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DIARREIAS DEFINIÇÃO A diarreia é definida por um aumento na frequência das dejecções (>3x/dia) e/ou diminuição da consistência das fezes (pastosas ou líquidas) e pelo volume/massa fecal>200g/dia. Essas definições são técnicas, mas na prática considera-se como diminuição da consistência das fezes e aumento na frequência de evacuações, além do habitual para cada indivíduo. CLASSIFICAÇÃO Quanto à duração ▪ Diarreia aguda <14 dias; ▪ Diarreia persistente 14-30 dias; ▪ Diarreia crônica >30 dias; Quanto ao mecanismo ▪ Diarreia osmótica: caracterizada pela retenção de liquido dentro do lúmen intestinal, devido à presença de um agente osmoticamente ativo; – Ocorre na deficiência de absorção de carboidratos (ex.: intolerância à lactose); ▪ Diarreia secretiva: caracterizada pelo aumento da secreção intestinal de água e eletrólitos; – Ocorre nas infecções (ex.: vírus, bactérias) ▪ Diarreia motora: decorre de uma alteração no trânsito intestinal, que se torna acelerado, cursando com mistura inadequada do alimento com enzimas digestivas e pouco contato com a superfícia absortiva; – Pode ocorrer na presença de ressecções intestinais, fístulas retais, hipertireoidismo. – Além disso esse é o mecanismo na síndrome do intestino irritável e na diarreia funcional. ▪ Diarreia inflamatória/exsudativa/invasiva: ocorre por lesão dos enterócitos, impedindo a absorção de nutrientes. A perda da integridade mucosa com exsudato e ulcerações justifica a eliminação de muco e sangue nas fezes. – A grande marca desse mecanismo é a disenteria (presença de sangue e muco nas fezes). – Também ocorre nas DIII (RCU, Chron) e infecções bacterianas. Quanto à localização ▪ Diarreia alta: intestino delgado. O volume é maior, a frequência é menor; – Restos alimentares podem estar presentes; ▪ Diarreia baixa: intestino grosso. O volume é menor, a frequência é maior. ▪ Também costuma cursar com tenesmo (espasmo doloroso do esfíncter anal com desejo urgente para defecar, apesar do reto estar vazio); FISIOPATOLOGIA No decorrer do dia, grandes quantidades de água, eletrólitos e nutrientes passam pelo TGI. A maioria do fluido que entra no intestino delgado superior provém de secreções gastrointestinais endógenas, e a minoria da ingestão oral. Num adulto, o balanço hídrico é mais ou menos o seguinte: Ingestão oral = 1.8 L + Secreções endógenas = 7.2 L (salivares, gástricas, pancreáticas, hepáticas) ↓ INTESTINO DELGADO 9 L ↓ INTESTINO GROSSO 1.5 L – 2 L ↓ FEZES 100 – 200 mL A diarreia ocorre quando há um desbalanço nessa circulação de água e eletrólitos, de modo que em alguns casos essa alteração pode levar a desidratação severa. Aí tá... muita coisa pode causar diarreia. Para ficar mais fácil, aí vai aquela bela tabelinha para lembrar as causas: Principais etiologias da diarreia Vírus: norovírus, adenovírus, astrovírus Bactérias: Salmonella, Shigella, Campylobacter, E. coli, Clostridium difficile, Yersinia, S. aureus, Vibrio cholerae, Listeria Parasitoses: [PROTOZOÁRIOS]: Giardia, Entamoeba histolytica, Cyclospora, Microsporídio, Cryptosporidium, Isospora belli [HELMINTOS]: Ascaris, Strongyloides, Necator americanos, Ancylostoma duodenalis, Schistosoma, Taenia, Toxocara, Trichuris, Enterobius Digestivas: doença celíaca, doença de Chron, RCU, SII Endócrinas: hipertireoidismo, diarreia diabética, doença de Addison, Alérgicas/intolerância: leite de vaca, ovos, frutos do mar, soja, intolerância à frutose, intolerância à lactose Medicamentos: laxativos, uso prolongado de antibióticos com colite pseudomembranosa Dentre as causas infecciosas, os vírus são os principais agentes: em crianças o rotavírus, em adultos o norovírus. Fatores microbianos (toxinas) podem explicar o mecanismo da diarreia. Por exemplo: ▪ Rotavírus destroem a borda em escova, diminuindo a absorção, culminando em uma diarreia osmótica. ▪ Toxina do S. aureus é capaz de induzir hiperperistaltismo, caracterizando diarreia motora; ▪ Enterotoxinas como da Vibrio cholerae e EPEC interferem em vias de sinalização por AMPc, aumentando a secreção, caracterizando uma diarreia secretiva; ▪ Citotoxinas (produzidas por Shigella, EHEC, Clostridium perfringens, S. aureus, Campylobacter...) causam um dano direto na mucosa, associadas às diarreias inflamatórias. Clínica Médica - Gastroenterologia Thomás R. Campos | Medicina - UFOB QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO Além do aumento da frequência evacuatória e diminuição da consistência das fezes, outros sinais podem estar presentes: ▪ Cólicas abdominais; ▪ Febre; ▪ Náuseas e/vômitos; ▪ Sinais de desidratação; O predomínio de vômitos deve direcionar o raciocínio para gastroenterite viral e intoxicação alimentar. [?] Se o paciente se alimentar às 12:00h e às 18:00h apresenta quadro diarreico. Qual a causa? Se os sintomas ocorrerem em até 08h, a causa provável é toxina. Algumas bactérias que produzem toxinas são S. aureus, Bacillus cereus... Então o tempo dos sintomas também é importante. Mas vale lembrar que algumas bactérias têm período de incubação bem rápido (ex.: Samonella - 08h). Então essa questão do tempo é só uma pista. Aqui chegamos num ponto importante. Diante de um quadro de diarreia, é preciso diferenciar se é uma diarreia inflamatória ou não inflamatória. Se liga: Não Inflamatória Inflamatória Localização Delgado Cólon Fezes Sem sangue Sem leucócitos Disenteria (com sangue, muco e leucócitos) Lactoferrina Exemplo Rotavírus, Norovírus, Cólera, ETEC, S. aureus, Clostridium perfringens Shigella, EIEC, EHEC, Samonella, Entamoeba, Clostridium difficile Essa diferenciação é importante do ponto de vista terapêutico, pois na diarreia inflamatória há indicação de uso de antibióticos. As diarreias agudas podem ter COMPLICAÇÕES: ▪ Bacteremia: Salmonella, Shigella, Campylobacter fetus. Há risco aumentado de bacteremia em pacientes com AIDS. ▪ Síndrome hemolítico-urêmica: Shigella, E. coli produtora de Shiga toxina (responsável pelo dano endotelial) ▪ Guillain-Barré: Campylobacter jejuni ▪ Artrite reativa: Campylobacter jejuni, Salmonella, Shigella flexneri [!] Sinais de doença grave: – Febre alta (>38.5ºC); – Sinais de toxemia (cianose, instabilidade hemodinâmica hipoatividade, hiportermia...); – Fezes sanguinolentas; Certo, mas bora melhorar esse raciocínio. Existem etiologias específicas da diarreia que possuem um cortejo clínico sugestivo. Se liga: Neoplasias ▪ Tumor carcinoide: tumor neuroendócrino produtor de serotonina, que pode se localizar em vários sítios, mas no TGI se localiza preferencialmente próximo ao apêndice, íleo distal e reto. Deve ser suspeitado na síndrome carcinoide, caracterizada por diarreia secretória, episódios de rubor facial e taquicardia, broncoespasmo e fibrose das valvas cardíacas à Dir. ▪ Vipoma: tumor de ilhotas pancreáticas de localização preferencial na cauda do pâncreas, que produzem excessivamente Peptídeo Intestinal Vasoativo (VIP), que cursa com diarreia secretiva. Deve ser suspeitado em pacientes com diarreia grave, resistente ao tratamento, com hipocalemia e hipocloridria. O VIP age de forma semelhante à toxina colérica (aumenta AMPc), sendo também chamado “cólera pancreático” Parasitoses Intestinais As parasitoses devem ser suspeitadas nos casos de diarreia persistente. Um resumo dos principais sinais: – Esteatorreia (além de um indicativo de síndromes disabsortivas – um capítulo à parte) pode sugerir giardíase ou estrongiloidíase, uma vez que é um sinal de doença do intestino delgado. – Cryptosporidium deve ser suspeitado como agente de diarreia crônica em indivíduos com AIDS ou imunossupressos. – Na presença de anemia ferropriva+ eosinofilia + hipoalbuminemia, deve-se pensar em ancilostomíase. – Na presença de prurido anal, pensar em enterobíase. – Se prolapso retal, pensar em tricuríase; – Pensar em amebíase, se diarreia crônica do tipo secretiva e história de viagens a áreas endêmicas. Doença Inflamatória Intestinal (DII) Os tipos mais comuns são a doença de Chron e a RCU. A diarreia por DII deve ser pensada em pacientes com diarreia crônica, sanguinolenta, de predomínio noturno com despertar, associado a perda ponderal. Colite Pseudomembranosa Ocorre por alteração da microbiota intestinal, favorecendo a colonização pelo C. difficile. Deve ser pensada em pacientes hospitalizados que abrem quadro de diarreia de 01-06 dias após uso de antibiótico (mais frequentemente clindamicina, amoxicilina, ampicilina, cefalosporinas e fluoroquinolonas). Fatores de risco são: doença grave, idosos, cirurgia gastrointestinal, uso de antiácidos, sondas gastroenterais e termômetros retais. Incontinência fecal: a incontinência fecal pode ser referida como “diarreia” por alguns pacientes... Logo, é preciso saber diferenciar uma coisa da outra. A própria anamnese já permite diferenciar, bastando perguntar ao paciente a frequência em que ele tem perda involuntária das fezes, se a resposta for “sempre”, pode-se dizer que existe uma incontinência fecal. O exame indicado para esses casos é a manometria anorretal. Clínica Médica - Gastroenterologia Thomás R. Campos | Medicina - UFOB DIAGNÓSTICO O diagnóstico é clínico, de modo que a avaliação complementar é indicada em situações específicas. ▪ Hemograma, eletrólitos e função renal: devem ser solicitados em dois cenários (1) infecções graves e; (2) imunossuprimidos. Leucocitose com DE sugere infecções bacterianas. Eosinofilia aumenta suspeita de parasitas de ciclo extraintestinal (e: Strongiloydes). Alterações de função renal e distúrbios hidroeletrolíticos são comuns em infecções graves. ▪ EAF (Elementos Anormais nas Fezes): avalia presença de sangue, pus ou muco. Auxilia no diagnóstico de diarreia inflamatória. ▪ Lactoferrina fecal: é um marcador de ativação leucocitária. Auxilia no diagnóstico de diarreia inflamatória, sendo mais sensível que a pesquisa direta de leucócitos nas fezes. ▪ Calprotectina fecal: é um teste não invasivo para detectar inflamação intestinal, auxiliando no diagnóstico de DII. ▪ EPF e coprocultura: indicado em pacientes com infecção grave e sinais de alarme. ▪ Pesquisa de toxinas A e B de C. difficile nas fezes: indicado em (1) pacientes com histórico de hospitalização e uso de antibióticos; (2) pacientes imunossuprimidos e; (3) pacientes com DII; TRATAMENTO Na maioria das vezes o tratamento é empírico, e envolve as seguintes medidas: HIDRATAÇÃO (dá um zoom aí, bicho) PLANO A (prescrição para casa) Uso oral 1. Sais para reidratação oral ----------------------------- 5 sachês Diluir um sachê em 01L de água filtrada ou fervida e consumir após cada evacuação: – 50-100mL (se < 01 ano) – 100-200mL (se 01-10 anos) – À vontade (se > 10 anos) PLANO B (hidratação na unidade) Administrar SRO (50-100Ml/kg) e reavaliar em 06 horas. – Melhorou→ PLANO A – Não melhorou → gastróclise (sonda NE) – Piorou → PLANO C PLANO C (paciente internado): Fase de expansão: <05 anos: SF 0.9% 20mL/kg em 30 minutos >05 anos: SF 0.9% 30mL/kg em 30 min ou SRL 70mL/kg em 02h30min Fase de manutenção e reposição (mistura tudo – em 24h) 1- Manutenção: SG 5% + SF 0.9% (proporção de 4:1) – Se < 10kg: 100mL/kg – Se 10-20kg: 1000ml + 50ml/kg de peso que exceder 10kg – Se >20kg: 1500ml + 20ml/kg de peso que exceder 20kg 2- Reposição: SG 5% + SF 0.9% (proporção de 1:1) 3- KCl 10% (02mL para cada 100mL da manutenção) PROBIÓTICOS É controverso, mas acredita-se que ajudam a restabelecer a microbiota intestinal. ▪ Floratil: 100-200mg VO 8-8h; ANTIDIARREICOS ▪ Racecadotril (Tiorfan®): 100 mg VO 8-8h. ▪ Loperamida (Imosec®): 4 mg de “ataque” seguido de 2 mg VO após cada evacuação, até um máximo de 16 mg/dia. *Lembrando que não podem ser utilizados em diarreias inflamatórias, pois aumenta a chance de complicações como a síndrome hemolítico-urêmica e o megacólon tóxico. ZINCO ▪ Unizinco 4mg/mL: 10g/dia (<6meses) ou 20mg/dia (>06 meses), durante 10-14 dias ANTIBIÓTICOS Antibioticoterapia empírica está indicada se: – Diarreias inflamatórias; – Febre alta e persistente; – Necessidade de hospitalização; – <01 ano; – Idade > 70 anos; – Pacientes com AIDS e Imunossupressos; – Pacientes com anomalias cardíacas ou prótese valvar → pela predisposição à endocardite, principalmente na possibilidade de Salmonella. As drogas de escolha são as fluoroquinolonas: ▪ Ciprofloxacina 500 mg 12/12h, por 3-5 dias ▪ Levofloxacina 500 mg 1x/dia, por 3-5 dias. Como alternativas, podemos utilizar: ▪ Sulfametoxazol + trimetoprim 800/160 mg 12/12h, por 5-7 dias. ▪ Doxiciclina 100 mg 12/12h, por 5-7 dias. ANTIPARASITÁRIOS Amebíase: Metronidazol 500-750mg, 8-8h 10 dias + Teclosan 100mg, 8-8h, 5 dias Giardíase: Metronidazol 250mg, 8-8h, 07-10dias Tinidazol 2g, dose única Estrongiloidíase: Tiabendazol (25-50mg/kg) 2x/dia 2 dias Albendazol 400mg 1x/dia 3 dias Enterobíase ou Ascaridíase: Albendazol 10mg/kg (máx. 400 mg) dose única Pamoato de pirantel 10mg/kg (máx. 1000 mg) dose única Ancilostomíase: Mebendazol 100mg, 12-12h, 3 dias Albendazol 400mg 1x/dia 3 dias Criptosporidíase: Espiramicina 1g, 8-8h Paramomicina (se AIDS) 500mg, 6-6h. Tricuríase: Pamoato de oxipirantel (20mg/kg/ dia), 2x/dia 02 dias Clínica Médica - Gastroenterologia Thomás R. Campos | Medicina - UFOB
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