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DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA

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Caroline Perovano 
Gisele Schwede 
Jaqueline Jablonsky 
Luciana Laube 
Nasser Haidar Barbosa 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA: 
Mediando re-significações no CDH Maria da Graça Bráz 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JOINVILLE 
2006 
 
 
1
Caroline Perovano 
Gisele Schwede 
Jaqueline Jablonsky 
Luciana Laube 
Nasser Haidar Barbosa 
 
 
 
 
 
 
DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA: 
Mediando re-significações no CDH Maria da Graça Bráz 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JOINVILLE 
2006 
Relatório de Estágio Supervisionado em Psicologia
Social, apresentado à Faculdade de Psicologia de 
Joinville, da Associação Catarinense de Ensino, 
como requisito parcial para a obtenção do grau de 
Psicólogo. 
 
Professor Supervisor: Esp. Julio Schruber Junior 
 
 
2
Caroline Perovano 
Gisele Schwede 
Jaqueline Jablonsky 
Luciana Laube 
Nasser Haidar Barbosa 
 
 
 
 
DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA: 
Mediando re-significações no CDH Maria da Graça Bráz 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aprovado em 7 de dezembro de 2006, pelo Professor Supervisor. 
 
 
 
 
________________________________________________ 
Profº. Esp. Julio Schruber Junior 
CRP 12/0969 
Relatório de Estágio Supervisionado em Psicologia 
Social, apresentado à Faculdade de Psicologia de 
Joinville, da Associação Catarinense de Ensino, como 
requisito parcial para a obtenção do grau de Psicólogo. 
 
Professor Supervisor: Esp. Julio Schruber Junior 
 
 
3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EPÍGRAFE 
 
Nós vos pedimos com insistência: 
Nunca digam – Isso é natural 
Diante dos acontecimentos de cada dia, 
Numa época em que corre o sangue 
Em que o arbitrário tem força de lei, 
Em que a humanidade se desumaniza 
Não digam nunca: Isso é natural 
A fim de que nada passe por imutável. 
 
(Bertold Brecht) 
 
 
4
TÍTULO: DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA: Mediando re-significações no CDH 
Maria da Graça Bráz 
AUTORES: Caroline Perovano, Gisele Schwede, Jaqueline Jablonsky, Luciana 
Laube e Nasser Haidar Barbosa 
PROFESSOR SUPERVISOR: Prof. Esp. Julio Schruber Junior 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
Este trabalho apresenta o relato do desenvolvimento da prática profissional no 
estágio supervisionado em Psicologia Social, realizado no Centro de Direitos 
Humanos Maria da Graça Braz (CDH), na cidade de Joinville/SC, a partir do 
convênio firmado entre esta organização e a Associação Catarinense de Ensino, 
através das faculdades de Psicologia e de Direito. Esta parceria gerou três frentes 
de trabalho conjuntas entre a Psicologia e o Direito, sempre com vistas ao 
desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar de apoio a causas jurídicas e 
psicológicas dos clientes do CDH. A frente de trabalho em que atuou este grupo de 
estagiários e que gerou o presente relatório foi a de orientação e atendimento 
psicológico aos movimentos sociais e grupos, bem como individuais, que procuram o 
CDH a fim de esclarecer suas dúvidas, buscando orientação ou mesmo apoio 
psicológico frente à suas demandas. O papel dos estagiários neste sentido foi o de 
mediar práticas frente às questões sociais, com vistas à emancipação das pessoas 
que apresentam demandas de vulnerabilidade, buscando assim novas alternativas 
para as complexas questões da sociedade contemporânea. Pautado na concepção 
de homem e de mundo da Psicologia Histórico-cultural, este estágio foi realizado 
entre os meses de julho e novembro de 2006. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5
LISTA DE GRÁFICOS 
 
 
Gráfico 1 Tipos de atendimentos realizados pelo PAS-JP................................ 66 
Gráfico 2 Tipo de renda das pessoas atendidas............................................... 67 
Gráfico 3 Tipo de demanda apresentada.......................................................... 67 
 
 
 
 
 
6
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 7 
1 DIREITOS HUMANOS........................................................................................ 11 
 1.1 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS......................... 16 
 1.2 DIREITOS HUMANOS E CONTEMPORANEIDADE................................... 18 
 1.3 PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS....................................................... 20 
2 MEDIAÇÃO......................................................................................................... 24 
 2.1 PSICOLOGIA JURÍDICA E MEDIAÇÃO...................................................... 24 
 2.2 PSICANÁLISE E MEDIAÇÃO...................................................................... 27 
 2.3 PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E MEDIAÇÃO............................... 28 
3 O CONTEXTO BRASILEIRO............................................................................. 34 
 3.1 VIOLÊNCIA.................................................................................................. 37 
 3.2 UMA GRANDE DEMANDA: O SISTEMA PRISIONAL................................ 41 
 3.2.1 Prisões................................................................................................43 
 3.2.2 Santa Catarina no cenário prisional....................................................46 
 3.3 VULNERABILIDADE E EXCLUSÃO............................................................ 47 
4 A TRAJETÓRIA PERCORRIDA.........................................................................53 
 4.1 CENTRO DE DIREITOS HUMANOS MARIA DA GRAÇA BRÁZ................ 53 
 4.2 INTERDISCIPLINARIDADE......................................................................... 55 
 4.3 PSICOLOGIA E DIREITO............................................................................ 57 
 4.4 PROJETO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA E PSICOLÓGICA (PAS – JP).... 61 
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 69 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 73 
ANEXO.................................................................................................................. 79
 
 
7
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
Realizar-se uma faculdade de Psicologia em meados da primeira década do 
século XXI necessariamente implica em ser convidado a se olhar para a realidade 
mundial e especialmente à brasileira no que tange à contundente vulnerabilidade e 
exclusão social que assola a sociedade hodierna. Herança de séculos de acúmulo 
de bens em mãos de poucas pessoas a custo da exploração e espoliação de direitos 
fundamentais de muitas pessoas, a precária situação contemporânea requer 
reflexões daqueles que de alguma forma se apropriam da ciência Psicológica, isto é, 
tanto de pesquisadores e estudantes quanto de professores e demais profissionais 
que se ocupam dos diversos campos onde há o fazer “psi”. 
Visto que já ao longo da formação em Psicologia é necessário ao futuro 
profissional apropriar-se das diferentes formas deste fazer “psi”, o exercício das mais 
variadas possibilidades de atuação durante este período deve ocupar lugar central 
da atenção de cada estudante, pois são exercícios profissionais comprometidos com 
a população que permitem um espaço de reflexão e, concomitantemente, a 
construção de novas formas de atuação, que consigam responder a novas 
demandas. 
Nessa perspectiva, este relatório é resultado do estágio supervisionado em 
Psicologia Social realizado no Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz, 
durante o segundo semestre de 2006. Este CDH, conforme discorrido mais adiante, 
possui uma longa história de compromisso com a população de Joinville e região, 
em situação de vulnerabilidade social e este estágio que relatamos é resultado da 
realização de um convênio entre esta instituição e a Associação Catarinense de 
Ensino, por meio de suas Faculdades de Psicologia e de Direito, firmado na primeira 
metade do ano. Este acordo resultou na realização do Projeto de Assistência 
Jurídica e Psicológica (PAS-JP),com vistas ao atendimento interdisciplinar 
(Psicologia e Direito) à clientela do CDH. 
Aqui, faz-se necessário indicar a matriz epistemológica que norteou nossa 
reflexão e prática: o materialismo histórico e dialético. A partir desta perspectiva, 
entendemos que a subjetividade constitui-se historicamente a partir das relações, 
 
 
8
isto é, a partir de seu trabalho, o indivíduo, construtor de si mesmo, constrói sua 
subjetividade no contexto das relações nas quais está inserido. 
Segundo Figueira, parafraseando Karl Marx, o homem se constitui como tal 
por meio do trabalho, isto é, faz-se pelo trabalho, a partir de determinadas condições 
(FIGUEIRA, 1987). É ainda um ser social, já que é do contato com o outro que tira 
os meios para sua sobrevivência e aprende a ser humano. Assim, há duas 
características peculiares à humanidade: o trabalho e a interação social (LEONTIEV, 
1978). 
Nesta perspectiva, queremos fazer perguntas à realidade que se coloca em 
questão e colocamos em pauta o compromisso que assumiremos com a sociedade 
ao sermos nomeados psicólogos. 
Tendo em vista que esta foi a primeira experiência realizada entre as 
instituições citadas, após ter sido realizado o convênio, algumas formas de trabalho 
foram planejadas, isto é, algumas frentes de trabalho foram definidas, para melhor 
adequar a concretização da experiência, conforme adiante será colocado. A frente 
de trabalho norteadora desta equipe foi a de Movimentos Populares e tinha por 
objetivos atender familiares e egressos do sistema prisional, pessoas em situação de 
violência e todas aquelas cujos direitos estejam de algum modo sendo violados 
(enfoque em atendimento de apoio, bem como, orientação e encaminhamento para 
os serviços públicos existentes, de acordo com a demanda). Além disso, concentrou-
se na orientação psicológica para os movimentos sociais e grupos assessorados 
pelo Centro de Direitos Humanos, especialmente por meio da formação de 
lideranças comunitárias. 
 
O caminho percorrido 
 
Para a concretização destas atividades, a equipe trabalhou em esquema de 
plantão na sede do CDH, às quintas-feiras a tarde, em conjunto com a equipe de 
estagiários do terceiro ano da faculdade de Direito, atendendo as pessoas que 
(normalmente) já haviam agendado sua visita à instituição durante a semana prévia. 
O atendimento acontecia em duplas (um estagiário de cada área), ouvindo a 
demanda e dando a adequada tratativa ou encaminhamento. Perfez-se assim um 
total de 73h de atendimentos no CDH, somados à horas de supervisão, na 
Faculdade de Psicologia. 
 
 
9
 
Procuramos, ao longo da realização deste estágio, “elucidar o 
relacionamento entre o funcionamento mental humano com contextos culturais, 
institucionais e históricos” (WERTSCH, 1995, p. 81 apud CHAVES, 2000, p. 159). 
Logo, com a proposta de atender interdisciplinarmente à demanda do Centro de 
Direitos Humanos Maria da Graça Braz, consideramos necessário conhecer mais 
este contexto: lançamos um olhar para o tema Direitos Humanos, buscando 
compreender suas origens e seus pressupostos e ainda, buscamos conhecer as 
principais demandas da instituição: familiares e egressos do Sistema Prisional. Dois 
temas por si só amplos e peculiares. Além destas, outras questões colocaram-se 
constantemente, exigindo leituras e reflexões. Queríamos, para além de uma 
compreensão dos fatos, buscar o entendimento dos compromissos sociais que 
compõe a geração de saberes que permeiam os acontecimentos. Com este olhar 
para a contextura, queríamos melhor compreender a demanda. 
Ao longo do semestre, a equipe de estagiários esteve amplamente assistida 
pela psicóloga e pela assistente jurídica do CDH e pelo professor supervisor do 
estágio, pois, conforme já citado, esta foi a primeira experiência conjunta entre as 
instituições. Logo, demandou de todos os envolvidos uma concomitante construção 
de novos saberes e de novas formas de intervenção. 
Desta forma, o presente trabalho está organizado da seguinte maneira: no 
capítulo inicial, Direitos Humanos, abordamos o nascimento de uma compreensão 
de Direitos, própria de um determinado período histórico – a modernidade – e suas 
implicações sociais, mais especificamente, a consolidação de uma concepção de 
homem com direitos que lhe são inerentes desde o nascimento. 
No capítulo seguinte, Mediação, discorremos sobre esta importante forma de 
intervenção, buscando elucidar seus diferentes entendimentos: seu entendimento 
jurídico; seu entendimento para a Psicanálise e finalmente, aquela concepção que 
nos norteou: o entendimento da Psicologia Histórico-cultural. Buscamos, portanto, 
entender um pouco mais os meandros que engendraram a institucionalização da 
mediação enquanto recurso do sistema jurídico, diferenciando este recurso da 
mediação que realizamos no CDH, sem deixar, todavia, de indicar suas confluências 
enquanto meio para alcançar-se um novo modo de configuração da realidade que se 
coloca, isto é, modo de enfrentamento da realidade e planejamento de projetos de 
vida. 
 
 
10
No próximo capítulo, O contexto brasileiro, foi onde nos debruçamos à 
descrição do cenário maior no qual se produzem as demandas de vulnerabilidade, 
violência e exclusão, historicamente atendidas pelo CDH. Procurando compreender 
e elucidar aspectos da história brasileira de concentração de renda excessiva de 
alguns poucos e extrema pauperização da maioria, lançamos um olhar ao fenômeno 
social da violência, aspecto a que, de alguma forma, estão submetidas a maioria das 
pessoas que busca o CDH. Neste capítulo também indicamos o que consideramos 
ser o adequado papel do psicólogo, profissional também embrenhado nesta tessitura 
social. 
No capítulo seguinte, A trajetória percorrida, apresentamos o relato do 
cenário encontrado: ainda que de forma bastante sucinta, descrevemos a história do 
Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz. Apresentamos ainda os motivos 
de consideramos importante um trabalho deste âmbito ser realizado de forma 
interdisciplinar, apresentando aspectos teóricos deste tipo de intervenção. Nesta 
esteira, logo em seguida fez-se necessário pensar possibilidades de confluência 
entre Direito e Psicologia. Finalmente, explicamos o projeto PAS, suas 
peculiaridades e seus resultados. Convém salientar que certamente não esgotamos 
as possibilidades de análises destas intervenções e, para além disso, talvez o mais 
importante: antes de encontrarmos respostas às nossas reflexões oriundas desta 
práxis, supomos que mais questões colocam-se. 
Por fim, em Considerações Finais, expressamos o que acreditamos ser 
relevante enquanto percepções resultantes deste estágio: aquilo que nos chamou 
atenção durante o percurso, considerando nisto o contexto histórico no qual se 
produziram os aprendizados e as concepções. 
Finalmente, cabe destacar que se tratou este de um estágio novo na 
Faculdade de Psicologia e quiçá tal tipo de intervenção tornar-se-á, futuramente, 
teor para novas investigações, relacionando-se o conteúdo deste relatório com 
novas vivências e outros contextos. A escolha deste objeto de estudo para a 
consolidação de um projeto de estágio derivou-se de ocuparmos um lugar apreciado 
pelos estagiários desta equipe: o lugar de estudantes do curso para uma profissão 
que deve assumir o compromisso social com a maioria da população. 
 
 
11
 
 
1 DIREITOS HUMANOS 
 
 
Direitos humanos podem ser definidos como: 
 
[...] as ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, 
expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e 
públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida 
que possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades 
peculiares de inteligência, dignidade e consciência e permitir a satisfação de 
suas necessidades materiais e espirituais (ALMEIDA, 1996, p. 24). 
 
São direitos garantidos ao homempor sua condição humana, capazes de 
assegurar a dignidade de sua condição e que “[...] não resultam de uma concessão 
da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o 
dever de consagrar e garantir” (HERKENHOFF, 1994, p. 31). 
Assim, podem ser ainda definidos como parâmetros, de caráter histórico, 
capazes de regular a vida entre os indivíduos em uma sociedade, baseados 
moralmente na justiça, igualdade e democracia, que devem prevalecer em qualquer 
estado ou nação, independendo do sistema político, social ou econômico adotado 
por esta (CUNHA, 1998). Pereira et al (2004) ainda afirmam que os direitos humanos 
são reguladores das relações entre os indivíduos e os estados, postulados pela 
Organização das Nações Unidas. 
Os Direitos Humanos passaram por um longo processo de “evolução”. 
Desde uma fase embrionária, em que eram confundidos com direitos individuais e, 
muitas vezes, mais fundamentados em interesses econômicos e políticos do que 
humanitários, até chegarem ao século XX (BRAYNER; LONGO; PEREIRA, 2006). 
 
A proto-história dos direitos humanos começa na Baixa Idade Média, mais 
exatamente na passagem do século XII ao século XIII. Não se trata, ainda, 
de uma afirmação de direitos inerentes à própria condição humana, mas sim 
do início do movimento para instituições de limites ao poder dos 
governantes, o que representou uma grande novidade histórica. Foi o 
primeiro passo em direção ao acolhimento generalizado da idéia de que 
havia direitos comuns a todos os indivíduos, qualquer que fosse o 
estamento social – clero, nobreza e povo – no qual eles se encontrassem 
(COMPARATO, 1999, p. 33). 
 
 
 
12
O conceito de Direitos Humanos é, pela tradição no ocidente, segundo Leal 
(1997), tratado principalmente pelo marco do direito constitucional e do direito 
internacional, cujo objetivo é “[...] construir instrumentos institucionais à defesa dos 
direitos dos seres humanos contra os abusos de poder cometidos pelos órgãos do 
Estado” (LEAL, 1997, p. 19), ao mesmo tempo em que visa à promoção de 
condições dignas da vida humana e de seu desenvolvimento. Isto se explica em 
razão do período histórico em que se inicia o debate sobre o tema. 
Os Direitos Humanos 
 
[...] não eram conhecidos na Antigüidade, embora a noção de igualdade, 
pelo menos entre os que eram considerados cidadãos daquilo que se 
entendia por Estado, tenha florescido no Oriente. Com efeito, a Grécia e a 
Roma republicana concediam participação política a determinadas classes 
sociais, o que pode ser considerado o começo da liberdade política 
(BRAYNER; LONGO; PEREIRA, 2006). 
 
Ainda segundo estes autores (2006), quando do esfacelamento do Império 
Romano, surge um novo modo de produção, o feudal, que viria a dominar a Europa, 
e então o processo de formação dos Direitos Humanos sofreria uma involução 
(exceto na Inglaterra). Porém, mais tarde com a Independência dos Estados Unidos, 
a Revolução Francesa e os ideais iluministas, o processo de formação dos Direitos 
Humanos tomaria novo fôlego e sua disseminação pelo mundo já não poderia ser 
contida. Todavia, muito ainda deveria ser percorrido até que se chegasse ao ponto 
culminante das Revoluções Modernas. 
 
Parece ser consenso entre os historiadores que as origens mais antigas dos 
direitos fundamentais da pessoa humana se encontram nos primórdios da 
civilização, abarcando desde as concepções formuladas pelos hebreus, 
pelos gregos, pelos romanos, e pelo cristianismo, passando pela Idade 
Média, até os dias de hoje (LEAL, 1997, p.20). 
 
Segundo Leal (1997), a postura filosófica dos hebreus (cosmovisão) e sua 
religião monoteísta irrompem uma profunda alteração nas crenças e convicções do 
mundo antigo: e, considerando sua situação de povo perseguido e discriminado, tem 
uma singular importância na delimitação do tema “[...] direitos fundamentais da 
pessoa humana” (LEAL, 1997, p. 20). 
 
A lei mosaica, com os Dez Mandamentos, constitui, a despeito dos aspectos 
religiosos, um autêntico código de ética e de comportamento social, cujo 
cumprimento identifica um conteúdo e uma prática voltada aos direitos 
 
 
13
humanos mais tarde protegidos. A própria Bíblia tem um conteúdo 
essencialmente humanista, a partir de um marco religioso presente na 
cultura greco-romana, consolidou-se no cristianismo (LEAL, 1997, p. 20). 
 
O autor ainda afirma que “com a dispersão do povo hebreu por todo mundo, 
a nova concepção de homem e de Deus tem uma divulgação e proliferação 
significativa” (LEAL, 1997, p. 20). 
Já o povo grego, enfatiza Leal (1997), especula sobre a vida humana e suas 
potencialidades, registrando na história uma concepção nova de existência, voltada 
para o humanismo racional. “Esta racionalidade lhe propicia enfrentar os fatos da 
vida com discernimento e objetividade, buscando implementar a idéia de liberdade 
política” (LEAL, 1997, p. 21). 
 
A liberdade de que se fala não é sinônimo de autogoverno; antes, é o hábito 
de viver de acordo com as leis da cidade1, leis estas que louvam a 
liberdade, colocando-a como condição de cidadania e hombridade (LEAL, 
1997, p. 21). 
 
No momento em que se registra este paradoxo: filosofia, cultura e política, 
verifica-se também que a “[...] grande contribuição do povo grego à questão dos 
direitos humanos se dá no âmbito das idéias: de liberdade política, racionalidade, 
princípios de moralidade universal e dignidade humana” (LEAL, 1997, p. 22). 
Entretanto, coube ao direito romano estabelecer uma relação entre os direitos 
individuais e o Estado. “A Lei das Doze Tábuas, uma criação romana, foi a origem 
escrita dos ideais de liberdade e de proteção dos direitos dos cidadãos” (BRAYNER; 
LONGO; PEREIRA, 2006). 
Afirmam ainda os autores que 
 
[...] o desenvolvimento dos Direitos Humanos na Antigüidade não foi 
possível, porque a noção de liberdade pessoal, que lhe é inerente, ainda 
não existia. A escravidão era vista quase como algo natural e mesmo a idéia 
de democracia que havia na Grécia e na Roma do período republicano 
estava vinculada à integração do indivíduo ao Estado, que o absorvia 
completamente. Não se concebia que a liberdade pudesse, em certos 
casos, ir de encontro à soberania do Estado (BRAYNER; LONGO; 
PEREIRA, 2006). 
 
Como afirmam os autores (2006) ao citarem Darcy Azambuja, “a 
fragmentação da autoridade determina o desaparecimento da liberdade, tanto é 
 
1 Deve-se aqui ressaltar que os gregos mantinham uma cultura escravagista e discriminatória no que 
tange às mulheres e aos estrangeiros (LEAL, 1997). 
 
 
14
certo que uma é complemento da outra”. Assim, desaparecem, com a queda do 
vasto Império Romano, os rudimentos de liberdade política ou civil. 
Com o advento do cristianismo, de maneira mais ou menos intensa, há uma 
singular alteração de enfoque filosófico e social no que tange aos direitos humanos 
(LEAL, 1997). 
 
Os princípios de igualdade e fraternidade preconizados pela doutrina cristã 
representam um momento de ruptura com o modelo de sociedade até então 
existente. Sustentar que inexistem diferenças entre amos e escravos 
significa alterar as regras do jogo, não só as morais, mas também 
econômicas (LEAL, 1997, p. 24). 
 
A mudança deste quadro, afirma Leal (1997), se dá a partir dos séculos XVIII 
e XIX, através dos processos de humanização e pelas garantias processuais penais, 
“[...] influenciada pelos pressupostos do direito natural, este mesmo direito que fora 
maturado com as influências dos gregos, com o pragmatismo romano e as doutrinas 
do evangelho cristão” (LEAL, 1997, p. 28). 
Portanto entende-se que durante a Idade Média, pouco ou quase nada 
aconteceu de relevante no plano dos Direitos Humanos. Pelo menos até 1215, com 
a Carta Magna. 
 
A idéia de direitos humanos há muito tempo já existia na Europa, porém 
costuma-se afirmar que foi com o Rei John Landless, da Inglaterra, e sua 
MagnaCarta (Great Charter, 1215) que surgiu o embrião do que seriam os 
Direitos Humanos. Não que esse documento tratasse especificamente 
disso, mas havia menções à liberdade da Igreja em relação ao Estado 
(embora de maneira nenhuma consagrasse a tolerância religiosa) e à 
igualdade do cidadão perante a lei. Com efeito, o parágrafo 39 declarava: 
“Nenhum homem livre poderá ser preso, detido, privado de seus bens, posto 
fora da lei ou exilado sem julgamento de seus pares ou por disposição da 
lei”. O Rei John foi pressionado a assinar a Carta Magna, para evitar as 
constantes violações às leis e aos costumes da Inglaterra. A partir de então, 
a sucessão hereditária de bens foi permitida a todos os cidadãos livres, 
assim como ficou proibida a cobrança de taxas excessivamente altas 
(BRAYNER; LONGO; PEREIRA, 2006). 
 
 
Até o surgimento da Idade Média e com ela seus teóricos, as noções de 
direitos e direitos fundamentais estão limitados pelo contexto de seu período, 
marcado segundo Leal (1997), “[...] pela transição do poder, das mãos 
centralizadoras do Rei para seu séqüito e para uma nova classe social: a burguesia” 
(p. 30). Os conceitos de liberdade e de igualdade são forjados nesta realidade, 
buscando contemplar os interesses políticos e econômicos do período. 
 
 
15
Em 20 de junho de 1776, “[...] a convenção de Virgínia sanciona o que se 
pode considerar como a primeira declaração de direitos em sentido moderno” (LEAL, 
1997, p. 32), expressando: 
 
[...] que todos os homens são por natureza igualmente livres e 
independentes, possuindo certos direitos inerentes, dos quais, quando 
ingressam no estado social, não podem, por nenhum contrato, privar-se ou 
deles abrir mão, como o gozo da vida e da liberdade, os meios de adquirir e 
possuir a propriedade, perseguir e obter a felicidade e segurança; afirma a 
separação dos poderes como premissa fundamental de organização do 
Estado; a liberdade de imprensa; o direito do acusado de conhecer a causa 
de sua detenção e ser julgado rapidamente por juízes imparciais; que 
nenhum homem pode ser privado de sua liberdade, senão segundo a lei do 
país ou segundo o juízo de seus pares (LEAL, 1997, p. 32-33). 
 
Segundo Comparato (1999), esta declaração constitui o registro de 
nascimento dos Direitos Humanos na história. Este autor também afirma que esta 
declaração 
 
[...] é o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente 
vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de 
si mesmo. A “busca da felicidade”, repetida na Declaração de 
Independência dos Estados Unidos, duas semanas após, é a razão de ser 
inerentes á própria condição humana (COMPARATO, 1999, p. 38). 
 
A declaração de independência dos Estados Unidos ocorre em 04 de julho 
de 1776, contendo além dos direitos já mencionados na declaração de Virgínia, 
outros, como o de insurreição contra governos que abusem de seus poderes (LEAL, 
1997). 
Comparato (1999), afirma que treze anos depois, no ato de abertura da 
Revolução Francesa, a mesma idéia de liberdade e igualdade dos seres humanos é 
reafirmada e reforçada: “os homens nascem e permanecem livres e iguais em 
direitos” (DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, 1789, art. 
1º apud COMPARATO, 1999, p.38). Faltou apenas o reconhecimento da 
fraternidade, o que só veio acontecer com a Declaração Universal dos Direitos 
Humanos de 1948. 
A Declaração Francesa é abstrata e universalizante, sustentada por um tripé 
ideológico, segundo Jacques Robert (apud BRAYNER; LONGO; PEREIRA, 2006): 
 
[...] intelectualismo, pois a afirmação de direitos imprescritíveis do homem e 
a restauração de um poder legítimo baseado no consentimento popular 
 
 
16
foram uma operação de ordem puramente intelectual que se desenrolaria 
no plano unicamente das idéias, é que para os homens de 1789, a 
Declaração dos direitos era, antes de tudo, um documento filosófico e 
jurídico que deveria anunciar a chegada de uma sociedade ideal; 
universalismo, na acepção de que os princípios enunciados no texto da 
Declaração pretendem um valor geral que ultrapassa os indivíduos do país, 
para alcançar um valor universal; individualismo, porque só consagra as 
liberdades dos indivíduos, não menciona a liberdade de associação nem a 
liberdade de reunião, preocupa-se em defender o indivíduo contra o Estado. 
É por isso, o documento marcante do Estado Liberal, e que serviu de 
modelo às declarações constitucionais de direitos do século passado e 
deste (ROBERT, 1992 apud BRAYNER; LONGO; PEREIRA, 2006. Sem 
grifos no original). 
 
A Declaração de 1789 proclamava, através dos seus dezessete artigos, os 
fundamentos da liberdade, da igualdade, da propriedade, da legalidade e “[...] as 
garantias individuais liberais que ainda se fazem presentes nas declarações 
contemporâneas” (BRAYNER; LONGO; PEREIRA, 2006). 
 
A Constituição Francesa de 03/09/1791 foi a primeira a conter uma 
enumeração dos direitos individuais e suas garantias. Porém, a doutrina 
política contida nessas declarações achava-se estreitamente ligada ao 
processo econômico e às suas conseqüências sociais. Trazendo para as 
Constituições as teses de Adam Smith, o direito público confundia proteção 
aos interesses sociais com o progresso da coletividade. Interesses 
decorrentes da organização econômica eram considerados no mesmo plano 
que atributos inerentes à personalidade. Em conseqüência, os direitos 
ligados à propriedade privada ocupavam lugar conspícuo entre as 
liberdades individuais. Não obstante, já estava em curso o processo 
inexorável de difusão das declarações de direitos pelo continente europeu, 
através das diversas constituições escritas que começaram a surgir a partir 
daquele momento, como a Constituição da República Germânica de 
Weimar (1919-1933) (BRAYNER; LONGO; PEREIRA, 2006). 
 
Todavia, o reconhecimento dos Direitos Humanos de caráter econômico e 
social só se deu, segundo Comparato (1999), através dos movimentos socialistas 
que se iniciaram na primeira metade do século XIX em que, ao contrário do 
capitalismo, onde o titular dos direitos era um ser humano abstrato; no socialismo os 
beneficiários destes direitos passaram a ser os grupos sociais esmagados pela 
miséria, a doença, a fome e a marginalização. 
 
1.1 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS 
 
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal como é conhecida nos 
dias de hoje, teve o início de sua promulgação durante a reunião de 16 de fevereiro 
de 1946 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em que ficou 
 
 
17
acordado que a Comissão de Direitos Humanos, a ser criada, deveria desenvolver 
seus trabalhos em três etapas (COMPARATO, 1999). 
A primeira destas atividades a serem desenvolvidas seria a criação de uma 
Declaração de Direitos Humanos, conforme o acordo com o disposto no artigo 55 da 
Carta das Nações Unidas. Logo após dever-se-ia produzir um “[...] documento 
juridicamente mais vinculante do que uma mera declaração” (COMPARATO, 1999, 
p. 208), devendo ser este documento um tratado ou convenção internacional. E por 
fim, segundo Comparato (1999), seria necessário criar uma maneira adequada para 
assegurar o respeito aos Direitos Humanos e tratar os casos de sua violação. 
 
A primeira etapa foi concluída pela Comissão de Direitos Humanos em 18 
de junho de 1948, com um projeto de Declaração Universal de Direitos 
Humanos, aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de 
dezembro do mesmo ano. A segunda etapa somente se completou em 
1996, com a aprovação de dois Pactos, um sobre direitos civis e políticos, e 
outro sobre direitos econômicos, sociais e culturais (COMPARATO, 1999, p. 
208). 
 
Coelho (2003) aponta que não há como negar o fato de que a partir das 
atrocidades cometidas durante o período da Segunda Guerra consagrou-se a idéia 
de que era necessário 
 
[...] que se agisse politicamente para a preservação e respeito a alguns 
valores essenciais a sobrevivênciada raça humana como tal. Tal guerra 
gerou insegurança quanto aos rumos da humanidade, impondo o 
questionamento sobre o que o homem estava a fazer consigo mesmo, sobre 
para que estavam servindo os Estados (COELHO, 2003, p. 66). 
 
 A Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu então neste contexto, 
centrando-se na universalidade e individualidade, a qual passou então a conduzir os 
“[...] Estados contemporâneos a um papel de garantidor das condições humanas de 
existência no mundo” (COELHO, 2003, p. 66). Isto pode ser percebido na leitura de 
seu preâmbulo (anexo), que foi redigida como acima mencionado sob o impacto das 
atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. 
Inegavelmente, a Declaração Universal de 1948, com seus 30 artigos, 
representa a culminância de um processo ético que iniciou com a Declaração de 
Independência dos Estados Unidos e com a Declaração dos Direitos do Homem e 
do Cidadão, da Revolução Francesa. Todavia muitas são as críticas feitas aos 
redatores da Declaração dos Direitos do Homem: “[...] a maioria delas se refere ao 
 
 
18
fato da inexistência de uma base teórica homogênea ao seu conteúdo” (LEAL, 1997, 
p. 87). 
 
1.2 DIREITOS HUMANOS E CONTEMPORANEIDADE 
 
Segundo Alves (2006), embora freqüentemente violados, são, hoje em dia, 
amplamente conhecidos os direitos estabelecidos na Declaração: 
 
[...] à vida, à liberdade, à segurança pessoal; de não ser torturado nem 
escravizado; de não ser detido ou exilado arbitrariamente; à igualdade 
jurídica e à proteção contra a discriminação; a julgamento justo; às 
liberdades de pensamento, expressão, religião, locomoção e reunião; à 
participação na política e na vida cultural da comunidade; à educação, ao 
trabalho e ao repouso; a um nível adequado de vida, e a uma série de 
outras necessidades naturais, sentidas por todos e intuídas como direitos 
próprios por qualquer cidadão consciente (ALVES, 2006). 
 
Exatamente ao proclamar os Direitos Humanos para todas as pessoas, 
estabelecendo-os como uma meta a ser atingida por todos os povos e todas as 
nações, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirma Arzabe e Graciano 
(2006), se manifesta por um lado como uma construção que vem abrir o espaço para 
o tratamento universalizante das questões relacionadas aos Direitos Humanos e às 
suas violações, e por outro, abre caminho para uma vasta área de discussão sobre a 
real possibilidade de execução de seus artigos (COELHO, 2003). 
Após seus 58 anos de existência, diversas são as promessas não cumpridas, 
nos mais diversos âmbitos. O clamor pelos Direitos Humanos se faz ainda ouvir em 
“sociedades que atingiram elevados níveis de desenvolvimento econômico e social” 
(OLIVEIRA, 2003, p. 07). Em países como o Brasil, Oliveira (2003) afirma que este 
clamor é ainda mais contundente, pois a violência em diversas maneiras – “[...] fome, 
insuficiência de serviços públicos de saúde, educação e segurança, entre outras 
carências”(OLIVEIRA, 2003, p. 07) – demonstra que o homem não foi alçado a 
elemento central da sociedade ou ao fim a que se objetiva o desenvolvimento 
econômico. 
 
[...] tudo o que se investe no social, no ser humano, parece ser um gasto 
não rentável, um disparate que se deve evitar e, com este pensamento 
neoliberal, estão sendo desmontadas e desintegradas políticas, instituições 
e programas sociais (MÁSPERO, 1994 apud OLIVEIRA, 2003, p. 07). 
 
 
 
19
Coimbra (2000) citando Deleuze (1992) afirma que os Direitos Humanos – 
desde suas gêneses – têm servido para levar aos subalternizados a ilusão de 
participação 
 
[...] de que as elites preocupam-se com o seu bem estar, de que o 
humanismo dentro do capitalismo é uma realidade e, com isso, confirma-se 
o artigo primeiro da Declaração de 1948: “todos os homens nascem livres e 
iguais em dignidade e direitos”. Entretanto, sempre estiveram fora desses 
direitos à vida e à dignidade os segmentos pauperizados e percebidos como 
“marginais”: os “deficientes” de todos os tipos, os “desviantes”, os 
miseráveis, dentre muitos outros. A estes, efetivamente, os direitos 
humanos sempre foram – e continuam sendo – negados, pois tais parcelas 
têm sido produzidas para serem vistas como “sub-humanas”, como não 
pertencentes ao gênero humano. Não há dúvida, portanto, que esses 
direitos – proclamados pelas diferentes revoluções burguesas, contidos nas 
mais variadas declarações - têm tido um claro conteúdo de classe. Os 
excluídos de toda ordem nunca fizeram parte desse grupo privilegiado que 
teve, por todo o século XIX e XX, seus direitos respeitados e garantidos. Ou 
seja, foram e continuam sendo defendidos certos tipos de direitos, dentro de 
certos modelos, que terão que estar e caber dentro de certos territórios bem 
marcados e delimitados e dentro de certos parâmetros que não poderão ser 
ultrapassados (DELEUZE, 1992 apud COIMBRA, 2000, p. 141-142). 
 
Todavia, existem fatores que devem também nos alertar no sentido positivo 
da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Leal (1997) afirma que os Direitos 
Humanos hoje apresentam-se 
 
[...] como uma questão filosófica e política. Isto quer dizer que as condições 
de possibilidade destes direitos estão diretamente ligadas à forma com que 
as sociedades contemporâneas os encaminham, delimitam e protegem, 
frente às instituições jurídicas e políticas existentes (LEAL, 1997, p. 68). 
 
Neste sentido também é necessário pensar os Direitos Humanos resgatando 
uma discussão sobre os pressupostos basilares, as “[...] formas de governo e as 
regras que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com 
quais procedimentos” (LEAL, 1997, p. 68). Sendo assim pode-se concluir 
 
[...] paradoxalmente, que os direitos humanos são pervertidos no exato 
momento em que se tornam objeto de tratamento jurídico, pois, concebidos 
historicamente como um mecanismo de proteção dos cidadãos livres contra 
o arbítrio dos governantes absolutistas e contra os abusos do Estado, sob a 
forma de censura e tortura, eles são esvaziados na medida em que é o 
próprio Estado que os regulamenta. Talvez a regra clássica dos freios e 
contrapesos de Montesquieu, tomada por uma cidadania emergente, seja 
uma das formas de se fazer com que as garantias asseguradas a esses 
direitos sejam eficazes na sua totalidade (LEAL, 1997, p. 154-155). 
 
Dessa forma, ainda segundo o autor 
 
 
20
 
[...] encontra-se aqui o grande dilema dos direitos humanos em sociedades 
altamente diferenciadas e com um tecido social desintegrado, como é o 
caso do Brasil, fazendo com que se questione de que maneira é possível 
deixar o campo do formalismo político e jurídico, cuja vagueza e 
ambigüidade desempenham o papel pragmático de viabilizar a comunicação 
entre indivíduos, grupos e classes antagônicas, e passar para uma ação 
efetiva, em que as leis sobre tais direitos, ao mesmo tempo em que 
reconheçam as prerrogativas civis e políticas individuais, também atendam 
as demandas de massas marginalizadas, aplacando injustiças e 
oportunidades a construção de um espaço de reforma das estruturas 
socioeconômicas vigentes (LEAL, 1997, p. 155). 
 
Assim, no Brasil, os Centros de Direitos Humanos são instâncias que 
defendem o cumprimento dos Direitos Humanos. Estes centros se congregam no 
Movimento Nacional de Direitos Humanos, que é definido em sua página eletrônica 
como uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, democrático, 
ecumênico, supra-partidário, presente em todo o país, contando com mais de 400 
entidades filiadas. Fundado em 1982, o Movimento Nacional dos Direitos Humanos 
constitui-se hoje na principal articulação nacional de luta e promoção dos direitos 
humanos. 
 
1.3 PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS 
 
Segundo Coimbra (2000), o que fica evidente em se tratando dos 
movimentos relacionados aos Direitos Humanos é que as diferentes práticas sociais, 
em diferentes momentos da história, 
 
[...] vão produzindo diferentes ‘rostos’,diferentes ‘fisionomias’; portanto, 
diferentes objetos, diferentes entendimentos do que são os direitos 
humanos. Estes, produzidos de diversas formas, não têm uma evolução ou 
uma origem primeira, mas emergem em certos momentos, de certas 
maneiras bem peculiares. Devem ser, assim, entendidos não como um 
objeto natural e a-histórico, mas forjados pelas mais variadas práticas e 
movimentos sociais (COIMBRA, 2000, p. 142). 
 
Dessa forma, deve-se entender o homem como um ser histórico, um ser 
constituído no seu movimento ao longo do tempo, pelas relações sociais e culturais 
engendradas pela humanidade (BOCK, 2002). Nesse mesmo sentido, Coimbra 
(2000) afirma que no lugar de pensar os Direitos Humanos enquanto 
 
 
 
21
[...] essência imutável e universal do homem poderíamos, através de outras 
construções, garantir e afirmá-los enquanto diferentes modos de 
sensibilidade, diferentes modos de viver, existir, pensar, perceber, sentir; 
enfim, diferentes modos e jeitos de ser e estar neste mundo (COIMBRA, 
2000, p. 142). 
 
 Entretanto, estas maneiras de ver a vida ainda são em sua grande maioria 
entendidas como estando fora desses Direitos Humanos, “[...] pois não estão 
presentes nos modelos condizentes com a essência do que tem sido produzido 
como humano” (COIMBRA, 2000, p. 142). Então surge a afirmação de que a luta 
pelos Direitos Humanos é uma espécie de conservadorismo, de inquietação, que 
percebemos, toma corpo atualmente entre muitos críticos do capitalismo. 
 
Reafirmamos que, se não entendemos esses direitos como um objeto 
natural, obedecendo a determinados modelos que lhes seriam inerentes, 
podemos produzir outros direitos humanos: não mais imutáveis, universais, 
absolutos, eternos, contínuos e evolutivos. Teríamos ao contrário, a 
afirmação de direitos locais, descontínuos, fragmentários, processuais, em 
constante movimento e devir, provisórios e múltiplos como as forças que se 
encontram no mundo (COIMBRA, 2000, p. 146). 
 
Deve-se, dessa forma, entender que só através da força dos movimentos 
sociais organizados é que este quadro poderá mudar. “É no nível das práticas 
cotidianas, micropolíticas, que podem estar as respostas para tais impasses” 
(COIMBRA, 2000, p. 146). A reinvenção de novas maneiras de ser, de estar, de 
sentir e de viver neste mundo, isto é, o processo de subjetivação é o que poderá 
fortalecer e expandir as práticas, e os movimentos que visam o contra-ataque das 
políticas tradicionais, e dessa forma afirmar os Direitos Humanos como direitos de 
todos, em especial dos miseráveis de hoje (COIMBRA, 2000, p. 146). 
Partindo dos pressupostos apontados até aqui, de que forma a Psicologia 
poderia contribuir no que tange os Direitos Humanos? 
Para Coimbra (2000) é necessário entendermos a Psicologia, assim como a 
Política, não em cima desses modelos hegemônicos, 
 
[...] mas como produções históricas, como territórios não separados, mas 
que se complementam e se atravessam constantemente, poderemos 
encarar nossas práticas não como neutras, mas como implicadas no e com 
o mundo (COIMBRA, 2000, p. 147). 
 
Portanto, esta implicação aponta para o lugar que o profissional ocupa nas 
relações sociais em geral e não apenas no âmbito da intervenção que está 
 
 
22
realizando, “[...] os diferentes lugares que ocupa no cotidiano e em outros locais de 
sua vida profissional; em suma, os lugares que ocupa na História” (COIMBRA, 2000, 
p. 147). 
 
Estar implicado (realizar ou aceitar a análise de minhas próprias 
implicações) é, ao fim de tudo, admitir que eu sou objetivado por aquilo que 
pretendo objetivar: fenômenos, acontecimentos, grupos, idéias, etc, Com 
(sic) o saber científico anulo o saber das mulheres, das crianças, dos loucos 
– o saber social, cada vez mais reprimido como culpado e inferior 
(LOURAU, 1997, apud COIMBRA, 2000, p. 147). 
 
Ainda, segundo Lourau (1977) citado por Coimbra (2000), é necessário que 
se encontrem formas de analisar nossas implicações para que, em quaisquer 
situações possíveis, possamos nos situar nas relações de classe, nas redes de 
poder, em vez de nos fixarmos, e permanecermos numa posição chamada de 
científica, objetiva e neutra. 
 
Assim, se entendemos os objetos, saberes e sujeitos como produções 
históricas, advindos das práticas sociais; se aceitamos que os 
especialismos técnico-científicos que emergem como a divisão social do 
trabalho no mundo capitalístico têm como função a produção de verdades e 
a desqualificação de muitos outros saberes que se encontram neste mundo; 
se entendemos como importante em nossas práticas cotidianas a análise de 
nossas implicações, assinalando o que nos atravessa, nos constitui e nos 
produz, e o que constituímos e produzimos com essas mesmas práticas, 
negaremos as dicotomias. Articularemos Psicologia, Política e Direitos 
Humanos e entenderemos uma série de outras questões: que nossas 
práticas produzem efeitos poderosíssimos no mundo, sendo portanto, 
políticas. Assumir tais desafios é estabelecer rupturas com o pensamento 
hegemônico no Ocidente, é romper com as “verdades” que estão no mundo 
e vê-las como temporárias, mutantes, provisórias (COIMBRA, 2000, p. 147). 
 
O II Seminário Nacional de Psicologia e Políticas Públicas, em maio de 
2003, na cidade de João Pessoa, tratou do protagonismo da Psicologia enquanto 
promotora de saúde nas questões sociais que se mostram tão urgentemente 
necessárias de intervenção. A conferência Protagonismo Social da Psicologia na 
Defesa dos Direitos Humanos apontou que direitos humanos é uma questão de 
militância, de política, que o psicólogo deve ser defensor dos direitos humanos como 
cidadão, engajado na defesa dos direitos da vida, nas suas práticas cotidianas. 
Destaca-se ainda que o Conselho Federal de Psicologia e os Regionais possuem 
comitês de Direitos Humanos, que conduzem importantes debates e avanços da 
Psicologia brasileira nesta área. Há a necessidade de discussão crítica e reflexiva 
desde a academia e no exercício profissional, pois os psicólogos têm, muitas vezes, 
 
 
23
a idéia de senso comum de direitos humanos, tornando-os algo a parte da prática 
profissional. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
24
 
 
2 MEDIAÇÃO 
 
 
Após a discussão sobre os Direitos Humanos e as implicações da Psicologia 
no que tange ao respeito às pessoas, partimos para tentar entender um pouco mais 
as possibilidades que se colocam à nossa ciência de contribuição à superação dos 
quadros contraditórios acerca dessa questão que mostra-se tão cara aos saberes 
que produzimos. Para tanto, buscamos discutir um termo conhecido e amplamente 
difundido na Psicologia: mediação. Primeiramente afirma-se que a profusão deste 
conceito não pode ser entendida como o estabelecimento de um campo consensual 
em torno de uma única forma de ver e conceber o homem e o mundo, isto é, o uso 
da palavra mediação pode estar associado a diversas concepções epistemológicas, 
até mesmo antagônicas, e, portanto, dependendo do seu emprego, os saberes e 
fazeres psicológicos variarão. 
Esta diversidade na utilização do termo, entende-se, é representante da 
característica própria da Psicologia de ser um campo científico que se embasa em 
diversas linhas teóricas, que resultam em diferentes metodologias de intervenção 
sobre a realidade. Sendo assim, de início, deve-se levar em conta que qualquer 
trabalho proposto em um modelo de mediação deve partir de uma análise 
pormenorizada das implicações do uso de tal terminologia. 
Dessa forma, nossa intenção neste capítulo, é fazer uma breve leitura 
acerca das utilizações da palavra mediação como representante de determinadas 
formas de intervenção da Psicologia, para, mesmo cientes do perigo de deixarmos 
de lado aspectos importantes das teorias e dos trabalhos que subjazem essas 
intervenções, abordarmosa nossa prática de estágio no CDH sob o olhar de uma 
forma específica de entender a mediação. 
 
2.1 PSICOLOGIA JURÍDICA E MEDIAÇÃO 
 
Iniciamos nossas análises abordando o conceito encontrado no dicionário 
desta palavra, que é: 
 
 
 
25
[...] ato ou efeito de mediar [...] intervenção, intercessão, intermédio [...] 
relação que se estabelece entre duas coisas, ou pessoas, ou conceitos, etc. 
[...] intervenção com que se busca produzir um acordo [...] processo pacífico 
de acerto de conflitos internacionais, no qual (ao contrário do que se dá na 
arbitragem) a solução é sugerida e não imposta às partes interessadas 
(FERREIRA, 2004, p. 1299). 
 
Quanto ao verbo mediar, aponta-se que é o ato de “intervir como árbitro ou 
mediador (...) ficar no meio de dois pontos; distar” (FERREIRA, 2004, p. 1299). 
Partindo desse entendimento, buscamos entender as formas como a 
mediação vem sendo representada nas práticas da Psicologia. Primeiramente, 
chama a atenção o emprego que se faz desta palavra no dicionário em termos das 
ciências do Direito. De fato, uma das áreas da Psicologia que se apropria deste 
conceito é a Psicologia Jurídica (que será aprofundada em outra seção), salientando 
o papel do psicólogo como uma pessoa apta a mediar conflitos pela natureza de sua 
formação. 
França (2004) citando Popolo (1996) afirma que a Psicologia Jurídica é uma 
área específica de nossa ciência e, portanto, deve produzir e se embasar em 
conhecimentos de uma perspectiva de homem e mundo específica. Porém, “[...] 
pode-se valer de todo o conhecimento produzido pela ciência psicológica” (FRANÇA, 
2004, p. 74). 
Esta autora (2004) ainda destaca que Popolo (1996) aponta duas principais 
características da Psicologia em trabalho junto com o Direito. A primeira 
 
[...] segue o modelo de subordinação. Assim, a Psicologia jurídica procura 
tão-somente atender a demanda jurídica como uma Psicologia aplicada cujo 
objetivo é contribuir para o melhor exercício do Direito (POPOLO, 1996, p. 
15 apud FRANÇA, 2004, p. 77). 
 
A segunda característica diz respeito à complementaridade. 
 
a Psicologia jurídica como ciência autônoma produz conhecimento que se 
relaciona com o conhecimento produzido pelo Direito, incorrendo numa 
interseção. Portanto há um diálogo, uma interação, bem como haverá 
diálogo com outros saberes como da Sociologia, Criminologia, entre outros 
(FRANÇA, 2004, p. 77). 
 
Dessa forma, a Psicologia Jurídica utiliza-se do conceito já citado de 
mediação para designar uma forma nova de trabalho da justiça na qual as partes 
devem assumir a responsabilidade por encontrar a dissolução de seu conflito, tendo 
 
 
26
como facilitador desse processo o mediador, a quem atribui-se o papel de terceiro 
imparcial (FRANÇA, 2004). 
Segundo Sales (2006) em texto publicado no Dicionário de Direitos 
Humanos (on-line), 
 
a mediação representa uma forma consensual de resolução de 
controvérsias, na qual as partes, por meio de diálogo franco e pacífico, têm 
a possibilidade, elas próprias, de solucionarem seu conflito, contando com a 
figura do mediador, terceiro imparcial que facilitará a conversação entre elas 
(SALES, 2006). 
 
Esta autora (2003) ainda aponta que, 
 
o mediador não interfere, não impõe e não intercede em favor das partes, 
mas apenas facilita o processo de mediação, estimulando-as a descobrir a 
melhor opção para a resolução do conflito e, as encontra-la, encerra a 
mediação por meio de acordo em que as partes devem sair satisfeitas 
(SALES, 2003, p. 226). 
 
Portanto, temos aqui destacada uma forma de entender a mediação que diz 
respeito a um novo aparato teórico e técnico de intervenção da Psicologia. Contudo, 
 
a história nos revela que as soluções de conflitos entre grupos humanos se 
efetivaram, de forma constante e variável, através da mediação. Culturas 
judaicas, cristãs, islâmicas, hinduístas, budistas, confucionistas e indígenas, 
têm longa e efetiva tradição em seu uso. Trata-se de uma prática antiga, 
embora seja comum ser representada como um novo paradigma, uma nova 
metodologia de resolução de conflitos (SCHNITMAN, 1999 apud 
MENDONÇA, 2005, p. 21). 
 
Nesse sentido, não somente porque a Psicologia é considerada uma ciência 
nova que se entende a mediação como uma nova área de atuação no campo 
psicológico, mas porque segundo Mendonça (2005), apenas no fim século XX 
(especialmente os últimos 25 anos) que esta prática obteve reconhecimento 
institucional como uma abordagem profissional. 
No Brasil, essa forma de trabalho do sistema jurídico é ainda fonte de 
estudos por parte do poder legislativo, que observa o projeto de Lei nº. 4.827/98, 
visando institucionalizar a disciplina de mediação para prevenção e solução de 
conflitos. O modelo que se apresenta nesse projeto de Lei está embasado naquele 
adotado especialmente no Canadá e em países da Europa, entretanto, tal 
metodologia foi adequada para atender a realidade brasileira e em muitos estados a 
 
 
27
mediação faz parte das possibilidades de solução de conflitos sugeridas à 
população. Esta abordagem visa especialmente desafogar o sistema judiciário na 
resolução pacífica de problemas nas áreas do Direito da família, vizinhança, posse, 
herança, comércio, consumo, ambiente, etc. (SALES, 2003). 
Assim, destaca-se o papel do psicólogo como mediador. Não há instituição 
sobre quem pode ou não exercer esse papel, porém algumas especificações devem 
ser observadas. Primeiramente, já existem cursos de capacitação para esta função, 
contudo, estes ainda carecem de regulamentação e metodologia obrigatória 
mínimas. Contudo, entende-se que alguns dos assuntos abordados nesses cursos 
se referem à conhecimentos já discutidos em uma graduação de Psicologia, tais 
como regras relacionadas à ética, “[...] técnicas de trabalho em grupo, técnicas de 
comunicação, técnicas de escuta, relações de poder entre as pessoas” (SALES, 
2003, p. 240). Portanto, conforme já apontado, entende-se que pela natureza de sua 
formação, o psicólogo é um profissional apto à mediar conflitos. 
 
2.2 PSICANÁLISE E MEDIAÇÃO 
 
Neste momento faz-se necessário abordar outras formas de se entender o 
conceito de mediação nas teorias “psi”. Atente-se ao caso da Psicanálise. 
Nessa abordagem, atribui-se à mediação o adjetivo de transformadora, 
conforme Carneiro (2006) citando Warat (1998). Desta forma, 
 
a mediação transformadora se apresenta [...] como um processo psíquico 
de reconstrução simbólica do conflito, o conflito é reconstruído 
simbolicamente pelos envolvidos e é essa reconstrução que possibilita o 
seu equacionamento e, também, a construção da autonomia daqueles que 
o reconstroem (CARNEIRO, 2006, p. 1). 
 
Assim, em termos gerais de metodologia, a Psicanálise trabalha com a 
mediação sob uma perspectiva muito próxima àquela adotada pela Psicologia 
Jurídica em abordagens mais tradicionais, porém, em termos de aparato teórico 
observa-se um aprofundamento no que concerne ao papel das partes conflituosas. 
É característica conhecida da Psicanálise privilegiar os discursos dos 
sujeitos como representação que está para além do manifesto. Nesse sentido, as 
pessoas em conflito têm abertura para suas falas, tendo como princípio o 
entendimento de que esses sujeitos são capazes de tomar as decisões. É a partir 
 
 
28
desse espaço de escuta que as pessoas passam a escutar a si mesmas e aos 
outros (CARNEIRO, 2006 p. 2). 
 
A partir do momento em que o sujeito sente-se competente e chamado a 
falar e debater, ele fala, mas também escuta, escuta a si mesmo e se 
reconhece como sujeito de sua história; mas também escuta ao outro, pois 
esse outro estará falando para ele, para um sujeito, sujeito que antes, sem o 
reconhecimento do outro, não se sentia sujeito. A fala do outro envolvido na 
desavença é muito importante para o sujeito, uma vez que significa a fala 
direcionada a esse sujeito merecedor de fala e de atenção, para esse 
sujeito competente.Dessa forma, importante também é a escuta dela 
decorrente, pois o sujeito escuta a alguém que lhe fala, que lhe reconhece 
enquanto um sujeito dono de sua história (CARNEIRO, 2006, p. 2). 
 
Então, o papel que se atribui ao mediador nesse percurso de transformação 
do conflito pela via do discurso manifesto é o da pessoa que “[...] retira do conflito a 
pulsão destrutiva” (CARNEIRO, 2006, p. 2). Daí que se atribui, no sentido 
psicanalítico da mediação, ao mediador a função de facilitador do processo de 
escuta e re-significação do processo de descobrimento dos desejos dos envolvidos 
(seus próprios e da outra parte) para além dos aspectos legais a que geralmente são 
reduzidos os conflitos humanos no âmbito jurídico. 
 
Nesse processo, tem condições de construir a sua subjetividade ou a sua 
singularidade, já que se posiciona de forma original através da articulação 
com o outro sujeito, com o mediador e com toda a gama de agenciamentos 
coletivos implicados no conflito (CARNEIRO, 2006, p. 6). 
 
Em síntese, entendendo-se a mediação por esse prisma, propiciar-se-á às 
partes fugir da comum rotulação estéril que é uma das marcas do positivismo 
aplicado às ciências humanas e sociais. Então, os sujeitos, assim como a prática do 
Direito, escapam à positivação do fenômeno de interação social. Assim como no 
setting terapêutico o analista juntamente com o analisando realiza um trabalho de 
fala e escuta (fazer falar e fazer ouvir), o mediador sob essa perspectiva 
desencadeia um trabalho de repetição, recordação e elaboração na intenção de re-
significação e reconstrução (CARNEIRO, 2006). 
 
2.3 PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E MEDIAÇÃO 
 
Uma outra forma de se entender mediação é aquela que encontramos na 
Psicologia histórico-cultural. Pautando suas premissas nas formulações marxistas e 
 
 
29
transpondo o método dialético às análises da Psicologia, Vigotski, um dos 
precursores desta linha teórica, buscando entender a gênese dos processos 
psicológicos, atribui à mediação lugar central no desenvolvimento humano. Porém, a 
fim de entender plenamente quais as idéias e conclusões deste autor acerca deste 
conceito, faz-se necessário investigar um pouco mais seus estudos. 
Primeiramente, salienta-se que se utilizando de suporte na teoria marxista, a 
Psicologia Histórico-cultural entende o homem como um ser inerentemente social. 
Também, seguindo estes pressupostos, entende-se que aquilo que torna o homem 
um ser humano é o trabalho, a capacidade do homem de modificar a natureza e 
utilizá-la para seus fins. Este uso que faz da natureza, o homem faz por meio de 
instrumentos, ou seja, não apenas intervém no que está dado, mas o modifica e com 
isso que já existe, produz outras coisas e com uso destas, modifica a si mesmo – 
qualitativamente – dialeticamente. 
Figueira (1987), discutindo os textos de Marx afirma que o homem se 
constitui como tal através do trabalho: 
 
[...] o homem é produto do seu próprio trabalho. A grande revolução que 
Marx provocou consistiu em demonstrar que o homem é um ser que se faz 
- pelo trabalho - um ser humano. Faz-se humano, porém não segundo seus 
próprios desejos, mas a partir de dadas condições: um ser humano 
histórico. Tal como se faz - diz Marx - assim o homem é (FIGUEIRA, 1987, 
p. 03). 
 
Esta é a concepção da abordagem dialética que, para Vigotski (1994) 
relendo Engels: “[...] admitindo a influência da natureza sobre o homem afirma que o 
homem, por sua vez age sobre a natureza e cria, através das mudanças nela 
provocadas, novas condições naturais para sua existência” (p. 80). 
Assim, é com base nessa premissa epistemológica que se afirma o homem 
como um ser inerentemente social, pois é do contato com o outro que ele tira os 
meios de sobrevivência e também é a partir desse contato que ele aprende a ser 
humano. Desta forma, temos duas características singulares à humanidade: o 
trabalho e a interação social. 
Trasladando esse entendimento às investigações acerca do 
desenvolvimento infantil, Vigotski e seus companheiros fizeram diversas pesquisas 
em laboratórios de Psicologia. Ao confrontar seus resultados com aqueles obtidos 
por outros psicólogos contemporâneos seus, Vigotski passou a atribuir à fala o papel 
 
 
30
de instrumento humano – um instrumento de linguagem que é, por sua vez, a 
principal ferramenta de sociabilidade do homem – aquilo que lhe possibilita a 
interação social. 
Segundo Vigotski (1994), na resolução de um problema, a criança que pode 
se utilizar da fala atem-se não somente ao caminho direto de resolução, mas 
também à outras coisas que circundam o referido problema e que podem ajudar 
instrumentalmente. 
 
As crianças com a ajuda da fala, criam maiores possibilidades [...]. Uma 
manifestação dessa maior flexibilidade é que a criança é capaz de ignorar a 
linha direta entre o agente e o objetivo. Ao invés disso, ela se envolve em 
vários atos preliminares, usando [...] métodos instrumentais ou mediados 
(indiretos) (VIGOTSKI, 1994, p. 35). 
 
Pautando-se nas observações deste autor, torna-se possível fazer as 
primeiras correspondências entre aquilo que a Psicologia Histórico-cultural traça 
como caminho no desenvolvimento psíquico (entendendo que este desenvolvimento 
é incessante) e as práticas, em termos de mediação, propiciadas por nosso estágio 
de Psicologia em um Centro de Direitos Humanos. 
Observa-se que, através da fala, a pessoa pode primeiramente planejar e 
depois executar uma ação. Este planejamento passa pela avaliação de 
interlocutores em quem se deposita confiança técnica e profissional. Sendo assim, 
ao falar, a pessoa coloca-se fora de si e torna-se sujeito e objeto de seu 
comportamento, porque nesse movimento lhe é possibilitado analisá-lo. Desta forma, 
quando as pessoas nos procuram no Centro de Direitos Humanos e lhes 
concedemos espaço de fala, elas passam a agir com menos impulsividade. Segundo 
Vigotski (1994): 
 
a criança que usa a fala divide sua atividade em duas partes consecutivas. 
Através da fala, ela planeja como solucionar o problema e então executa a 
atividade visível. A manipulação direta é substituída por um processo 
psicológico complexo através do qual a motivação interior e as intenções, 
postergadas no tempo, estimulam o seu próprio desenvolvimento e 
realização (p. 35). 
 
E continua observando que, quando as crianças percebem que não são 
capazes de resolver um problema por si mesmas “[...] dirigem-se a então a um 
adulto e, verbalmente descrevem o método que, sozinhas, não foram capazes de 
colocar em ação” (VIGOTSKI, 1994, p. 37). 
 
 
31
Então, o que fazemos é proporcionar às pessoas que estão sem norte, como 
as crianças frente a algum desafio aparentemente insuperável, espaço para a fala 
que é por si só a primeira forma de mediação. Nesse sentido, a primeira atividade 
direta de mediação diz respeito à passagem de uma “fala egocêntrica” à fala social, 
isto é, da busca por resolução de conflitos sem espaço para uma discussão a um 
movimento que considere alternativas que podem ser descobertas no contato com o 
outro. Esta fala social, portanto, pressupõe que em um primeiro momento, a 
linguagem que já se dá de forma mediada, é passiva, porém em seu segundo 
estágio torna a passividade em atividade de busca pelo outro (VIGOTSKI, 1994). 
Em síntese, o que se entende na Psicologia Histórico-cultural por linguagem 
(onde se inclui não somente a fala) é que esta somada a significação dos objetos e 
artefatos culturais – por meio da mediação cultural, é que compõe a primeira forma 
de mediação e “a seguir, toda aprendizagem será mediada pela linguagem” 
(VIGOTSKI, 1994, p. 43) – dialeticamente. 
Aqui novamente cabe citar a prática de nosso estágio. O sujeito que procura 
ajuda do CDH o faz primeiramente de forma mediada por si mesmo, sendo que é por 
meio da linguagem (os significados sociais atribuídos ao trabalho desenvolvido no 
CDH mais o ato de se comunicar conosco)que busca a resolução para seu 
problema. Ele já planejou o caminho para o desfecho de sua situação, mesmo que 
não verbalize. A ação de estabelecer o contato com nosso estágio é expressão de 
que há um planejamento e que sozinha a pessoa não consegue colocá-lo em 
prática. Com efeito, a fala torna-se a via de acesso ao entendimento mais amplo das 
questões que circundam uma situação social, e sendo assim, em conjunto com a 
ação que visa sanar o conflito (inerente ao sujeito humano a quem se aplica o 
princípio da dialética) torna-se a forma caracteristicamente humana de 
comportamento social. É importante destacar que 
 
o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, 
que dá origem as formas puramente humanas de inteligência prática e 
abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas 
completamente independentes de desenvolvimento convergem (VIGOTSKI, 
1994, p. 33). 
 
Aqui, percebe-se uma ligação entre os conceitos de mediação tratados 
anteriormente, tanto no campo da Psicologia Jurídica, quanto no campo da 
Psicanálise, com a forma de entendimento que se tem deste termo na Psicologia 
 
 
32
Histórico-cultural. Há diferenças que não podem ser ignoradas, porém é possível 
traçar um paralelo que nos leve ao encontro das práticas desenvolvidas em nosso 
estágio. Atentando para o fato de que nas duas primeiras seções desse capítulo a 
mediação é tida como conceito que representa uma determinada técnica ou conjunto 
de técnicas institucionalizadas que são empregadas na resolução de conflitos 
sociais, mas quase que exclusivamente no âmbito jurídico. Faz-se necessário 
recortar aos objetivos de nossa análise, as teorizações que mais se aproximam do 
entendimento histórico-cultural de mediação, que é aquele que observamos, se 
aplica às nossas práticas de estágio. Essa aproximação é possível uma vez que este 
estágio é uma proposta de assistência conjunta de Psicologia e de Direito a pessoas 
de baixa renda que necessitem de apoio em situação de vulnerabilidade. 
Tomando como base as palavras de Vigotski (1994) acima discutidas, 
entende-se que o mediador está para além de uma pessoa que atuará como um 
terceiro neutro na resolução de um conflito. A neutralidade, caso caiba nesse 
momento uma crítica, é inclusive, em termos da Psicologia Histórico-cultural, algo 
inexistente, uma convenção impossível de se alcançar e incompatível com o 
entendimento de que o homem se constitui histórica e socialmente, pois, a 
neutralidade ignora a presença da história individual no contexto da atividade social. 
Assim, o mediador pode ser mais do que uma pessoa, pode ser a fala, os 
significados, o próprio problema. A mediação não tem fim, somos mediados 
constantemente pelo contato social; aprendemos constantemente e o simples fato 
de se colocar disponível à busca do outro torna ao estagiário do CDH um mediador. 
Então, na tentativa de entender os trabalhos desenvolvidos em nosso 
estágio e seus objetivos à luz das discussões sobre mediação, afirmamos que 
buscamos mediar práticas frente às questões sociais que se colocam ao serviço de 
atendimento psicológico disponibilizado por este projeto de assistência jurídica e 
psicológica do CDH – a ser discorrido adiante – com vistas à emancipação dos 
atores sociais que apresentam as demandas de vulnerabilidade social, buscando 
assim novas alternativas para as complexas questões da sociedade contemporânea, 
pois, entende-se que essas questões centrais de nossa prática em Psicologia no 
CDH dizem respeito a toda uma concepção de Psicologia compromissada com a 
sociedade brasileira. Trata-se de um entendimento da Psicologia como sendo 
essencialmente social, pois, concordando com Lane (1984): 
 
 
 
33
esta afirmação não significa reduzir as áreas específicas da Psicologia à 
Psicologia Social, mas sim cada uma assumir dentro da sua especificidade 
a natureza histórico-social do ser humano. Desde o desenvolvimento infantil 
até as patologias e as técnicas de intervenção, características do psicólogo, 
devem ser analisadas criticamente à luz desta concepção do ser humano – 
é a clareza de que não se pode conhecer qualquer comportamento humano 
isolando-o ou fragmentando-o, como se este existisse em si e por si (1984, 
p. 19). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
34
 
 
3 O CONTEXTO BRASILEIRO 
 
 
Propormo-nos a mediar práticas frente às questões sociais que se colocam 
ao serviço de atendimento psicológico disponibilizado pelo Projeto de Assistência 
Jurídica e Psicológica (PAS-JP), do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça 
Bráz, em Joinville (CDH), com vistas à emancipação dos atores sociais que 
apresentam as demandas de vulnerabilidade social, buscando assim novas 
alternativas para as complexas questões da sociedade contemporânea, implica em 
algumas reflexões acerca do contexto que o demanda: a realidade brasileira. 
Ainda que se reconheça os perigos de uma condensação demasiada de 
todos os aspectos desta realidade, especialmente quando propomo-nos a um 
resgate histórico, pois elementos importantes poderão ser deixados à margem, faz-
se, à guisa de contextualização, uma síntese muito breve da história deste país, que 
permita uma visão panorâmica do processo, reconhecendo-se que isto não irá 
esgotar o assunto. No entanto, mesmo localizando essas limitações, a opção em 
realizar tal contextualização advém da procura de tentar compreender um pouco 
quais são os fatores que pesaram na construção de certos cenários contemporâneos 
encontrados em nossa prática de estágio no PAS-JP: a violência, a vulnerabilidade e 
a exclusão social. Sabemos que os vários determinantes históricos destas questões 
não ocorrem isoladamente de um determinado tempo ou contexto social. 
Segundo Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) do PNUD 
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Brasil ocupa o 69º lugar 
no ranking mundial (numa lista de 177 países e territórios) no quesito Índice de 
Desenvolvimento Humano. Este índice é, conforme a análise deste relatório, a 
síntese de quatro indicadores, que são: Produto Interno Bruto (PIB) per capita, 
expectativa de vida, taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais de 
idade e taxa de matrícula bruta nos três níveis de ensino (PNUD, 2006). 
A título de ilustração, cita-se o modo de realização deste cálculo: em 
educação, faz-se a relação entre a população em idade escolar e o número de 
pessoas matriculadas no ensino fundamental, médio e superior. No caso da renda, o 
índice é avaliado a partir do Produto Interno Bruto per capita, ajustado pela paridade 
 
 
35
do poder de compra (dólar PPC, taxa que elimina as diferenças de custo de vida 
entre os países). Finalmente, para verificar a longevidade, o PNUD utiliza a 
esperança de vida ao nascer (PNUD, 2006). 
Todavia, há que se ressaltar que o país, segundo este mesmo relatório, é 
campeão em má distribuição de renda: concentração de grandes fortunas com 
poucas pessoas e uma quantidade muito grande de pessoas vivendo em situação 
de pobreza, denotando “[...] as profundas situações de desigualdade que 
caracterizam os actuais padrões de globalização e apanhando os agregados 
familiares vulneráveis em ciclos de pobreza” (PNUD, 2006). 
Tomando o cuidado de não simplificar exageradamente, pode-se dizer que 
este índice é resultado, em parte, da longa história brasileira de exploração e 
concentração de renda, desde os tempos de Brasil-colônia. Enquanto ex-colônia 
portuguesa, quando o país conquistou sua independência (1822), suas bases 
socioeconômicas e políticas estavam calcadas nas grandes propriedades rurais de 
monocultura e exportadoras de produtos primários. Calcava-se ainda na utilização 
da força de trabalho escrava e na rígida organização social que mantinham 
separados brancos proprietários de terras, escravos, homens livres sem terras e 
indígenas (ADORNO, 1988,p. 28 apud ADORNO, 2002, p. 84). A organização 
política, por sua vez, consistia-se de um regime oligárquico, com pouca organização 
político-partidária e incipiente mobilização de grupos subalternos (DONNELL, 1988 
apud ADORNO, 2002, p. 85). 
Após cerca de seis décadas de duração da estrutura acima descrita (até 
1889), que consolidou elites políticas regionais, o cenário brasileiro gradativamente 
passou a apresentar mudanças: o eixo econômico, antes localizado na região 
Nordeste do país, a partir da produção e exportação de açúcar, paulatinamente 
transferiu-se para a região Sudeste, devido a grande produção de café que lá 
passou-se a desenvolver, utilizando-se mão-de-obra imigrante da Europa, para este 
fim contratada (regime de colonato) e finalmente, em 1889, deu-se a Proclamação 
da República (MARTINS, 1971 apud ADORNO, 2002, p. 85). 
A partir de então, a sociedade brasileira paulatinamente abandonou seu 
perfil agrário-exportador e passou a ingressar na era industrial, com maior 
dependência econômica em relação ao mercado externo e comércio 
internacionalizado. A partir daí, o que se observa é o contínuo caminhar da 
organização social em direção ao abandono das relações hierárquicas estamentais 
 
 
36
pela organização da vida social em classes (constituição do proletariado urbano). 
Este período passou a observar um aprofundamento nas situações de 
desigualdades regionais e a concentração de riquezas nas mãos dos cafeicultores, 
grandes proprietários rurais e a classe que se formava: os empresários industriais. 
Começa a surgir revoltas no campo e greves nas cidades (ADORNO, 2002). 
Em meados do século XX, grandes complexos industriais começaram a 
desenvolver-se na região Sudeste, estimulados pela substituição das exportações, 
pela política de subsídios estatais, regulação das atividades econômicas e o grande 
protecionismo da indústria nacional. Tal fato incentivou veementemente a 
consolidação do capitalismo no país, o grande crescimento econômico de então 
(década de 1970), a modernização da infra-estrutura tecnológica e da infra-estrutura 
urbana (SANTOS, 1993 apud ADORNO, 2002). Todavia, já em 1980, uma 
substancial crise socioeconômica se colocou, com elevadíssimas taxas de inflação e 
baixo crescimento. Os governos perceberam que a política de substituição das 
exportações não mais cabia, buscando saída na abertura econômica, iniciando um 
grande programa de privatizações, integrando a economia do país ao mercado 
globalizado (ADORNO, 2002). 
O autor (2002) continua, neste resgate histórico, nos ensinando as 
conseqüências funestas do tipo de desenvolvimento acontecido no país. As 
tendências que apresenta incluem: o crescimento da delinqüência urbana; a 
emergência da criminalidade organizada (especialmente voltada ao tráfico 
internacional de drogas); violações graves aos direitos humanos; e finalmente, a 
explosão de conflitos nas relações intersubjetivas. Todas estas conseqüências estão 
permeadas pela violência, tema cuja discussão vem aumentando 
consideravelmente, especialmente nas últimas três décadas. Os primeiros debates 
voltavam-se especialmente para a violência institucional (na forma do arbítrio do 
Estado), pois desde o início da República, há exemplos de trabalhadores das 
cidades, pauperizados, sendo vistos como pertencentes às classes perigosas e 
consequentemente, passíveis de detenções ilegais, submetimento à tortura e maus 
tratos em delegacias. Há que se pontuar que, quando lançou-se, finalmente, os 
primeiros olhares preocupados para este tipo de contenção da criminalidade, havia 
uma crença de que a criminalidade tinha raízes estruturais, isto é, atribuía-se a 
delinqüência ao capitalismo, às estruturas de exploração e dominação e à exclusão, 
estabelecendo-se portanto, uma “associação mecânica, por assim dizer, entre 
 
 
37
pobreza e violência” (ADORNO, 2002). Imediatamente, as elites conservadoras 
contestaram este argumento, explicando que a violência estava ligada à falência das 
políticas retributivas (isto é, na repressão dos crimes e na aplicação rigorosa da lei), 
ao invés de estar ligada à falência das políticas distributivas. Este embate de 
posicionamentos proporcionou, na seqüência, novos olhares para a questão, 
favorecendo a percepção de que a associação mecânica acima citada (violência e 
pobreza) trazia mais problemas do que soluções, visto que, ainda que a maioria dos 
delinqüentes fosse originária das classes trabalhadoras empobrecidas, a maioria 
destes não direcionava-se para a criminalidade. Logo, concluiu-se que o foco no 
problema não estava na pobreza, mas na criminalização das pessoas pobres 
(ADORNO, 2002). 
Patto (1999) complementa: 
 
As diferenças de qualidade de vida entre as classes sempre foram 
justificadas através de explicações geradas pelos que, em cada ordem 
social, são considerados competentes para elaborar uma interpretação 
legítima do mundo e a interpretação tida como verdadeira é a que dissimula 
e oculta, com maior sutileza, que as divisões sociais são divisões de 
classes, o que equivale a afirmar sua condição ideológica, aqui entendida 
como “um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias 
e valores) e de normas ou regras (de conduta)... cuja função é dar aos 
membros de uma sociedade divida em classes uma explicação racional 
para as diferenças sócias, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais 
diferenças à divisão da sociedade em classes” (Chauí, 1981ª, p. 113-114) 
(PATTO, 1999, p. 75) 
 
Salientando-se que o princípio básico que norteia o Centro de Direitos 
Humanos Maria da Graça Braz, contexto da realização deste estágio, é a luta pela 
vida, contra todas as formas de violência, faz-se necessário aqui lançarmos um olhar 
mais apurado a esta questão: a violência, conforme o subtítulo que segue. 
 
3.1 VIOLÊNCIA 
 
Para abordarmos a questão da violência, apresenta-se aqui alguns conceitos 
postulados pela socióloga alemã Hannah Arendt, que tratou sobre o assunto em seu 
livro Sobre a Violência (1994). Nesta obra, Arendt diferencia poder de violência, 
elucidando cinco conceitos, deixando claro, deste modo, o que é o poder e o que 
não pode ser poder. São elas: poder, vigor, força, violência e autoridade. A autora 
faz esta distinção entre os cinco conceitos já que, em seu entendimento, distinguir 
 
 
38
apenas poder de violência, seria insuficiente, já que não abarcaria outras dimensões 
da realidade, também importantes (PERISSINOTTO, 2004). 
Segundo a autora, 
 
poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para 
agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a 
um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo se 
conserva unido (ARENDT, 1994, p. 36). 
 
Já o vigor, para esta autora (1994), é entendido como uma entidade 
individual, sendo inerente a um objeto ou alguma pessoa, pertencendo ao seu 
caráter. Pode se provar a si mesmo na relação com as outras pessoas ou objetos, 
entretanto, sendo diverso destas. 
Em relação à força, a autora (1994) entende que está ligado ao termo 
‘violência’, mas mais utilizado na fala cotidiana. Contudo, ela compreende que este 
termo “[...] deveria ser reservado, na linguagem terminológica, às ‘forças da 
natureza’ ou ‘à força das circunstâncias’ isto é, deveria indicar a energia liberada por 
movimentos físicos ou sociais” (ARENDT, 1994, p. 37). 
Quanto à autoridade, Arendt (1994) postula que é colocada em pessoas e 
“sua insígnia é o reconhecimento inquestionável por aqueles a quem se pede que 
obedeçam; nem a coerção nem a persuasão são necessárias” (ARENDT, 1994, p. 
37). 
Finalmente, o último conceito e sobre o qual mais nos debruçaremos neste 
estudo, a violência, é entendido por Arendt (1994) como tendo um caráter 
instrumental, 
 
[...] próxima do vigor, posto que os implementos da violência, como todas as 
outras ferramentas, são planejados e usados

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