encerrarmos esse item, uma importante nota sobre os metódicos: 
seus princípios e objetivos foram bastante criticados, especialmente pelo que 
se passou a considerar sua visão bastante restrita de história. Porém, suas prin-
cipais figuras não apresentavam ideias tão ingênuas quanto sua posterior cari-
catura fez questão de afirmar. E mesmo as características dessa escola, com 
as quais trabalhamos nas páginas anteriores, podem ser mais encontradas em 
sucessores e, particularmente, nos manuais escolares produzidos sob a con-
cepção metódica, do que naqueles próprios historiadores.
Nem tudo dessa escola histórica é dispensável: nos dias de hoje, ficaram 
como saldo positivo os ensinamentos dos metódicos com os cuidados a res-
peito dos documentos, ainda importantes para a pesquisa histórica.
Teorias da História
– 104 –
Historiografia e Teoria: A ideia de “causa” em história
Um livro didático de história para o antigo ginasial (atual 6º ao 9º anos), 
de 1965, escrito a partir dos princípios da escola metódica, apresentava, ao 
final de um capítulo sobre abolição da escravatura, a seguinte atividade a ser 
realizada pelos alunos:
Figura 4 - Exercícios sobre abolição.
Fonte: HERMIDA, 1968, p. 275.
Notam-se, nesses exercícios, algumas das concepções da escola metó-
dica. Por exemplo, todos os eventos e personagens que o aluno deveria conhe-
cer estavam ligados a questões políticas. Tratava-se de uma atividade que, 
além disso, valorizava a mera memorização de fatos, nomes e dadas. Aliás, 
foi essa perspectiva que deu à disciplina escolar de história a má fama de ser 
apenas “decoreba”. Isso, porém, é consequência de uma especificidade desse 
modelo de se compreender a história: o importante era o “dado positivo”, o 
fato (notadamente o político) e, considerando-se que a concepção “cientí-
fica” queria expulsar do estudo da história qualquer forma de filosofia (por 
considerar que não era uma atitude objetiva), seguia-se que não havia análise 
histórica, busca por relações entre eventos, compreensão teórica aprofundada. 
Não ia muito além do fato pelo fato: ligado a outros em uma narrativa cro-
nológica, com análises minimizadas. Assim, se a história era só isso, seguia-se 
que, também, era só isso que se deveria cobrar dos alunos.
A pobreza analítica da escola metódica é evidenciada, especialmente, 
quando seus historiadores se propunham a apresentar a análise das causas de 
determinados eventos históricos. Observe-se, a seguir, outro livro didático, 
desta vez de 1964 e também influenciado pelos princípios metódicos, em que 
são apresentadas as causas da Guerra do Paraguai.
– 105 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
Causas da guerra. - 1ª: A causa verdadeira foi a ambição de López 
com o sonho do “Paraguai Maior”.
2ª: A causa pretexto foi a intervenção brasileira no Uruguai, que pare-
cia transformar os planos de Solano López.
3ª: A causa imediata foi o aprisionamento do “Marquês de Olinda” 
(DEUS, 1964, p. 63).
Vamos nos centrar aqui, na causa que o autor denomina de “verdadeira” 
(em contraposição a outras que seriam, portanto, falsas: uma apenas pretexto e 
outra, imediata). Repare que, em primeiro lugar, a causa de um evento histórico 
importante, violento e relativamente longo como a Guerra do Paraguai (que 
durou de 1864 a 1870) teria tido uma única e simples causa: a ação de determi-
nado personagem, um dos “grandes homens”, o presidente do Paraguai à época, 
Solano Lopez. Trata-se de uma concepção causal bastante limitada: a história é 
movida pela vontade de alguns poucos personagens que, por vontades especí-
ficas, criam guerras, tratados, alianças, governos. É curioso como, em um livro 
de história, há muito pouco de história ali: não há qualquer referência a con-
textos anteriores, a eventos do passado, a transformações que teriam construído 
aquela situação política e, depois, militar. A busca pela explicação não passava 
por análises de contextos ou compreensão de estruturas sociais, mas apenas pela 
ação dos indivíduos e, eventualmente, pela pura casualidade2.Um exemplo desse modelo de interpretação de causa histórica, fundada 
unicamente na vontade individual e por vezes na própria sorte, foi dada pelo 
político britânico Winston Churchill (1874-1965) a respeito do falecimento 
do rei Alexandre da Grécia (1893-1920): em suas palavras, “a mordida de um 
macaco resultou na morte de 250 mil pessoas”. A linha de raciocínio: mordido 
por um macaco, o rei Alexandre sofreu septicemia e faleceu; seguiu-se uma 
conturbação política na Grécia na disputa por sua sucessão e que acabou por 
enfraquecer a força militar grega diante da Turquia; precipitou-se uma guerra 
entre os dois países, a qual levou à morte um quarto de milhão de pessoas.
Porém, essa relação de causa e efeito – se o macaco não tivesse mordido o 
rei, 250 mil pessoas estariam vivas – entende as transformações sociais como 
2 Lembre-se, aliás, de ler este capítulo com cuidado. “Causalidade” tem a ver com 
causas; “casualidade”, com o acaso. São palavras muito semelhantes, mas com significados 
totalmente diferentes.
Teorias da História
– 106 –
resultantes de uma série de contingências, ou seja, acidentes e mesmo casu-
alidades que se ligam entre si: não se dizia que, se o nariz de Cleópatra fosse 
mais curto, Roma não entraria em guerra civil?
No trecho da história em quadrinhos mostrado na imagem, os persona-
gens Asterix, Panoramix e Obelix, brincam com a suposta beleza do nariz de 
Cleópatra. Trata-se de uma referência ao pensador Blaise Pascal (1623-1662) 
que afirmou certa vez: “se o nariz de Cleópatra fosse mais curto, a face inteira 
do mundo teria mudado”. O seu raciocínio: se o nariz dela fosse mais curto, 
não seria tão bonita; se não fosse tão bonita, não teria seduzido Júlio César e 
Marco Antônio; se não tivesse seduzido ambos, Roma teria tido um destino 
diferente e, com isso, todo o Ocidente. Trata-se de uma concepção contin-
gente de causalidade.
Figura 5 – Cleópatra junto a Asterix, Panoramix e Obelix.
Fonte: GOSCINNY, 1985, p. 27.
Existe uma correspondência direta entre as concepções dos objetivos, dos 
métodos e das abordagens de determinada escola histórica e sua concepção de 
causa. No caso da escola metódica, pode-se observar que, ao tentar atingir a 
objetividade rejeitando análises filosóficas, acabou por construir uma ideia de 
causa que nada mais era do que uma série de eventos contingentes – ou seja, 
acidentais e mesmo casuais – produzindo mudanças. Tentando “eliminar da 
ciência a ideia de causa”, como afirmou o historiador Marc Bloch (2001, p. 
147), a concepção positiva de ciência e de história adotada pelos metódicos 
construiu um modelo teórico de explicação frágil das mudanças do passado.
Ter uma definição teórica coerente sobre o que significa uma “causa” 
em história – como as mudanças são provocadas, por quais fatores, sobre que 
– 107 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
circunstâncias – reflete diretamente, portanto, o real resultado da atividade 
da historiadora e do historiador. Nos dias de hoje, a história trabalha com 
relações causais de uma maneira bem mais complexa de que aquela dos metó-
dicos. Mas isso não significa que, na atualidade, não existam dificuldades em 
se determinar as causas de qualquer evento histórico.
Um primeiro e importante problema é que, muitas vezes, historiadoras 
e historiadores não deixam claro, seja para os leitores, seja para si próprios, 
com qual noção de causa estão trabalhando. Por vezes, sequer utilizam pro-
priamente o termo, mas o substituem por sinônimos como forças, condi-
cionantes, condições, razões, motivos, pressupostos, agentes, fundamentos, 
como que desejando escapar das implicações que a palavra “causa” pode tra-
zer. Afinal, é muito comum entre historiadores o receio de construir expli-
cações deterministas, o que um mau uso do conceito de causa pode, real-
mente, implicar. Porém, fugir de uma conceituação causal rigorosa agrava 
o problema. Afinal, a análise continuará trabalhando com a ideia, mas de 
uma forma inadequada, sem definição apropriada, sem fundamentação. E 
isso pode, inclusive, comprometer a análise histórica.
É claro que falar é mais fácil do que fazer. O filósofo estadunidense 
John Stuart Mill (1806-1873), por exemplo, afirmou que uma das maneiras 
de encontrar a causa de um evento 
é verificar quando dois fenômenos 
variam simultaneamente. Se toda 
vez que eu chuto uma bola, ela se 
move, então meu chute é a causa do 
movimento da bola. Surgiu dos estu-
dos estatísticos, porém, um ditado 
famoso: “correlação não implica cau-
sação”. Ou seja, ainda que dois even-
tos ocorram simultaneamente, não se 
pode garantir, necessariamente, que 
mantenham uma relação causal. 
Há ainda outro problema, pró-
prio dos estudos históricos: não há 
dúvida de que eu posso chutar uma 
Figura 6 - Ao confundir causa e correlação, 
o menino acredita que a luz que orienta os 
passageiros a apertar os cintos está causando 
a turbulência no voo.
Fonte: STEG, 2008, s/p.
Teorias da História
– 108 –
bola tantas vezes quanto queira e, assim, medir os resultados. Mas eu não 
posso fazer a Revolução Francesa acontecer várias vezes para tentar diferenciar 
os fatos necessários dos fatos suficientes e dos irrelevantes. Então, como fazer?
Entramos, aqui, não apenas no reino da teoria, mas da própria filosofia. 
As discussões filosóficas sobre causalidade são imensas, profundas e longuís-
simas. É por isso que procuraremos, nas páginas a seguir, discutir apenas 
algumas das várias questões importantes para que possamos construir, mais 
rigorosamente, noções de causalidade em história para os dias de hoje. 
Motivação como causa
Começamos com outra frase de Marc Bloch (2001, p. 149): “os fatos 
históricos são, por essência, fatos psicológicos. É, portanto, em outros fatos 
psicológicos que encontram geralmente seus antecedentes”. Em 1755, a 
cidade de Lisboa, em Portugal, sofreu um terremoto que destruiu a cidade: 
por que isso seria um “fato psicológico”? Porque tal evento afetou pessoas que 
estavam em determinado contexto social e cultural. O desastre ambiental, 
ainda que não tenha sido resultado de qualquer ação humana, foi inserido 
dentro do mundo humano. Por isso, tudo o que os portugueses fizeram em 
relação à tragédia esteve de alguma forma relacionado a sua psicologia.
Mas há problemas em considerar a motivação humana, sua psicologia, 
como causa histórica. Vejamos alguns:
 2 Individualmente, as pessoas podem agir de forma totalmente não 
previsível. Ainda que vivam em um tempo e em uma cultura, não 
se pode determinar como, individualmente, cada pessoa agirá.
 2 Não se pode necessariamente confiar que a razão alegada por uma 
pessoa seja o real motivo para sua ação. Não apenas ela pode estar 
mentindo como pode ocorrer que a verdadeira motivação não 
esteja evidente nem para ela mesma.
 2 Corre-se o risco de, ao explicar as ações isoladas de um indivíduo, 
criarem-se fantasias semelhantes ao homo economicus: uma ficção 
teórica criada para os estudos econômicos3 que afirma que os seres 
3 A figura do homo economicus ainda é utilizada na economia, campo no qual possui 
importante função teórica na elaboração de cenários considerados ideais.
– 109 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
humanos seriam perfeitamente racionais e lógicos e que, em qual-
quer interação, sempre buscariam ampliar ao máximo seus lucros. 
Porém, na vida real, as pessoas não são assim. Seja porque não 
têm todas as informações disponíveis, seja porque agem conforme 
outros motivos que não a estrita razão – a partir de valores culturais 
ou emocionais, por exemplo –, ou mesmo pelo simples fato de 
que não é incomum que as pessoas não sejam muito boas usando 
apenas a lógica.
Um exemplo extremo desse problema é mostrado na imagem a seguir. 
Na tentativa de utilizar teorias matemáticas para explicar a situação políticana Europa no final do século XIX, o cientista político Frank Zagare pressupôs 
que o líder da Alemanha à época, Otto von Bismarck (1815-1898), fosse per-
feitamente lógico, consciente de todas as ações dos líderes dos outros países, e 
de todas as consequências possíveis para cada movimento seu. Zagare, em sua 
análise, criou uma espécie de homo economicus, porém, ligado à história. Os 
gráficos apresentariam as supostas ações e reações matematicamente possíveis a 
cada decisão de Bismarck, nas possíveis alianças com os diversos países. Jamais 
existiu alguém, no mundo, que fosse dessa forma perfeitamente lógico.
Figura 7 - O sistema de Bismarck.
Fonte: ZAGARE, 2014, p. 83.
 2 E, ao não serem perfeitamente lógicas, é comum que as ações indi-
viduais produzam consequências que são, além de indesejáveis, 
possivelmente contrárias ao objetivo inicial. Como afirmou o his-
toriador inglês Edward Carr (1892-1982):
São fatos sobre as relações de indivíduos entre si em sociedade e sobre 
as forças sociais que, a partir das ações individuais, produzem resulta-
Teorias da História
– 110 –
dos que nem sempre concordam e, às vezes, se opõem aos resultados 
que pretendiam (CARR, 2011, p. 87).
 2 Além disso, ao se buscar explicar a motivação de um único indi-
víduo, corre-se o risco de cair no voluntarismo próprio da escola 
metódica, ou seja, o da pessoa que agiria sem sofrer qualquer pres-
são social ou contextual – como Solano Lopez que, na concepção 
metódica da Guerra do Paraguai, pareceu simplesmente “decidir” 
iniciar uma guerra contra o Brasil.
 2 Durante a Revolução Francesa, no século XVIII, ocorreu um epi-
sódio curioso: o rei da França, Luís XVI, temeroso de ter seu poder 
ainda mais diminuído pelo movimento revolucionário, resolveu 
fugir de Paris, em 1791. Foi identificado poucos quilômetros antes 
de alcançar seu objetivo e capturado na cidade de Varennes. Um 
cidadão local, Jean-Baptiste Drouet, reconheceu o rei porque a face 
da realeza estava representada em moedas. Luís XVI acabou acu-
sado de traição e foi guilhotinado menos de dois anos depois.
Que destino teria tomado a Revolução Francesa caso Luís XVI tivesse 
chegado a Montmédy, uma cidadela fortificada, que era seu destino? Drouet 
poderia não estar naquele lugar, o rei poderia não ter aparecido na janela de 
sua carruagem, as moedas à disposição, quem sabe, pudessem estar desgasta-
das. Infelizmente, porém, não temos como saber como quaisquer mudanças 
teriam afetado o desenrolar dos fatos. De qualquer forma, e para nossa análise 
de causas, mesmo que algo tivesse ocorrido de maneira diferente, as ações 
individuais estariam sempre dentro de determinados contextos, seriam moti-
vadas e limitadas por eles. Não ocorrem no vácuo social e são dependentes das 
circunstâncias. Considerar a agência humana, ou ter atenção a sua psicologia 
(nos termos de Bloch), não significa desconsiderar a estrutura.
Ao buscarmos as causas de ações individuais, portanto, devemos estar 
sempre atentos a todos esses problemas e considerar a inserção do indivíduo 
dentro de seu grupo social, suas crenças, suas possibilidades e interesses. Ten-
derão a ser mais sólidas as explicações causais que não estejam restritas a um 
único evento (“Por que Luís XVI quis fugir de Paris?”), mas que analisem 
grupos de indivíduos por um período razoável de tempo. Nesses casos, pode-
-se constatar, com mais segurança, o que as pessoas consideram mais valioso 
e como orientam suas decisões.
– 111 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
Diferentes níveis de causa
Qualquer evento terá diferentes níveis de causa, que devem ser con-
siderados na análise histórica. O assassinato do Arquiduque Francisco Fer-
dinando do império Austro-húngaro, em 28 de junho de 1914, precipitou 
os acontecimentos que levaram à Primeira Guerra Mundial. Não se pode 
afirmar, porém, que esse homicídio tenha causado a guerra, o que seria o 
mesmo que dizer que o assassino, Gavrilo Princip, teria provocado, sozinho, 
o conflito. Porém, e ao mesmo tempo, trata-se de um evento que não pode ser 
simplesmente desconsiderado. Foi um fato importante: mas sua importância 
é definida pelo contexto.
A diferenciação entre causas estruturais e imediatas é comum em histó-
ria. A morte do Arquiduque foi um evento imediato, mas que deve ser enten-
dido pelo impacto provocado em uma estrutura já dada. O historiador inglês 
Lawrence Stone (1919-1999), em seu trabalho sobre a Revolução Inglesa, 
apresentou uma sugestão para diferenciar níveis causais: dividiu sua análise 
em pré-condições (eventos de até um século antes), causas precipitantes (em 
torno de uma década), e gatilhos (no curto período de cerca de dois anos). 
Desta maneira teve condições de discutir os diferentes níveis causais, pesando 
o impacto relativo de diferentes acontecimentos.
Quando mais impactante for um pequeno evento, mais relevante é a 
análise do contexto e das condições que tornaram aquela pequena ação em 
algo fundamental. É por isso que se torna importante considerar a maneira 
como diferentes níveis causais operam em qualquer análise histórica. 
Diferentes tipos de causa
Dificilmente a história trabalha apenas com uma única causa. Mesmo os 
mais simples problemas históricos demandam análises culturais, econômicas, 
políticas, sociais. A atenção com a multiplicidade causal deve, porém, tomar 
alguns cuidados específicos.
 2 Os diferentes tipos de causas interagem entre si. As condicionantes 
culturais afetam e são afetadas por questões políticas, econômicas 
ou sociais.
 2 Causas econômicas não geram apenas consequências econômicas. 
O mesmo vale para outros campos da realidade. Um evento com-
Teorias da História
– 112 –
portamental, como a chamada “revolução sexual”, não tem como 
suas causas apenas questões culturais. No caso do Brasil, em que 
essa mudança ocorreu especialmente a partir dos anos 1970, exis-
tem questões sociais (como o processo de urbanização), políticas 
(enfraquecimento da censura), técnicas (barateamento do processo 
de impressão e publicação de revistas), científicas (surgimento da 
pílula anticoncepcional) entre outros fatores que fazem parte da 
explicação causal.
 2 Nem todas as influências são igualmente importantes e deve-se 
saber distinguir sua relevância no objeto de análise. Se nos pro-
pomos a analisar os modelos de relacionamento conjugal no Bra-
sil do início do século XX, as questões econômicas terão alguma 
importância, mas serão menos influentes que aspectos religiosos ou 
comportamentais. A economia influencia, por exemplo, o número 
de casamentos ou a renda familiar. Porém, com ou sem crises, os 
casamentos continuaram sendo monogâmicos, heterossexuais, 
visando à estabilidade da instituição familiar com a mulher pos-
suindo menos direitos em relação ao marido etc.
Como ilustração desse problema, o historiador estadunidense David Fis-
cher (nascido em 1935) conta a anedota de um aluno que compareceu a um 
exame diante de uma banca de professores, munido de
um conjunto de cartas, cada uma trazendo uma única palavra – “polí-
tica”, “econômica”, “constitucional”, “religiosa”, “militar”, “intelectual”, 
“educacional”, “diplomática”, “demográfica”, “cultural”, “social” e “mis-
celânea”. Diz-se que ele respondeu cada uma das questões colocadas 
consultando os cartões e enumerando “fatores” em cada categoria, 
dando igual tempo para cada uma (FISCHER, 1970, p. 176).
Em busca de causas
Cada problema histórico demanda um diferente conjunto de causas, além 
de métodos e temporalidades específicas para serem buscadas. Algumas regras 
gerais sobre a busca de causas históricas podem, porém, ser apresentadas.
A causa sempre é antecedente ao evento. Esta é a regra filosófica mais básica 
em relação à causalidade, pois as causas, seja em história, seja em tudo mais, 
sempre devem anteceder as consequências. Ainda queseja uma lei primária, 
– 113 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
há casos em que historiadores identificam como causas eventos que foram 
produzidos posteriormente às supostas consequências, o que evidencia um 
grave problema cronológico. Mas há, além disso, explicações em que a ante-
rioridade não é tão explícita: é o preconceito que gera a discriminação social 
ou o inverso? Este é um exemplo de dois fatores que se reforçam mutua-
mente: o preconceito reforça a discriminação social, que por sua vez reafirma 
o preconceito. Em tais situações, é difícil diferenciar causa e consequência.
A causa está sempre próxima, tanto no tempo, quanto no espaço. Eventos 
distantes não podem ser considerados como causa: é possível dizer, por exem-
plo, que a revolução cubana de 1959 influenciou a juventude urbana do Brasil 
nos anos 1960, que se engajou na luta armada contra a ditadura militar. Mas, 
para isso, deve-se demonstrar que os jovens, no Brasil, tinham informações 
sobre a revolução: a partir da mídia, de testemunhos de pessoas que vieram 
ao país, de professores que ensinavam sobre o tema. Ainda que tenha sido um 
evento distante, a causa foi, digamos, “aproximada” pelas várias formas pelas 
quais as informações sobre a revolução circularam no Brasil.
Eventos históricos tendem a ser multicausais. A realidade não é comparti-
mentalizada com caixas separando a “economia” da “política” e da “religião”. 
As causas de um evento devem ser buscadas, portanto, na complexidade que 
forma a própria realidade.
Deve-se atentar aos diferentes níveis de causalidade. Isso significa conside-
rar tanto as causas imediatas quanto as intermediárias e as mais estruturais. 
Quanto mais imediata e factual for a causa, mais ela tenderá a ser resultado 
de opções e escolhas individuais. Quanto mais estruturais forem, mais serão 
devido a permanências sociais e, portanto, tenderão a direcionar as opções 
dos indivíduos.
Causas podem ser encontradas porque eventos se repetem. Vimos o exemplo 
da bola: podemos chutá-la quantas vezes quisermos para nos certificarmos de 
que o chute é a causa de seu movimento; foi dito, também, que algo seme-
lhante não poderia ser feito com a Revolução Francesa, por ser um evento que 
não se repete. Mas isso não é exatamente verdade. Ainda que só tenha ocor-
rido uma única vez, vários dos acontecimentos que constituíram a Revolução 
podem ser encontrados em incontáveis sociedades e períodos: sabemos, por 
exemplo, que a desestrutura financeira de um país tende a criar instabilidade 
política; que injustiças tributárias ou políticas podem levar a protestos; que, 
Teorias da História
– 114 –
diante de uma situação social de medo, podem surgir ações violentas, seja 
por parte do estado, seja por parte da população; que novas ideias, quando 
divulgadas socialmente, podem produzir novas análises da realidade e, talvez, 
novas ações.
Causas são sempre prováveis. Vimos no capítulo anterior que, segundo 
Voltaire, não existe certeza histórica. Essa é uma afirmação que continua 
valendo: todas as explicações causais são sempre prováveis. Caso contrá-
rio, cairíamos no determinismo ou, ainda mais grave, na inevitabilidade. A 
Guerra do Paraguai foi inevitável? A Primeira Guerra Mundial foi inevitável? 
A ascensão das democracias no Ocidente, no século XX, foi inevitável? Essas 
são, na verdade, questões metafísicas que não podem ser respondidas por 
meio da consulta a fontes históricas. São, assim, problemas filosóficos.
“As causas, em história como em outros domínios, não são postuladas. São 
buscadas” (BLOCH, 2001, p. 158). Ou seja, devem ser encontradas nos 
documentos, nas análises, na relação com outros eventos do período. As cau-
sas devem concordar com os dados da pesquisa.
Da teoria à prática
Neste capítulo, trabalhamos com algumas características da escola metó-
dica – especialmente a centralidade do acontecimento, o foco nos “grandes 
homens” e na política, a naturalidade do fato, a temporalidade linear, o pri-
vilégio às fontes escritas. Trata-se de um modelo de se pensar a história que, 
durante muito tempo, foi dominante nos livros didáticos. Atualmente, os 
manuais educativos procuram estar atualizados em relação às mais atuais cor-
rentes historiográficas e, por isso, buscam evitar abordagens que eram comuns 
à escola metódica. Mas será que, nos dias de hoje, podemos encontrar vestígios 
daquela abordagem tradicional, fundada no fato, na política e na “decoreba”?
Analise livros didáticos atuais de história, seja do ensino fundamental, 
seja do ensino médio, e procure identificar exemplos de permanências em 
textos, abordagens, atividades que ainda são semelhantes ou mesmo idênti-
cas àquelas dos metódicos. Ainda existem livros didáticos que possuem uma 
concepção de história próxima àquela tradicional? Procure discutir seus resul-
tados e, é claro, identificar as causas que expliquem suas conclusões.
– 115 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
Síntese
A busca por causas em eventos históricos deve ser feita considerando-
-se sua multiplicidade e as diferentes temporalidades: causas mais imedia-
tas agem de maneira diversa daquelas mais estruturais. Além disso, deve-se 
compreender como a noção de causalidade é consequência de determinada 
concepção mais ampla de história; é por isso que, mesmo os criadores de uma 
perspectiva dita “científica” da história, como Ranke – mas especialmente os 
metódicos – desenvolveram uma concepção bastante limitada de causalidade 
histórica, consequência de sua visão, também reduzida, do papel da análise 
teórica nos estudos históricos.
Atividades
1. Segundo o historiador francês Jacques Le Goff,
Ranke foi mais um metodólogo que um filósofo da história. Foi o 
“maior mestre do método crítico filológico”. Lutando contra o ana-
cronismo, denunciou o falso romanesco histórico, por exemplo, nos 
romances de Walter Scott e afirmou que a grande tarefa do historia-
dor consistia em dizer “o que de fato existira”. Ranke empobreceu 
o pensamento histórico, atribuindo excessiva importância à história 
política e diplomática (LE GOFF, 1990, p. 91).
A respeito das concepções históricas de Leopold von Ranke, é cor-
reto afirmar:
a) Desenvolveu uma literatura de ficção para temas históricos, popu-
larizando a história enquanto gênero popular, o que ajudou a 
difundir o conhecimento histórico.
b) Caracterizou-se pela crença na subjetividade do historiador, na 
existência de diferentes narrativas possíveis à história, e pela adoção 
de uma perspectiva cultual. 
c) Acreditava que o pensamento histórico deveria ser baseado na mate-
mática, de modo a construir modelos lógicos de análise dos fatos. 
d) Procurou construir uma ciência histórica baseada no primado do 
fato, na busca pela objetividade, e na análise da formação dos Esta-
dos nacionais.
Teorias da História
– 116 –
e) Centrou sua atenção nas camadas populares, e na busca por uma 
história que desse voz aos desprivilegiados na história, como traba-
lhadores, servos, e escravos. 
2. Na edição de 1965 de seu livro didático “História moderna” (uti-
lizado nas escolas brasileiras no que seria hoje o ensino médio), o 
historiador Estevão Pinto afirmou sobre a maneira pela qual estru-
turou sua obra:
Relativamente ao método, segui, tanto quanto possível, o dos exce-
lentes manuais de Seignobos, de Lavedan, de Bloch, de Hallynck (...), 
assim como o das obras que compõem os Cours d’Histoire de Jules 
Isaac, os Cours Vallèe e a Colection Jean Monnier. (...) Não tive preten-
são de ser de todo original. Colhi desses autores tudo o que pudesse 
servir à finalidade do presente livro, algumas vezes acompanhando-os 
literalmente (PINTO, 1965, p. 7-8).
A respeito da concepção de história que se depreende desse trecho, 
assinale as afirmativas abaixo com V quando forem verdadeiras, e 
F, quando falsas.I. ( ) A referência a autores como Seignobos demonstra a influência da 
escola metódica francesa nos manuais escolares do Brasil, ainda na 
segunda metade do século XX. 
II. ( ) O autor deixa claro como, apesar de se utilizar de outros autores, 
participa da construção de um modelo brasileiro de manuais didá-
ticos que diferem dos europeus.
III. ( ) As concepções históricas presentes nesse trecho são caracte-
rísticos de uma abordagem economicista da história, ou seja, de 
influência marxista.
IV. ( ) Para o autor, os fatos históricos seriam sempre iguais e jamais 
mudariam, tornando possível copiar integralmente outros textos, 
pois a história já estaria escrita. 
Assinale a alternativa que indica a sequência correta.
a) V, V, F, F.
b) F, F, V, F.
c) F, V, V, F
– 117 –
A busca por uma ciência histórica no século XIX
d) F, F, V, V.
e) V, F, F, V.
3. Segundo o historiador inglês Robin Collingwood (1889-1943),
cada nova geração deve reescrever a história de sua própria maneira; 
cada novo historiador, não contente em dar novas respostas a antigas 
questões, deve revisar as próprias questões; e – já que o pensamento 
histórico é um rio no qual não se pode mergulhar duas vezes – mesmo 
um único historiador, trabalhando em um único tema por um certo 
período de tempo, descobre quando ele tenta reabrir uma velha ques-
tão, que a questão já mudou (COLLINGWOOD, 1956, p. 248)
Nesse trecho, Collingwood argumenta que o conhecimento his-
tórico também muda, conforme mudam as formas de se pensar 
a respeito do pesquisar e escrever história. Isso implica, também, 
em maneias diferentes de se pensar a ideia de “causa” ou de “cau-
salidade” nas análises de eventos históricos. Sobre essa questão, é 
correto afirmar:
a) As causas histórias são sempre as mesmas, independentemente dos 
historiadores, pois eventos devem ser entendidos de forma objetiva.
b) A questão da análise das causas não é uma preocupação da história, 
pois esta deve se preocupar em narrar os fatos, não em explicá-los. 
c) A ideia de causa, na escola metódica, era bastante aprofundada, 
e tornou-se essencial nos estudos de historiadores como Charles 
Seignobos.
d) Diferentes escolas históricas possuem diferentes noções de causali-
dade, que devem estar de acordo com sua concepção geral de história.
e) Em história, as causas sempre devem ser buscadas na economia, 
que é a razão primeira das mudanças que ocorrem nas sociedades. 
4. A respeito da chamada doutrina positivista, é correto afirmar:
a) Foi baseada na religião Católica, originando estudos históricos que 
visavam criar o bem estar dos leitores. 
b) Pretendia abolir os estudos das ciências naturais, centrando-se ape-
nas na análise da sociedades e sua melhoria.
Teorias da História
– 118 –
c) Foi desenvolvida pelo historiador francês Charles Langlois, como 
forma de combater as concepções metódicas. 
d) Buscava construir um conhecimento totalmente objetivo da socie-
dade, a partir de dados obtidos pela experiência.
e) É parte importante dos estudos históricos ainda nos dias de hoje, 
por conta de seus princípios teóricos. 
5
O início de uma 
historiagrafia brasileira
Como a teoria dirige o olhar do historiador e o ajuda a ela-
borar explicações? Como influencia seu trabalho, na leitura das fon-
tes, na busca por respostas, e na construção de explicações? Nesse 
capítulo iremos estudar os momentos iniciais da historiografia bra-
sileira, com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 
além dos trabalhos de Francisco Adolfo de Varnhagen e Capistrano 
de Abreu. Procuraremos analisar, além dos objetivos políticos desses 
primeiros estudos históricos, como diferentes concepções teóricas 
sobre a história geram diferentes significados para o passado, mesmo 
que utilizem um mesmo conjunto documental.
Teorias da História
– 120 –
5.1 Da fundação do IHGB a 
Francisco Adolfo de Varnhagen
Figura 1 - Primeira missa no Brasil.
Fonte: Meirelles, Vitor. Primeira missa no Brasil. 1861.
A pintura Primeira missa no Brasil, de Victor Meirelles, concluída em 
1861, é uma das mais conhecidas do País, especialmente por ser constante-
mente reproduzida em livros didáticos. Retrata o que teriam sido os eventos 
de 26 de abril de 1500, quando Pedro Álvares Cabral ordenou a realização de 
uma missa para celebrar a chegada dos portugueses naquele território. 
Produzida pouco menos de 40 anos após a independência, a obra de 
Meirelles acompanhava uma tendência do período para a criação de pintu-
ras com temas históricos, parte de todo um esforço para a criação de uma 
identidade nacional. Instituições de preservação da memória como a Biblio-
teca Nacional, o Arquivo Público Nacional, o Museu Nacional e o Instituto 
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) atuaram ativamente na construção 
dessa identidade.
O que nós entendemos hoje como uma identidade brasileira ou “ser 
brasileiro” é o resultado de um processo criado e fortalecido no século XIX. 
Quando ocorreu a Independência, em 1822, não existia um país unificado, 
mas sim uma ex-colônia na qual diferentes regiões mantinham poucas relações 
entre si, organizadas, até aquele momento, para manter contatos administra-
– 121 –
O início de uma historiagrafia brasileira
tivos e legais diretamente com a Metrópole (Portugal). Em 1833, ou seja, 11 
anos após a independência, o viajante francês Auguste de Saint-Hilaire ainda 
salientava essa divisão territorial:
Cada capitania tinha seu sátrapa1, cada qual com seu pequeno exér-
cito; cada uma com seu pequeno tesouro. Comunicavam-se dificil-
mente entre si; frequentemente mesmo, ignoravam reciprocamente 
suas existências. Não havia, absolutamente, no Brasil, um centro 
comum; era um círculo imenso cujos raios iam convergir bem longe 
da circunferência (SAINT-HILAIRE, 1941, p. 431).
As pessoas, do norte ao sul do território, não imaginavam fazer parte 
de um mesmo “país” ou ter alguma identidade comum (à parte de com-
partilharem religião e idioma); muito menos existia qualquer sentimento de 
“brasilidade”. O ano de 1822 marcou tanto o início de um processo de inte-
gração política e manutenção territorial da ex-colônia quanto a busca pelo 
desenvolvimento de sentimentos patrióticos que viriam aliar o ideal de uma 
Nação ao de um Estado.
Os estudos históricos participaram ativamente desse processo, pois se 
fazia necessário justificar, a partir de determinada herança, a construção de 
uma unidade nacional. Em outras palavras, o país que se formava, neces-
sitando de uma identidade, precisava de um passado que fosse próprio, 
ou seja, de sua própria história. Fundado em 1838, o IHGB era uma ins-
tituição que tinha, prioritariamente, esses objetivos. Procurou atingi-los, 
inicialmente, a partir da organização e da guarda de documentos importan-
tes sobre o passado do Brasil, bem como da produção de textos, didáticos 
ou não, relativos à história nacional. Formado por pensadores de diversas 
atividades e ligado intimamente ao poder monárquico (D. Pedro II seria 
um de seus membros mais efetivos, além de seu principal financiador), o 
IHGB desempenhou uma função importante de criação de um passado 
nacional que auxiliasse no desenvolvimento do patriotismo e participasse 
da construção de um poder centralizado forte; isso era feito, aliás, com a 
produção de uma história nacional que valorizava a herança portuguesa na 
colonização do País. Parte importante da tarefa do IHGB era, em resumo, 
a construção de uma “história do Brasil”.
1 Sátrapas eram os governantes locais na antiga Pérsia. No contexto, Saint-Hilaire está 
se referindo aos poderosos senhores locais.
Teorias da História
– 122 –
 Saiba mais
Durante o período colonial, uma parcela da elite que recebia instru-
ção formal estudava história, embora fosse ensinada em conjunto com 
temas religiosos e com preocupaçãopara eventos europeus. De toda 
forma, mesmo antes da Independência já haviam sido escritas “histó-
rias do Brasil”: a primeira, do Frei Vicente do Salvador (1564-1636), 
é do início do século XVII, na qual preocupou-se em descrever 
a vida no Brasil do período; outra foi publicada no século XVIII 
pelo escritor Sebastião da Rocha Pita (1660-1738) e se caracterizava 
mais como uma novela histórica; e uma terceira pelo escritor britânico 
Robert Southey (1774-1843), nas primeiras décadas do século XIX. 
Essas duas últimas descreviam o Brasil como um paraíso tropical e 
pouco influenciaram os estudos posteriores de história. O texto de 
Vicente do Salvador ainda é utilizado como fonte sobre a vida no 
período colonial..
A necessidade de criação de uma história nacional era tanta que o IHGB 
chegou a criar um concurso que tinha exatamente como proposta premiar 
aquele que apresentasse a melhor sugestão para escrever a história do Brasil.
Estamos tão acostumados com os períodos e os eventos essenciais da 
história nacional que pode nos parecer um tema natural ou que “sempre exis-
tiu”. Mas tanto o objetivo daquele concurso como as primeiras reuniões do 
IHGB atestam quantas discussões e debates se fizeram necessários para criar 
os elementos essenciais dessa história: ainda em 1838, Raymundo da Cunha 
Matos, um dos fundadores do Instituto, propunha a seguinte periodização da 
história do Brasil:
Sejam três as épocas da nossa história: na 1ª trate-se dos aborígenes 
ou autóctones; em a 2ª compreendam-se as eras do descobrimento 
pelos portugueses, e da administração colonial; e a 3ª abranjam-se 
todos os acontecimentos nacionais desde o dia em que o povo bra-
sileiro se constituiu soberano e independente, e abraçou um sistema 
de governo imperial, hereditário, constitucional e representativo 
(MATTOS, 1863, p. 129).
– 123 –
O início de uma historiagrafia brasileira
Até o fato que nos pode parecer evidente, da “descoberta do Brasil” – tão 
famoso dentro do ensino de história no País –, foi motivo de controvérsia: 
enquanto alguns defendiam a primazia de Pedro Álvares Cabral como des-
cobridor, outros acreditavam que seria mais “científico” conceder esse título 
a Vasco da Gama. Em uma coisa, porém, todos concordavam: a história do 
Brasil teria começado, realmente, com a chegada dos portugueses e o que 
traziam do que se imaginava ser a “civilização”.
O modelo de história que os membros do IHGB desejavam construir 
era, também, reflexo direto da forma como boa parte da elite do País entendia 
a si mesma. Acreditavam que os brancos europeus, descendentes de portugue-
ses, foram responsáveis pela colonização e pela integração do Brasil à história 
europeia. Portanto, defendiam que seria função dessa elite branca “civilizar” o 
País, o que os tornava os principais agentes da história nacional. Não é à toa 
que seus trabalhos historiográficos tratam sempre de maneira muito rápida e 
sumária da população indígena e dos escravos, além de defenderem, de forma 
insistente, a monarquia e a estrutura social estabelecida.
Além disso, possuíam uma concepção nacionalista bastante forte, da 
qual foi construída, aliás, uma diferenciação que ainda é presente em mui-
tos livros didáticos de História: a separação clara entre “história do Brasil” 
e “história geral”2. Imaginavam, por fim, que a religião católica desempe-
nhava um papel importante na formação da nacionalidade brasileira e de 
sua ação civilizatória.
A fama e a difusão da pintura de Meirelles sobre a primeira missa deve-se 
também ao fato de que conseguiu capturar, em imagens, essa específica con-
cepção de história e de civilização próprias da elite nacional e do IHGB. Ao 
centro da imagem está a cena religiosa e, próximos à cruz e ao altar, os portu-
gueses: a civilidade europeia e seu fundamento na religião católica aparecem 
como os símbolos centrais do quadro, representando o que pensavam ser o 
ideal do Brasil para o período. Mais afastada, uma multidão de indígenas 
2 A maior parte dos livros didáticos de história que estão hoje à disposição de profes-
sores e alunos prefere a organização dos conteúdos no modelo da chamada “história integrada”, 
ou seja, aliando a história nacional à geral. Na prática, porém, essa integração não ocorre para 
a maioria das obras. Os temas de história do Brasil e de história geral continuam claramente 
diferenciados, com pouca relação entre si. A única coisa que os une é a cronologia.
Teorias da História
– 124 –
observa com espanto e em paz: uma visão que concordava com a concepção 
histórica do IHGB de que a colonização teria sido pacífica e até desejada 
pelos habitantes locais.
O vencedor do concurso criado pelo IHGB foi Carl Friedrich von Mar-
tius (1794-1868), um naturalista alemão, e a razão de sua vitória é fácil de ser 
compreendida. Afinal, seu texto “Como se deve escrever a história do Brasil” 
apresentava teses que concordavam com a visão do IHGB em vários pontos, 
como a responsabilidade do historiador para com sua pátria, a necessidade 
de convencer os cidadãos “da necessidade de uma Monarquia em um país 
onde há um tão grande número de escravos” (MARTIUS, 1844, p. 381), a 
busca por compreender a “civilização” do país. Porém, a principal origina-
lidade de sua proposta, bem como sua maior influência, foi a sugestão de 
considerar a participação “das três raças” na formação histórica do Brasil: “a 
de cor de cobre ou americana, a branca ou Caucasiana, e enfim a preta ou 
etiópica”. Afinal, segundo von Martius, “da união e contato de tão diferentes 
raças humanas” surgiu o novo povo, responsáveis por dar “um movimento 
histórico característico e particular” (MARTIUS, 1844, p. 382).
Cabe destacar, porém, que von Martius não via as contribuições dessas 
“três raças” como iguais ou em um mesmo nível. Ainda que originassem as 
características específicas da formação nacional, o branco era o elemento civi-
lizador e principal agente histórico. De toda forma, a sugestão de von Martius 
tonou-se persistente especialmente nos livros didáticos, e é influente ainda 
nos dias de hoje (embora com diferenças importantes de posicionamento, 
como veremos no “Da teoria à prática”, desse capítulo).
O primeiro historiador brasileiro a produzir uma obra relevante foi 
Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), também conhecido por seu 
título nobiliárquico de “Visconde de Porto Seguro” (o que já denuncia sua 
proximidade com o poder imperial e a defesa da monarquia. Aliás, suas obras 
eram costumeiramente dedicadas a D. Pedro II). Cursos superiores de His-
tória só surgiram no Brasil nas primeiras décadas do século XX e Varnhagen, 
assim como os demais historiadores do período, tinham outras profissões: ele 
era diplomata. Foi, aliás, aproveitando-se de suas atividades na diplomacia 
que Varnhagen trouxe para o Brasil uma grande quantidade de documen-
tos históricos essenciais para a nascente atividade historiográfica do País. E, 
– 125 –
O início de uma historiagrafia brasileira
apenas a título de curiosidade, é dele também o mérito de ter redescoberto o 
túmulo de Pedro Álvares Cabral.
De sua ampla obra historiográfica – são dezenas de livros, memórias, 
artigos – destaca-se “História Geral do Brasil”, lançada em meados do século 
XIX e na qual cria as bases de uma periodização, metodologia, e narrativa 
para a história nacional. Participante ativo do IHGB, Varnhagen comparti-
lhava das ideias do instituto de que era função da história auxiliar a criação 
de uma unidade ao país. No início de sua principal obra, destaca que seu 
trabalho, como historiador, era o de
escrever, com certa unidade de forma e com a dos princípios que 
professamos, uma conscienciosa história geral da civilização do nosso 
país, padrão de cultura nacional, que outras nações civilizadas só ao 
cabo de séculos de independência chegaram a possuir, ou não pos-
suem ainda. (VARNHAGEN,1854, p. VI)
As obras de Varnhagen são de difícil leitura, pois apresentam narrativas 
densas, tediosas, literariamente pouco estimulantes. Esse “estilo”, criticado 
por não poucos historiadores posteriores, tinha relação com determinada 
opção metodológica. Varnhagen renegava obras históricas consideradas por 
ele como “demasiado sentimentais” e que “pretendendo comover muito” che-
gavam a “afastar-se da própria verdade”. O compromisso com a documenta-
ção era, para ele a primeira obrigação do historiador:
O amor à verdade nos obrigará mais de uma vez a combater certas cren-
ças ou ilusões, que já nos havíamos costumado a respeitar. (...) E pedimos que 
se resignem ante a verdade dos fatos (...) [e] pelos argumentos incontestáveis 
que resultam das provas que, mediante aturado estudo, conseguimos reunir. 
(VARNHAGEN, 1854, p. XIII)
Sua explícita pretensão pela verdade dos fatos e a implícita defesa de uma 
objetividade não impedia que seu texto refletisse suas próprias convicções polí-
ticas. Defendia ativamente a monarquia, e em sua obra aparece diminuída a 
importância de movimentos sociais de contestação à Metrópole. Além disso, 
concordando com a concepção tanto do IHGB quanto da elite social e política 
do Brasil no período, Varnhagen pouco tratou da importância histórica dos 
negros para o País e da forte presença da escravidão. Afinal, como escrevia uma 
história da “civilização” do Brasil, acreditava que nada seria mais correto do que 
Teorias da História
– 126 –
se centrar naquele que seria o verdadeiro agente civilizador: “a história geral 
da civilização do Brasil deixaria de ser lógica com o seu próprio título, desde 
que aberrasse3 de simpatizar mais com o elemento principalmente civilizador” 
(VARNHAGEN, 1854, p. XXV); ou seja, o branco europeu.
Para Varnhagen, escrever a história do Brasil era descrever o processo 
de colonização português e a expansão da religião católica no Brasil: as duas 
forças que ele, acompanhado por um grande número de elementos da elite 
brasileira e representadas em obras como a de Meirelles, entendiam como os 
agentes civilizadores do País.
Por último, deve-se destacar a permanência das ideias de Varnhagen 
dentro dos estudos históricos: ainda que a estrutura cronológica que criou 
para a história do Brasil, bem como sua narrativa, tenham sido criticadas e 
combatidas (e, dentro do mundo acadêmico, gradualmente abandonadas), 
exerceu uma influência cujos efeitos sentimos até os dias de hoje. Afinal, 
na segunda metade do século XIX, o País não possuía manuais escolares 
dedicados à história do Brasil e o primeiro a ser escrito – por Joaquim 
Manuel de Macedo, membro também do IHGB e publicado em 1863 – foi 
influenciado fortemente pelo texto de Varnhagen. Tal adoção acabou por 
influenciar os demais livros didáticos por quase um século e foi uma das 
razões pelas quais a disciplina de História acabou ficando, durante muito 
tempo, marcada pelo incentivo ao patriotismo bem como à rememoração 
de datas e fatos – era esse, essencialmente, o modelo de Varnhagen de com-
preender a história.
A arte e a criação de fatos históricos
Vamos colocar lado a lado a pintura de Victor Meirel-
les, “A Primeira Missa” (1861), com a “Primeira Missa em 
Kabylie”, de Horace Vernet (1854). O que é possível notar 
de interessante?
3 Vem de “aberrar” que significa desviar, afastar.
– 127 –
O início de uma historiagrafia brasileira
Figura 2 - Primeira Missa em Kabylie; Primeira Missa no Brasil.
Fontes: Vernet, Horace. Primeira Missa em Kabylie. 1854 e Meirelles, Vitor. 
Primeira missa no Brasil. 1861.
Não há dúvidas de que Meirelles utilizou-se, como modelo 
para sua composição, do quadro de Vernet. Na verdade, 
isso ocorreu com alguma frequência em algumas imagens 
que são ainda hoje famosas por representar eventos da 
história do Brasil. Repare, por exemplo, no quadro “1807, 
Friedland”, pintado em 1875 por Jean-Louis Ernest Meisso-
nier, e no “Independência ou Morte” de Pedro Américo, 
de 1888.
Teorias da História
– 128 –
Figura 3 - 1807, Friedland; Independência ou Morte.
Fontes: Meissonier, Jean-Louis Ernest. 1807, Friedland”. 1807 e Américo, Pedro. 
“Independência ou Morte”. 1888.
A posição do personagem principal no quadro, bem como 
seu gesto, a distribuição dos cavalos, o movimento dos demais 
personagens: vários são os detalhes que remetem, na pintura 
de Américo, à criação anterior de Meissonier.
Figura 4 - Em filme de 1972, o evento da Proclamação da Independência foi 
reencenado, tendo como base a imagem do quadro de Pedro Américo. Isso mostra 
como o fato histórico acabou se confundindo com sua recriação, revelando a força 
da representação artística.
Fonte: Independência ou morte. Direção: Carlos Coimbra. Cinedistri. São 
Paulo - SP, 1972. Há algo aqui mais do simples plágio e é importante para 
entendermos a criação de determinada história do Brasil. Buscando contribuir 
para o fortalecimento do ideal nacional, esses artistas procuraram criar referências 
visuais para a história nacional que até hoje nos acompanham (afinal, quem não 
as conhece?). Essas imagens se tornaram tão comuns e significativas que, muitas 
vezes, podemos esquecer que não são um testemunho fiel do fato histórico que 
representam, mas recriações posteriores que buscavam idealizar aqueles momentos.
– 129 –
O início de uma historiagrafia brasileira
O que esses e outros tantos artistas fizeram foi tomar deter-
minados modelos ou códigos de representação, comuns na 
arte europeia (onde a grande maioria estudou) e adaptá-los 
para os personagens e eventos da história brasileira. Houve 
uma importação de símbolos: afinal, a busca por construção 
de valores nacionais e a exaltação de heróis e eventos eram 
fenômenos pelos quais também passava a Europa. Assim, por 
compartilharem uma mesma influência artística, os pintores bra-
sileiros repetiam modelos de representação para adaptar, ao 
contexto brasileiro, sentimentos e valores que estavam tam-
bém sendo construídos no continente europeu.
Figura 5 - Coroação de Carlos X, por François Gérard (1827); Sagração de D. 
Pedro II, por Manuel de Araújo Porto-Alegre (1840).
Fonte: François Gérard.Coroação de Carlos X.1827 e Manuel de Araújo. 
Sagração de D. Pedro II. 1840.
Importando esquemas artísticos e recriando-os no contexto 
local, os pintores brasileiros contribuíram, à sua maneira, para 
o reforço de criação de uma identidade nacional e a cons-
trução de imagens representativas de fatos considerados rele-
vantes à história do Brasil. Participaram, enfim, da criação de 
determinado passado.
 
5.2 Capistrano de Abreu
“A pátria traja de luto pela morte de seu historiador”: assim começava o 
necrológio escrito, em 1878, para Francisco Adolfo de Varnhagen, que fale-
Teorias da História
– 130 –
ceu aos 62 anos. Publicado originalmente no “Jornal do Commercio” do Rio 
de Janeiro, entre 16 e 20 de dezembro daquele ano, tratava-se de um texto 
interessante e significativo sobre as mudanças que a escrita histórica viveria 
nas últimas décadas do século XIX e início do XX no Brasil.
Esse texto merece destaque, em primeiro lugar, por marcar a celebração de 
um personagem – Varnhagen – que, a despeito dos problemas teóricos e mesmo 
políticos levantados por sua maneira de pensar a história do Brasil, inaugurou 
certa tradição historiográfica. E isso é valorizado no necrológio, ao destacar sua 
preocupação com a busca pela precisão dos eventos históricos, sustentada pelos 
“fatos materiais por ele descobertos, ou retificados, [que] igualavam, se não 
excediam, aos que todos os seus predecessores tinham aduzido”.
O necrológio é importante, também, por conta de seu autor: o historia-
dor Capistrano de Abreu (1853-1927), cujas ideias inovadoras sobre a prá-
tica histórica apareceram de forma explícita no texto. Capistrano ainda era 
um jovemhistoriador quando escreveu a homenagem a Varnhagen – tinha 
apenas 25 anos – mas, ainda assim, procurou evidenciar os problemas que 
percebia na escrita da história do Brasil naquele momento e da qual Varnha-
gen era, sem dúvida, o maior representante. Mais do que isso, e ainda que 
sucintamente, Capistrano utilizou-se da oportunidade para, entre elogios ao 
Visconde de Porto Seguro, sugerir novas abordagens históricas que, ao longo 
dos anos, caracterizou seu trabalho.
Figura 6 - Tempos de vida de Varnhagen e Capistrano de Abreu.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Em síntese, o necrológio tornou-se o marco de uma mudança nas concep-
ções sobre a maneira de se pensar e escrever a história do Brasil: um momento 
de passagem entre duas concepções contrastantes de história e teoria.
Capistrano procurou marcar essa diferença, inicialmente, evidenciando 
o que seriam defeitos na obra de Varnhagen:
– 131 –
O início de uma historiagrafia brasileira
A falta de espírito plástico e simpático – eis o maior defeito do Vis-
conde de Porto Seguro. (...) Os pródromos4 da nossa emancipação 
política (...) encontram-no severo e até prevenido. Para ele, – a Con-
juração Mineira é uma cabeçada e um conluio; (...) a Revolução Per-
nambucana de 1817, uma grande calamidade, um crime em que só 
tomaram parte homens de inteligência estreita, ou de caráter pouco 
elevado. Sem D. Pedro a independência seria ilegal, ilegítima, sub-
versiva, digna da forca ou do fuzil. Juiz de Tiradentes e Gonzaga, ele 
não teria hesitado em assinar a mesma sentença que o desembargador 
Diniz e seus colegas. (ABREU, 2010, p. 63)
Capistrano evidenciou o que aparentava ser uma diferença de visão polí-
tica entre os dois historiadores, embora fosse mais do que isso. Vimos como as 
concepções conservadoras de Varnhagen estavam totalmente de acordo com 
sua visão de sociedade e de história: se a civilização do Brasil era devida à ação 
dos portugueses, e se a organização política legítima era aquela herdada da 
Europa, todas as ações coloniais que atentavam contra o poder constituído – 
ou seja, contra aquele poder civilizador dos predecessores de D. Pedro I e II 
– eram vistas como ameaçadoras da ordem, e retrocessos. Já para Capistrano, 
aqueles eventos não eram contrários a um processo de construção do Brasil, 
muito pelo contrário: eram sinais evidentes do nascimento, gradual, de um 
sentimento de nacionalidade, de brasilidade que se formava.
Há duas visões de história e sociedade brasileiras muito diferentes aqui. 
Varnhagen voltava seu discurso histórico para a Europa: era de lá que vinha 
a civilização, foi com os portugueses que surgiram as instituições, a língua, a 
religião. Era da tradição das dinastias monárquicas europeias que se marcava 
a legitimidade do Estado brasileiro e, daí, sua inserção no mundo civilizado e 
mesmo na história. Capistrano, opostamente, virava seu discurso para o inte-
rior do Brasil: procurou encontrar, nos processos de interiorização do País, 
sua efetiva construção histórica, que se diferenciava da Europa. Era daí que 
vinha sua valorização de movimentos como a Inconfidência Mineira ou a 
Revolução Pernambucana de 1817: seriam sinais de que o Brasil, antes do 
processo de Independência, já construía um sentimento de brasilidade, de 
diferença em relação ao português-europeu.
Capistrano investiu muito de sua carreira de historiador desenvolvendo 
essa análise. Seu primeiro ensaio original, “O descobrimento do Brasil pelos 
4 Antecessores, precursores.
Teorias da História
– 132 –
portugueses”, de 1883, já trazia alguns elementos dessa concepção: de maneira 
original, utilizou-se de estudos sobre os indígenas e o folclore nacional além 
de pesquisas na área da linguística para analisar a viagem de Cabral e os pri-
meiros contatos estabelecidos com indígenas (FRINGER, 1971).
Porém, eram em seus textos sobre a interiorização do País que melhor 
se podiam perceber as concepções teóricas e a visão de história desenvolvidas 
por Capistrano de Abreu. Foi, por exemplo, em sua obra “Caminhos anti-
gos e povoamento do Brasil”, de 1889, que os bandeirantes paulistas foram 
considerados, pela primeira vez, um tema historicamente importante. Até 
então, sua relevância histórica estava limitada às ações contra o Quilombo 
dos Palmares; o que é de se compreender, pois, se a visão histórica até aquele 
momento pretendia sublinhar a organização de um Estado português no Bra-
sil, valorizava-se o que se acreditava ser, com Palmares, uma desestabilização 
da ordem. Para Capistrano, porém, esses bandeirantes estavam entre os pri-
meiros que participaram da criação de um modo de vida especificamente 
brasileiro. Afinal, sem recursos de Portugal, abriram caminhos pelas matas, 
entraram em contato direto com os indígenas (de forma violenta) e expan-
diram o território do Brasil em direção ao interior. Nessa visão, portanto, os 
bandeirantes eram “brasileiros”, pois não mantinham relações com a estru-
tura política portuguesa.
Capistrano de Abreu nunca escreveu obras muito longas ou uma “his-
tória do Brasil” completa, como a de Varnhagen. Isso foi consequência 
– segundo ele mesmo admitiu – do tempo que dispendeu na busca, na 
catalogação e na crítica de fontes primárias. Em uma de suas poucas obras 
de maior fôlego, “Capítulos de História Colonial”, de 1907, manteve a 
preocupação teórica central de encontrar na história do interior do País 
sinais do surgimento do povo brasileiro em sua especificidade. Para Capis-
trano, episódios como a expulsão dos holandeses do Brasil, no século XVII, 
eram sinais claros da presença de uma identidade local que seria refletida 
em outros eventos de contestação ao poder da Metrópole – os mesmos que 
eram vistos com desconfiança por Varnhagen. Capistrano acreditava que 
tenha sido justamente a existência desse sentimento nacionalista que teria 
permitido um processo de Independência tão tranquilo, como acreditava 
ter sido o caso do Brasil.
– 133 –
O início de uma historiagrafia brasileira
Havia, assim, uma divergência entre os dois historiadores sobre quem 
seriam os principais agentes históricos no Brasil. Para Varnhagen, eram cla-
ramente os “grandes homens”: nisso, seguia uma interpretação comum do 
período a respeito da história. Já Capistrano acreditava que a história deveria 
se ocupar em entender as populações, e não se preocupar em demasia com as 
ações de apenas alguns indivíduos. Certa vez, chegou a brincar que seu desa-
fio era demonstrar ser possível escrever uma “história do Brasil” sem sequer 
mencionar o nome de Tiradentes.
Na história, nós apenas nos dirigimos àquelas figuras dominantes, 
aquelas que destruindo ou construído, deixaram para trás um rastro 
de sangue, ou um raio de esperança. Nós não nos lembramos dos 
ombros que os ergueram, ou da coragem das massas que os deu sua 
força, a mente coletiva que exaltava suas mentes, das mãos anônimas 
que lhes assinalaram o ideal que somente haveriam de alçar os mais 
afortunados. E com frequência a cooperação da pessoa anônima foi 
a mais vital na realização do grande acontecimento. (ABREU apud 
FRINGER, 1971, p. 261)
Tais conclusões originais foram o resultado, segundo o próprio Capis-
trano de Abreu, de seu desejo de construir análises amplas sobre a história do 
Brasil. Para ele, o historiador deveria dialogar com concepções teóricas que o 
permitissem sair do simples empirismo, ou seja, da mera descrição de aconte-
cimentos presentes nos documentos. Era um problema que, aliás, acreditava 
existir nos textos de Varnhagen:
Ele [Varnhagen] poderia escavar documentos, demonstrar-lhes a 
autenticidade, solver enigmas, desvendar mistérios, nada deixar que 
fazer a seus sucessores no terreno dos fatos: compreender, porém, tais 
fatos em suas origens, em sua ligação com fatos mais amplos e radicais 
de que dimanam; generalizar as ações e formular-lhes teoria; repre-
sentá-lascomo consequências e demonstração de duas ou três leis 
basilares, não conseguiu, nem consegui-lo-ia. (ABREU, 2010, p. 64)
“Sinais de renascimento nos estudos históricos já se podem perceber”, 
afirmou Capistrano de Abreu (2010, p. 65), quase ao final de seu elogio à 
memória de Varnhagen: “por toda parte pululam materiais e operários; não 
tardará talvez o arquiteto”. Foi na busca por tornar-se esse arquiteto, incor-
porando concepções teóricas aos dados empíricos, que Capistrano definiu a 
novidade de sua abordagem histórica. 
Teorias da História
– 134 –
Historiografia e Teoria: A construção 
do significado do passado
Assim Capistrano iniciou o último parágrafo de seu necrológio:
Que venha [um historiador] e escreva uma história da nossa pátria 
digna do século de Comte e Herbert Spencer. (...) Guiado pela lei 
do consensus, mostre-nos o rationale de nossa civilização, aponte-nos 
a interdependência orgânica dos fenômenos, e esclareça uns pelos 
outros. Arranque das entranhas do passado o segredo angustioso do 
presente. (ABREU, 2010, p. 65)
 Saiba mais
Aqui, Capsitrano cita dois pensadores importantes do século XIX, 
Comte e Spencer. Sobre Augusto Comte, falamos rapidamente no 
capítulo anterior; ele foi o criador do sistema filosófico denominado 
de “positivismo”. Herbet Spencer (1820-1903), por sua vez, foi um 
filósofo inglês que pensava as sociedades de forma semelhante à 
maneira que o biólogo Charles Darwin pensava a seleção natural. O 
“darwinismo social” de Spencer pregava que as sociedades evoluíam, 
das mais simples às mais complexas, a partir de regras semelhantes que 
definiam o processo evolucionário na biologia.
Quando Capistrano pedia para que algum historiador revelasse a “ratio-
nale de nossa civilização” estava sugerindo a existência, por detrás da multidão 
de fatos do passado, de determinada razão – rationale. O projeto final de um 
historiador não seria, portanto, a mera descrição ou narração dos fatos, como 
no modelo de Varnhagen, mas a identificação de certa “lógica” do passado.
Observe-se, por exemplo, um trecho do índice da obra “História do 
Brasil”, de Varnhagen. É possível perceber que não há recortes temporais, 
busca por causas ou construção de um entendimento mais abrangente além 
dos fatos. Há, no máximo, temas.
– 135 –
O início de uma historiagrafia brasileira
Figura 7 - Trecho do índice da “História do Brasil” de Francisco Varnhagen.
Fonte. VARNHAGEN, 1854, p. 624.
Os eventos históricos da obra são centrados em acontecimentos que se 
sucedem ininterruptamente e que poderiam ser transformados em manche-
tes de jornal: são pouco mais que fatos, datas e descrições. Não há análises 
amplas, busca pela compreensão de períodos e muito menos – para utili-
zarmos a expressão de Capistrano – a busca pela identificação de qualquer 
rationale, qualquer razão ou lógica nos períodos.
Convém dizer que esse era o objetivo de Varnhagen, e não o resultado 
aleatório de seu esforço. Logo no começo de sua obra, ele estabelece que a 
restrição às análises e a preocupação com a mera descrição dos fatos estavam 
entre seus primeiros objetivos.
Igualmente nos esforçamos por não ser pródigos nas narrações, nem 
pretensiosos nos juízos e análise dos acontecimentos; pondo o maior 
empenho em comemorar (...) os fatos mais importantes, e esme-
rando-nos em os descrever com a maior exatidão possível. (VARH-
NAGEN, 1854, p. XII)
Apenas a título de comparação, atualmente historiadoras e historiadores 
agrupam a história em períodos justamente por considerarem que há, dentro 
de certos recortes temporais, identidades que podem ser identificadas. É por 
isso que temos condições de denominar períodos como “Renascimento”, ou 
“Antigo Egito”. No caso da história do Brasil, a divisão mais tradicional é 
a política: Colônia, Império, República Velha, Vargas, República Populista, 
Teorias da História
– 136 –
Ditadura, República Nova, sendo que esses recortes podem sofrer subdivi-
sões. Outras periodizações são possíveis, a depender da perspectiva histórica 
adotada: divisões econômicas são diferentes das culturais e ambas das religio-
sas, por exemplo.
O objetivo de Capistrano com a adoção de uma visão teórica que ser-
visse para analisar a história do Brasil era o de evitar o modelo narrativo 
e minimamente analítico de Varnhagen (um tipo de texto que Capistrano 
descrevia como sendo feito de “quadros de ferro”). A função do historiador-
-arquiteto imaginado seria, assim, a de identificar o significado do passado. 
Em outras palavras, por que os acontecimentos tomaram certo rumo espe-
cífico? Quais foram as forças motrizes? Quem seriam os agentes históricos? 
Responder a tais perguntas, construindo uma síntese que concordasse com os 
fatos empíricos, seria o real objetivo dos historiadores.
Capistrano esforçou-se em identificar os significados no passado do 
Brasil. Isso pode ser visto, por exemplo, na maneira como dividiu a história 
nacional em certos períodos, dentro de sua cronologia:
 2 1500-1614, seria a época chamada “transoceânica”, marcada pela 
dependência em relação a Portugal;
 2 1614-1700, época de migração interna e movimento, com surgi-
mento de conflitos entre os habitantes locais e os europeus.
 2 1700-1750, seria um período de exploração do interior, e de 
aumento da importação de escravos.
 2 1750-1808 é marcado pela consolidação do sistema colonial, com 
aumento da exploração e diminuição das liberdades locais, o que 
amplia a animosidade em relação aos portugueses.
 2 1808-1850 caracteriza-se pela desintegração do sistema colonial, e 
é o período em que o Brasil teria se tornado uma Nação.
Essa cronologia, ainda que não tenha persistido entre historiadores, 
demonstra a preocupação em construir uma análise mais profunda da histó-
ria do Brasil, agrupando períodos que entendia terem certa identidade, em 
um esforço para identificar um sentido para o processo histórico do Brasil.
– 137 –
O início de uma historiagrafia brasileira
Há uma diferença clara entre Varnhagen e Capistrano: para o primeiro, 
os fatos são a história em si; ele pretende, com cuidado aos detalhes e um dis-
curso lacônico, reconstruir a verdade do passado. Em outras palavras, passado 
= história. E não é dessa forma que Capistrano a compreende: para ele, a fun-
ção do historiador não está simplesmente em narrar o que aconteceu, mas em 
elaborar determinada análise que acredita científica sobre o passado. A histó-
ria, então, passa a ser o entendimento do historiador sobre o que aconteceu, 
e seu trabalho refere-se à busca por seu significado. Trata-se de uma criação 
mental, uma abstração do “arquiteto-historiador” de Capistrano, consequên-
cia da utilização de certa teoria. Aqui, passado ≠ história.
A presença de sua teoria sobre a formação do povo brasileiro e da cons-
tituição de sua nacionalidade – a interiorização da colonização teria gerado 
um distanciamento da influência metropolitana sobre a população local e, 
por conseguinte, um sentido de identidade próprio – fez com que Capistrano 
compreendesse a história do Brasil de uma perspectiva original. Ao invés de 
voltar sua atenção para as relações com Portugal, procurou analisar o interior 
do País; entendeu a importância dos bandeirantes não apenas por conta de 
suas lutas para a manutenção do estatuto colonial (ao destruir Palmares), 
mas devido a suas ações de exploração do território; diferentemente de Var-
nhagen, que se concentrava nas instituições oficiais, Capistrano centrou-se 
nas ações espontâneas daquelas populações que viviam à margem do mundo 
institucional e oficial. O Brasil de Capistrano não era apenas o branco des-
cendente de europeus, como em Varnhagen; mas também o de “mazombos, 
moleques, caboclos, mulatos, mamelucos”.
Em certo momento, Capistrano chegou a considerar a criação de um 
grupo de estudos para que pudesse exploraros temas que, importantes, não 
estavam sendo analisados pela historiografia do período. Em carta de 1883, 
ele revela alguns detalhes desse grupo de estudos:
Há que intitular-se Clube Taques, em honra de Taques Paes Leme5, e 
deve ocupar-se quase que exclusivamente das bandeiras e bandeiran-
5 Pedro Taques de Almeida Pais Leme (1714-1777) foi um militar e genealogista bra-
sileiro. Escreveu sobre a história da Capitania de São Vicente (que se tornou, posteriormente, 
São Paulo) e de algumas de suas famílias.
Teorias da História
– 138 –
tes, caminhos antigos, meios de transporte e história econômica do 
Brasil (apud OLIVEIRA, 2006, p. 39).
É por isso que não deixa de ser irônico o fato de que, no famoso 
necrológio que tanto citamos, Capistrano se refira a Varnhagen como “deste-
mido bandeirante à busca de mina de ouro da verdade”.
Silvio Romero e Capistrano de Abreu: 
a importância da teoria
A influência que a utilização de determinada teoria bem como 
a busca por significados para o passado exercem sobre histo-
riadores pode ser analisada por um segundo exemplo.
Silvio Romero (1851-1914) foi um pensador brasileiro que 
acreditava ter encontrado, nas teorias europeias a respeito da 
ideia biológica de “raça”, as razões que explicariam o atraso 
nacional. Para Romero, “o que quer que notardes de diverso 
entre o brasileiro e o seu ascendente europeu, atribui-o em 
sua máxima parte ao preto” (ROMERO, 1880, p. 27). Ou 
seja, defendia que era a presença do negro na sociedade que 
explicaria a ausência de desenvolvimento nacional. Trata-se 
de uma concepção comum do período, fundada na ideia de 
raça, e defendia que o negro estava em um estágio de desen-
volvimento inferior ao branco no processo de evolução. Daí 
que sua presença em grande quantidade no Brasil provocaria 
o atraso nacional, o que só seria resolvido após um processo 
de “branqueamento” da sociedade brasileira.
Romero tomava, assim, determinada teoria sobra o desen-
volvimento humano, e a utilizava para interpretar a situação 
do Brasil no período. Ele acreditava descobrir, na biologia, o 
significado específico da história do Brasil. Tratava-se, aliás, de 
uma concepção tão comum no início do século XX, que apa-
rece como tema principal de uma das mais famosas pinturas 
produzidas no Brasil.
– 139 –
O início de uma historiagrafia brasileira
Figura 8 - “A redenção de Cam”.
Fonte: Modesto Brocos. A redençãode Cam. 1895.
Intitulada “A redenção de Cam”, a pintura foi produzida por 
Modesto Brocos, em 1895, quando o artista morava no Bra-
sil. Por que esse título? Porque, segundo a Bíblia, Cam teria 
visto a nudez de seu pai, Noé, e por isso Cam e todos seus 
descendentes foram amaldiçoados. No texto bíblico não há 
qualquer menção à cor da pele, mas criou-se, dentro do cris-
tianismo, uma tradição de identificar os negros africanos como 
os descendentes de Cam – e por isso, também amaldiçoados 
a se tornarem escravos. O que o quadro está tentando mos-
trar é a “redenção”, de Cam: ou seja, a mãe negra gera uma 
filha mulata; e essa, por sua vez, gera uma criança branca. 
A senhora, à esquerda, estaria agradecendo aos céus por-
que, em duas gerações, sua família estaria “embranquecida” e, 
Teorias da História
– 140 –
assim, livre da suposta maldição. Esse quadro é uma represen-
tação visual das mesmas ideias defendidas por Silvio Romero, 
e contém, por isso, certa concepção histórica. Também a ima-
gem presume que a presença dos negros seriam a causa dos 
problemas brasileiros e, por isso, todos ficariam felizes com a 
família que se tornava “branca”. Assim o escritor Olavo Bilac 
afirmou ao ver a tela: “A filha da velha preta está meio lavada 
da maldição secular: já não tem na pele a lúgubre cor da noite, 
mas a cor indecisa de um crepúsculo. (...) Vede a aurora 
criança como sorri e fulgura, no colo da mulata – aurora filha 
do dilúvio, neta da noite... Cam está redimido!” (BILAC, 
1895, p. 1). O desenvolvimento social aqui é entendido do 
ponto de vista biológico, baseado na ideia – que sabemos 
hoje totalmente equivocada – das diferenças raciais.
Capistrano de Abreu, por sua vez, contestava essa explica-
ção. Para ele, as razões do atraso brasileiro podiam ser encon-
tradas na história: nas dificuldades dos colonos em relação ao 
ambiente natural do Brasil, nos problemas com a expansão da 
colonização, nas dificuldades de comunicação entre os vários 
locais. Mas não em ideias de raça.
Porque a natureza não deixava desenvolverem-se as 
funções, porque a ataraxia6 das funções trouxe a atrofia 
do organismo – é fácil demonstrar. O que é difícil 
é explicar estes fatos pelo cruzamento com o preto 
(ABREU, 1976, p. 19).
Qual a diferença entre as duas concepções? Os dados da 
realidade. São os fatos históricos, evidenciados em documen-
tos, que dão suporte a uma concepção teórica e desconsi-
deram outra. Ainda que a tese de Capistrano sobre a cons-
tituição do Brasil a partir de sua interiorização seja vista por 
historiadoras e historiadores de hoje como incompleta (por 
conta de seu determinismo geográfico, por exemplo), sem 
dúvida está mais de acordo com as evidências documentais 
6 Apatia.
– 141 –
O início de uma historiagrafia brasileira
do que a de Sílvio Romero, que não possuía comprovação 
factual e não era mais do que simples preconceito fundado em 
discursos médicos e biológicos.
 
No Capítulo 1, demos alguns exemplos de como a teoria, de uma 
maneira geral, influencia a análise histórica: como é pela teoria que busca-
mos causas, construímos temporalidades, elaboramos conceitos, analisamos a 
realidade. O pensamento histórico de Capistrano nos permite ampliar aquela 
ideia, demonstrando como determinada teoria afeta a compreensão sobre o 
passado, a atenção para com os documentos e sua análise.
As fontes primárias sobre as bandeiras ou todas as que tratam da inte-
riorização do Brasil não fornecem, por si mesmas, qualquer explicação sobre 
a formação do Brasil ou a constituição de um sentimento (ainda que inci-
piente) de nacionalidade. Quem constrói essa interpretação é a historiadora 
ou o historiador, por meio da teoria. Foi a concepção teórica que permitiu 
que Capistrano elaborasse um entendimento do processo de desenvolvimento 
do Brasil a partir da massa de documentos que conseguiu coletar. Assim, se a 
palavra teoria pode ser definida como uma elaboração abstrata e sistemática 
que busca dar conta dos dados empíricos, Capistrano nos dá exemplo do que 
poderíamos dominar de uma grande teoria (DAVIDSON, 2010): a busca 
por uma interpretação global de todo um processo histórico.
Capistrano construiu essa teoria: acreditava que o processo de interiori-
zação do Brasil, ignorado por historiadores até aquele momento, explicava a 
especificidade da população brasileira, a organização de manifestações locais 
contra a Metrópole, e a construção gradual de um sentimento nacionalista. 
Uma concepção teórica construída nem antes nem depois do contato com as 
fontes, mas em diálogo com elas: cada nova ideia direcionava certa leitura das 
fontes, cada novo dado aperfeiçoava o modelo teórico. Foi assim que Capis-
trano modificou de forma sensível os objetos de estudo e as análises realizadas 
sobre o Brasil até então.
De posse de uma teoria, historiadores privilegiam documentos, adotam 
perspectivas, buscam determinadas respostas e desconsideram, como não 
importantes ou irrelevantes, certas questões. Em resumo, pode-se dizer que a 
presença de uma grande teoria direciona o olhar, participa da seleção de fon-
Teorias da História
– 142 –
tes e da construção de análises. A comparação entre formas diferentes de se 
pensar e fazer história é ainda mais instrutiva: a teoria permitiu a Capistrano 
sair da pura empiria, além da narrativa simples e linear de Varnhagen, e bus-
car construir um significado para a trajetória históricabrasileira por meio de 
certa organização do passado.
 Saiba mais
O maior problema relacionado ao uso de grandes teorias ocorre 
quando essas se sobrepõem aos fatos. Ou seja, quando não há diá-
logo entre teoria e fontes primárias, mas um monólogo: a concepção 
teórica é tida como verdadeira e são selecionados apenas os fatos que 
a comprovem. Todos os dados que a desmentem são desconsiderados 
por princípio, e rotulados como falsos. Esse comportamento, obvia-
mente, não gera conhecimento, e apenas reforça determinada ideolo-
gia. O marxismo ortodoxo (estudaremos o marxismo com mais detalhes 
no Capítulo 8. Em geral, o marxismo não é assim tão simplista; estamos 
nos referindo, aqui, a um tipo específico: o marxismo ortodoxo, ou 
mesmo vulgar.), por exemplo, considerava que a cultura, a religião, ou 
as leis não tinham razões próprias de existência, mas eram derivadas 
exclusivamente das forças econômicas – e não importava o quanto os 
fatos desmentissem essa crença. Tomada como verdade, os fatos que 
a desmentiam eram vistos como irregularidades e ignorados. Exemplo 
semelhante é o da chamada teoria queer: trata-se de uma concepção 
filosófica, surgida nos Estados Unidos no fim do século XX, que se 
preocupa especialmente com as identidades de gênero em nossa socie-
dade, ou seja, como as pessoas são definidas e definem a si mesmas 
como mulher, homem, transexual, travesti, intersex (pessoas que nas-
cem sem uma clara anatomia sexual, o que impede que sejam fácil ou 
claramente definidas como “homens” ou “mulheres”.), assexual, entre 
outros rótulos. Para esse corpo teórico, a biologia não teria qualquer 
influência na formação dos gêneros, apenas a cultura: partindo dessa 
premissa, considera por princípio como equivocados quaisquer dados 
empíricos que a desmintam.
– 143 –
O início de uma historiagrafia brasileira
Da teoria à prática
Em seu famoso e influente texto de 1843, “Como de deve escrever a 
história do Brasil”, premiado pelo IHGB, von Martius afirmava que toda 
história que fosse escrita sobre o Brasil deveria considerar “os elementos que 
aí concorreram para o desenvolvimento do homem”, que para eles seriam o 
indígena, o branco europeu e o negro africano:
Do encontro, da mescla, das relações mútuas e mudanças dessas três 
raças, formou-se a atual população, cuja história por isso mesmo tem 
um cunho muito particular. (MARTIUS, 1844, p. 381)
Para von Martius, essas três “raças” não contribuíram igualmente para o 
desenvolvimento do Brasil. O mais importante teria sido o “Português que, 
como descobridor, conquistador e senhor, poderosamente influiu naquele 
desenvolvimento”; e “tanto os indígenas, como os negros, reagiram sobre a 
raça predominante”.
Essa forma de interpretação da história do Brasil foi muito influente: o 
próprio Capistrano utilizou-a como referência a seus estudos sobe a formação 
da população nacional, e o modelo rapidamente foi incorporado pelos livros 
didáticos de História. Até os anos 1980 – quase um século e meio após a 
publicação original do texto de von Martius –, era possível encontrar versões 
dessa concepção em livros didáticos de História.
Figura 9 - Na contracapa de um livro de história do Brasil de 1968, para o antigo 
segundo grau (hoje ensino médio), aparece evidenciada a presença das “três raças” 
que teriam formado o Brasil. O branco, simbolizado pelo bandeirante, aparece à 
frente. Fonte: SILVA, 1968.
Fonte: Wikimedia Commons.
Teorias da História
– 144 –
Por que essa interpretação histórica é considerada, nos dias de hoje, 
ultrapassada? Por várias razões: era baseada em uma ideia de raça que hoje 
sabemos não ter base científica; defendia que um grupo era superior aos 
demais, e os pensava como homogêneos7; desconsiderava os vários movimen-
tos migratórios da história do Brasil; pensava em contribuições de cada grupo 
como meras curiosidades folclóricas.
E nos livros de História da atualidade, esse modelo ainda persiste? Leia, 
a seguir, um trecho da Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino 
médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história 
e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá 
diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação 
da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como 
o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos 
povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o 
negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as 
suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes 
à história do Brasil.
Você acredita que esses conteúdos obrigatórios são semelhantes ou dife-
rentes daqueles propostos por von Martius? Procure analisar as maneiras pelas 
quais os livros didáticos de história, na atualidade, representam os diversos 
grupos étnicos na formação da sociedade brasileira e compare com o modelo 
defendido por von Martius e pelo IHGB no século XIX. Quais são as seme-
lhanças entre os dois modelos? Quais são as diferenças?
E, após essa pesquisa, uma pergunta para ajudar você a pensar teorica-
mente sobre esse conteúdo: que grande teoria está por trás de cada uma dessas 
propostas de história do Brasil?
Síntese
Vimos, neste capítulo, como a concepção teórica influencia na forma 
como historiadores compreendem e analisam os eventos históricos. A partir 
7 Não existe “o” indígena, “o” africano ou “o” europeu. Cada um desses grupos pode 
ser subdividido em muitos grupos menores, com crenças, visões de mundo e costumes absolu-
tamente diferentes entre si. 
– 145 –
O início de uma historiagrafia brasileira
de uma análise dos modelos construídos, em primeiro lugar, pelo IHGB e por 
Varnhagen e, em segundo, por Capistrano de Abreu, observamos como dife-
rentes visões a respeito da relação entre teoria, fatos e documentos geraram 
compreensões contrastantes sobre a história do Brasil.
Atividades
1. Pedro Américo, pintor conhecido especialmente por ter produzido 
o quadro “Independência ou morte” em finais do século XIX, no 
qual procurou retratar o momento em que D. Pedro declarava a 
Independência do Brasil, salientou, em texto em que analisava a 
própria obra, as dificuldades que um artista tinha para
restaurar mentalmente, e revestir das aparências materiais do real, 
todas as particularidades de um acontecimento que passou-se há mais 
de meio século; principalmente quando não nos foi ele transmitido 
por contemporâneos hábeis na arte de observar e descrever.
Porém, complementou Américo que
a realidade inspira, e não escraviza o pintor. Inspira-o aquilo que ela 
encerra digno de ser oferecido à contemplação pública, mas não o 
escraviza o quanto encobre contrário aos desígnios da arte, os quais 
muitas vezes coincidem com os desígnios da história. (apud OLI-
VEIRA, C. (Org.). O Brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999. 
p. 13-4)
Sobre a relação existente entre a arte e a construção de uma história 
do Brasil no século XIX, é correto afirmar:
a) Dentro da concepção cientificista do século XIX, era fundamental 
que os artistas procurassem representar, em suas pinturas, os mais 
precisos detalhes dos eventos do passado.
b) O objetivo dos artistas não era recriar os fatos exatamente como 
ocorreram, mas criar determinado sentimento de patriotismo a 
partir de sua representação idealizada.
c) A arte não mantém qualquer relação com a história, pois não tra-
tam dos mesmos objetos, não influenciam as mesmas pessoas, e não 
são tratadas dentro das mesmas instituições.
Teorias da História
– 146 –
d) Os livros didáticos de História do começo do século XIX influen-
ciaram os artistas brasileiros, que passaram a criar pinturas idealiza-
das de eventos históricos.
e) Os principaishistoriadores brasileiros do século XIX, Francisco 
Varnhagen e Capistrano de Abreu, também pintores, produziram 
imagens populares sobre fatos históricos do Brasil.
2. Em carta ao jornalista e historiador Januário da Cunha Barbosa, 
datada de 1839, o também historiador Francisco Adolfo de Var-
nhagen assim afirmava:
os arquivos e bibliotecas da Europa, especialmente os de Portugal, 
contêm tão ricos e preciosos manuscritos sobre o Império, que muito 
conviria ao Instituto tomar providências, para os possuir por cópia. 
Sobre este assunto devia talvez intervir o governo, que devendo ali-
mentar o espirito de nacionalidade, deve ter presente que são a pri-
meira base talvez desta, a história e o conhecimento do país natal. 
(apud CÉZAR, T. Varnhagen em movimento. Topoi, v. 8, n. 15, jul.-
-dez. 2007, p. 169)
Sobre a importância do documento histórico nas pesquisas de Var-
nhagen, é correto afirmar:
a) Inspirado em Michelet, Varnhagen não via necessidade de se sub-
meter às regras científicas de comprovação histórica.
b) Ao contrário de Capistrano de Abreu, Varnhagen acreditava que a 
análise era mais importante que o fato histórico.
c) Varnhagen pensava a história à maneira de Ranke, ou seja, partia de 
discussões teóricas antes de consultar as fontes.
d) Varnhagen acreditava que os documentos eram importantes para a 
história, embora não os utilizasse para produzir suas obras.
e) Para Varnhagen, a correta identificação de um fato era fundamental 
à obtenção da verdade em história, daí sua atenção aos documentos.
3. O historiador Sérgio Buarque de Holanda assim afirmou sobre as 
diferenças existentes nas obras de Capistrano de Abreu e Francisco 
Adolfo de Varnhagen:
– 147 –
O início de uma historiagrafia brasileira
Assim é que às guerras flamengas8, por exemplo, um dos temas dile-
tos de antigos historiadores, [Capistrano] consagra apenas trinta e 
poucas páginas, contra mais de cem devotadas ao povoamento do 
sertão; quase o inverso da proporção relativa que têm essas matérias 
na primeira edição da História geral de Varnhagen (HOLANDA, 
2010, p. 67).
A partir desse trecho e comparando-se os trabalhos de Varnhagen e 
Capistrano de Abreu, é correto dizer:
a) tanto Varnhagen quando Capistrano eram metódicos, isso é, com-
preendiam a história como resultante de leis gerais que poderiam 
ser obtidas a partir da análise das fontes históricas.
b) enquanto Varnhagen voltava seu interesse para Portugal e via o Bra-
sil como descendente da Europa, Capistrano buscava na interiori-
zação do País a origem de um sentimento nacional.
c) se, para Varnhagen, a história era uma ciência, para Capistrano, era 
uma atividade que se aproximava da arte, pois teria como objetivo 
comover o leitor, e não aborrecê-lo com descrições.
d) tanto Varnhagen quando Capistrano procuraram construir teorias 
amplas de interpretação histórica da formação do Brasil, e valoriza-
vam os chamados movimentos nativistas.
e) para Varnhagen, a história não precisava ser escrita a partir de docu-
mentos históricos, algo que foi modificado com a preocupação 
científica nos trabalhos de Capistrano de Abreu.
4. A respeito do uso da teoria para o entendimento da história, é cor-
reto afirmar:
a) A teoria não deve estar presente nos textos históricos, pois prejudi-
cam a análise das fontes primárias.
b) A teoria deve se sobrepor aos fatos obtidos pelas fontes, pois pre-
tende oferecer uma análise ampla sobre a história.
c) A teoria pode dirigir a atenção dos historiadores em direção às fon-
tes primárias, bem como na análise dos dados.
8 Guerra contra os holandeses que invadiram o nordeste do Brasil no século XVII.
Teorias da História
– 148 –
d) Denomina-se “empirista” todo trabalho histórico que diminui a 
importância das fontes, e valoriza as análises teóricas.
e) As teorias são próprias de disciplinas como filosofia e sociologia, e 
não fazem parte do trabalho histórico.
6
As inovações teóricas 
da escola dos Annales
Desde o final do século XIX, e especialmente nas primei-
ras décadas do século XX, diversas foram as censuras, na Europa 
e nos Estados Unidos, e mesmo no Brasil, ao modelo tradicional 
de se pensar a história. Particularmente na França, os historiado-
res ligados à escola Metódica conviviam com críticas em relação à 
estreiteza de sua concepção histórica, que excluía a maior parte das 
pessoas, dos temas e mesmo dos documentos. Entre vários movi-
mentos inovadores nas maneiras de se pensar os estudos históricos, 
destacaremos, neste capítulo, a chamada escola francesa dos Anna-
les e suas importantes contribuições teóricas relacionadas a temas, 
abordagens, metodologias e temáticas. Trata-se de uma concepção 
histórica especialmente importante, também devido a sua influên-
cia nos estudos históricos no Brasil, ainda nos dias de hoje.
Teorias da História
– 150 –
6.1 A contestação ao modelo tradicional
Em 1903, o sociólogo francês François Simiand (1873-1935) publicou 
o texto “Método histórico e ciência social”, que gerou repercussões impor-
tantes entre os historiadores metódicos – então dominantes na historiografia 
francesa –, bem como entre seus críticos. Nele, Simiand procurou demonstrar 
como os princípios teóricos e metodológicos de Charles Seignobos, o maior 
representante da chamada escola metódica, não permitiam que a história se 
tornasse efetivamente uma ciência.
Simiand atacou o que denominou famosamente de “os três ídolos da 
tribo dos historiadores” do período:
1. O “ídolo político”, ou seja, o estudo dominante da história política, 
dos fatos políticos, das guerras, etc..., que chega a dar a esses aconte-
cimentos uma importância exagerada [...].
2. O “ídolo individual”, o arraigado hábito de conceber a história 
como uma história dos indivíduos [...].
3. O “ídolo cronológico”, ou seja, o hábito de se perder em estudos de 
origens, de pesquisas de diversidades particulares, em lugar de estu-
dar e de compreender, antes de mais nada, o tipo normal, buscando-
-o e determinando-o na sociedade e na época em que se encontra 
(SIMIAND, 2003, p. 199-200).
Dois desses “ídolos” já foram estudados no capítulo 4: o ídolo político, 
ou seja, a fixação em temas políticos, únicos considerados próprios à história; 
e o ídolo individual, que transferia aos desejos dos “grandes homens” a razão 
para modificações em instituições ou países. Sobre o “ídolo cronológico”, 
cabe um detalhamento adicional: tratava-se, segundo Simiand, da insistên-
cia dos historiadores do período de buscar discutir apenas o excepcional, o 
diferente, o extraordinário, deixando de analisar o que seria, efetivamente, o 
mais comum, normal, e socialmente aceito dentro de um período histórico. 
Refere-se a um equívoco, aliás, do qual não estão imunes mesmo historiado-
ras e historiadores da atualidade: ainda é possível identificar trabalhos que 
confundem a descoberta da origem de um evento, com sua explicação. Por 
exemplo, é possível entender muito sobre o Renascimento se estudarmos as 
concepções de Petrarca – um dos iniciadores do movimento. Mas encontrar 
essa origem não explica o que foi o Renascimento em si, e muito menos 
esclarece as razões que levaram as concepções humanistas a se difundirem 
– 151 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
na Europa, a ponto de se tornar um movimento intelectual influente que 
durou séculos.
As críticas de Simiand tinham um ponto de partida bem específico: 
estavam ligadas às concepções sociológicas difundidas pelo francês Émile 
Durkheim (1858-1917), que pretendia criar um tipo de conhecimento sobre 
as sociedades humanas que fosse efetivamente rigoroso e científico. A defini-
ção precisa de conceitos, a busca pela essência das instituições e a criação de 
leis sociológicas eram algumas das preocupações dessa sociologia científica 
que, para Simiand, não encontrava qualquer correspondêncianos estudos 
históricos do período.
Porém, ainda que tenha protagonizado um importante debate, não 
partiram apenas de Simiand críticas às limitações daquele modelo histórico 
tradicional. Desde o final do século XIX, historiadores de diferentes países 
começaram a construir as bases de uma história social, que passava gradual-
mente a ser vista como mais abrangente e mais relevante que as antigas pre-
ocupações metódicas. E não se pode esquecer que, mesmo no Brasil, Capis-
trano de Abreu já defendia novas concepções históricas que ultrapassassem 
as narrativas de heróis e guerras, tão caras a Varnhagen. Aliás, assim como 
Simiand, Capistrano era um leitor e admirador dos trabalhos de Durkheim.
 Definindo conceitos: HISTÓRIA SOCIAL
Define-se história social como a história do povo comum, de suas cren-
ças e condições de vida. Trata-se de uma definição bastante abrangente 
porque diversos países acabaram por construir tradições específicas em 
relação a ela. Surgiu inicialmente como uma forma de se contrapor aos 
princípios, objetivos e métodos restritos da história tradicional.
 
Dos vários movimentos de crítica ao modelo tradicional de se pensar 
história, um dos mais influentes, particularmente no Brasil, foi o da escola 
dos Annales, surgido na França, nas primeiras décadas do século XX. Refor-
çando a influência francesa na historiografia nacional que, como vimos, já era 
forte desde o século XIX, as formas de se pensar métodos, temporalidades, 
documentos, abordagens dos historiadores de Annales acabaram sendo ado-
tadas no Brasil, especialmente a partir dos anos de 1980.
Teorias da História
– 152 –
Cabe aqui uma observação semelhante à que foi feita no capítulo em que 
estudamos os metódicos: ainda que a escola de Annales seja realmente impor-
tante, pois apresentou inovações teóricas e metodológicas utilizadas ainda hoje 
por várias historiadoras e historiadores, trata-se, fundamentalmente, de um 
movimento francês e que acabou se tornando muito presente no Brasil. Na 
verdade, historiadores como Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel, 
Georges Duby, Jacques Le Goff, entre tantos outros, acabaram por se tor-
nar ícones nos cursos universitários brasileiros de história. E, em alguns casos, 
perigosamente transformados em ortodoxia: ou seja, contestar seu pensa-
mento pode ser visto, em certos momentos, como uma espécie de heresia. Em 
resumo, Annales não foi a única escola histórica, e os franceses os únicos histo-
riadores, a criticar o modelo tradicional, a construir propostas alternativas, ou 
a desenvolver novos métodos e abordagens. Dialogou com um sem-número 
de propostas e ideias, desde as últimas décadas do século XIX. Entretanto, sem 
dúvida, foi a que mais impactou a historiografia nacional.
6.2 A primeira geração dos Annales
A escola dos Annales recebeu esse nome em razão da fundação, em 
1929, da revista “Annales d’histoire économique et sociale” (Anais de história 
econômica e social), pelos historiadores franceses Marc Bloch (1886-1944) 
e Lucien Febvre (1878-1956). Centrados no pensamento de seus dois fun-
dadores – a chamada “primeira geração” dessa escola –, os artigos da revista 
destacaram-se por se opor à história narrativa própria dos metódicos, e defen-
diam a redução dos temas políticos, além de incentivarem a abordagens que 
seriam próprias de uma história social.
O principal objetivo da escola dos Annales não era o de meramente subs-
tituir o interesse do pensamento histórico tradicional na política por outros 
temas. Mais do que isso, pensavam em elaborar uma “história total”, ou seja, 
construir explicações históricas que pudessem unir política, economia, cul-
tura, demografia, entre vários outros elementos que compõem as sociedades. 
Seus métodos e objetivos se solidificaram em propostas mais coerentes apenas 
após vários anos de tentativas e abordagens, dentro de um ambiente social 
europeu que convivia com uma questão política bastante grave: a Segunda 
Guerra Mundial.
– 153 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
6.2.1 Marc Bloch
Filho de um professor de história Antiga e aluno de Charles Seignobos, 
Marc Bloch estudou história e geografia na faculdade antes de passar um ano 
na Alemanha, onde entrou em contato com pensadores que buscavam aliar o 
estudo da economia aos demais aspectos da sociedade. Alistou-se no exército 
em razão da Primeira Guerra Mundial (alcançando o posto de capitão), e 
seguiu a carreira universitária como professor de história durante o período 
entreguerras. É nesse momento que sua carreira se tornou especialmente pro-
dutiva, pois foi um período em que não apenas publicou suas principais obras 
como, em conjunto com o amigo Febvre, lançou a revista dos Annales. Sua 
carreira, porém, tomou um rumo dramático com o início da Segunda Guerra 
Mundial: retornando ao exército, viu seu país ser invadido pelos alemães; 
e, por ter ascendência judia, acabou perseguido pelas políticas nazistas do 
governo de Vichy. Membro atuante da resistência francesa, foi capturado pela 
Gestapo – a polícia secreta do regime nazista –, torturado e fuzilado em 1944.
 Saiba mais
Após ser invadida, a França assinou um armistício com a Alemanha 
em 1940. Segundo os termos desse acordo, uma parte da França 
ficaria sob ocupação militar nazista, tendo como capital Paris; e outra, 
com capital em Vichy, teria uma relativa autonomia, embora devesse 
colaborar com orientações e desejos políticos dos alemães. Devido 
a sua antiga experiência militar e seu nacionalismo, Bloch passou a 
participar da resistência francesa – nome que se deu aos diversos 
e esparsos grupos de resistência ao exército invasor. Foi justamente 
por ser um membro ativo e localmente importante da resistência que 
Bloch foi capturado quando vivia em Lyon, cidade que, à época, 
estava sob a administração do governo colaboracionista de Vichy.
É curioso perceber como uma pessoa que viveu tão intimamente eventos 
políticos foi, ao mesmo tempo, um dos maiores promotores de uma reno-
vação na historiografia francesa que criticava justamente a centralidade dos 
estudos políticos na história. Em sua obra “Os reis taumaturgos”, publicada 
originalmente em 1924, Bloch demonstrava como um tema, que a princípio 
Teorias da História
– 154 –
seria absolutamente político – a percepção da população a respeito de seus 
reis –, podia ser abordado por meio de perspectivas não políticas. Nessa obra, 
Bloch analisou a crença popular dos poderes supostamente miraculosos dos 
reis feudais da França e Inglaterra, que se manifestavam especialmente após 
sua coroação, e seriam capazes de curar doenças, especialmente a escrófula1. 
Mais do que compreender a efetividade médica desse toque, Bloch procurou 
analisar como, mesmo diante de evidências de que a cura não havia ocorrido, 
a crença no poder curativo real persistia.
Tratou-se de uma primeira obra em que Bloch se utilizou de um conceito 
que seria fundamental para a escola dos Annales: o de mentalidades coletivas, 
ou seja, das concepções culturais, particularmente duradouras e comparti-
lhada entre os membros de uma sociedade, que participavam do entendi-
mento e da organização do mundo. Tratava-se, também, de um estudo que 
já apresentava algumas das principais características de Bloch como pesquisa-
dor: a busca pela compreensão de uma sociedade a partir da análise de longos 
períodos, investigando estruturas que construíam padrões a serem entendidos 
pelo historiador.
Uma segunda obra de fôlego de Bloch, e que merece destaque, é “A 
sociedade feudal”, publicada na década de 1930. Além de manter as caracte-
rísticas de busca por identidades dos períodos históricos, e centrando-se em 
longas durações, Bloch demonstrou mais claramente sua intenção de cons-
truir uma “história total” da estrutura feudal europeia.
Eu dei o exemplo de algo [...] que eu escolhi chamar de “dissecaçãode uma estrutura social”. [...] Se meu trabalho é verdadeiramente ori-
ginal em um aspecto, então na minha opinião sua originalidade se 
baseia em ambos desses esforços: análise estrutural e a incorporação 
de experiências comparativas (BLOCH, apud SCHÖTTLER, 2001, 
p. 1.259).
Outra obra que pode ser destacada é “Apologia da história”, bastante 
popular entre estudantes universitários brasileiros ainda nos dias de hoje. Foi 
escrita a partir de suas memórias e experiências, pois, uma vez que foi pro-
duzida durante a Segunda Guerra, Bloch não dispunha de uma biblioteca. 
Pensada para ser um manual introdutório aos estudos históricos, é uma obra 
relativamente curta, escrita em estilo informal, e ainda hoje uma das mais 
1 Trata-se de um inchaço nos gânglios do pescoço, causado pela tuberculose.
– 155 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
influentes referências em temas teóricos e metodológicos sobre os estudos 
históricos. Trata-se de um trabalho, porém, incompleto, interrompido devido 
à morte do autor.
O livro é dividido em cinco capítulos e trata das relações dos estudos 
históricos com a sociedade, bem como discute a importância social da disci-
plina. Para Bloch, a história se tratava não de “uma ciência em marcha”, mas 
de “uma ciência na infância”. Sendo alguém inovador em relação às formas 
de se pensar e pesquisar história, salientar a infância da disciplina significava 
para Bloch destacar a importância de seus posicionamentos nas maneiras de 
se pensar as fontes, o tempo, as relações entre as pessoas e a sociedade.
Nesse livro, Bloch apresentou, ainda, sua concepção sobre a abordagem 
documental, destacando a relação de diálogo que existe entre historiador e 
documento: “os documentos e os testemunhos só falam quando sabemos 
interrogá-los”, afirmou. Buscou, por fim, analisar as maneiras pelas quais os 
historiadores trabalhavam com os conteúdos adquiridos pela pesquisa. Par-
tindo de uma questão ética – julgar ou compreender o passado? – debateu 
a importância do rigor na construção de classificações, de uso dos termos, 
conceitos e a necessidade do estabelecimento de recortes temporais.
O conceito de mentalidades
Marc Bloch, com seu livro “Os reis taumaturgos”, foi o primeiro 
historiador dos Annales a realizar uma “história das mentalida-
des” – abordagem tão cara àquela escola histórica – embora 
ele mesmo não utilizasse o termo “mentalidades”. Tratava-se de 
um campo de estudos históricos que se destacou pela investiga-
ção das crenças e atitudes das pessoas comuns do passado em 
relação a temas como vida e morte, concepções sobre a família, 
crenças religiosas, ou a própria sexualidade.
Sendo utilizado pelos historiadores de Annales especialmente 
a partir dos anos 1960, o conceito de “mentalidades” nunca 
foi muito bem definido. De uma forma geral, pode ser apre-
sentado como as crenças, saberes e visões de mundo que 
Teorias da História
– 156 –
seriam dominados por uma pessoa comum de determinada 
época; teriam, além disso, uma significativa duração temporal 
e, por isso, seriam de difícil – ou, ao menos, lenta – modi-
ficação. Um exemplo comum de “mentalidades” são o das 
concepções religiosas.
Contrastando com a concepção histórica tradicional que 
se centrava nos aspectos políticos, a ideia de mentalidades 
permitia analisar e descrever elementos da realidade que, até 
então, não haviam sido estudados historicamente. Podem ser 
citados como exemplos a pesquisa de Lucien Febvre sobre 
a ideia de “ateísmo” no século XVI, em seu estudo sobre 
Rabelais2; de Philippe Ariès (1914-1984), que estudou as per-
cepções sociais sobre a morte, além da constituição das ideias 
sobre a família, no ocidente europeu; ou de Le Roy Ladurie 
que, em sua obra “Montaillou” (LADURIE, 1986), dedicou-
-se a analisar as mentalidades coletivas dos habitantes de uma 
vila medieval.
Bastante influente entre os anos 1960 a 80, o conceito foi 
gradualmente caindo em desuso, sendo substituído por outras 
abordagens, como a história da vida privada e, particular-
mente, pela história cultural..
 
Historiografia e Teoria: O método da Escola de Annales
Marc Bloch e Lucien Febvre não possuíam uma concepção solidificada 
de seu modelo histórico quando fundaram a revista dos Annales em 1929. 
Contrapondo-se a concepções inicialmente genéricas, como crítica à centrali-
dade da política e à presença da narrativa na história tradicional, novas ideias 
foram sendo desenvolvidas, e apresentadas tanto em artigos quanto em livros. 
Foi apenas em 1937, em texto publicado na própria revista, que Bloch des-
creveu as bases teóricas de suas ideias sobre a história.
2 Febvre utilizou-se de um conceito semelhante ao de “mentalidades”: o de “utensila-
gem mental”, que veremos com mais detalhes ainda neste capítulo.
– 157 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
Deste trecho, vamos analisar, com mais cuidado, quatro pontos que 
revelam algumas das concepções teóricas sobre a história defendidas pela 
escola de Annales.
 2 1. A história total e a interdisciplinaridade: Um historiador que 
frequentasse os seminários promovidos por Leopold Ranke, ou 
utilizasse o manual escrito por Langlois e Seignobos (você pode 
relembrar esses assuntos consultando o capítulo 4), certamente 
teria formação nas denominadas “ciências auxiliares”: conjuntos de 
saberes que colaborariam com dados e informações para que os 
historiadores construíssem sua narrativa. Porém, não havia, ou era 
muito limitada, a contribuição real de outros campos de conheci-
mento na construção de explicações históricas. Um texto histórico 
dentro do modelo tradicional era formado basicamente pelos fatos, 
organizados segundo o julgamento do historiador.
Inicialmente para Bloch e Febvre e, a seguir, para os demais his-
toriadores ligados à escola de Annales, o objetivo de construir 
uma história que fosse total exigia uma real colaboração entre 
disciplinas diferentes: daí a necessidade da interdisciplinaridade. 
Certamente Bloch aproveitou-se muito de sua experiência na Ale-
manha para unir conhecimentos econômicos a seus estudos histó-
ricos; mas, além desses, foram adicionados estudos antropológicos 
e sociológicos, análises demográficas e linguísticas, concepções 
geográficas e psicológicas: “historiadores, sejam geógrafos. Sejam 
juristas, também, e sociólogos, e psicólogos” (FEBVRE, 1989, 
p. 40), conclamava Lucien Febvre, já nos anos 1930. Todos os 
Teorias da História
– 158 –
ramos do conhecimento poderiam ser úteis para aprofundar o 
conhecimento histórico.
 2 2. A crítica à narrativa: diante de um modelo de história fac-
tual, como era o caso da história tradicional ou metódica, a única 
forma de se apresentar os resultados da pesquisa era por meio 
da narrativa simples e linear. Sucediam-se fatos, datas e detalhes 
das ações, especialmente dos “grandes homens”, em textos com 
análises minimizadas, como bem recomendava sua concepção de 
objetividade científica.
Contra a ideia de que a história possuiria um enredo, os historiado-
res de Annales propuseram novas abordagens que visavam diminuir, 
quando não anular, a relevância da narrativa dentro dos estudos 
históricos. Entre outras metodologias, buscaram a análise de dife-
rentes temporalidades (algo que veremos com mais detalhes ainda 
neste capítulo); desenvolveram análises contextuais que recorta-
vam períodos significativos de tempo, analisando-os em conjunto; 
e, principalmente, construíram um modelo histórico no qual, em 
vez de lançarem-se à busca aleatória por fatos, preocupavam-se em 
resolver questionamentos que eram propriamente históricos. 
A ampliação do conceito de fonte his-
tórica
Vimos que, para os historiadores metódicos e historicistas, a 
concepção de fonte primária (ou documento histórico) era 
bastante restrita. Sendo o Estado e suas instituições seus prin-
cipais focosde interesse, seriam obviamente os documentos 
oficiais e escritos – próprios da burocracia institucional – aque-
les que tinham a preferência dos historiadores.
Ao buscarem uma mudança no conceito de história, os his-
toriadores da escola de Annales também promoveram uma 
modificação na ideia de fonte: afinal, se a história deveria se 
preocupar com uma “história total”, seria lógico assumir que 
– 159 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
todos os elementos que fizessem parte da existência humana, 
materiais ou não, poderiam ser considerados fontes históricas.
De fato, a escola dos Annales difundiu uma concepção 
muito mais ampla de documento histórico que aquela uti-
lizada pela chamada história tradicional: dos maiores aos 
menores objetos, dos mais aos menos duradores, dos mate-
riais aos imateriais, toda parte da realidade que molda e é 
moldada pela experiência humana tem a possibilidade de se 
tornar um documento histórico. Trata-se de uma concepção 
ainda utilizada na atualidade.
É interessante perceber como essa nova compreensão do 
que seriam os documentos alia-se à busca pela interdiscipli-
naridade em estudos históricos. Afinal, não é possível que 
historiadoras e historiadores possuam formação adequada em 
todos os elementos que fazem e fizeram parte da vida das 
pessoas. Assim, a escrita da história, tematicamente cada vez 
mais ampla, passou a exigir também a cooperação com outros 
ramos do conhecimento para que se tornasse possível seu 
estudo e sua compreensão..
 
 2 3. A pesquisa histórica fundamentada em questões: em uma 
coleção de quadrinhos publicada originalmente em 1979, Pateta, 
o personagem da Disney, assumia o papel de personagens famosos, 
tanto da história quanto da literatura. Em uma de suas aventuras, 
tornou-se o Dr. Frankenstein, algo que acabou por deixar Mickey 
Mouse muito incomodado, diante dos mistérios que cercavam as 
pesquisas. Dirigindo-se ao Pateta/Frankenstein, Mickey, em deter-
minado momento, exclamou: “estou farto disso, doutor”. Afinal, 
ele não estava entendendo que experiências eram aquelas. Assim, 
exigiu: “quero algumas respostas, e quero já!” (Pateta..., 2011, p. 
26). A discussão continuou dessa forma:
Teorias da História
– 160 –
Figura 1 – Pateta faz história como Dr. Frankenstein.
Fonte: Pateta..., 2011, p. 26.
O método de pesquisa de muitos historiadores tradicionais pode, com 
algum exagero, ser comparado a maneira como Pateta “respondeu” a Mickey. 
Afinal, aqueles historiadores, pesquisando em fontes, chegavam a determi-
nados dados que não eram, efetivamente, respostas a quaisquer questões 
previamente formuladas. E não se pode negar que alcançaram resultados 
importantes, considerando-se que eles também não sabiam as perguntas. Na 
verdade, sequer pensavam precisar delas, pois acreditavam que os fatos his-
tóricos estavam, objetivamente, presentes nos documentos, e seria preciso 
apenas identificá-los.
Uma concepção oposta à que surge com os historiadores de Annales, que 
passaram a afirmar a necessidade de partir de “questões suficientemente pre-
cisas” antes de iniciar efetivamente a pesquisa. Dizendo-se, de outra maneira: 
diante de dúvidas ou questões, utilizavam-se das fontes para respondê-las. 
Essa era a ideia de uma “história problema”, ou seja, a noção de que as fontes 
primárias só responderiam às perguntas que fossem elaboradas previamente 
pela historiadora ou pelo historiador.
Assim, Lucien Febvre conclamou os historiadores de seu tempo a tra-
balharem, eles também, com questões a serem respondidas historicamente:
Peço aos historiadores, quando vão ao trabalho, que não o façam como 
se fossem de encontro a Magendie: Magendie, mestre de Claude Ber-
nard, precursor da fisiologia, que sentia tanto prazer em deambular, 
com as mãos nos bolsos, através de fatos raros e curiosos e, como o 
trapeiro – assim dizia ele –, através dos objetos. Eu lhes peço para ir ao 
trabalho como Claude Bernard, com uma boa hipótese em mente. E 
que jamais se comportem alegremente como colecionadores de fatos, 
como antes, quando bancavam os caçadores de fatos às margens do 
– 161 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
Sena. Que nos deem uma História, não uma Historia automática, 
mas, sim, problemática (FEBVRE, 2011, p. 84).
 2 4. A realidade concreta e os fenômenos profundos: foi outro 
expoente da escola dos Annales, Fernand Braudel (1902-1985), 
que afirmou que os acontecimentos – aqueles mesmos que eram 
centrais no modelo histórico tradicional –, seriam, na verdade, a 
parte menos importante da história. Braudel seguia, aqui, a orien-
tação de outros historiadores de Annales, em considerar que eram 
mais significativas, do ponto de vista histórico, as condicionantes 
sociais, as permanências (especialmente as de longa duração) e as 
estruturas. De fato, quando Bloch afirmou buscar os “fenôme-
nos mais profundos” da história, pretendeu retirar a primazia dos 
“grandes homens” como agentes históricos. As causas dos aconte-
cimentos não estariam nas decisões repentinas e altamente parti-
culares de imperadores, reis, ou generais, mas em contextos mais 
amplos e profundos.
Quando Bloch, por exemplo, estudou a longa permanência na 
crença do poder divino dos reis, estava analisando a persistência de 
uma ideia ao longo de vários séculos. Uma abordagem que não seria 
possível se fosse utilizado o modelo centrado no “acontecimento”, 
próprio dos metódicos. Afirmar simplesmente que, no século XII, 
os súditos de Henrique II da Inglaterra acreditavam no poder mila-
groso do toque régio (como faria um historiador tradicional), não 
permitiria qualquer entendimento do fenômeno, e, sem qualquer 
contexto, tornava-se apenas mera curiosidade. Inserida, porém, 
dentro da mentalidade da Europa feudal, como fez Bloch, a ação 
real ganhou determinado significado e historicidade.
 Saiba mais
Nos anos 1960 e 1970, historiadores herdeiros da escola de Anna-
les dedicaram-se a buscar os “fenômenos mais profundos” de outra 
maneira. Mantendo ainda sua atenção para com a análise de longos 
períodos, utilizaram-se extensivamente das técnicas de quantificação e 
serialização para construir explicações históricas: dados demográficos, 
econômicos e sociais eram organizados em tabelas, decodificados e 
Teorias da História
– 162 –
analisados. A difusão da informática entusiasmou ainda mais esses 
historiadores, pois acreditaram na possibilidade de construir, efetiva-
mente, um conhecimento que fosse objetivo e verificável, como eram 
os resultados obtidos pelas ciências naturais, particularmente a física. 
Le Roy Ladurie chegou a afirmar, em finais dos anos 1960, que “o 
historiador de amanhã será programador ou não será”. Essa técnica 
histórica fundada nas análises econômicas e na serialização, praticada 
por historiadores que desejavam ser denominados “cientistas” e que 
afirmavam possuir seus próprios “laboratórios” de história, acabou se 
desgastando ainda em finais dos anos de 1970.
Figura 2 – Tempos de vida de Lucien Febvre, Marc Bloch e Fernand Braudel.
Fonte: Elaborado pelo autor.
6.2.2 Lucien Febvre
A formação de Febvre foi semelhante à de Bloch em vários aspectos. 
Também filho de um estudioso – seu pai era filólogo –, estudou história e 
geografia em seu curso superior, além de ter servido ao exército por quatro 
anos, em razão da Primeira Guerra Mundial. Conheceu Marc Bloch quando 
ambos trabalhavam na Universidade de Estrasburgo, momento em que ini-
ciaram sua parceria.
Pode-se sintetizar a influência de Febvre em relação à escola dos Annales 
em dois campos diversos. No primeiro, enquanto pesquisador que, influen-
ciado pelas ideias modernistas das primeiras décadas do século XX, trouxe à 
história discussões sobre psicologia, cultura, filologia e geografia, integrando 
esses conhecimentos a seus objetos de estudo. No segundo, enquantorespon-
sável pela institucionalização dos preceitos e métodos de Annales nos estudos 
históricos franceses.
– 163 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
O Febvre pesquisador se destacou, especialmente, pelo aperfeiçoamento 
e uso da ideia de mentalidades em sua pesquisa – ainda que, como foi dito 
anteriormente, não utilizasse especificamente esse termo, e sim o de “uten-
silagem mental”. Bem ao espírito da história problema, sua principal obra, 
“O problema da incredulidade no século XVI”, de 1942, procurou respon-
der a uma questão: seria possível que o pensador humanista francês Rabelais 
(nascido entre 1483 e 1494 e falecido em 1553) fosse ateu? Essa hipótese era 
algo em que acreditavam muitos pensadores, especialmente a partir do século 
XIX, quando analisavam as fortes críticas à religião presentes em obras como 
“Gargântua” e “Pantagruel”.
Febvre procurou demonstrar que não seria possível, para as pessoas da 
região e período em que viveu Rabelais, conceber a ideia de inexistência de 
Deus. Em uma sociedade profundamente religiosa, não havia condições – 
utensílios – mentais para pensar a completa descrença, ou o ateísmo. Assim, 
concluiu que existiam barreiras mentais, diferentes usos para as palavras, 
ausência de conceitos à disposição de Rabelais e de seus contemporâneos e 
que, em seu conjunto, impediam que eles fossem ateus, da mesma forma que 
esse termo era entendido no século XIX e XX.
Houve, posteriormente, críticas de outros historiadores às suas conclu-
sões. Não apenas Febvre generalizou as formas como as pessoas pensavam 
– eram os “homens do século XVI” –, homogeneizando diferenças sociais, 
etárias, de gênero etc., bem como se sabe que, no mesmo período, outras 
pessoas haviam declarado ser, efetivamente, descrentes da existência de uma 
Providência divina (BENTLEY, 2006). Porém, ainda que possua problemas, 
a obra de Febvre mantém seus méritos por construir uma explicação his-
tórica sobre um personagem específico, buscando recuperar, na medida da 
possibilidade das fontes, quais eram seus saberes e crenças. Além disso, sua 
abordagem destacou os cuidados que os historiadores deveriam ter em relação 
ao anacronismo, que, para Febvre, era o pior pecado de sua profissão. Afinal, 
quando se afirmava que Rabelais era ateu, corria-se o risco de imputar a um 
personagem do passado, um conceito próprio do presente. Para evitar tais 
erros, seria tarefa dos historiadores reconstruir o sentido dos conceitos como 
eram pensados originalmente no passado:
não se trata de ler um texto do século XVI com os olhos do século 
XX e de lançar gritos de assombro, declarando que esse texto é escan-
Teorias da História
– 164 –
daloso – enquanto uma só coisa é escandalosa, o esquecimento do 
pequeno fato de que a mesma proposição, articulada por um homem 
de 1538 e depois por um homem de 1938, não produz o mesmo som. 
E de que todo um trabalho deve ser feito, um trabalho considerável e 
dos mais delicados, se se quiser devolver às palavras que cremos com-
preender sem mais investigações o sentido especial que tinham para 
aqueles mesmos que as pronunciaram há quatro séculos (FEBVRE 
2009, p. 181-2).
O segundo Febvre – o responsável pela ampliação institucional dos 
Annales – foi aquele que, após a morte de Marc Bloch, continuou a defesa 
e difusão de seu projeto conjunto de história. Em 1946 alterou o título da 
revista para “Annales. Économies, Sociétés, Civilisations”, buscando tanto 
enfatizar o caráter interdisciplinar da publicação quanto construir uma “ciên-
cia dos homens”, unificada, e que integrasse vários ramos do conhecimento.
O reconhecimento da importância dos Annales em relação à história se 
refletiu também em sua institucionalização. Febvre participou da fundação 
e direção de cursos universitários em estabelecimentos importantes, como 
a “École Pratique des Hautes Études”; participou da organização de textos 
históricos para a Unesco e fez com que seus discípulos assumissem cargos 
relevantes em instituições educacionais e de pesquisa (BURKE, 1992). Ao 
final da Segunda Guerra, aquela concepção de história que tinha se iniciado 
por rejeição às concepções estabelecidas acabou por se tornar, ela mesma, 
dominante, sendo que a revista dos Annales “transformou-se no órgão oficial 
de uma igreja ortodoxa” (BURKE, 1992, p. 30).
Se a ascensão das ideias de Annales a um posto de proeminência den-
tro dos estudos históricos deveu-se às ações políticas de seus membros, não 
se podem esquecer os embates propriamente intelectuais. Foram de Febvre 
alguns dos textos mais incisivos defendendo a concepção de história dos 
Annales e criticando o modelo tradicional até então predominante na França 
(que ele denominava de história “historizante”). Nesses artigos, não apenas 
eram questionados assuntos como as concepções de narrativa, centralidade 
na política, ou ingenuidade investigativa dos historiadores tradicionais, mas 
havia também a preocupação de estabelecer os fundamentos teóricos de uma 
determinada concepção teórica de história, dos quais decorreram importantes 
princípios metodológicos até hoje relevantes.
– 165 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
Historiografia e Teoria: A ideia de fato histórico
Para os historiadores tradicionais, o fato histórico era quase que um “não 
problema”, ou seja, não era algo que possuísse quaisquer dificuldades em ser 
identificado e não parecia carregar implicações teóricas mais sérias. Após as 
importantes críticas internas e externas das fontes, as informações contidas 
em um determinado documento histórico, e que foram definidas como ver-
dadeiras, seriam consideradas automaticamente “fatos históricos”. Esses exis-
tiriam à revelia da atuação dos historiadores.
Febvre criticou essa concepção ingênua.
Que colocam vocês atrás dessa pequena palavra “fato”? Pensam acaso 
que eles são dados à história como realidades substanciais, que o 
tempo escondeu de modo mais ou menos profundo, e que se deve 
simplesmente desenterrar, limpar e apresentar à luz do dia aos nossos 
contemporâneos? (FEBVRE, 1978, p. 105)
Febvre criticava, aqui, justamente a concepção tradicional de pensar o 
fato histórico como se tivesse uma existência em si; ou seja, como se fosse 
uma “coisa” que pudesse ser desenterrada. E continuou:
Um historiador que se recusa a pensar sobre o fato humano, um his-
toriador que professa a submissão pura e simples a esses fatos, como se 
não fossem de sua fabricação, como se não tivesses sido escolhidos por 
ele, previamente, em todos os sentidos da palavra “escolhido” (e eles 
não podem deixar de ser escolhidos por ele) – é uma ajuda técnica. 
Que pode aliás ser excelente. Mas não é um historiador (FEBVRE, 
1978, p. 106).
Dentro da concepção de Febvre e dos Annales, e que historiadoras e 
historiadores ainda hoje utilizam, um fato não existe sem uma fabricação, 
ou seja, sem uma intervenção direta dos pesquisadores. Não existem em si 
mesmos, não esperam ser descobertos. Ao contrário: concordando com a 
concepção de uma história-problema, os fatos são respostas, encontradas nos 
documentos, para questões a serem solucionadas na pesquisa.
Analisando um exemplo concreto, podemos ver como ocorre essa inter-
ferência: em um documento do século IV d.C., escrito em grego e encon-
trado na localidade de Oxirrinco, no Egito, uma mulher (cujo nome não foi 
registrado) acusou o marido de maus-tratos.
Teorias da História
– 166 –
A respeito de todos os insultos lançados por ele contra mim. Ele tran-
cou seus próprios escravos e os meus com minhas filhas adotivas [...] 
por sete dias em seus aposentos, tendo insultado seus escravos e meu 
escravo Zoe e quase matado eles com agressões, e ele colocou fogo 
em minhas filhas adotivas, e deixou-as quase nuas, o que é contrá-
rio às leis. [...] [Posteriormente] ele jurou na presença de bispos e de 
seus próprios irmãos:“De agora em diante eu não esconderei todas as 
minhas chaves dela [...]; eu irei parar e não a insultarei”. [...] [Mas,] 
quando eu havia ido à Igreja em Sambato, ele me trancou para fora, 
dizendo “Por que você foi para a igreja?” [...] Deus sabe que isso é 
verdade (Acusação contra o marido, Papyri.info, s/d).
Quais “fatos históricos” existem nesse texto? Isso dependerá dos interesses 
e dos objetivos da historiadora e do historiador. Uma pesquisa que procure 
entender o papel da mulher no Egito romano irá ter como fatos a atuação 
dela na defesa das filhas, dos escravos e de si mesma, quando apelou para a 
ordem legal existente em sua comunidade. Um estudioso das práticas religiosas 
destacará a participação dos bispos e da igreja no controle e normalização das 
relações sociais, inclusive familiares. Para um especialista em legislação antiga, 
serão fatos: a forma como o registro foi feito, os detalhes da queixa e as pessoas 
responsáveis que foram chamadas para auxiliar a solucionar o conflito.
Portanto, a partir de diferentes problemas, surgem diferentes leituras 
dos documentos e, consequentemente, diferentes fatos. Não existiam pre-
viamente: foram “fabricados” em diálogo com os interesses de cada pesquisa.
6.3 A segunda geração dos 
Annales: Fernand Braudel
Com Fernand Braudel, a escola dos Annales solidificou sua influência 
na França e, cada vez mais, em outros países, como foi o caso do próprio 
Brasil. Mas, ao mesmo tempo, Braudel foi o autor de pensamentos originais a 
respeito da história, particularmente em relação às diferentes temporalidades 
nos estudos históricos, em ideias que foram desenvolvidas especialmente em 
seu livro “O Mediterrâneo”. 
Braudel teve uma formação tradicional em escolas parisienses, até o final 
de sua formação acadêmica na Sorbonne, em 1923, como estudante de his-
tória. Foi lecionar na Universidade da Argélia, o que lhe permitiu conhecer 
– 167 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
mais sobre o Mar Mediterrâneo e as diferentes populações e culturas que o 
cercavam, iniciando uma pesquisa que originou sua obra mais conhecida. No 
início dos anos 1930, veio ao Brasil para lecionar história, participando da 
montagem e inauguração da Universidade de São Paulo (USP), ajudando a 
reforçar uma relação nacional com a cultura francesa, que já era forte desde 
o século XIX.
De fato, se pensarmos no desenvolvimento nacional do ensino escolar 
da disciplina de história, sabemos que desde meados do século XIX o modelo 
francês exerceu uma influência profunda nos temas, conteúdos e métodos de 
ensino histórico escolar, inclusive com a adoção (e, posteriormente, inspira-
ção) de manuais franceses para alunos brasileiros. Essa relação com a intelec-
tualidade francesa se ampliou no início do século XX, por meio de uma série 
de incentivos governamentais de ambos os países.
Entre vários projetos conjuntos, o mais ambicioso foi o da criação de uma 
universidade paulista: tendo o Brasil já uma tradição de filiação aos valores 
acadêmicos franceses e estando fortalecidas as relações culturais no início do 
século XX, teve-se como resultado que os cursos de ciências humanas criados na 
nova universidade acabaram sendo ocupados por pensadores ligados ao pensa-
mento francês. Vieram ao Brasil jovens intelectuais, com ou sem experiência no 
ensino, para inaugurar e lecionar nos novos cursos. Alguns dos professores aca-
baram se tornando referências intelectuais importantes, como foram os casos de 
Claude Lévi-Strauss, Roger Bastide e, o próprio Fernand Braudel.
É possível perguntar: por que a influência da escola dos Annales só se 
concretizou no Brasil na década de 1980, se um personagem importante 
como Braudel lecionou na USP entre 1934 e 1937? Porque, na verdade, o 
que conhecemos como pensamento de “Annales” foi construído ao longo 
do tempo e como resultado de esforços contínuos de vários pesquisadores. 
A revista que originou o que seria uma específica escola de pensamento his-
tórico tinha sido fundada há apenas cinco anos, quando Braudel chegou ao 
Brasil; e foi no mesmo ano de sua volta a Paris que foi publicado o texto de 
Bloch, no qual definia os princípios teóricos de seu pensamento histórico. 
Assim, e ainda que Braudel tenha deixado influências importantes no país, 
deve-se lembrar que era um pesquisador ainda em formação. De sua relação 
com o pensamento nacional e a prática histórica, portanto, pode-se dizer que 
tanto influenciou quanto foi influenciado.
Teorias da História
– 168 –
Pouco tempo após Braudel retornar à Europa, foi deflagrada a Segunda 
Guerra Mundial. Obrigado a se alistar, foi capturado em 1940 pelos alemães 
e, mesmo prisioneiro, desenvolveu a escrita de sua obra mais influente, “O 
Mediterrâneo”, em que analisou, como define o próprio subtítulo do livro, 
o mundo mediterrânico na época de Filipe II da Espanha (1527-1598). Pos-
teriormente afirmou: “foi em cativeiro que eu escrevi esse enorme trabalho 
que Lucien Febvre recebeu, caderno de notas por caderno de notas” (apud 
HUGHES-WARRINGTON, 2008, p. 20). Braudel valeu-se muito de sua 
própria memória para a produção do livro, embora, eventualmente, fosse-lhe 
permitido consultar bibliotecas municipais.
A concepção histórica de Braudel aliava-se àquela que estava sendo cons-
truída pela escola de Annales. Considerava, por exemplo, que a história tra-
dicional, inclusive a de Leopold von Ranke, preocupava-se com as questões 
menos importantes do passado.
Notai que essa história-narração tem sempre a pretensão de dizer “as 
coisas como elas se passaram realmente”3. Ranke acreditou profunda-
mente nessa palavra quando a pronunciou. Na realidade, ela se apre-
senta como uma interpretação, a seu modo dissimulada, como uma 
autêntica filosofia da história. Para ela, a vida dos homens é dominada 
por acidentes dramáticos (BRAUDEL, 1978, p. 24).
O que Braudel estava condenando, nesse trecho, era a perspectiva histó-
rica que se fixava nos acontecimentos – naqueles pequenos eventos, ligados 
a uma data específica e que, para historiadores tradicionais, formavam a his-
tória. Ou seja, apenas as ações heroicas, audaciosas, impactantes e dignas de 
serem noticiadas comporiam o enredo desse modelo de pensamento. Uma 
concepção que Braudel comparou à luz dos vagalumes:
Guardei a lembrança, uma noite, perto da Bahia, de ter sido envol-
vido por um fogo de artifício de pirilampos fosforescentes; suas luzes 
pálidas reluziam, se extinguiam, brilhavam de novo, sem romper a 
noite com verdadeiras claridades. Assim são os acontecimentos: para 
além de seu clarão, a obscuridade permanece vitoriosa (BRAUDEL, 
1978, p. 23).
Para Braudel, eram os elementos profundos e estruturais que seriam, 
realmente, os aspectos importantes na escrita da história. Seriam as condições 
3 No Capítulo 4, traduzimos a famosa expressão de Ranke como “a história como 
realmente aconteceu”.
– 169 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
contextuais, originadas séculos, ou mesmo milênios, antes da vida das pessoas, 
os principais elementos com os quais os historiadores deveriam se ocupar.
Historiografia e Teoria: As três temporalidades
O aspecto mais inovador da obra “O Mediterrâneo”, de Braudel, foi sua 
análise de diferentes temporalidades para compreender um determinado con-
texto histórico. Aplicando, em seu livro, sua concepção de que o importante 
eram os contextos e as estruturas profundas que moldavam as sociedades, o 
autor pretendeu demonstrar como a história dos acontecimentos – a histoire 
événementielle – seria consequência de causas anteriores que não poderiam 
ser conduzidas ou modificadas pelas ações individuais.
Em cada uma das três partes em que o livro foi dividido, foi analisada 
uma diferente temporalidade, partindo-se da mais longa até alcançar a mais 
curta; dos maiores aos menores tempos. Vamos acompanhar como Braudelapresentou cada uma dessas diferentes partes:
A primeira [parte do livro] põe em questão uma história quase imóvel, 
a do homem em suas relações com o meio que o cerca; uma história 
lenta no seu transcorrer e a transformar-se (BRAUDEL, 1978, p. 13).
Trata-se da chamada “longa duração”, ou tempo geográfico, na qual 
Braudel apresentou as características naturais do Mar Mediterrâneo e como 
condicionaram as estruturas econômicas e sociais das sociedades que o cer-
cavam. As montanhas, por exemplo, foram analisadas considerando-se o 
impacto que produziram na economia, e o próprio mar pela maneira como 
participou da estruturação das culturas (CHENG, 2012). Tratava-se de um 
tempo histórico, portanto, que comportava milênios.
Acima dessa história imóvel, uma história, lentamente ritmada, dir-
-se-ia de bom grado, não fosse a expressão desviada de seu sentido 
pleno, uma história social, a dos grupos e dos agrupamentos. Como é 
que essas ondas do fundo levantam o conjunto da vida mediterrânea? 
Eis o que me perguntei na segunda parte de meu livro, estudando 
sucessivamente as economias e os Estados, as sociedades, as civiliza-
ções [...] (BRAUDEL, 1978, p. 14).
A metáfora das ondas é significativa: Braudel via as civilizações como 
resultado de forças profundas, analisadas na primeira parte da obra. Aqui, 
nesse tempo social, ele se dedicou a analisar os amplos contextos, as estruturas 
Teorias da História
– 170 –
sociais, em uma abordagem que envolvia períodos de séculos. Mais específica 
que a primeira parte, essa segunda era, de toda forma, ainda mais ampla que 
a temporalidade da história tradicional, centrada no evento.
Terceira parte, enfim, a da história tradicional, se quisermos, da histó-
ria à dimensão não do homem, mas do indivíduo, a história ocorren-
cial: uma agitação de superfície, as ondas que as marés elevam em seu 
poderoso movimento. Uma história com oscilações breves, rápidas, 
nervosas (BRAUDEL, 1978, p. 14).
Continuando com sua metáfora do mar, o nível dos acontecimentos – 
central dentro do modelo tradicional – eram as últimas ondas que chegavam 
à praia. “Uma agitação de superfície”: para Braudel, esse tempo individual era 
o menos importante para os estudos históricos. Afinal, poderiam ser dramá-
ticos e apaixonantes, mas seus eventos pouco revelavam o que era essencial 
sobre as pessoas e suas sociedades.
Para compreender essa temporalização escalonada da história dentro do 
modelo de Braudel, é interessante uma comparação com a concepção tradi-
cional do tempo linear restrito ao acontecimento.
A escola histórica tradicional trabalhava com um tempo linear, em que 
os acontecimentos eram organizados na ordem em que ocorreram. Assim, um 
modelo genérico de sua compreensão de temporalidade poderia ser represen-
tado da seguinte forma.
Figura 3 – Linha do tempo.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Trata-se de uma linha do tempo, em que acontecimentos políticos, usu-
almente produzidos pelos personagens considerados historicamente impor-
tantes, eram apresentados de forma sequencial e linear. A concepção tradicio-
nal de temporalidade histórica resume-se, basicamente, a esse esquema.
Tal modelo fazia parte da concepção braudeliana de temporalidade. Em 
seu esquema, referia-se à história dos acontecimentos, que tomou a terceira e 
– 171 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
última parte de sua obra, e abrangia um período de cerca de meio século. Não 
se distinguia, fundamentalmente, do modelo tradicional.
Figura 4 – História do acontecimento ou curta duração.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Para Braudel, porém, esse era apenas um dos tempos possíveis para a his-
tória. Essa perspectiva sobre o acontecimento estava inserida em outra mais 
ampla, uma abordagem social, que foi analisada em períodos que podiam 
atingir vários séculos, e que foi estudada na segunda parte de seu livro. A 
curta duração dos acontecimentos tem sua importância diminuída quando 
inserida na linha do tempo dessa história social.
Figura 5 – História social e história do acontecimento.
Fonte: elaborado pelo autor; as setas não estão em escala.
A própria história social, porém, é devedora de um modelo ainda mais 
amplo e profundo: a história do tempo geográfico, a longa duração. A própria 
história social tem sua relevância reduzida, quando inserida e comparada a 
esse período mais amplo de análise.
Figura 6 – A longa duração, a história social e a história do acontecimento.
Fonte: Elaborado pelo autor; as setas não estão em escala.
Teorias da História
– 172 –
Repare que, dentro desse amplo período, a história dos acontecimentos 
não seria mais do que apenas um ponto, o que evidenciava que, apesar de dra-
máticos, representavam eventos que não teriam influência na temporalidade 
mais ampla da história. 
Esse complexo modelo das três temporalidades criado por Braudel pro-
duziu grandes impactos nos estudos históricos. Sem dúvida, solidificou a con-
cepção de que a história possuía temporalidades diferentes e que, nesse sen-
tido, poderia ser escrita sob diferentes perspectivas, das análises mais amplas 
às mais específicas e pontuais.
Não foram muitos, porém, os que seguiram o modelo de Braudel. O 
gigantesco esforço com o qual construiu o seu trabalho foi muito restrita-
mente imitado devido às imensas dificuldades de sua reprodução.
Além disso, as críticas braudelianas à relevância do acontecimento 
devem ser relativizadas: o tempo da curta duração e do acontecimento 
não é necessariamente pouco influente ou dispensável. Na verdade, o que 
historiadoras e historiadores percebem hoje é que as diferentes abordagens 
temporais devem ser pensadas de acordo com cada objeto de pesquisa. Uma 
história das ações da perseguição política durante o regime militar brasileiro, 
por exemplo, irá utilizar modelos temporais diferentes dos de uma análise 
histórica sobre o desenvolvimento do cristianismo no Brasil.
A “Nova” história – ou terceira gera-
ção de Annales
A denominada terceira geração dos Annales se estabeleceu a 
partir dos anos 1970, com a influência de historiadores como 
Jacques Le Goff (1924-2014) e Pierre Nora (nascido em 
1931). Além de reforçarem sua presença institucional, esses 
e outros “novos historiadores” procuraram desenvolver ainda 
mais os campos de atuação e as metodologias históricas. Além 
disso, esses historiadores fizeram com que suas obras, ainda 
que produzidas dentro das regras acadêmicas, alcançassem 
– 173 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
importante sucesso editorial.
Um dos documentos mais importantes de seu pensamento his-
tórico é a coleção “Faire de l’histoire”, produzido por Le Goff 
e lançado em 1974. Influenciados pelas novas discussões teó-
ricas surgidas após a Segunda Guerra, e particularmente pelo 
movimento de maio de 1968 na França, historiadores ligados a 
essas novas concepções de Annales defendiam que a história 
deveria se ocupar de “novos problemas”, “novas abordagens” 
e “novos objetos”, defendendo o que concebiam como uma 
renovação historiográfica.
Ainda bastante influentes nos dias de hoje, as concepções 
teóricas da nova história conduziram a uma fragmentação 
temática, criando o que o historiador François Dosse (nascido 
em 1950) denominou de “história em migalhas”, ou seja, uma 
preocupação com temas cada vez menores, mais específicos 
e particulares.
 
Da teoria à prática
Dois importantes nomes das ciências humanas, e que coincidentemente 
participaram da “missão francesa” ao Brasil para a fundação da USP, envol-
veram-se em um debate significativo, a partir do final dos anos 1950, sobre 
a possibilidade do conhecimento histórico. O primeiro foi o belga Claude 
Lévi-Strauss (1908-2009), importante antropólogo cujos trabalhos influen-
ciaram fortemente as ciências humanas a partir de meados do século XX; o 
segundo foi o historiadorFernand Braudel. 
Em que consistiu esse debate? Lévi-Strauss, buscando defender o próprio 
método de pesquisa antropológica que ajudou a desenvolver – a chamada 
antropologia estrutural – afirmou que a história não produzia um conheci-
mento efetivo ou científico. Para ele:
 2 os historiadores inventavam os fatos, recolhendo dados das fontes, 
sem objetividade;
Teorias da História
– 174 –
 2 ao construírem explicações, historiadores deviam escolher entre 
explicar bem ou apresentar todos os dados, o que comprometia o 
resultado de suas pesquisas;
 2 não existia um desenvolvimento contínuo da história desde a 
Antiguidade até nossos dias, e essa continuidade era uma inven-
ção de historiadores;
 2 análises contraditórias poderiam ser ambas tomadas como verdadei-
ras em história, pois o que valeria é a interpretação do historiador;
 2 a história se preocupava com os fatos quando, na verdade, deveria 
se ocupar da estrutura profunda que molda as sociedades (LÉVI-
-STRAUSS, 2003).
O que você acha dessas críticas? Você acredita que são válidas? Como 
você, enquanto historiadora ou historiador, as responderia?
Para Fernand Braudel, as críticas de Lévi-Strauss não tinham funda-
mento e se baseavam em uma concepção equivocada de história. Afinal, a 
história não trabalhava somente com a mudança rápida dos eventos e dos 
acontecimentos e nem apenas com os períodos longos, de mudança lenta. 
Quem escolhia entre um ou outro seria justamente Lévi-Strauss, que estudava 
apenas a “estrutura”, ou seja, as regras culturais da sociedade que não se modi-
ficam (ou o faziam muito vagarosamente) ao longo do tempo.
Para Braudel, o método histórico lidava igualmente com os fenômenos 
de longa e os de curta duração. Na verdade, ambos os tempos participavam 
das explicações históricas, e não se poderia tomar um sem o outro. Toda 
ciência humana, afirmava, deveria considerar essa dupla temporalidade dos 
acontecimentos humanos: as ações individuais dialogando com forças mais 
profundas, historicamente mais duradoras (BRAUDEL, 1978).
E então, como você se posiciona diante desse debate? Assim como fize-
mos no capítulo 1 – quando discutimos as concepções aristotélicas de his-
tória – agora é importante que você estruture sua posição no debate entre 
Lévi-Strauss e Braudel. Com qual pensador você se alinha? Você acredita que 
ambos têm alguma razão em seus argumentos? No que você concorda ou 
discorda de ambos?
– 175 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
Procure desenvolver um pequeno parágrafo elaborando seu raciocínio a 
partir das maneiras pelas quais você compreende a ação dos historiadores e a 
possibilidade de produção de um conhecimento histórico.
Síntese
Neste capítulo analisamos as maneiras pelas quais a escola dos Annales 
participou do questionamento aos modelos tradicionais – tanto metódicos 
quanto historicistas – de se compreender a história. E que, dentro desse pro-
cesso, formulou novas concepções sobre o tratamento dado aos documentos, 
a importância da problematização na abordagem das fontes, a possibilidade 
de consulta a uma multiplicidade de documentos históricos, o uso de diferen-
tes temporalidades para análise dos eventos. Concepções que influenciaram 
fortemente a produção historiográfica, inclusive a brasileira, desde as últimas 
décadas do século XX.
Atividades
1. Leia com atenção ao texto a seguir, que trata de Marc Bloch e 
Lucien Febvre, historiadores franceses que fundaram a escola histó-
rica dos Annales.
O movimento dos Annales, em sua primeira geração, contou com 
dois líderes: Lucien Febvre, um especialista no século XVI, e o medie-
valista Marc Bloch. Embora fossem muito parecidos na maneira de 
abordar os problemas da história, diferiam bastante em seu com-
portamento. Febvre, oito anos mais velho, era expansivo, veemente 
e combativo, com uma tendência a zangar-se quando contrariado 
por seus colegas; Bloch, ao contrário, era sereno, irônico e lacônico, 
demonstrando um amor quase inglês por qualificações e juízos reti-
centes (BURKE, 1992, p. 16). 
A respeito da concepção história da escola dos Annales, é cor-
reto afirmar:
a) Caracterizou-se pelo repúdio ao modelo tradicional, com a adoção 
de um modelo de história-problema, diversidade de fontes e abor-
dagens metodológicas. 
Teorias da História
– 176 –
b) Deu continuidade ao modelo de história política centrada na atua-
ção dos reis e imperadores, como mostra o livro “Os reis taumatur-
gos”, de Marc Bloch.
c) Considerava que a curta duração era a temporalidade própria das 
ações históricas, pois é quando ocorriam as ações dramáticas, carac-
terísticas das vidas humanas.
d) Utilizou-se do conceito de raça como forma de representar a supe-
rioridade histórica europeia, e particularmente francesa, sobre a de 
outros povos. 
e) Surgiu na Universidade de São Paulo, USP, nos anos 1930, quando, 
após sua fundação, recebeu como professor o historiador francês 
Fernand Braudel. 
2. O texto a seguir foi retirado da obra “Os reis taumaturgos”, de 
Marc Bloch, um dos fundadores da escola de Annales. Leia-o 
com atenção. 
Os reis da França e da Inglaterra puderam tornar-se médicos milagro-
sos porque já eram, havia muito tempo, personagens sagradas: “o rei 
é santo; é o ungido do Senhor”, dizia Pierre de Blois, a fim de justifi-
car as virtudes taumatúrgicas de seu monarca, Henrique II. Portanto, 
convém primeiro indicar de que modo o caráter sagrado da realeza 
veio a ser reconhecido (BLOCH, 1999, p. 70).
A respeito da concepção de história de Bloch, e que se vê refletida 
nessa obra, é correto afirmar:
a) Bloch construiu uma análise política em que diminuiu a importân-
cia da economia e enfatizou as ações e desejos individuais dos reis 
enquanto agentes históricos.
b) Nessa obra, Bloch explicava a crença no poder curativo dos reis a 
partir da psicologia, mostrando como era resultante de determi-
nada histeria coletiva. 
c) A ideia do livro era apresentar um estudo de longa duração, a par-
tir do tempo geográfico, para análise do poder dos reis feudais da 
França e Inglaterra.
– 177 –
As inovações teóricas da escola dos Annales
d) Tratou-se da última obra de Bloch em que ele se utilizou de méto-
dos da história tradicional, como a temporalidade linear, o foco na 
política e o uso da narrativa. 
e) Bloch construiu um estudo em que procurou inserir as crenças nas 
capacidades miraculosas dos reis feudais no contexto social e men-
tal do período. 
3. Friedrich Nietzsche (1844-1900) não foi um historiador, mas um 
filósofo alemão do século XIX. Suas reflexões tornaram-se bas-
tante importantes para as ciências humanas, especialmente no 
século XX. Leia com atenção o trecho abaixo e, a seguir, faça o 
que se pede.
Os operários que acumulam e selecionam os materiais da história 
[...] jamais se tornarão grandes historiadores; não se deve também 
confundi-los com esses últimos, mas vê-los como auxiliares e operá-
rios necessários a serviço do mestre de obras (NIETZSCHE, 2005, 
p. 127).
Em relação ao método de trabalho dos historiadores do século XIX 
e XX, pode-se comparar o raciocínio de Nietzsche com o método:
a) Dos historiadores tradicionais, que viam os fatos como dados 
prontos que deveriam ser extraídos dos documentos e transfor-
mados em história. 
b) Da história de Heródoto e Tucídides, que viam no testemunho das 
pessoas de seu tempo o caminho para a obtenção de verdades sobre 
o passado.
c) Da história cristã medieval, que buscava justificar o cristianismo 
com o apelo às concepções deterministas presentes na Bíblia. 
d) Utilizado por historiadores como Capistrano de Abreu, que 
procuraram incluir concepções teóricas e analíticas no pensa-
mento histórico.
e) Dos historiadores da denominada escola dos Annales, devido à sua 
busca por acumular dados sem possuir, previamente, questões queordenassem a pesquisa.
Teorias da História
– 178 –
4. É correto dizer, a respeito das diferentes temporalidades utilizadas 
pelo historiador Fernand Braudel em sua obra “O Mediterrâneo”:
a) Utilizou-se de três temporalidades diferentes, partindo de um 
tempo longo, próprio da geografia, até alcançar o tempo curto, da 
história do acontecimento.
b) Utilizou-se de um sem-número de concepções temporais diferen-
tes, o que lhe rendeu críticas devido a inconsistências em relação à 
sua metodologia.
c) Partiu de uma concepção tradicional de tempo histórico, listando 
eventos de forma sequencial e linear, semelhante aos historiadores 
dos Annales.
d) Centrou-se na chamada longa duração, ou seja, na busca pelo 
estudo das ações dos indivíduos , dentro de contextos sociais e polí-
ticos específicos. 
e) Foram abandonadas pelos historiadores, que atualmente não utili-
zam diferentes temporalidades para analisar temas históricos, ape-
nas o modelo cronológico e linear.
7
Buarque, Prado, Freyre: 
explicando o Brasil
Uma das características da abordagem histórica é a possibi-
lidade de explicar o presente a partir do passado. Nos anos 1930, o 
Brasil era um país em transição: das concepções patriarcais e agrá-
rias, pareciam surgir instituições, modelos culturais, processos de 
urbanização e modificações políticas que indicavam um abandono 
de tradições construídas ainda no período colonial. Como, porém, 
explicar essas mudanças? Como construir interpretações que permi-
tissem compreender a situação social e cultural do Brasil, naquele 
momento, em comparação com outros países? A busca pela ela-
boração de uma grande síntese explicativa, a partir da história, foi 
objetivo de vários pensadores das primeiras décadas do século XX. 
Neste capítulo, iremos nos dedicar às obras e ao pensamento de três 
deles – Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Gilberto Freyre 
– que procuraram, particularmente nas origens coloniais do país, 
identificar um sentido para o processo histórico nacional.
Teorias da História
– 180 –
7.1 Os estudos sobre o Brasil nos anos 1930
“Numa terra radiosa vive um povo triste” (PRADO, 1928, p. 10). 
Assim começava o longo ensaio publicado, em 1928, pelo mecenas1 e escri-
tor Paulo Prado, readaptando, para o cenário brasileiro, um pensamento 
oriundo da Antiguidade: “post coitum, animal triste”, ou traduzindo do 
latim, após o coito, [todo] animal entristece. Fazia parte de sua tentativa, 
adotando uma perspectiva sem dúvida original, de tentar descrever o cará-
ter do povo brasileiro:
A história do Brasil é o desenvolvimento desordenado dessas obses-
sões subjugando o espírito e o corpo de suas vítimas. Para o erotismo 
exagerado contribuíram como cúmplices – já dissemos – três fatores: 
o clima, a terra, a mulher indígena ou a escrava africana. Na terra 
virgem tudo incitava ao culto do vício sexual... Desses excessos de 
vida sensual ficaram traços indeléveis no caráter brasileiro (PRADO, 
1928, p. 10).
O raciocínio de Prado era de que o Brasil seria formado por um povo 
entristecido pela luxúria, e isso teria influenciado a sociedade brasileira como 
um todo, o que, em parte, explicava a situação de atraso, os problemas sociais 
e a aparente dificuldade do país em se tornar, efetivamente, “moderno”. 
Segundo seu raciocínio, a luxúria teria deixado “traços indeléveis” na popula-
ção e isso teria afetado, inclusive, a inteligência de seus indivíduos.
O texto de Paulo Prado foi produzido em um momento em que a 
intelectualidade brasileira procurava explicações para a realidade social e 
cultural do Brasil. Tratava-se, afinal, de um período de importantes mudan-
ças culturais, econômicas e políticas. Foi nessa ocasião, por exemplo, que a 
influência de movimentos artísticos de vanguarda, de origem especialmente 
europeia, incentivou o desenvolvimento do modernismo no país. Impac-
tando das artes aos comportamentos, o pensamento modernista estimulou 
a busca por aquelas que seriam as características específicas do Brasil, as 
razões para os costumes da população e as formas características de suas 
instituições. Prado, aliás, não foi apenas um dos pensadores desse movi-
mento, como ajudou, pessoalmente, a financiar eventos modernistas, como 
a Semana de Arte Moderna de 1922.
1 Indivíduo rico que patrocina um campo do saber ou das artes.
– 181 –
Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil
 Saiba mais
Ocorrida entre 11 e 18 de fevereiro de 1922 em São Paulo, a Semana 
de Arte Moderna, foi um marco do movimento modernista brasileiro. 
Dedicada a diferentes artes – música, pintura, literatura, escultura – 
sintetizou e divulgou experimentações estéticas de artistas nacionais, 
influenciados por movimentos europeus de vanguarda. Participaram 
do evento personagens como Mário de Andrade, Menotti Del Pic-
chia, Victor Brecheret, Heitor Villa-Lobos e Oswald de Andrade, 
que acabaram, ao longo do século XX, tornando-se referências nas 
artes brasileiras.
Toda essa atmosfera de mudanças foi acentuada pela política. Em 1930 
iniciou-se a chamada “Era Vargas”, após um golpe de Estado que colocou 
fim à República Velha. A ascensão de Getúlio Vargas que, em seu primeiro 
momento, permaneceu na presidência até 1945, refletiu uma alteração na 
configuração do poder a níveis regional e nacional, levando a uma modifica-
ção na estrutura política do país.
O Brasil parecia estar, nitidamente, em transformação. O caráter e o sen-
tido dessa transição, porém, não estavam claros, e pensadores, utilizando-se 
das mais diferentes abordagens, procuraram, cada um a seu modo, respon-
der a questões que pareciam especialmente importantes para compreender a 
realidade nacional: como o Brasil estava situado, social e culturalmente, em 
comparação aos demais países do ocidente? O que explicaria o atraso nacio-
nal, quando contrastado com nações que haviam iniciado sua colonização em 
época semelhante, como os Estados Unidos? A característica miscigenação da 
população brasileira contribuía para a situação social que o país se encontrava 
naquelas primeiras décadas do século XX? O que era próprio, característico e 
determinante para o Brasil ser, enfim, Brasil?
De certa forma, o primeiro pensador a buscar construir uma explicação 
abrangente para a realidade nacional, recorrendo particularmente à histó-
ria, foi Von Martius, ainda no século XIX. Nos anos 1930, porém, surgiram 
novas abordagens, que se caracterizaram por seu aprofundamento teórico 
na busca por identificar o sentido tomado para o desenvolvimento do país. 
Teorias da História
– 182 –
Nesse momento, três autores se destacaram e, ainda que não fossem todos 
historiadores, tinham em comum a adoção da abordagem nitidamente histó-
rica: voltando ao passado, e particularmente à colonização, pensaram encon-
trar explicações para o que se pode denominar de caráter tanto do Brasil e 
de suas instituições, quanto de sua população. Trata-se de Sérgio Buarque de 
Holanda, com a obra “Raízes do Brasil”, publicada em 1936; Caio Prado Jr., 
com as obras “Evolução política do Brasil”, lançada em 1933, e “Formação 
do Brasil contemporâneo”, em 1942; e Gilberto Freyre, com “Casa Grande 
& Senzala”, de 1933.
Ainda que possuíssem abordagens bastante diferentes, o que unia esses 
pesquisadores era o desejo de pensar o Brasil amplamente, procurando encon-
trar, por meio da história, explicações para a realidade do país como a conhe-
ciam. Interpretando o desenvolvimento nacional a partir de modelos teóricos 
importados, caracterizaram-se pela busca de construção de sínteses analíticas. 
Produziram, assim, trabalhos que acabaram se tornando clássicos e referências 
importantes aos estudos históricos brasileiros.
7.2 Sérgio Buarque de Holanda
Nascido em 1902, em São Paulo, Sérgio Buarque de Holanda escre-
veu desde jovem para revistas e jornais paulistas, colaborando inclusivecom 
publicações ligadas ao movimento modernista como “Klaxon” e “Estética” 
(da qual, aliás, foi um dos fundadores). Aproximou-se muito lentamente dos 
estudos históricos, e sua formação específica veio como Bacharel em Ciências 
Jurídicas e Sociais. Em 1929, morou e trabalhou na Alemanha, o que permi-
tiu um contato com pensadores locais que influenciaram seu pensamento e 
cujas teorias contribuíram para formar as bases de seu livro mais conhecido, 
“Raízes do Brasil”. Dirigiu a produção da coleção “História da civilização bra-
sileira”, entre 1960 e 1972, foi professor universitário, e continuou, durante 
toda sua vida, produzindo obras históricas importantes, como “Monções” 
ou “Visão do Paraíso”. É, ainda hoje, um dos mais importantes historiado-
res brasileiros, particularmente devido ao livro que publicou quando tinha 
pouco menos de 30 anos.
“Raízes do Brasil” é uma obra relativamente curta, considerando-se seu 
ambicioso objetivo – uma edição bastante popular no mercado livreiro, conta 
– 183 –
Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil
com aproximadamente 220 páginas. Sua intenção é compreender as caracte-
rísticas do Estado e do povo brasileiros a partir da análise de sua história e, 
especialmente, da especificidade da colonização do país:
A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, 
dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas 
à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato 
dominante e mais rico em consequências (HOLANDA, 2006, p. 19).
Buarque buscou descrever como, essencialmente, a implementação de 
modos de pensar e governar característicos dos portugueses resultou em um 
modelo social que produziu, tanto nas instituições, quanto no próprio com-
portamento dos brasileiros, resultados que podem ser definidos como contra-
ditórios e problemáticos.
Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas insti-
tuições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente 
muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados 
em nossa terra (HOLANDA, 2006, p. 19).
Esse “desterro” teria sido o resultado da soma, segundo Buarque, de uma 
determinada cultura lusitana às condições existentes para o processo colo-
nial. Não que faltasse aos portugueses a capacidade de adaptação a condições 
adversas; na verdade, quando iniciaram a colonização do Brasil, no século 
XVI, já eram experientes colonizadores e haviam aprendido a se relacionar 
com diferentes sociedades e culturas para levar adiante seus empreendimentos 
econômicos e sociais. O que teria ocorrido, segundo Buarque, é que exata-
mente essa sua experiência no contato com realidades diferentes da sua teria 
criado, nos portugueses, uma determinada maneira plástica de encarar a rea-
lidade, que acabaram transplantadas para as instituições brasileiras.
Exatamente por ser um povo acostumado à expansão marítima e à busca 
por riqueza em regiões bastante distantes de seu mundo natal, teria se desen-
volvido entre os portugueses uma valorização do desempenho individual e 
uma crença na possibilidade da mobilidade social. A partir de uma “ética da 
aventura”, acreditavam possível o enriquecimento e a ascensão social. Embora 
essas ideias fossem úteis para quem procurasse ter sucesso em terras estranhas, 
seriam nocivas – acreditava Buarque – a uma determinada moral do traba-
lho. Ao valorizarem a aventura, os portugueses desvalorizavam a atividade 
rotineira; e desvalorizando esse tipo de trabalho, desvalorizava-se, também, a 
busca pela construção de instituições que visassem o bem-estar comum.
Teorias da História
– 184 –
Essa cultura da personalidade [...] parece constituir o traço mais deci-
sivo na evolução da gente hispânica, desde os tempos imemoriais. 
Pode dizer-se, realmente, que pela importância particular que atri-
buem ao valor próprio da pessoa humana, à autonomia de cada um 
dos homens em relação aos seus semelhantes no tempo e no espaço, 
devem os espanhóis e portugueses muito de sua originalidade nacio-
nal (HOLANDA, 2006, p. 20).
Isso teria gerado, como uma primeira consequência importante para expli-
car o Brasil, a ausência de uma coesão nacional. Afinal, a estrutura administra-
tiva implementada pelos portugueses, por um lado, e a valorização do indiví-
duo (e não da comunidade), por outro, teriam construído instituições que não 
eram voltadas ao desenvolvimento da vida comunitária. Esses fatores teriam 
sido acentuados por outra característica nacional, encontrada também no Brasil 
Colônia: a importância da família patriarcal e de suas formas de sociabilidade.
Define-se “família patriarcal” como aquela composta não apenas pelos 
membros de sangue, mas também por agregados, empregados, indivíduos 
ligados por sistemas de compadrio e que teriam como chefe, um pai (o 
patriarca), que atuava como líder de um clã. Segundo afirmou Buarque,
a família colonial fornecia a ideia mais normal do poder, da respei-
tabilidade, da obediência e da coesão entre os homens. O resultado 
era predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios 
à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolí-
tica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família 
(HOLANDA, 2006, p. 20).
Observe como se repete o modelo de raciocínio de Buarque: o autor 
toma determinada característica específica que ele identifica nos indivíduos e 
generaliza para toda sociedade. Assim, se os portugueses valorizavam a ousa-
dia e o individualismo, as instituições do Brasil refletiriam essa característica; 
se a organização familiar era patriarcal, o patriarcalismo teria sido difundido 
na sociedade como um todo. Estendido a todo Estado, significou a presença 
do mandonismo político e das relações pessoais, ao contrário da impessoali-
dade, que seria de se esperar de uma instituição pública.
Dessa forma, construiu-se no Brasil, segundo Buarque, uma confusão 
entre o que era público e o que era privado; o que era próprio da sociedade 
e o que era característico da família. Os negócios do Estado passaram, por 
essa razão, a ser administrados como se fossem extensão das relações familia-
– 185 –
Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil
res. Foi, aliás, desenvolvendo esse raciocínio, que Sérgio Buarque de Holanda 
desenvolveu o tipo ideal do “homem cordial”, um dos mais conhecidos concei-
tos presentes em sua obra. Mas, antes, cabe a pergunta: o que é um “tipo ideal”?
 Saiba mais
“Tipos ideais” era como o sociólogo alemão Max Weber (1864-
1920) denominava os conceitos que utilizava para analisar a reali-
dade. Eram “ideais” porque pertenciam ao mundo das ideias: esta-
beleciam elementos que seriam próprios aos fenômenos estudados, 
ainda que, no mundo real, pudessem não possuir todas essas caracte-
rísticas. Tratava-se, assim, de abstrações utilizadas para tornar possível 
o recorte e a análise da realidade.
Desse modo, Buarque inicia sua definição de “homem cordial”:
Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para 
a civilização ocidental será de cordialidade – daremos ao mundo o 
“homem cordial”. A lhaneza2 no trato, a hospitalidade, a generosi-
dade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, represen-
tam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, 
ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral 
dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriar-
cal (HOLANDA, 2006, p. 161).
Para Buarque, essa cordialidade, que seria um traço do brasileiro, era 
uma continuidade dos modos de relacionamentos próprios da estrutura 
patriarcal. Assim, construir um relacionamento cordial com outras pessoas 
não teria ficado, para o brasileiro, algo restrito apenas ao ambiente familiar, 
mas teria se difundido socialmente enquanto uma prática de convívio, uma 
forma de sociabilidade.
O objetivode Buarque, porém, não era o de elogiar o caráter nacional, 
ou de presumir que esse aspecto afável do brasileiro fosse motivo de superio-
ridade ou orgulho patrióticos. Na verdade, o “homem cordial” é aquele que 
trata as questões públicas – por exemplo, governamentais – como extensão 
das questões particulares. A “cordialidade”, portanto, torna-se um elemento 
2 Qualidade daquilo que é afável, cândido. 
Teorias da História
– 186 –
presente nas instituições brasileiras como um todo, gerando uma confusão 
entre aquilo que é público e o que é privado. Para Buarque, o brasileiro, 
devido a todas essas características, não seria capaz de construir uma diferen-
ciação entre aquilo que é individual do que é coletivo. E, em sendo assim, 
também em assuntos relacionados ao Estado – que exigiriam, teoricamente, 
impessoalidade e objetividade – permaneceu a presença do sentimento, da 
amizade, das relações afetuosas, enfim, da cordialidade.
Como a colonização portuguesa teria valorizado o emocional sobre o 
racional, não teriam existido as bases para a construção de um Estado que 
fosse impessoal, o que era característico dos países considerados, à época, 
“modernos”. Pelo contrário: no Brasil, os padrões de convívio privado foram 
estendidos à vida pública. Isso teria gerado como consequência um enfraque-
cimento das instituições.
É importante destacar como o pensamento de Buarque foi influen-
ciado pelo historicismo alemão, que vimos nascer com Herder e se desen-
volver com Ranke: um dos objetivos de “Raízes do Brasil” foi, também, 
compreender o caráter específico do Brasil e dos brasileiros, ou seja, identi-
ficar os elementos que tornava o país absolutamente único, em uma análise 
que é própria dos historicistas.
Um último ponto a se destacar no pensamento de Buarque, apresentado 
em “Raízes do Brasil”, é que a plasticidade social e cultural dos portugueses 
teria sido capaz, também, de se deixar influenciar culturalmente pela presença 
dos negros africanos, trazidos à força para serem escravizados no Brasil:
o escravo das plantações e das minas não era um simples manancial de 
energia, um carvão humano à espera de que a época industrial o subs-
tituísse pelo combustível. [...] Sua influência penetrava sinuosamente 
o recesso doméstico, agindo como dissolvente de qualquer ideia de 
separação de castas ou raças, de qualquer disciplina fundada em tal 
separação (HOLANDA, 2006, p. 47).
7.3 Caio Prado Jr.
Começando a discutir o pensamento de Prado Jr., vamos comparar sua 
análise sobre a influência cultural negra e indígena no Brasil com a última 
citação de Sérgio Buarque de Holanda que vimos anteriormente:
– 187 –
Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil
A contribuição do escravo preto ou índio para a formação brasileira é, 
além daquela energia motriz, quase nula. Não que deixasse de concor-
rer, e muito, para a nossa “cultura”, [...] mas é antes uma contribuição 
passiva, resultante do simples fato da presença dele e da considerável 
difusão do seu sangue [...]. O cabedal de cultura que traz consigo é 
abafado, e se não aniquilado, deturpa-se pelo estatuto social, material 
e moral a que se vê reduzido seu portador. Age mais como fermento 
corruptor da outra cultura, a do senhor branco que se lhe sobrepõe 
(PRADO Jr., 1971, p. 31).
Comparando os dois autores, fica evidente que Prado Jr. e Buarque che-
gam a conclusões bastante diferentes sobre a participação dos negros africanos 
na formação da sociedade brasileira. Isso ocorre porque os autores trabalha-
ram a partir de diferentes perspectivas, o que gerou explicações contrastan-
tes sobre o mesmo fenômeno. Enquanto Buarque utilizou-se de métodos e 
conceitos extraídos da sociologia do período, como a ideia de “tipos ideais”, 
Prado Jr. partiu de concepções marxistas.
Estudaremos os detalhes do pensamento marxista, tão importante para 
os estudos históricos, no próximo capítulo. Entretanto, devemos entender 
alguns de seus elementos para compreendermos o raciocínio de Prado Jr. 
já presente em “Evolução política do Brasil”, porém mais amadurecido em 
“Formação do Brasil Contemporâneo”.
Para Caio Prado Jr., o aspecto mais importante de uma sociedade era 
a sua economia. A partir das condições econômicas – da maneira pela qual 
era produzida a riqueza – ficavam determinados os demais elementos sociais, 
como a legislação e a organização das instituições. Segundo esse raciocínio, 
mesmo características culturais acabavam sendo determinadas pela econo-
mia, e isso incluiria, por exemplo, a integração dos negros escravizados na 
sociedade brasileira.
Assim, enquanto Buarque via a colonização como um empreendimento 
social, político e cultural, Prado Jr. a analisava a partir de uma perspectiva 
econômica, na qual a escravidão desempenhava um papel importante.
No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colo-
nização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial 
[...] destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem 
em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da 
colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele expli-
Teorias da História
– 188 –
cará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, 
da formação e evolução histórica dos trópicos americanos (PRADO 
JR., 1971. p. 31).
O que definia o processo de colonização para Prado Jr. seria, portanto, 
seu caráter comercial, que seria definidor das maneiras pelas quais os portu-
gueses construiriam, no Brasil, as instituições coloniais, e como seria formada 
a organização social. É por essa perspectiva que Prado Jr. observava a ques-
tão da escravidão: se o historiador partia do pressuposto de que a economia 
definia as relações sociais, é de se imaginar que ele interpretava o processo de 
escravidão como totalmente dominado aos desejos dos senhores escravocra-
tas. Concluía, assim, que o escravo não possuía qualquer autonomia, capaci-
dade de resistência, ou influência social, por mínimas que fossem. 
O Brasil já nascia, portanto, enquanto uma região dependente, produtora 
de produtos primários para a exportação a Portugal e, dessa característica básica, 
todos os demais elementos sociais e políticos tornavam-se decorrentes. É por 
isso que no Brasil teriam predominado os latifúndios – pois era a maneira mais 
lucrativa de se produzir em grandes quantidades –, insistido na monocultura 
– em que era escolhido o produto que tivesse um mercado mais promissor na 
Europa –, e no trabalho escravo – a mão de obra menos custosa disponível 
gerava mais lucro, além de que seu comércio gerava dividendos a Portugal.
A importância que tomou o sistema patriarcal no Brasil Colônia é também 
explicada por esse modelo de análise: sendo as grandes propriedades rurais os 
centros produtores de riqueza, seus senhores acabavam se destacando enquanto 
figuras políticas poderosas, em torno dos quais as comunidades locais se estru-
turavam. Em síntese: quem dominava a riqueza, detinha o poder.
Estariam nas questões econômicas, portanto, nas razões pelas quais o 
processo de colonização se deu no Brasil, o “sentido” histórico do país:
Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo “sentido”. 
Este se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto 
dos fatos e acontecimentos essenciais que a constituem num largo 
período de tempo (PRADO Jr., 1971, p. 14).
E foi na busca da identificação desse sentido que Caio Prado Jr. desen-
volveu e difundiu uma das mais conhecidas interpretações históricas da his-
toriografia nacional, e que visava dar conta dos desenvolvimentos históricos 
tomados pelos diversos países americanos. Tratava-se da classificação de tipos 
diferentes de colonização: as de “povoamento” e as de “exploração”.
– 189 –
Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil
Segundo Prado Jr., as colônias de povoamento– aquelas que teriam se 
desenvolvido especialmente nos Estados Unidos – não teriam nada de inte-
ressante a ser explorado economicamente. Estando em regiões de clima tem-
perado, e em não existindo metais preciosos que pudessem ser imediatamente 
aproveitados, não possuíam quaisquer produtos primários cuja exploração 
rendesse lucros aos países europeus. Nada que fosse, em outras palavras, 
comercialmente valioso. Dessa maneira, essas regiões não foram colonizadas 
pela busca de ganhos econômicos, mas por razões de outra ordem.
Se se povoou essa área temperada, o que, aliás, só ocorreu depois do 
séc. XVII, foi por circunstâncias muito especiais. É a situação interna 
da Europa, em particular da Inglaterra, as suas lutas político-religiosas 
que desviam para a América as atenções de populações que não se 
sentem à vontade e vão procurar ali abrigo e paz para suas convicções 
(PRADO JR., 1971. p. 20).
E esse motivo original de povoamento impulsionou a organização de uma 
sociedade que procurou reproduzir o modo de vida de suas regiões de origem.
O que resultará deste povoamento, realizado com tal espírito e num 
meio físico muito aproximado do da Europa, será naturalmente uma 
sociedade que embora com caracteres próprios, terá semelhança pro-
nunciada com a do continente de onde se origina. Será pouco mais 
que um simples prolongamento dele (PRADO JR., 1971. p. 21).
As “colônias de exploração”, por outro lado, das quais o Brasil era um 
dos maiores exemplos, atraíram a atenção dos países europeus por apresen-
tarem potencial para aproveitamento econômico. Estando em regiões tropi-
cais e subtropicais, produziam produtos primários altamente lucrativos no 
comércio europeu. Seu sentido de colonização, portanto, seria o da busca 
pelo máximo ganho econômico, fato que teria determinado as características 
das instituições aqui criadas.
Em primeiro lugar, as condições naturais, tão diferentes do habitat 
de origem dos povos colonizadores, repelem o colono que vem como 
simples povoador, da categoria daquele que procura a zona temperada 
(PRADO JR., 1971. p. 21).
Em sendo marxista, portanto, Prado Jr. observou na constituição mate-
rial da sociedade colonial do Brasil parte das causas dos problemas institucio-
nais e sociais que, nos anos 30 e 40 – quando escreveu suas principais obras 
– identificava como sendo os mais relevantes. Para ele, nascer enquanto uma 
colônia de exploração teria definido, em vários sentidos, o Brasil:
Teorias da História
– 190 –
Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos 
constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais 
tarde, ouro e diamante; depois algodão, e em seguida café, para o comér-
cio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, 
voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem 
o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a econo-
mia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura social, bem 
como as atividades do país (PRADO JR., 1971. p. 25-6). 
É importante destacar que essa explicação, ainda que interessante e ins-
tigadora, não é mais aceita como válida por historiadoras e historiadores da 
atualidade. Ainda que tenha se tornado bastante popular, eventualmente ainda 
aparecendo inclusive em materiais didáticos, não consegue comportar a grande 
quantidade de exceções e especificidades. Se toda explicação é, em algum sen-
tido, uma simplificação, a síntese construída por Prado Jr. acabou se mostrando 
por demais simplista para dar conta da realidade que procurou analisar.
Figura 1- Tempos de vida de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., e 
Gilberto Freyre.
Fonte: Elaborado pelo autor.
7.4 Gilberto Freyre
Leia com atenção o trecho abaixo, extraído de um livro didático de his-
tória para o antigo ensino ginasial (atual 6º ao 9º anos) e publicado em 1968.
Depois da Guerra do Paraguai, muitos senhores libertaram seus escra-
vos, porque achavam que era justa a causa abolicionista. Quanto ao 
tratamento que no Brasil se dispensava aos negros, era em geral mais 
humano que nos outros países. A prática da religião católica pelos 
proprietários muito contribuiu para esse tratamento, evitando que 
os escravos sofressem castigos cruéis e permitindo o seu descanso nos 
domingos e nos muitos dias santos. Por isso, quando foi feita a aboli-
ção, muitos escravos preferiram ficar nas fazendas trabalhando com 
seus antigos senhores (HERMIDA, 1968, p. 266-7).
– 191 –
Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil
Não há praticamente nada de verdadeiro nesse trecho, embora defenda 
uma ideia que se tornou comum em boa parte do século XX, no Brasil: de 
que o país, independentemente de seu passado escravocrata, teria se consti-
tuído como uma “democracia racial”, um local em que pessoas de diferentes 
etnias conviveriam em paz, sem racismos ou preconceitos. Mito que começou 
a ser construído ainda no século XIX, ganhou impulso nas primeiras décadas 
do XX, mas recebeu sua formulação acadêmica mais rigorosa e importante 
com a obra “Casa Grande & Senzala”, do sociólogo Gilberto Freyre.
No entanto, seria injusto reduzir o livro de Freyre apenas a esse tema. De 
fato, apesar de todos os seus defeitos, a obra procurou apresentar uma inter-
pretação do Brasil a partir de suas origens coloniais, construindo um modelo 
explicativo que se difundiu pela sociedade brasileira (atingindo, como vimos 
anteriormente, inclusive os livros didáticos). Influente ainda nos dias de hoje, 
“Casa Grande & Senzala” apresentou inovações importantes para a histo-
riografia e sociologia nacionais, e é uma das mais importantes obras sobre o 
período colonial brasileiro. 
Nascido em 1900, no Recife, Gilberto Freyre publicou sua obra-prima com 
apenas 33 anos. Sua análise foi bastante influenciada por seus estudos na Univer-
sidade de Columbia, nos Estados Unidos, onde conheceu o trabalho do antropó-
logo Franz Boas (1858-1942) e, particularmente, seu conceito de “cultura”.
 Saiba mais
Falamos rapidamente sobre Franz Boas no capítulo 3: esse pesqui-
sador teuto-americano (relativo à Alemanha e à América (espe-
cialmente dos Estados Unidos)) foi personagem importante no 
desenvolvimento do conceito antropológico de cultura. Ainda nas 
primeiras décadas do século XX, era muito comum que as diferenças 
entre sociedades fossem pensadas em termos de raça – ou seja, a 
diversidade humana era compreendida a partir de características que 
seriam biológicas. Boas, a partir de estudos em comunidades ditas tra-
dicionais, desenvolveu a noção de que o que diferenciaria os grupos 
humanos estaria, na verdade, a sua cultura: seriam, assim, culturais e 
não biológicas as maneiras pelas quais construíam a própria realidade, 
suas crenças, hábitos e formas de pensar e agir no mundo.
Teorias da História
– 192 –
Assim afirmou Freyre:
Foi o estudo de Antropologia sob a orientação do Professor Boas que 
primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor – separados 
dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. 
Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura; a dis-
criminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influ-
ências sociais, de herança cultural e de meio (FREYRE, 2005, p. 31).
De fato, diferentemente dos estudos que existiam até aquele momento, 
Gilberto Freyre analisou os contatos entre diferentes povos, dentro do pro-
cesso de colonização brasileiro, pela perspectiva da cultura. Não via, portanto, 
o contato entre brancos, negros e mulatos sob o prisma da superioridade ou 
inferioridade biológicas, mas pela ideia de que cada grupo trazia suas próprias 
crenças e modos de vida, que moldariam e seriam moldados pelos contatos 
com os demais. 
Ainda que o trabalho de Freyre fosse fundado na sociologia e na antro-
pologia, construiu uma interpretaçãodo Brasil que era essencialmente histó-
rica. Pois, assim como Prado Jr. e Buarque, também Freyre buscou no passado 
colonial identificar quais foram as condições que teriam organizado e defi-
nido a sociedade brasileira.
Parte de seu raciocínio assemelha-se ao de Sérgio Buarque de Holanda. 
Freyre também partiu da experiência portuguesa em colonizações anteriores, 
embora tenha se aprofundado nessa questão. Para ele, seria possível inclusive 
construir uma teoria, que denominou de luso-tropicalismo, pressupondo a 
especial capacidade de adaptação dos portugueses aos trópicos. O objetivo 
dos estudos luso-tropicais era identificar semelhanças nos projetos coloniais 
lusitanos em diferentes partes do mundo.
A plasticidade portuguesa em se adaptar aos mais diferentes ambientes 
foi, para Freyre, uma das razões que teriam estimulado, no Brasil, o surgi-
mento da miscigenação, ou seja, da mistura entre indivíduos de “raças” dife-
rentes (e, aqui, ele ainda está repercutindo von Martius). A sociedade brasi-
leira teria se desenvolvido “menos pela consciência de raça, quase nenhuma 
no português cosmopolita e plástico, do que pelo exclusivismo religioso des-
dobrado em sistema de profilaxia social e política” (FREYRE, 2005, p. 65).
Sem uma ideia de raça, defendia Freyre, as relações entre indivíduos 
de origens tão diferentes seriam construídas pela convivência doméstica. 
– 193 –
Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil
Assim, ainda portugueses, indígenas e negros vivessem em uma socie-
dade escravocrata, o contato próximo teria enfraquecido o surgimento de 
conflitos fundamentais, amainando o caráter intrinsecamente violento 
da escravidão. Não é à toa, aliás, que o título de seu livro tem o carac-
terístico “&”: tinha como objetivo destacar que os habitantes da casa 
grande não estavam separados da senzala, mas encontravam-se de alguma 
forma unidos, sendo um espaço complementar ao outro. A casa grande 
& a senzala formariam, assim, um conjunto que, apesar das diferenças 
sociais evidentes, não estava totalmente dividido. E como elemento cen-
tral dessa suposta união estava a família patriarcal, fundamento da socia-
bilidade brasileira.
Na análise de Freyre, portanto, teria existido no Brasil uma escravidão 
“suave”, abrandada pelo comportamento facilmente moldável dos portugue-
ses, pelo convívio integrador no ambiente doméstico e pela sensualidade, pró-
pria do período.
A escassez de mulheres brancas criou zonas de confraternização entre 
vencedores e vencidos, entre senhores e escravos. Sem deixarem de ser 
relações – as dos brancos com as mulheres de cor – de “superiores” 
com “inferiores” e, no maior número de casos, de senhores desabu-
sados e sádicos com escravas passivas, adoçaram-se, entretanto com 
a necessidade experimentada por muitos colonos de constituírem 
família dentro dessas circunstâncias e sobre essa base. A miscigenação 
que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que doutro 
modo teria conservado enorme entre a casa-grande e a mata tropical; 
entre a casa-grande e a senzala (FREYRE, 2005, p. 46). 
Essas “zonas de confraternização”, como se pode constatar pelo trecho 
acima, eram sexuais. Freyre tem uma frase bastante citada – “O Brasil parece 
ter-se sifilizado antes de se haver civilizado” (FREYRE, 2005, p. 110) – em 
que faz um divertido jogo de palavras entre a sífilis e a civilização, desta-
cando a importância que as práticas eróticas tiveram na construção das rela-
ções sociais. Ainda que nada nos documentos históricos sustente sua tese da 
“sifilização” antes da “civilização”, era ideia de Freyre que o contato íntimo, 
sensual, teria contribuído diretamente para a criação do que seria denomi-
nado (não por ele, mas por outros) de “democracia racial”. Afinal defendia 
que, desde o período colonial, o branco e o negro não eram estranhos um ao 
outro, inclusive intimamente. Vencia-se, pela libido, a distância que existia 
entre a senzala e a casa grande. 
Teorias da História
– 194 –
Tratam-se de afirmações desprovidas de fundamento factual. A violência 
foi característica do sistema escravocrata brasileiro, e o que Gilberto Freyre 
define metaforicamente como aproximações eróticas, definiríamos hoje uti-
lizando o termo “estupro” (ainda que se deva cuidar com o anacronismo), e 
a sociedade brasileira, desde o período colonial, em nenhum momento pode 
ser definida como isenta de preconceitos ou racismo. Ao contrário, a divisão 
social brasileira se estruturou, profundamente, também a partir de diferencia-
ções baseadas em cor da pele.
Ainda que essas observações sejam fundamentais, não podemos ignorar 
as importantes inovações e influências do trabalho de Freyre, notadamente 
para os estudos históricos. Em primeiro lugar, sua originalidade de unir os 
estudos históricos à ideia de cultura, algo que se tornaria comum entre his-
toriadores somente décadas após a publicação de seu livro. Por comparação, 
a revista dos Annales havia começado suas atividades em 1929 (o livro de 
Freyre é de 1933) e seria apenas ao longo de anos que desenvolveu um con-
ceito semelhante – o de mentalidades.
Uma segunda novidade do trabalho de Freyre, ligada, aliás, à sua pers-
pectiva cultural, estava no uso de fontes históricas: seu estudo, por não ser 
uma análise meramente política como era característico da dominante his-
tória tradicional de então, utilizou-se de notícias de jornais, mudanças na 
moda, receitas culinárias e análises arquitetônicas para construir modelos 
explicativos em conjunção a estudos sobre o clima, os recursos naturais, as 
questões econômicas e sociais. Ainda que não fosse seu objetivo construir 
uma “história total”, sem dúvida ampliou o tipo de análise histórica que era 
realizada no período.
Historiografia e Teoria: O que é “explicar” em história?
Entre os vários pontos em comum a Sérgio Buarque de Holanda, Caio 
Prado Jr. e Gilberto Freyre, destaca-se a elaboração de explicações históricas 
sobre a situação do Brasil no período em que viviam. Todos os três retornaram 
ao passado e, mais particularmente, ao período colonial, buscando recons-
truir o processo que teria formado as instituições, as características culturais 
e as formas de sociabilidade que seriam, a seu ver, propriamente brasileiras.
Buscar no passado respostas para explicar a realidade do presente é a 
principal característica do pensamento histórico. Isso dito, fica a questão: O 
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Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil
que é “explicar”, em história? Como historiadoras e historiadores constroem 
modelos explicativos para os eventos que estudam?
Cada objeto de pesquisa tem suas próprias peculiaridades. Não apenas 
referem-se a períodos e locais específicos, mas possuem fontes, causalidades, 
sujeitos, questões sociais que demandarão modelos explicativos particulares. 
Em síntese, cada problema histórico exige explicações próprias. Assim, os 
itens apresentados a seguir referem-se às questões mais comuns e recorrentes 
que envolvem as explicações em história.
Explicar significa inserir o evento em um contexto mais amplo. E 
isso implica, basicamente, duas coisas: inserir adequadamente seu objeto de 
pesquisa em sua época e realizar o adequado debate com a historiografia dis-
ponível sobre o tema.
A inserção contextual de seu objeto de pesquisa na própria época e con-
dições históricas é parte importante do processo explicativo. Sérgio Buarque 
de Holanda, por exemplo, procurou explicar um específico dado da realidade 
– o modelo de família patriarcal no Brasil – inserindo-o em um contexto mais 
amplo: a característica portuguesa de valorização da ousadia e da individua-
lidade, gerando um sistema social em que foi acentuada a relação de mando 
de um sobre os demais, mesmo no ambiente familiar. Sem essa inserção em 
eventos e contextos abrangente, o evento histórico não pode compreendido 
de forma efetivamentehistórica, pois passa a ser tratado como se estivesse 
isolado, desligado do próprio período. Um segundo exemplo: não se pode 
compreender a viagem de Pedro Álvares Cabral, em 1500, se o evento não for 
inserido em vários contextos mais amplos: o processo de expansão marítima 
portuguesa; a tecnologia própria da navegação do período; o desejo religioso 
de expansão da cristandade; a busca por aproveitamento mercantilista de pro-
dutos exóticos, entre outros, com os quais aquele acontecimento particular 
pode e deve ser relacionado.
Deve-se, ao mesmo tempo, realizar essa inserção dentro da historiografia 
já existente sobre o tema. Explicar se torna, também, um diálogo com obras 
de historiadoras e historiadores: como seu tema se relaciona com o que já foi 
escrito? Em quais aspectos está confirmando ou refutando o conhecimento 
existente? Faz-se necessário, assim, identificar em qual ponto exato o seu 
objeto de pesquisa se encontra dentro da rede de conhecimentos históricos 
que já foi produzida.
Teorias da História
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Explicar significa identificar as causas, das mais imediatas às mais 
estruturais. Já discutimos anteriormente o tema da causalidade, mas convém 
deixar claro que faz parte da explicação organizar as causas em uma síntese 
coerente, diferenciando, claramente, as causas estruturais das mais imediatas.
A explicação deve estar adequada aos fatos presentes nos documen-
tos. De certa maneira, todos os três autores analisados neste capítulo, em 
algum momento, falham nessa exigência. Vamos tomar, por exemplo, o argu-
mento de Prado Jr. sobre o fato de que os escravos, por serem o elo mais 
subjugado dentro do sistema econômico colonial, não teriam tido condições 
de exercer qualquer influência sobre a formação cultural no Brasil: ainda 
que possua uma determinada lógica interna dentro de seu argumento (se 
a economia determina a cultura, aqueles mais fracos no processo de produ-
ção não impactarão culturalmente), o fato – literalmente – é que as pessoas 
que vieram da África e foram escravizadas, do século XVI ao XIX, exerceram 
profunda influência sobre a sociedade e cultura nacionais. O argumento de 
Prado Jr., assim, torna-se inválido por não concordar com o que afirmam os 
documentos históricos.
A teoria, como o marxismo utilizado por Prado Jr., é fundamental para 
organizar o pensamento e auxiliar no processo de análise e conclusões. Traba-
lhos históricos sem teoria, já o dissemos em outro momento, são ingênuos e 
tendem a cair em erros analíticos sérios. Mas cair no erro oposto é tão ruim 
quanto: não se pode ignorar a realidade para apenas louvar a teoria. Quando 
os fatos são selecionados para que se adaptem a uma resposta teórica já dada 
antecipadamente, saímos da história e entramos na ideologia, ou mesmo na 
crença. As evidências são sempre mais importantes.
A explicação é probabilística. Não que haja qualquer obrigação em 
conhecer estatística (de toda forma, não faz nenhum mal estudá-la), mas 
deve-se saber que a inserção dentro de contextos mais amplos, a identificação 
das causas e a relação com os fatos documentados não gera uma explicação 
definitiva, mas apenas provável. Tudo sempre poderia ter ocorrido de forma 
diferente. Deve-se sempre construir os modelos explicativos deixando claro 
que, dadas as condições conhecidas, o evento estudado provavelmente teria 
ocorrido como ocorreu. Caso contrário, cai-se no determinismo, e não há 
história quando se afirma que os eventos irão necessariamente ocorrer, não 
importando como ajam os indivíduos.
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Buarque, Prado, Freyre: explicando o Brasil
A explicação deve sempre ser coerente com as ações das pessoas. 
Segundo Buarque, o modelo de família patriarcal construído no Brasil levou 
a uma fraca separação entre o público e o privado. Deve-se ter claro, porém, 
que a “família patriarcal”, em si, não faz nada. Afinal, não é um indivíduo 
(é um conceito), que não tem vontades próprias, não age, não influencia. 
São as pessoas que, efetivamente, realizam as ações e tomam decisões. Mas 
é bastante comum nos estudos históricos antropomorfizarmos instituições: 
afirmar que, por exemplo, a inflação estimulou conflitos sociais no Brasil dos 
anos 1950; ou que a cultura divulgou ideias libertárias na França do século 
XVIII. Isso é comum e não há problemas maiores. Contanto que seja sempre 
possível descobrir como as pessoas agiram para que, por exemplo, o processo 
inflacionário gerasse conflitos sociais. Não são válidas as explicações históricas 
que sejam incoerentes às formas de as pessoas pensarem e agirem.
Identificar a origem não é explicar. Esse é outro erro presente, de uma 
forma ou de outra, nos três autores deste capítulo. Buarque, por exemplo, 
acreditava que o português, por estar submetido a uma ética da aventura, 
desenvolveu no Brasil uma cultura personalista que teria sido estendida às 
instituições do país.
A suposta identificação de uma suposta origem para o evento – a pre-
sença da ética da aventura entre os portugueses – foi tomada pela explicação 
de por que as instituições e sociabilidade brasileiras, ainda nos anos 1930 
(quando foi publicado “Raízes do Brasil”), eram personalistas. Porém, trata-
-se de uma explicação claramente insuficiente. Por que o personalismo con-
tinuou? Que eventos, forças, ou condicionantes propiciaram sua ampliação e 
difusão? Como eventos iniciados no século XVI teriam seguido, praticamente 
sem alteração, até o século XX?
As razões pelas quais um evento ou processo histórico começa não são as 
mesmas pelas quais continua. Identificar a origem, portanto, não é explicar.
Em seu livro “Brasil, mito fundador e sociedade autoritária”, a filósofa 
Marilena Chauí demonstra uma forma bastante comum que esse erro toma 
ainda nos dias de hoje: tomar o significado original de uma palavra, pela 
explicação de sua essência.
Antes da invenção histórica da nação, como algo político ou Estado-
-nação, os termos políticos empregados eram “povo” (a que já nos 
referimos) e “pátria”. Esta palavra também deriva de um vocábulo 
Teorias da História
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latino, pater, pai. [...] Pater é o senhor, o chefe, que tem a propriedade 
privada absoluta e incondicional da terra e de tudo o que nela existe, 
isto é, plantações, gado, edifícios (“pai” é o dono do patrimonium), 
e o senhor, cuja vontade pessoal é lei, tendo o poder de vida e morte 
sobre todos os que formam seu domínio (casa, em latim, se diz domus, 
e o poder do pai sobre a casa é o dominium) (CHAUÍ, 2001, p. 12).
Nesse caso, identificar o significado original de uma palavra passa a ser 
confundido por sua explicação. Não é.
A explicação deve partir das premissas à conclusão. Para a história 
tradicional, não havia propriamente explicações, mas apenas narrativas. As 
análises eram raras (pois analisar significava, para eles, não ser objetivo), e o 
texto ficava restrito à apresentação dos eventos em ordem cronológica, costu-
rados pelos poucos argumentos do historiador.
Na atualidade, porém, a realização de uma devida explicação histórica 
depende do estabelecimento de análises que sejam explicativas. Para isso, 
devem ser construídas conclusões. E como são construídas essas conclusões? 
Organizando, logicamente, premissas históricas, por meio da confrontação 
de uma afirmação geral (um dado teórico, por exemplo), com os dados obti-
dos junto às fontes. Esquematicamente, seria assim:
Premissa 1 Lei geral, ou princípio teórico (ambos fundados na história), ou conclusão parcial da pesquisa.
Premissa 2 Dados das fontes sobre os quais se quer construir uma análise.
Conclusão Resultado da análise, que deve ser consequência das premissas.
 
Primeiro exemplo: nos anos 1930 e 40, à época em que escreveu suas 
principais obras, Caio Prado Jr. acreditava nas teorias raciais de origem bio-
lógica, que afirmavam que determinadas “raças” eram superiores a outras3. 
Essa

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