Buscar

O Guia Prático da Psicologia Forense

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 76 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 76 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 76 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

3 
Como aproveitar seu ebook 
 
A área Jurídica/Forense é um excelente campo de 
atuação na Psicologia, com altas perspectivas de ganho e 
ainda em pleno crescimento; especialmente aqui no Brasil! 
 Mas você mesmo já deve ter se perguntado como 
funciona nosso trabalho, afinal: se realizamos 
atendimentos clínicos, como é nossa atuação, se lidamos 
com cenas de crime, que tipo de casos nós atendemos e 
quais as técnicas que nós utilizamos, não é mesmo? 
A verdade é que a Psicologia Jurídica/Forense é muito 
mais do que mostram os filmes de Hollywood ou as séries 
estilo CSI. Neste ebook eu vou te mostrar como nossa 
profissão funciona na vida real – já na primeiríssima parte, 
te entrego uma série de histórias e exemplos práticos e 
objetivos de casos reais com os quais eu mesma trabalhei 
ao longo dos meus anos de carreira. 
Durante a leitura dessa parte, você provavelmente vai 
descobrir muita coisa nova, mas também vão surgir várias 
dúvidas! Não se preocupe: logo na sequência, eu explico 
tudo que você precisa saber sobre o estado da profissão 
aqui no Brasil, como é o processo de inserção nesse 
mercado, e te dou ainda mais exemplos de atuação – só que, 
dessa vez, de uma forma bem mais abrangente, englobando 
o dia-a-dia de diferentes áreas de trabalho, ao invés de 
casos específicos. 
4 
Depois, te conto como foi a minha própria trajetória – 
do estágio ao doutorado em Psicopatia (e muito além) – e te 
falo sobre o trabalho que eu desenvolvi como professora; 
ensinando, para centenas de alunos, a Psicologia Jurídica e 
Forense na prática. 
Pra te mostrar o que afinal eu quero dizer com esse 
termo, em seguida eu te conto a história completíssima de 
um dos casos mais marcantes que já atendi: uma moça que 
cometeu múltiplos assassinatos contra crianças, mas que 
buscava a reabilitação – um caso raro de Transtorno de 
Personalidade Antissocial1 diagnosticado em uma mulher. 
Você terá acesso à história da infância dela, as 
dificuldades familiares, o processo terapêutico, o apoio 
psiquiátrico e todo o desfecho deste caso incrível. Já ouviu 
dizer que é impossível recuperar um psicopata? Essa 
história vai te mostrar uma perspectiva diferente. O caso 
inclui [comentários profissionais] para que você 
compreenda bem como funcionam nossas estratégias, 
além de {definições de termos técnicos} com breves 
explicações sobre palavras ou expressões que você talvez 
ainda não conheça ou não lembre do significado. 
Por último, ao final do ebook, explico pra você quais 
são seus próximos passos para ingressar nessa área incrível 
e promissora, com uma demanda altíssima de profissionais 
verdadeiramente qualificados. Espero que você goste! 
 
1
 Critérios diagnósticos oficiais do TPAS inclusos ao final do ebook (pág. 71) 
5 
ÍNDICE 
 
06 ................................................................................ CASOS REAIS 
12 ....................................................................... CASOS GERAIS 
17 ............................................................ A FORENSE NO BRASIL 
22 .................................................................................. NO PAPEL 
25 ............................................................................ NA PRÁTICA 
30 ........................................................... MINHA TRAJETÓRIA 
38 .................................................................................... PERSONNA 
 40 .................................................................................... BROOKS 
 44 ............................................................................ PSICOPATIA 
 51 ........................................................................................ ABUSO 
 55 ..................................................................................... FAMÍLIA 
 62 ............................................... CONFLITO E RESOLUÇÃO 
68 .................................................................. PRÓXIMOS PASSOS 
73 .................................................................................. Dra. Elisa Krüger 
74 ...................................................................................... Critérios TPAS 
75 ............................................................................................ Referências 
6 
 
 
 
 
 
 
 
 
 CASOS REAIS 
 
 
 
 
 
 
 
7 
O que vem a seguir é uma coleção de histórias 
verdadeiras que aconteceram comigo no decorrer dos 
meus anos de trabalho com a Psicologia Forense. 
O objetivo deste capítulo é apresentar para você 
alguns exemplos extremamente práticos de atuação 
profissional logo no início, para depois te explicar melhor 
sobre as diversas possibilidades e perspectivas de inserção 
na carreira, tirar suas dúvidas e responder algumas das 
perguntas que com certeza vão surgir ao longo da sua 
leitura. 
Vamos lá? 
 
 Caso 1 – Certo dia, um senhor de idade começou a ter 
diversos problemas no trabalho porque passou a sofrer 
surtos do tipo psicótico durante o dia – seu emprego era 
muito desgastante e ele passou a não conseguir mais 
trabalhar. 
Depois de consultar diversos médicos para receber 
uma descrição mais precisa do que, afinal, estava 
acontecendo, ele recebeu enfim um diagnóstico: sofria de 
esquizofrenia. 
Diante do parecer, esse senhor foi então buscar o 
exercício de sua aposentadoria no INSS; mas ao passar pela 
perícia dos médicos do órgão, recebeu uma conclusão 
contradizendo o diagnóstico anterior e estabelecendo que 
poderia voltar a trabalhar sem problemas. 
8 
Foi aí que ele me buscou como perita especialista, para 
que eu produzisse um laudo capaz de contrapor o 
documento apresentado pelo INSS na Justiça, provando 
que ele era, de fato, esquizofrênico e portanto tinha direito 
ao benefício. 
Assim sendo, apliquei nele uma bateria de testes. Ao 
avaliar os resultados, ficou claro que realmente, era um 
caso de esquizofrenia – apresentei o laudo e nós ganhamos 
o processo na Justiça, garantindo a ele sua aposentadoria. 
Cabe ressaltar que, infelizmente, muitas perícias 
realizadas por órgãos públicos são realizadas às pressas e 
sem o instrumental adequado que é necessário para uma 
avaliação precisa de casos complexos como este. 
 
Caso 2 – Certa vez, uma senhora solteira de meia 
idade passou por todo o processo jurídico necessário e 
conseguiu, então, adotar uma pequena garotinha. 
Conforme o tempo foi passando, os vizinhos 
começaram a ouvir gritos e barulhos estranhos vindos do 
apartamento dessa senhora. Segundo eles, alguns casos 
estranhos de negligência costumavam acontecer por parte 
dela para com a criança – como uma vez em que ela 
abandonou o carrinho com o bebê no meio de um pátio e 
saiu para manobrar seu carro. 
Alguém dentre esses vizinhos, então, prestou uma 
denúncia contra a mulher, e eu fui chamada pela Vara de 
Infância para avaliá-la – verificando se ela apresentava 
9 
algum problema compatível com a denúncia e que a 
impedisse de permanecer com a guarda da garotinha. 
No fim das contas, a senhora não tinha nenhum tipo de 
complicação séria, e aparentemente toda a história era mais 
um exagero dos vizinhos do que um caso real de maus-
tratos. Assim sendo, ela recebeu toda uma orientação 
especial para os cuidados com a filha adotiva, mas 
conseguiu permissão para manter a guarda da menina. 
 
Caso 3 – Uma mulher acusava seu ex-marido de 
alienação parental porque ele jogava os filhos contra ela, 
dizendo que ela era “louca”. O marido conseguiu, inclusive, 
a guarda das crianças através dessa alegação. 
Eu fui então contratada como perita particular neste 
caso para fazer a avaliação psicológica dessa mulher e 
determinar se ela apresentava de fato sinais de algum tipo 
de transtorno mental. 
Com os resultados da avaliação em mãos, eu ajudei o 
advogado dela a redigir uma peça para entrarna justiça com 
um processo para que ela pudesse reaver a guarda dos 
filhos. 
 
Caso 4 - Um rapaz apresentava certos problemas de 
conduta, e foi encaminhado para uma psicóloga. Ao 
consultar com ela, recebeu o diagnóstico de Psicopatia. O 
pai dele, então, veio me procurar, porque não concordava 
com esse diagnóstico, e queria uma nova avaliação. 
10 
Ele procurou a mim porque o filho estava envolvido 
com a Justiça; e o diagnóstico de uma especialista dizendo 
se ele é ou não é de fato um psicopata tem influência direta 
no processo, no crime e no tratamento atribuído ao caso. 
Por esse motivo, o pai precisava de um laudo bem 
respaldado, assinado por um(a) profissional experiente. 
Para produzir esse laudo, eu precisei aplicar testes e fazer a 
avaliação psicológica do filho, para em seguida avaliar os 
resultados e determinar se eram compatíveis ou não com o 
diagnóstico dado pela primeira psicóloga. 
 
Caso 5 – Uma vez atendi o caso de uma mulher que 
entrou na Justiça querendo reaver a guarda da filha 
adotiva, que havia sido colocada num abrigo público. 
Isso aconteceu porque supostamente a mulher, 
juntamente com seu companheiro, cometia abusos sexuais 
contra a criança. 
Coube a mim, então, avaliar essa mulher para 
determinar se o perfil era de fato compatível com a 
acusação: feitos os testes, verifiquei que, infelizmente, ela 
era de fato uma abusadora agressiva (o companheiro foi 
avaliado por outro psicólogo). 
Assim sendo, a criança foi mantida no abrigo público, 
sem poder retornar para junto do casal. 
 
 
 
11 
Caso 6 – Uma mulher acusava seu marido de abusar 
sexualmente da filha; porém ela não tinha como comprovar 
que isso era verdade (certos tipos de abuso não deixam 
marcas visíveis – no caso de carícias íntimas, por exemplo). 
O marido, então, aproveitou pra rebater a acusação, 
alegando que a mãe estava inventando a história toda, e, 
portanto, praticando alienação parental. 
Nesses casos (isso aconteceu duas vezes, em situações 
semelhantes) eu trabalhei ajudando o advogado da mulher 
a manejar o processo na Justiça de forma a exigir uma 
avaliação psicológica do marido, para que fosse possível 
provar que o perfil dele realmente era compatível com a 
acusação – então fui contratada pela mãe para fazer uma 
assessoria técnica no processo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
CASOS GERAIS 
 
Existem algumas situações que são muito comuns no 
meu trabalho e, portanto, já atendi vários casos 
semelhantes que cabem dentro de uma mesma categoria. 
Os exemplos a seguir não são de histórias individuais, e sim 
de situações desse tipo: 
 
Homens com tendências à pedofilia muitas vezes me 
procuram, sob denúncia ou não, para receberem 
tratamento contra esses impulsos sexuais. 
Eu presto, então, todo o atendimento clínico possível e 
necessário para a recuperação desses homens, além de 
fornecer orientações sobre o processo judicial (caso 
estejam respondendo algum), ajudando, através de um 
laudo, a atestar que eles estão sob tratamento e dando meu 
parecer sobre a perspectiva de melhora (ou ausência dela). 
 
No Ministério Público, eu lidei com diversos casos de 
homens acusados de abuso sexual contra mulheres no 
transporte público. 
Eu então avaliava esses homens pra verificar se eles 
tinham perfis compatíveis com o abuso – se apresentavam, 
por exemplo, alguma psicopatologia que sugeria risco para 
a sociedade, sendo necessária (ou não) a tomada de 
medidas específicas. 
 
13 
Na Vara de Execuções Penais, trabalhei muito com 
avaliação de presos para verificar se eles estavam em 
condições para progredir de regime. 
 A progressão de regime prisional no Brasil acontece 
durante o cumprimento da pena – do regime fechado para o 
semiaberto e então para o aberto. 
O regime fechado é aplicado em casos de crimes 
graves, onde o condenado apresenta risco claro para a 
sociedade. Decorrido certo tempo, abre-se a possibilidade 
de progressão para o regime semiaberto, que testa as 
condições do preso para a reinserção na sociedade. 
Devido ao caráter dos crimes cometidos, muitas vezes 
os juízes ficam preocupados em confiar somente em 
aspectos subjetivos para permitir a progressão, e então eu 
sou chamada para fazer uma avaliação psicológica e de 
risco para determinar, de forma mais objetiva, o quão 
seguro é permitir que essa pessoa siga para o regime 
semiaberto, onde ela responde em liberdade durante o dia, 
e volta para o presídio à noite. 
O mesmo procedimento acontece na progressão para 
o regime aberto, que é cumprido em liberdade na prática, 
mas segue sob processo na Justiça. 
 
Existem casos onde um(a) colega da Psicologia faz uma 
avaliação incorreta ou entrega um diagnóstico parcamente 
embasado para um paciente; ou mesmo casos onde algum 
profissional que nem sequer é da área da Psicologia resolve 
falar como se fosse – como pedagogos, psiquiatras, 
14 
assistentes sociais e até mesmo coaches e praticantes de 
atividades, digamos, não-oficiais. 
Meu trabalho, então, é ler a documentação que foi 
produzida por esses profissionais e verificar a validade dos 
pareceres em questão: se há algo errado ou fora do padrão; 
qual o embasamento utilizado; que tipo de erros foram 
cometidos (ou não); etc. 
Em seguida eu uso todos esses quesitos para produzir 
uma análise documental apontando cada uma dessas 
questões. 
Fazemos isso também em processos, como no caso de 
alguém que foi condenado sem a realização de, por exemplo 
(aí depende da situação): um exame de corpo de delito; uma 
necropsia da vítima; uma perícia específica, etc. 
 
Já atendi algumas famílias que me trouxeram seus 
parentes com alegação de que eram pessoas em 
descontrole comportamental e que não podiam gerenciar 
seus bens e finanças, porque sofriam de eventuais surtos 
onde gastavam quantias exorbitantes de dinheiro. 
Nesses casos, é necessário que a família consiga uma 
interdição civil da pessoa em questão, sendo necessário um 
laudo psicológico com psicodiagnóstico atestando a validez 
da alegação – a família então me contrata para que eu faça 
os testes específicos e produza esse documento. 
 
 
15 
Muitos homens me procuram sendo vítimas de falsas 
acusações de abuso sexual contra filhas e enteadas – hoje 
em dia, um grande número de mulheres pratica uma forma 
especialmente perversa de alienação parental através 
desse tipo de acusação, podendo envolver alegações de 
abuso sexual, pedofilia e estupro. 
Meu trabalho é avaliar esses homens para verificar se 
eles têm características psíquicas compatíveis com o perfil 
da acusação, ou se esta é falsa e infundada. 
 
Sobre um tipo de trabalho que você muito 
provavelmente tem curiosidade: o perfil criminal – aquela 
parte “CSI” da prática forense. 
Funciona da seguinte forma: diante de um crime que 
ninguém sabe quem cometeu, a psicóloga ou o psicólogo 
forense pode trabalhar nos detalhes da ocorrência, da cena 
do crime e do modus operandi (todas as particularidades da 
execução). 
Especialmente no caso de crimes em série, nós 
verificamos quais são as características em comum entre os 
múltiplos crimes e traçamos um perfil do provável autor, 
apontando se é um indivíduo agressivo ou se não é, se tem 
uma fixação num determinado detalhe do crime, se existe 
uma característica obsessiva compulsiva, se ele é detalhista 
e metódico ou se é descuidado e apresenta propensão a 
deixar pistas, se o crime foi premeditado ou não, o que há de 
comum entre as vítimas, e detalhes do tipo. 
16 
Isso não significa que nós temos poder para apontar 
exatamente quem é o culpado – isso é papel da perícia 
técnica da polícia criminalística, que trabalha com todo o 
processo de coleta de DNA, análise de impressões digitais, e 
outros métodos de alta eficácia para auxiliar em um 
julgamento preciso. 
Nosso trabalho com suspeitos específicos é o de 
determinar probabilidade: diante de dois outrês suspeitos, 
avaliar cada um deles e dizemos qual dos perfis é mais 
compatível com o do autor do crime em questão, em quais 
aspectos, que características se assemelham mais, etc. 
Isso tudo fica registrado e é um dos quesitos que a 
polícia leva em consideração para definir o verdadeiro 
culpado – esse não é nosso trabalho. 
 
 Enfim, eu poderia escrever um livro inteiro só sobre 
exemplos de atuação e situações que já atendi, mas acredito 
que essas informações tenham sido suficientes para 
desmistificar alguns preconceitos, esclarecer algumas 
dúvidas, e trazer bastante informação nova – despertando, 
eu espero, muitas outras dúvidas sobre como afinal você, 
estudante ou formada(o) em Psicologia, pode se 
transformar de uma mera curiosa ou um mero curioso para 
um(a) profissional de uma das áreas de maior demanda e 
menor concorrência da Psicologia brasileira. 
 
E é justamente a resposta para essa pergunta que eu 
entrego pra você nas próximas seções. Leia com atenção! 
17 
 
 
 
 
 
 
 
 
 A FORENSE 
 NO BRASIL 
 
 
 
 
 
 
 
 
18 
Em primeiro lugar, precisamos entender as diferenças 
e semelhanças entre Psicologia Jurídica e Psicologia 
Forense: existe uma grande interseção entre as duas, mas 
são áreas diferentes. 
A Psicologia Jurídica é uma área guarda-chuva, mais 
ampla – que como o próprio nome diz, engloba diversas 
atividades relacionadas ao direito, sob a perspectiva 
psicológica: no Brasil, envolve demandas como os litígios de 
Varas de Família (casos de disputas de guarda, acusações de 
negligência, adoções etc.) e casos de responsabilidade civil 
(interdições, casos de insanidade, aposentadorias etc.), 
dentre outras. 
Já a Psicologia Forense, aqui no país, é uma área de 
cunho criminal e penal, dentro da Jurídica – e, portanto, 
mais específica. Envolve atuação em presídios, vara de 
execução penal, avaliação psicológica de pessoas em 
conflito com a lei e muitas outras funções do tipo, sempre 
relativas ao cometimento de crimes. 
Não existe ainda hoje (em dezembro de 2019) a 
obrigatoriedade de formação ou especialização específica 
para que se possa trabalhar nessas áreas, na maioria dos 
casos: ou seja, qualquer pessoa que tenha um diploma de 
Psicologia pode se inscrever em concurso para uma vaga de 
psicóloga ou psicólogo jurídico/forense, e se passar na 
prova, atuará oficialmente com esse cargo – novamente, 
mesmo que não tenha nenhum tipo de formação, 
especialização, prática ou conhecimento na área. 
19 
E isso é bom? Não. É péssimo! Para a profissão, para as 
instituições, para os clientes e pacientes e claro, para a 
sociedade como um todo. 
“Ah, mas para trabalhar, é ótimo! Uma área de alta 
demanda, baixa concorrência e que não precisa de prática 
nem de conhecimento aprofundado...” – é possível que 
algumas pessoas tenham essa ideia ao conhecer sobre a 
forma de contratação. E não, infelizmente (felizmente, pra 
sermos francos) também não é bom para quem tem esse 
pensamento. 
Por quê? 
Porque, nesse caso, qualquer psicólogo com uma 
formação generalista pode conseguir um emprego 
trabalhando em uma função para a qual tem pouquíssimo 
ou nenhum preparo, aprendendo apenas aquilo que vai 
praticar no dia-a-dia da profissão, e nada mais. 
Já ministrei palestras, por exemplo, sobre avaliação 
psicológica para psicólogos que atuavam na área 
jurídica/forense há anos. Quando terminei de falar, eles me 
olhavam com espanto; então eu percebi que muito do que 
eu dizia parecia uma novidade incrível para eles quando, na 
verdade, é um conhecimento básico que deveria fazer parte 
da formação inicial desses profissionais! 
E isso não é culpa dessas pessoas. O fato é que nós 
quase não temos, aqui no Brasil, cursos completos e de 
qualidade voltados para a formação de jurídicos/forenses. 
20 
Então, de profissionais com capacitação incompleta, o 
mercado já está cheio – não adianta você se tornar mais um. 
“Mas você não disse que essa era uma área de alta 
demanda e baixa concorrência?” Sim, eu disse – e é verdade. 
Existe uma grande oportunidade pra você nesse mercado, 
desde que você atenda a três requisitos indispensáveis: 
1- Formação específica e de qualidade; 
2- Capacitação técnica de verdade; 
3- Determinação para fazer um trabalho bem-feito. 
É somente dessa forma que você realmente tem a 
chance de aproveitar a alta demanda – que é de 
profissionais realmente qualificados, não de psicólogos 
buscando uma forma fácil de ganhar dinheiro; 
E é somente dessa forma que você realmente tem a 
chance de aproveitar a baixa concorrência – pois como 
pouquíssimos psicólogos jurídicos/forenses apresentam 
conhecimento completo da profissão, você terá muito mais 
facilidade em se destacar e obter renome na sua carreira; 
simplesmente por demonstrar o conhecimento teórico, 
técnico e as habilidades que te diferenciam como um 
verdadeiro profissional da área. 
Fiz questão de exagerar no destaque dessa parte pra 
que você entenda muito bem qual é a perspectiva real de 
sucesso nesse mercado! 
21 
Não existe resultado sem esforço – mas você pode 
direcionar bem seu esforço para que ele gere o máximo de 
resultado. E aprender/praticar a Psicologia Forense de 
verdade é um excelente direcionamento do seu esforço. 
“Ok, mas e como eu faço isso então?” 
Eu vou te falar especificamente sobre como você pode 
se tornar uma das primeiras ou um dos primeiros a fazer 
parte desse grupo tão seleto e tão necessário de 
profissionais amplamente capacitados. 
Mas antes disso, nos próximos capítulos, vou te 
explicar melhor sobre a profissão aqui no Brasil – na teoria 
(envolvendo toda a burocracia e os procedimentos oficiais) 
e na prática (incluindo a minha própria trajetória e alguns 
exemplos mais amplos de atuação) –, pra que você possa 
entender melhor onde está pisando. 
 
 
 
 
 
 
 
22 
NO PAPEL 
 
Em outros países, existe um caminho muito bem 
delineado para seguir a carreira de Psicologia 
Jurídica/Forense, como, por exemplo, a exigência de um 
doutorado na área (é o caso dos EUA), mas, por enquanto, a 
situação é bem diferente aqui no Brasil, onde ainda existe 
pouca padronização. 
Hoje há duas formas de se tornar oficialmente uma 
psicóloga ou um psicólogo jurídico por aqui, sendo 
necessário, claro, ter uma graduação em Psicologia: 
1- Obtendo o título de Especialista em Psicologia 
Jurídica – isso, por sua vez, pode ser feito de duas formas: 
1a- Através de uma especialização lato sensu em 
Psicologia Jurídica (algumas poucas universidades 
hoje oferecem essa opção); 
1b- Através do concurso de provas e títulos do 
CFP (Conselho Federal de Psicologia), que te fornece 
esse título caso você alcance a pontuação mínima. 
 O título de especialista por si só, porém, não te coloca 
no mercado; mas mostra que você tem algum conhecimento 
específico da área. 
https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-administrativa-financeira-n-13-2007-institui-a-consolidacao-das-resolucoes-relativas-ao-titulo-profissional-de-especialista-em-psicologia-e-dispoe-sobre-normas-e-procedimentos-para-seu-registro?origin=instituicao&q=13/2007
23 
 2- Obtendo aprovação em concurso para ocupar o 
cargo de psicóloga ou psicólogo jurídico – mesmo sem ter 
formação específica, como eu mencionei no último capítulo. 
Este tipo de concurso vai testar o seu conhecimento 
sobre a Psicologia Jurídica através de diversas perguntas 
sobre a área. 
A não ser que você faça uma especialização de 
qualidade para só depois passar em concurso, você vai 
sofrer com a ausência completa de formação teórica, e o 
aprendizado de uma prática extremamente restrita ao 
cargo e à função que você assumiu – sem nunca obter 
capacitação completa. E isso tudo só na Psicologia Jurídica. 
Caso você busque capacitação em Psicologia Forense 
aqui no Brasil, você encontrará apenas uma ou duas 
instituições que oferecem um curso de mestradonesta 
área, que costuma ser longo e bem caro. 
Porém, o mestrado te fornece capacitação teórica que 
te torna qualificada(o) a ensinar e pesquisar sobre 
Psicologia Forense, mas não exatamente todos os macetes 
e segredos de como praticá-la de fato; como é o caso da 
maioria dos mestrados. 
Para obter uma capacitação completa e de qualidade, 
que te permita atuar diretamente como uma psicóloga ou 
um psicólogo forense plenamente capacitada(o), você hoje 
precisa fazer o que eu mesma fiz há alguns anos: 
24 
Buscar formação fora do Brasil, em países como 
Holanda, Inglaterra e Estados Unidos. 
Pois é... 
Não sei se você concorda comigo, mas eu acho 
absurdo que um país como o nosso ainda esteja tão 
atrasado em uma área que é, na verdade, essencial para a 
própria realidade social, jurídica e carcerária, dentre tantas 
outras que compõe a situação problemática que 
enfrentamos há décadas por aqui. 
E é exatamente por esse motivo que comecei o projeto 
online do Tese Personna. 
Nosso grande objetivo é justamente mudar essa 
realidade, trazendo a legítima Psicologia Forense – que já é 
praticada há anos em países da Europa e América do Norte 
– também para o Brasil. 
Lá na frente eu te explico melhor sobre isso: por hora, 
vamos falar sobre o estado da profissão por aqui na prática. 
 
 
 
 
 
25 
 NA PRÁTICA 
 
Como psicólogas e psicólogos jurídicos/forenses, nós 
encontramos duas grandes áreas de atuação: no mercado 
autônomo ou no mercado formal. 
Como profissional autônomo, você conquista sua 
especialização, abre um consultório e pode receber 
demanda de trabalho por parte de advogados, promotores, 
juízes e pessoas envolvidas em questões legais ou seus 
familiares. 
Esses clientes vão requisitar os seus serviços para 
avaliações psicológicas, fornecimento de laudos para a 
justiça, perícias de diversos tipos, pareceres sobre sanidade 
mental, possibilidade ou impossibilidade de aposentadoria, 
compatibilidade com perfis de inocentes ou culpados de 
determinados crimes e diversas outras funções do tipo. 
Você também pode trabalhar como perita(o), dando 
pareceres sobre laudos, avaliações e determinações de 
colegas de profissão seus – com os quais seu cliente não 
concordou, e por isso te procurou para fornecer uma 
análise diferente dos fatos. Claro que sua análise poderá ser 
idêntica à anterior (caso ambas tenham sido bem-feitas), 
mesmo que o cliente discorde do resultado. 
Outra opção é trabalhar como assistente técnica(o) de 
advogados, ajudando-os em seus casos por meio de 
26 
argumentos e técnicas relativos à Psicologia. Esse trabalho 
pode ser feito diretamente com o advogado, por escrito, em 
um escritório; ou durante audiências em tribunais, onde 
você permanece ao lado do advogado e fornece orientações 
específicas a ele durante a sessão. 
Outra possibilidade de atuação é, por exemplo, 
assistindo a depoimentos de vítimas menores de idade – 
que chamamos de “depoimentos sem dano”, pois devem ser 
conduzidos com muito cuidado para evitar uma nova 
experiência traumática para a criança ou o adolescente. 
 Nestes casos, acompanhamos o depoimento tentando 
detectar incongruências, mentiras e falhas, ou o contrário: 
identificando a legitimidade das alegações da vítima, e 
reportando os resultados a partir de colocações que 
fazemos para que o advogado apresente ao juiz do caso. 
Essas são algumas das funções mais comuns que 
podemos exercer como profissionais autônomos na área. 
Eu, particularmente, também presto atendimento 
psicoterápico a pessoas com Transtorno de Personalidade 
Antissocial, o que me coloca na interface da Psicologia 
Clínica com a Forense. 
Quanto às opções de emprego no mercado formal: 
Existem três lugares onde normalmente você encontra 
pessoas trabalhando com a Psicologia Jurídica e Forense 
nesse mercado: na Justiça (em Ministérios Públicos e 
27 
tribunais), no sistema prisional (presídios e Hospitais de 
Custódia e Tratamento Psiquiátrico) e na Polícia (Federal, 
Civil, perícia, etc.). 
Estas áreas contratam através da aplicação de 
concursos, cuja maioria, como já mencionei, não exige de 
fato a expertise que um profissional qualificado deve 
possuir, mas oferece esses cargos mesmo assim. 
Lá dentro você passa, então, a atuar como funcionário 
da instituição, atendendo a diversos tipos de demanda, que 
dependem da função específica que você assume. 
Muitos dos trabalhos nesse caso são semelhantes aos 
realizados por profissionais autônomos; porém, devido a 
seu vínculo empregatício, você enfrenta as desvantagens da 
subordinação às exigências de seus superiores e obtenção 
de menores rendimentos, mas com alguma estabilidade 
salarial (que pode, também, ser uma desvantagem, pois 
limita seus ganhos). 
Você também tem a opção de trabalhar numa empresa 
de advogados, por exemplo, através de um contrato de 
prestação de serviço terceirizado. Alguns tribunais têm um 
local onde você pode se cadastrar como perita para então 
exercer essa função conforme a necessidade aparece, 
sendo paga de acordo com o serviço prestado, mas sem ser 
de fato uma funcionária concursada. 
Uma área de forte contratação através de concursos 
públicos são os setores psicossociais de tribunais e 
28 
presídios (apesar de pouquíssimos, os presídios também 
empregam psicólogos – na Papuda, por exemplo, existe um 
contingente total de cerca de 8 psicólogas(os) para milhares 
de presos). 
Nesses casos também não existe a obrigatoriedade 
de especialização em jurídica para prestação do concurso 
– e aqui começa a ficar muito claro o porquê de isso ser um 
enorme problema, não é mesmo? 
É como se tivéssemos médicos formados, que não 
passaram por um ano de residência sequer, trabalhando 
oficialmente como neurocirurgiões! 
Sei que bato bastante nessa tecla, mas é importante 
ressaltar o máximo possível o fato de que temos um enorme 
problema no atual sistema de contratação e atuação de 
psicólogas e psicólogos jurídicos e forenses no Brasil. 
Quanto melhor você compreender essa realidade, 
maiores as chances de que você compreenda também a 
oportunidade que existe na nossa área – tanto em termos 
de ganho financeiro quanto de reconhecimento 
profissional e impacto social. 
 Temos a chance real de causar uma mudança 
gigantesca na forma como um dos setores mais 
problemáticos da sociedade brasileira é conduzido. 
São vidas humanas que estão em jogo. 
29 
É a perspectiva de preservar e transformar a vida de 
milhares de pessoas e de suas famílias através do nosso 
trabalho, obtendo grande reconhecimento e estabilidade 
financeira no processo. 
É dessa forma, e com esse objetivo, que eu mesma 
atuo como Psicóloga Forense há mais de 10 anos, fazendo 
aquilo que praticamente ninguém faz, e ensinando meus 
alunos a fazerem o mesmo. Vou te contar um pouco dessa 
história nas próximas páginas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
30 
MINHA TRAJETÓRIA 
 
Pra ser sincera, eu nunca havia cogitado trabalhar 
como psicóloga forense. 
Eu entrei no curso de Psicologia para atuar como 
psicóloga clínica, e, assim que possível, fui fazer estágio 
nessa área em um hospital psiquiátrico público. 
 Lá era comum que casos complexos fossem 
encaminhados para os estagiários, como forma de nos 
colocar em contato direto com a realidade que 
atenderíamos futuramente, como profissionais; então 
sempre que surgiam pacientes com transtornos mentais 
severos, autores de crimes pesados, usuários de drogas e 
etc., eles vinham parar em minhas mãos. 
Os meses foram passando, e por meio de muito estudo 
e supervisão, fui obtendo sucesso nos meus atendimentos. 
Comecei a gostar cada vez mais de trabalhar com esse tipo 
de gente, e eles também gostavam muito de mim e da minha 
abordagem. Pouco a pouco eu fui obtendo reconhecimento 
e meu trabalho começou a ser levado a sério lá dentro. 
Eu passei a trabalhar com avaliação psicológica peloteste de Rorschach (aquele das manchas de tinta no papel, 
que também aparece muito em filmes e séries), e os 
psicodiagnósticos que eu realizava eram sempre certeiros, 
31 
facilitando muito o trabalho dos psiquiatras do hospital, que 
começaram a confiar bastante na minha técnica. 
Por esse motivo, os casos encaminhados pra mim eram 
cada vez mais complexos – pessoas com sintomas de 
múltiplas psicopatologias diferentes, que os demais colegas 
não sabiam ao certo como diagnosticar, por exemplo, 
acabavam ficando sob minha responsabilidade. 
Fui então desenvolvendo bastante a minha prática ao 
longo dos anos com esses tipos de atendimento, ao mesmo 
tempo em que lia todos os livros possíveis sobre o assunto. 
Na época eu via tudo isso, porém, simplesmente como 
Psicologia Clínica: afinal era nessa área que eu estava 
oficialmente atuando. 
Alguns anos depois, tive um trabalho aceito para ser 
apresentado em um congresso internacional de Psiquiatria 
na USP – mal acreditei que tinha sido aprovada (menos 
ainda, claro, por ser psicóloga), mas viajei, então, até São 
Paulo para falar sobre o caso que embasou esse trabalho. 
Fui junto com meu orientador de mestrado, e depois 
do evento, fomos até um restaurante, nos sentamos e 
passamos a conversar sobre diversos assuntos acadêmicos 
e profissionais. Foi então que comecei a contar para ele 
sobre um dos casos que atendi no hospital. No meio da 
história, ele já me olhava com uma cara de espanto (esse 
caso, inclusive, é exatamente o mesmo que eu conto 
inteirinho pra você na próxima seção) – quando terminei, 
32 
ele, incrédulo, me perguntou se eu gostava de atender esse 
tipo de caso. 
Eu respondi que sim, que amava fazer isso. 
Ele então me confessou que, apesar de não trabalhar 
diretamente com a Psicopatia (era esse o diagnóstico do 
caso sobre o qual falamos), adoraria pesquisar mais sobre o 
tema juntamente com algum orientando de doutorado 
(durante o mestrado, trabalhamos com Avaliação 
Psicológica de pessoas em sofrimento psíquico grave 
(Psicose), tema no qual ele é uma das maiores autoridades 
da área, no Brasil e no mundo). 
Em seguida ele me fez uma proposta para 
desenvolvermos um projeto nesta área, e eu concordei – 
achando que era apenas uma conversa informal, sem muito 
significado. Conversamos durante mais algum tempo e 
então voltamos para o hotel, combinando de nos 
encontrarmos novamente na manhã seguinte. 
No dia seguinte, desci para o salão onde era servido o 
café da manhã, e me assustei: lá estava ele, debruçado 
sobre duas mesas lotadas de folhas de papel. 
Perguntei o que, afinal, era aquilo, e ele então me 
olhou, juntou duas ou três daquelas folhas, grampeou-as e 
as estendeu na minha direção. 
– Seu projeto de doutorado. 
33 
Eu, surpresa, peguei aqueles papéis e li atentamente. 
Então, respirei fundo e disse: “Ok.” 
Foi assim que aceitei a incumbência de montar um 
grupo de estudos na UnB sobre a Psicopatia, mapeando 
nas universidades do mundo inteiro os raríssimos 
professores e pesquisadores que falavam sobre o tema, 
para então viajar até alguns desses locais e aprender com 
cada um deles pessoalmente. 
Era um projeto tão complexo pelo simples fato de que 
praticamente ninguém falava seriamente sobre a Psicopatia 
na época, nem no exterior e muito menos no Brasil. Hoje em 
dia essa situação começa a mudar: apesar de estar ainda 
longe do ideal, há muito mais estudos sobre o tema, 
relatando inclusive a possibilidade de recuperação de 
psicopatas diagnosticados – na época, havia pouquíssimos. 
Durante os quatro anos do meu doutorado, então, 
desenvolvemos esse projeto, enquanto eu viajava para o 
Chile, Inglaterra, EUA e outros países, conhecendo o 
trabalho e as pesquisas de autores como Robert Hare, 
Willem Martens e Hilda Morana, em instituições como a 
Universidade de Oxford, Kings College de Londres, 
Universidade do Chile, de Nova York e da Pensilvânia. 
Pude entrar em contato direto com o estado da arte 
em relação a essa área, absorver uma quantidade incrível 
de conhecimento teórico, técnico e prático, e abrir meus 
horizontes para uma missão que ainda estava por vir... 
34 
De volta ao Brasil, certo dia eu fui para um presídio 
fazer uma inspeção de direitos humanos, pois um dos 
presos tinha supostamente cometido suicídio (a suspeita 
era de que ele tinha, na verdade, sido assassinado). 
Enquanto eu estava lá, a diretora da instituição soube que 
eu fazia doutorado na UnB e pediu para falar comigo. 
Encontrei-a, então, e ela me disse que estava precisando de 
estagiários e queria saber se poderíamos arrumar um grupo 
de estudantes para trabalhar no local. 
Assim que voltei para a universidade, falei com meu 
orientador sobre o assunto. Ele ligou para a diretora do 
presídio, conversou com ela, virou pra mim e disse: “Nós 
vamos montar a primeira disciplina de Psicologia Forense 
da história da UnB.” E mais uma vez, eu disse: “Ok.” 
De fato, precisávamos mandar psicólogas e psicólogos 
forenses bem capacitados para aquele presídio – alunas e 
alunos que possuíssem uma excelente base teórica e 
técnica sobre direitos humanos; de respeito aos pacientes; 
de ir além da mera patologização; que pudessem de fato 
fazer algo pela sociedade, e não simplesmente se tornassem 
parte da maioria de profissionais que se contentam em 
distribuir diagnósticos mal feitos a esmo. 
Escrevi então para o professor Bob Johnson, da James 
Naylor Foundation, em Londres – que me convidou para 
conhecer seu trabalho de perto. Ele gentilmente me 
mostrou seu projeto, seus livros, artigos e a estrutura de 
suas aulas e seminários. 
35 
Além dele, tive a oportunidade de aprender com 
outros psicólogos e psiquiatras forenses de renome 
mundial, como o Dr. Peter Breggin, especialista em 
psiquiatria crítica e o Dr. Adrian Cree, do Kings College de 
Londres, com quem fiz um treinamento em Avaliação de 
Risco. 
Nós então traduzimos e adaptamos todo esse 
conhecimento teórico, técnico e prático de acordo com a 
constituição brasileira e as leis de execução penal de nosso 
país - que possui características específicas na área do 
Direito - para que pudéssemos fornecer um material de 
vanguarda, baseado nas mais modernas técnicas forenses 
internacionais, sem que nossos alunos tivessem que gastar 
tanto tempo e dinheiro para ter acesso a este conhecimento 
tão vasto e especializado. 
Foi dessa forma que nós montamos a disciplina 
optativa para o curso de Psicologia da UnB, intitulada 
“Psicologia Forense”. Abrimos 40 vagas para a primeira 
turma – todas foram ocupadas, e mais 130 alunos se 
inscreveram para a lista de espera. 
A disciplina tinha a duração de um único semestre, e 
envolvia a leitura de 17 livros, conteúdo extremamente 
denso, treinamento técnico extensivo e um período intenso 
de trabalho prático, diretamente nos presídios. Tínhamos 
um semestre letivo (que dura, na verdade, cerca de 4 
meses) para capacitar uma turma de alunos de acordo com 
36 
teorias, técnicas e abordagens essencialmente 
desconhecidas no Brasil. 
Explicamos essa realidade para os alunos no primeiro 
dia de aula, avisando que o trabalho seria pesadíssimo; mas 
a maioria deles permaneceu. 
Eles passavam, então, por uma árdua rotina de aulas, 
leituras, trabalhos, treinamentos com testes psicológicos, 
oficinas de elaboração de laudos e visitas a presídios, 
tribunais e hospitais psiquiátricos. 
Foi dessa forma que, ano após ano, evoluímos cada vez 
mais na busca de nosso objetivo, formando centenas de 
psicólogas e psicólogos forenses verdadeiramente 
capacitados para realizar um trabalho legítimo e frutífero. 
Ainda na UnB, fundamos então o Grupo Personna 
para estudos, pesquisas e intervenções. Avançamos ainda 
mais no trabalho e, após a conclusão de meu doutorado, 
criamos o Instituto Personna, que realiza trabalho 
voluntário por intermédio de convênios com tribunais e 
MinistérioPúblico. Nos tornamos referência na área de 
Avaliação Psicológica no contexto Forense, além de 
prestarmos os serviços de Assistência Técnica, Perícia 
Criminal e atendimento psicoterapêutico de pessoas com 
Transtornos Mentais Graves em conflito com a lei, e hoje 
minha prática profissional é quase totalmente voltada para 
estas exatas atribuições. Praticamente apenas eu e meus 
alunos fazemos isso, hoje, no Brasil. 
37 
 E pra que você entenda melhor o que esse trabalho 
significa na prática, bem como o tipo de resultado que ele 
produz com alto grau de confiabilidade, eu vou te contar a 
história completíssima de uma das primeiras pacientes que 
atendi: um caso de Psicopatia diagnosticada, envolvendo 
múltiplos sequestros seguidos de assassinato, todos 
cuidadosamente planejados. 
Você acompanhará todo o processo terapêutico, do 
início ao fim – olhando verdadeiramente para o ser humano 
que há por trás do monstro que todos enxergam: pois é 
exatamente dessa forma que eu trabalho, é esse o meu 
grande segredo, e é por isso que meus atendimentos têm 
taxas tão altas de sucesso, mesmo em casos que todos 
acreditam serem totalmente irrecuperáveis. 
Aproveito pra lembrar que a história inclui [trechos 
demarcados entre colchetes] com breves explicações 
teóricas para que você compreenda bem como funcionam 
nossas estratégias, além de {trechos demarcados entre 
chaves} com definições de termos técnicos para garantir 
que você compreenda palavras e expressões que você 
talvez ainda não conheça, ou não lembre do significado. 
Dessa forma você pode acompanhar todo o manejo 
desse atendimento altamente complexo como se estivesse 
acompanhando o caso ao meu lado, em tempo real – 
entendendo o porquê de certas abordagens e técnicas que 
eu utilizei durante o processo. Vamos lá? 
38 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 PERSONNA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
39 
 
O homem livre é voltado ao próximo, 
ninguém se pode salvar sem os outros. 
Emmanuel Levinas 
 
Este caso foi atendido por mim, há muitos anos. Um 
grande desafio clínico que me fez perceber que por trás de 
toda maldade existe sempre muita dor, como bem nos 
exemplificam as teorias de Winnicott. A paciente foi 
acompanhada por cerca de oito anos e hoje se encontra 
plenamente reabilitada, levando uma vida comum com sua 
família, sem nenhum episódio de reincidência. Ela é uma das 
muitas provas vivas de que a teoria desenvolvida pelo 
Personna é aplicada à prática com sucesso, contribuindo, 
assim, para a recuperação da saúde mental e consequente 
diminuição da violência na sociedade. 
Evidentemente, em todos os nossos casos, um 
contrato terapêutico é estabelecido e exige, dentre outras 
coisas, a completa abstinência de atos violentos por parte 
dos pacientes, sob o risco de quebrarmos o sigilo e 
oferecermos denúncia. Nunca houve uma desobediência. 
Apenas um único caso se negou a assinar e nós, por 
conseguinte, não iniciamos o tratamento. Guardar sigilo 
sobre crimes cometidos no passado é uma prerrogativa de 
psicólogos, advogados e sacerdotes. Mas ser conivente ou 
negligente com novas violências é algo bem diferente – e 
inaceitável. 
40 
BROOKS 
 
Brooks2 (nome fictício) era uma jovem mulher com 
cerca de 30 e poucos anos, que surgiu no ambulatório de 
psicologia de um hospital público e pediu atendimento 
emergencial. Com aparência frágil e delicada, baixa 
estatura, magra, cabelos e olhos claros, possuía um tom de 
voz suave. Ao longo da entrevista de triagem afirmou que 
necessitava de tratamento para Síndrome do Pânico, pois 
há algum tempo apresentava sinais compatíveis com tal 
psicopatologia. Falou de crises de ansiedade, palpitações e 
descontrole comportamental. [Sabemos que, hoje em dia, o 
fácil acesso à internet leva milhares de pessoas a se auto 
diagnosticarem incorretamente. Além do mais, faz com que 
muitas pessoas achem fácil fazer um diagnóstico, a partir de 
conjuntos de sinais divulgados em redes sociais. Entretanto, 
a elaboração de um diagnóstico clínico é uma tarefa 
bastante profunda e requer extrema perícia, prática e 
conhecimentos avançados na área de avaliação.] 
 Portanto, lhe expliquei que necessitava realizar uma 
avaliação psicológica completa, pois poderia existir outro 
transtorno similar ou mesmo alguma co-morbidade 
{quando um indivíduo apresenta, além de uma patologia 
principal, outras associadas}. Ela concordou e agendamos o 
primeiro teste. 
 
2
 Costa, E. W. K. A. e Costa, I. I. (2017). Psicologia Forense: uma abordagem crítico-complexa. 
Curitiba: Juruá Editora. Disponível em https://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=26143 
41 
Durante a aplicação do Método de Rorschach [um dos 
testes projetivos {testes de personalidade que não utilizam 
perguntas diretas e objetivas, e sim técnicas de acesso ao 
inconsciente por intermédio do mecanismo da projeção – 
um dos mecanismos de defesa no qual os pensamentos ou 
emoções inaceitáveis ou indesejados são atribuídos a outra 
pessoa ou objeto. Acontece, de forma inconsciente, quando 
os sentimentos são reprimidos e depois projetados em 
alguém ou algo. Permite a expressão destes impulsos 
inconscientes que a mente consciente não reconhece – 
estudado por Freud} que costumo utilizar], a qualidade de 
suas respostas causou-me imenso espanto: conteúdos 
compatíveis com uma personalidade cruel, mórbida e 
extremamente violenta, que pareciam incompatíveis com 
aquela figura doce e um pouco regredida. 
Decidi solicitar supervisão para a correção dos testes, 
dada a grande incongruência entre os sintomas alegados 
por ela e o tipo de psicodinâmica que se revelava no 
resultado. Além disso, eu estava começando minha carreira 
e não possuía, ainda, a vasta experiência que tenho hoje. 
Após análise do material, um professor de psicodiagnóstico 
afirmou que não havia encontrado nenhum erro no material 
apresentado. Perguntei-lhe a quem achava que pertencia 
aquele material, e ele me disse que poderia ser um homem 
maduro, extremamente violento e com uma personalidade 
cruel e fria. Expliquei de quem se tratava e ficamos, ambos, 
muito surpresos. [Eis a importância de uma avaliação 
42 
criteriosa e detalhada: não se deve confiar apenas em 
meras entrevistas.] 
Pensei em como contaria para Brooks sobre os meus 
achados e decidi que o faria elaborando algumas perguntas 
sobre o seu passado, que pudessem auxiliar na 
compreensão de seu quadro. [Esta é uma técnica 
reconhecida para entrevistas devolutivas, onde vamos 
intercalando perguntas, dados positivos e algumas 
informações mais delicadas, de forma a irmos testando a 
capacidade do paciente de elaborar os dados fornecidos.] 
Mas isso não foi necessário. No dia da devolutiva, ao 
abrir a porta do consultório, deparei-me com uma pessoa 
que parecia bem diferente: um olhar duro, o passo firme, 
cenho franzido e a voz mais severa. Sentou-se diante de 
minha mesa e colocou a mão em cima do laudo. Disse-me 
que havia lido sobre o Método de Rorschach na internet e 
que soubera que o teste revelaria quase tudo sobre sua 
personalidade. Assenti em silêncio. [De fato, este método é 
reconhecido mundialmente e possui um grau de 
fidedignidade e validade muito alto.] 
Em seguida, disse que também havia pesquisado sobre 
tratamento psicológico e descobrira que para que ele 
surtisse efeito era necessário que houvesse profunda 
confiança entre os envolvidos. Confirmei novamente. 
[diversos teóricos dão ênfase a este fator, como Rogers, 
Freud e outros.] 
43 
Por fim, perguntou-me se era verdade que o conteúdo 
tratado em psicoterapia estaria protegido pelo sigilo 
profissional, de forma que tudo que ela me contasse ficaria 
entre nós. Concordei mais uma vez. [Nós, psicólogos, 
seguimos à risca nosso Código de Ética, e apenas em casos 
extremos rompemos com o segredo clínico.] Então – disseela –, não precisa ler o laudo para mim, deixe que, como 
prova de confiança, eu lhe conte quem eu realmente sou... 
Um frio percorreu minha espinha; era a primeira vez 
que eu havia desejado que minhas conclusões estivessem 
incorretas. Mas isso, infelizmente, não parecia ser verdade. 
Respirei fundo e recostei-me, tentando me preparar para o 
que vinha. Mas o que se seguiu não era nada que, sequer, 
tivesse passado pela minha cabeça. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
44 
PSICOPATIA 
 
Brooks me contou que trabalhara como doméstica há 
vários anos, quase sempre em casas com crianças, em várias 
cidades do Brasil. Disse que costumava ficar certo tempo 
em cada emprego, de forma a conhecer bem a rotina da 
família, até que inventava a doença de um parente ou nova 
oferta de trabalho para pedir demissão. Mudava-se de 
estado, aguardava alguns meses e retornava às 
proximidades com o intuito de sequestrar a criança da 
família. Aproveitava-se de distrações das atuais babás ou 
dos próprios pais, quase sempre em locais públicos, como 
parques, supermercados ou shoppings. Preferia crianças 
pequenas, que não esboçassem tanta resistência. Levava-
as, posteriormente, para algum local isolado e as matava 
por asfixia. 
Havia lido muitos livros de mistério e aprendera 
técnicas de como se livrar dos corpos, sem quase deixar 
vestígios, guardando um intervalo de alguns anos entre 
cada atuação. 
Tudo isso, segundo ela, era passado: sua carreira de 
crimes e envolvimento com a polícia havia ficado para trás, 
e hoje ela tentava reconstruir sua vida. 
Àquela altura eu era um misto de choque, enjoo, e falta 
de reação. Sou mãe e avó, e a história atingiu em cheio meu 
coração materno. [Segundo Zaslavsky, quando o paciente 
45 
deposita em nós os seus conteúdos, transfere a angústia e 
diversos outros sentimentos que são, originariamente, 
dirigidos a alguém de sua família, infância ou relações 
íntimas. Cabe a nós, psicólogos, não contra-transferir, ou 
seja, não misturar esses conteúdos com nossas questões 
pessoais, reagindo às suas atuações. Entretanto, em 
algumas situações, o conteúdo transferido é tão pesado e 
denso que torna-se muito difícil manter-nos isentos.] 
Mesmo assim, a frase final dela me arrancou do 
mergulho em mim mesma: disse que havia engravidado por 
acidente há algum tempo, e que quando seu filho estava 
com apenas três meses, engravidara novamente. Agora 
estava tomada por pensamentos obsessivos de voltar a 
sentir desejo de matar, colocando em grave risco a vida dos 
dois filhos pequenos. Seus olhos se encheram de água e ela 
implorou que eu a ajudasse. 
Eu não imaginava como, exatamente, mas precisava 
fazer algo. Respirei fundo e prometi que ajudaria. 
Expliquei que tais impulsos poderiam ser mantidos sob 
controle, em parte, com auxílio medicamentoso, mas para 
isso eu precisaria expor sua história a um psiquiatra que 
auxiliaria no tratamento. Mas que para solucioná-los, de 
fato, seria necessário um longo processo psicoterapêutico 
concomitante. [Casos graves assim são beneficiados pelo 
manejo conjunto da Psicologia e da Psiquiatria, e é 
importante que ambos os profissionais mantenham um 
46 
estreito diálogo para que possam trocar impressões sobre o 
progresso do paciente.] 
Ela então me perguntou se o psiquiatra também 
guardaria segredo. Garanti que sim, e ela concordou. 
Deixei-a em minha sala e fui em busca de algum médico de 
plantão. Porém, como já estávamos no final do expediente, 
apenas uma psiquiatra encontrava-se ali. Entrei em sua sala 
e vacilei: a médica estava grávida. Mas eu não poderia 
deixar Brooks voltar para casa sem medicação, colocando 
seus filhos em risco. Sentei e lhe contei tudo. A psiquiatra 
ouviu a tudo com as mãos sobre a barriga, tão chocada 
quanto eu. Mas era nosso dever tentar impedir que o pior 
acontecesse e ela concordou em examinar a Brooks. 
A psiquiatra a entrevistou e focou nos sintomas que 
ela apresentava: compulsão, traços levemente psicóticos 
com alucinações auditivas, tremores, impulsividade 
extremada e dificuldade para dormir devido aos 
pensamentos obsessivos. Dada a gravidade da situação, a 
médica preferiu hipermedicá-la, de forma a garantir o 
controle de seus impulsos. Alertou que talvez, devido à 
grande quantidade de fármacos, ela ficasse letárgica e não 
conseguisse vir à consulta na semana seguinte. Mas ela 
concordou e disse que faria tudo o que nós sugeríssemos. 
Tinha o apoio do marido para cuidar dos filhos, mas ele 
ignorava seu passado tenebroso e o risco atual. 
Pedimos que ela lhe dissesse que faria um tratamento 
para psicose pós-parto e que necessitaria de sua ajuda. Ela 
47 
concordou, e depois soubemos que ele passou a colaborar 
ainda mais. [A recuperação de pessoas que cometem crime 
também depende de uma rede de suporte (como em 
qualquer outro caso, como a superação de uma depressão, 
transtorno bipolar ou tendências suicidas).] 
Partiu para casa após receber uma injeção de 
antipsicótico e pegar vários medicamentos na farmácia do 
hospital: antidepressivos, ansiolíticos, medicação para o 
controle de impulso e estabilizador de humor. Uma 
quantidade que abateria um elefante. Antes de ir embora, 
entretanto, perguntou o que deveria fazer se, mesmo com 
toda aquela medicação, o impulso retornasse. Foi a vez da 
psiquiatra me devolver o problema. Eu disse que ela 
poderia me ligar a qualquer hora do dia ou da noite, que eu 
a ajudaria a lidar com a situação. 
Aquele dia não parava de me chocar: eu não conseguia 
imaginar o que faria para impedir um possível novo desejo 
da parte dela, no meio da noite, mas concordei com a 
cabeça, confiante de que a medicação e o acompanhamento 
evitariam tais ideações {ideias e pensamentos que, muitas 
vezes, carregam desejos de realização}. 
Depois daquele dia, rumei para a biblioteca e passei a 
devorar tudo sobre transtornos de personalidade, manejo 
de crise, perfis criminais e psicanálise. Eu tinha que correr 
contra o tempo e havia muito o que planejar. Também 
contatei meu supervisor e pedi que me desse o máximo de 
orientações possíveis ao longo de todo o caso. 
48 
Na consulta seguinte, eu estava certa de que 
encontraria uma Brooks embotada, de fala arrastada e 
abatida devido à medicação. Isso se ela conseguisse 
levantar da cama. Mas qual não foi minha nova surpresa ao 
abrir a porta e encontrar uma Brooks sorridente e bem 
disposta diante de mim. Imediatamente pensei que ela 
havia deixado de tomar a medicação, mas ela nos assegurou 
que não. Disse que, pelo contrário, os remédios lhe haviam 
feito muito bem e que ela se sentia mais bem disposta do 
que nunca. Eu e a médica nos olhamos incrédulas. 
Revisamos a prescrição e os horários e ela confirmou ter 
tomado tudo corretamente. Perguntei se havia sentido 
alguma melhora nas ideações agressivas e ela, 
entristecendo o semblante, respondeu baixinho que não, 
mas que ainda estava sob controle. A psiquiatra e eu nos 
entreolhamos sem sabermos o que dizer. Mas ela sugeriu 
manejar as doses e tipos de psicofármacos. Após nova 
prescrição, Brooks se foi e nós combinamos de iniciar a 
psicoterapia na semana seguinte. 
Ao longo dos primeiros meses, recebi duas ligações 
dela durante a madrugada. Na primeira, ela chorava e temia 
não conseguir se controlar, falou que pensava em se matar, 
já que achava que um dia poderia pensar mais seriamente 
em tirar a vida dos filhos. Conversamos por cerca de uma 
hora e meia ao telefone, até que ela se acalmou e, após 
tomar a medicação, conseguiu ir dormir mais calma. 
49 
Na segunda, a situação era mais grave: ela disse que 
estava em pé na porta do quarto dos filhos e passou a 
relatar o que sentia. Dizia que a melhor sensação que já 
sentira na vida havia sido o sangue quente de suas vítimas. 
Falou que o prazer que sentia durante as execuções era 
quase sexual, e que jamais matara uma criança tomada pelaraiva, pois o que a movia era a busca de prazer. 
Pelo contrário, sempre tratara bem todas as crianças 
de quem cuidava, e seus próprios filhos também. A única 
coisa que evitava era tocá-los mais do que o estritamente 
necessário, pois isso despertava nela o desejo de matar. 
Trocava as fraldas, dava banho e as vestia até que 
conseguissem fazer isso por si próprias, mas evitava as 
embalar e carregar no colo, ou seus impulsos assassinos 
poderiam voltar a aflorar. 
Achei que o caso demandava uma intervenção mais 
contundente e, enquanto conversava com ela ao celular, me 
dirigi para sua casa sem que ela soubesse. Avisei à 
psiquiatra por telefone e disse que, se eu não desse notícias 
em meia hora, ela deveria chamar a polícia e uma 
ambulância. 
Foi uma das intervenções mais tensas de que tomei 
parte. Mas ao chegar lá e dizer à Brooks que estava diante 
do portão de sua casa, ela surgiu com cara de susto e, 
inacreditavelmente, me abraçou. 
50 
Sempre fui muito afetiva com meus pacientes, mas 
Brooks sempre rejeitou qualquer tipo de proximidade física, 
e eu respeitava esse limite. Vi que ela se acalmou com a 
minha chegada e avisei à psiquiatra que estava tudo bem. 
Sentamos no meio fio de sua calçada e conversamos até o 
sol nascer. Ela decidiu entrar, pois o marido estava prestes a 
acordar, e eu voltei para minha casa, exausta, mas com a 
sensação de dever cumprido. 
[O acolhimento, holding, é muito importante para o 
estabelecimento e manutenção de um bom vínculo 
terapêutico. Não se sentir julgado, saber que possui um 
profissional treinado à sua disposição, estar consciente de 
que será ouvido com respeito e atenção fazem toda a 
diferença no progresso de um trabalho clínico.] 
Quando iniciamos a psicoterapia, na primeira sessão 
pedi que me contasse sobre sua infância. Se o choque e o 
horror tinham me dominado durante seus relatos sobre os 
crimes cometidos, faltaram sensações que descrevessem o 
que senti ouvindo sua história de vida ao longo dos meses 
seguintes. 
 
 
 
 
51 
ABUSO 
 
Brooks era a única filha mulher, e a mais nova, de uma 
prole de cinco filhos. A família humilde vivia na roça de uma 
cidade do interior, no sul do país. Sua mãe a rejeitou já 
durante a gestação, tentando abortá-la algumas vezes. 
Estava cansada de ter bebês, segundo ela. Mas o pai dela 
tinha visto em seu nascimento a realização do sonho de ser 
pai de uma linda menininha. Mimou Brooks o quanto pôde e 
a chamava de sua princesinha. A defendia dos ataques da 
mãe quando ela ficou maior e sempre acobertava suas 
travessuras, de forma que ela não sofresse os frequentes 
espancamentos que a mãe lhe reservava. 
Mas o pai dela tinha problemas com o álcool que o 
levaram a um estado psicótico, e que acabaram culminando 
em seu suicídio quando Brooks tinha apenas sete anos. 
O mundo dela se despedaçou: foi ela quem encontrou 
o corpo do pai pendurado pelo pescoço numa viga da sala 
de jantar, ainda se debatendo. Quando ouviu seus gritos, a 
mãe dirigiu-se até a sala e, vendo a cena, não esboçou 
qualquer intenção de socorrer o marido. Olhou fixamente 
para Brooks e disse: “Viu? Seu protetor se foi, e agora 
somos só eu e você, sua praga”. 
Brooks conta que correu para longe e chorou no meio 
do mato até o sol se por. Durante o funeral do pai, disse que 
desejou jogar-se junto na sepultura dele, apavorada pela 
52 
ideia de ficar sozinha com a mãe e os irmãos, que sempre a 
trataram de forma muito cruel, devido ao ciúme que 
sentiam por ela ser a preferida do pai. 
No dia seguinte, a mãe teve que assumir as atividades 
agrícolas do pai e encarregou Brooks de todo o serviço da 
casa e do cuidado com os irmãos mais velhos que 
frequentavam a escola local. Entretanto, devido à pouca 
idade, frequentemente ela cometia erros: o feijão passava 
do ponto, a roupa manchava durante a lavagem e a casa não 
era varrida com a perfeição que a genitora exigia. Isso 
rendia surras diárias no final do dia, sempre acompanhadas 
de muitos xingamentos por parte da mãe. Os irmãos a tudo 
assistiam rindo, e passaram a copiar o comportamento da 
mãe contra ela. 
Certa vez, ela deixou uma panela de arroz queimar no 
fundo, pois não era muito hábil no manejo do fogão a lenha. 
Ao retornar para casa, a mãe descontrolada pressionou a 
mão de Brooks sobre a grade de ferro quente do fogão, 
causando-lhe uma profunda e extensa queimadura de 
terceiro grau. 
Ela estendeu a mão para que eu observasse as 
cicatrizes. Passados todos esses anos, ela sequer conseguia 
abrir completamente a mão esquerda, cuja palma 
encontrava-se bastante deformada pela queimadura. Meu 
estômago se contorceu só de imaginar a cena. 
53 
[Winnicott, famoso psicanalista inglês que tratou de 
crianças traumatizadas, afirma que o excesso de castigos 
físicos, violência e crueldade são componentes cruciais para 
o desenvolvimento de uma personalidade antissocial. 
Obviamente, se somos criados com amor, é com amor que 
nos comportaremos na idade adulta, da mesma forma que, 
se aprendemos que crianças devem ser machucadas e 
violentadas, assim o faremos. Ninguém aprende a dar aquilo 
que não recebeu. Entretanto, os estudos internacionais 
recentes têm demonstrado que mesmo nos casos de 
transtornos de personalidade que são desenvolvidos em 
tenra idade, o manejo posterior dos sintomas, a 
psicoterapia especializada e a psicofarmacologia podem 
reverter boa parte dos “acting-outs” (neste caso, 
representados pelas manifestações agressivas), levando a 
um comportamento mais adaptativo e socialmente 
desejável.] 
Conforme os anos foram se passando e seus irmãos 
atingiram a puberdade, passaram a cometer abusos sexuais 
contra ela. Ao comunicar o fato para a mãe, recebeu como 
resposta que “era bem merecido, pois ela ‘era uma safada 
que usava vestido curto e provocava os irmãos’ [sic]”. Ainda 
tentou minimizar os casos dizendo que tudo não passava de 
brincadeira entre irmãos. 
Até que um dia seu irmão mais velho, então com 15 
anos, tomou uma grande quantidade de aguardente no bar 
da vila próxima e estuprou-a de forma violenta: introduziu 
54 
uma garrafa de vidro em sua vagina, que, com o esforço, 
despedaçou-se dentro de seu corpo, provocando sérias 
lesões. Ela foi atendida no posto de saúde local e levou 
diversos pontos. 
Logo que se recuperou, contando com a idade de 13 
anos, foi embora de casa, fugindo em busca de uma tia que 
morava na capital. Ali começou a trabalhar em casas de 
família até cerca de dois anos antes de conhecer o atual 
marido. Sem saber como se prevenir de uma gravidez, 
acabou tendo os dois filhos. Brooks contou, 
posteriormente, que só conseguia obter prazer das relações 
sexuais que mantinha com o companheiro se elas 
envolvessem violência sadomasoquista. 
[Neste caso cabe ressaltar que o contato físico 
humano é necessário para a manutenção da saúde mental 
dos indivíduos, pois trata-se de uma necessidade básica. E 
se, na infância, o toque dos pais era violento e agressivo, a 
criança pode introjetar {instalar certos anseios na própria 
mente, muitas vezes de maneira inconsciente} o desejo por 
este tipo de interação. Outros podem passar a quadros de 
auto-mutilação e outros sintomas do tipo. Muitas vezes, a 
agressão é mais suportável que a ausência do toque...] 
 
 
 
55 
FAMÍLIA 
 
Durante o tratamento, também solicitamos que ela 
trouxesse seus dois filhos para que passassem por uma 
avaliação com os médicos, assistentes sociais e psicólogos. 
[O trabalho multidisciplinar é indispensável em casos 
assim.] O resultado foi surpreendente: eram crianças 
extremamente bem cuidadas, sem sinais de agressão, de 
comportamento violento ou com sinais de traumas. Apenas 
exibiam um comportamento típico de crianças carentes de 
contato físico: certo embotamento afetivo {diminuição na 
capacidade de sentir e transmitir afeto}. 
Como as medicações pareciam jáestar fazendo efeito 
desde as primeiras semanas, passei a lhe instruir sobre 
tentar fornecer algum holding aos filhos: olhar mais nos 
olhos, sorrir ao conversar com eles e fazer elogios. Dentro 
do que lhe fosse possível, tentar 55prese-los no colo, 
evitando tocar a pele por baixo da roupa. O banho havia 
ficado a cargo do pai. 
Pouco tempo depois, ela me contou que sua mãe 
estava na cidade e que dois de seus irmãos estavam 
passando por graves problemas financeiros, tendo 
solicitado a ajuda dela. Aquilo me deixou impactada: como 
eles podiam ter feito tudo o que fizeram e ainda pedir que 
ela os apoiasse? Perguntei por que ela aceitaria aquilo, e ela, 
56 
em meio às lágrimas, disse que eram sua família e que não 
poderia 56presenta-los. 
[A dificuldade no estabelecimento de limites claros, 
físicos, sexuais, materiais ou emocionais é comum em 
vítimas de violência. Não raro, mulheres que foram 
espancadas pelo pai durante a infância elegem como 
companheiros homens igualmente abusivos. Freud, em seu 
trabalho sobre compulsão à repetição, nos esclarece que 
quando não conseguimos resolver o trauma com as figuras 
de origem (pais, avós, tios...), tendemos a repetir 
(inconscientemente) a mesma situação em diferentes 
relacionamentos, numa tentativa infrutífera de superação. 
Infrutífera pois o trauma só pode ser solucionado quando 
entramos em contato com sua fonte, de forma a podermos 
reelaborar aquela situação, dando outro destino às nossas 
pulsões {Freud define pulsão como um conceito situado na 
fronteira entre o mental e o somático, como o 
representante psíquico dos estímulos que se originam no 
corpo e alcançam a mente}.] 
Desde que engravidara pela primeira vez, Brooks 
passou a gerenciar uma lanchonete de propriedade do 
vizinho, de forma que podia cuidar dos bebês e ainda 
trabalhar longe de outras crianças. Mas o vizinho abriu 
falência e ela havia assumido o negócio. Em seus testes 
psicológicos haviam aparecido características como grande 
capacidade empreendedora e inteligência acima da média 
[traços frequente em pacientes com Transtorno de 
57 
Personalidade Antissocial], e com nossa ajuda ela pôde 
explorar, saudavelmente, ainda mais essas aptidões. 
Durante todo o período em que esteve sob nossos 
cuidados, empenhamo-nos em reforçar suas qualidades e 
capacidades. Recebíamos ela sempre com um sorriso e 
frases de apoio. Notamos que ela ia, aos poucos, 
acreditando mais em si mesma. Reforçar o potencial 
positivo dos pacientes é importante para que adquiram 
autoconfiança e desenvolvam melhor seus recursos 
internos. 
[A maioria das pessoas leigas desconhece que este tipo 
de paciente apresenta remorso e vergonha. Muitas vezes, 
são em intensidade tamanha que sequer conseguem entrar 
em contato com tais sentimentos. Da mesma forma que nós, 
muitas vezes, acreditamos estar bem em relação a um 
determinado assunto, mas o passar do tempo nos mostra 
que, inconscientemente, apenas negamos algo escondido 
dentro de nós...] 
Ela havia arrendado uma loja de roupas, ao lado do 
primeiro negócio, para complementar a renda, e agora sua 
família queria tirar o pouco que ela tinha. Mas era muito 
difícil para ela lhes dizer não, e esse foi o tema da maioria de 
nossas sessões de psicoterapia. 
Foi então que solicitei que sua mãe comparecesse para 
uma entrevista. [Em casos assim, trabalhamos com a Teoria 
Sistêmica que compreende ser de suma importância o 
conhecimento da rede familiar/social onde tal 
58 
personalidade se desenvolveu. Compreendemos, assim, que 
jogos, pactos e conluios estavam presentes durante o 
trauma vivido.] 
Confesso que nutria esperanças de que ela dissesse 
que todo aquele horror não passava de produto da 
imaginação da filha e que nada daquilo havia ocorrido de 
fato. Era cruel demais imaginar uma mãe tratando a filha 
daquela maneira. Mas não foi o que aconteceu. Uma mulher 
ríspida, visivelmente agressiva e verborrágica compareceu 
ao consultório: entrou reclamando da recepcionista e 
seguiu criticando as instalações e a temperatura da água 
servida. Pedi que me falasse um pouco sobre a filha e, sem a 
menor cerimônia, ela passou a relatar as mesmas histórias 
contadas pela Brooks. E culpabilizava a filha por todas as 
agressões aplicadas, com o argumento de que a agredira 
“para educar”, dizendo que se a Brooks era o que era hoje, 
devia graças a ela. Não pude deixar de concordar, mas por 
outros motivos, obviamente. [Entretanto, sabemos que a 
violência costuma ser transgeracional, ou seja, ela própria 
deve ter sido vítima de maus tratos e abusos em sua família 
de origem.] Terminei aquela entrevista tão abalada que tive 
que suspender a agenda e ir para casa. 
Com o passar do tempo, porém, Brooks começou a dar 
sinais de enfrentamento à família. Empoderada por nosso 
apoio e tomando consciência de que suas pulsões 
guardavam estreita relação com os acontecimentos do 
passado, ela passou a dizer não para a mãe e os irmãos. 
59 
Logo depois, se separou. Disse que preferia ficar sozinha a 
manter uma relação que perpetuava os maus tratos físicos. 
Começava a dar sinais de recuperação: oferecia o rosto 
para o beijo ao final da sessão, me presenteou com flores 
após um ano e meio e passou a tratar melhor os 
funcionários de nosso ambulatório. 
Seus filhos já frequentavam a escola, e ela decidiu 
abrir mais uma loja: seu sucesso profissional a deixava 
muito feliz e ela foi se tornando uma mãe muito zelosa, 
atenta às menores necessidades dos filhos, que 
continuavam sendo acompanhados por nossa equipe. 
O esquema medicamentoso manteve-se denso 
durante os primeiros três anos, sofrendo diversos ajustes 
ao longo deste tempo. Ao final do terceiro ano de 
tratamento, decidimos, em conjunto, realizar pequenos 
desmames {retirada gradual de medicação com o intuito de 
observar as reações do indivíduo e, ao mesmo tempo, 
monitorar eventuais efeitos colaterais indesejáveis} para 
observar sua reação. Não poderia ter sido melhor: Brooks 
manteve-se apenas com os antidepressivos e ansiolíticos 
em esquema de S.O.S. {utilização de medicações apenas em 
casos emergenciais, de forma não contínua}. O antipsicótico 
já não era mais necessário, bem como as demais 
medicações, que foram sendo retiradas conforme a terapia 
avançava e seu comportamento demonstrava sinais de 
mudanças. [Cabe ressaltar que ela foi uma de nossas 
melhores pacientes, sempre pontual e assídua nas 
60 
consultas, obedecendo à risca qualquer orientação que lhe 
fornecíamos. Acreditou em nosso trabalho e nós 
acreditamos nela. Essa parceria não poderia ter dado 
melhor resultado, ainda que sua motivação inicial me 
parecesse destituída de estofo afetivo para com os filhos.] 
Os anos foram se passando e após uma das sessões, 
sua filha, que esperava na recepção, veio me entregar um 
desenho. Deu-me um abraço e disse: “doutora, obrigada por 
cuidar da depressão da mamãe, ela está bem melhor agora 
que você ajudou ela”. Tomada de surpresa, emocionei-me 
ainda mais quando Brooks também me abraçou e disse 
baixinho em meu ouvido que mal a filha sabia que só estava 
viva por minha causa. Respondi que não, que tudo se devia 
ao enorme esforço e capacidade dela mesma, e nós apenas 
havíamos mostrado o caminho. A partir daí, todas as 
sessões se encerravam com beijos e abraços por iniciativa 
dela mesma. 
Até que mais alguns anos depois, a TV noticiou um 
destes massacres ocorridos em escolas. A notícia chocou 
toda a sociedade, e minutos depois, recebi um telefonema 
da Brooks. Ela chorava convulsivamente do outro lado da 
linha. Pedi que se acalmasse e tentasse me explicar o que 
estava acontecendo. Ela soluçava, perguntando se eu havia 
visto o massacre na TV. Respondi que sim. Ela passou a 
dizer que precisávamos ir à TV também, contar para as 
pessoas que existia tratamento para aquele tipo de 
problema, que faz com que as pessoas saiam poraí matando 
61 
assim. Implorava, dizendo, “por favor, doutora, escreva 
sobre o que vocês fazem, as pessoas como eu precisam 
saber que podem contar com um tratamento de qualidade... 
essas crianças não precisavam ter morrido... que horror 
desnecessário...”. Fiquei pasma com a reação dela. Era a 
primeira vez que demonstrava legítima piedade para com as 
vítimas. Lhe garanti que divulgaria nosso trabalho, e seu 
caso foi o primeiro que apresentei num congresso de 
psiquiatria há alguns anos. 
Brooks queria participar ativamente deste trabalho, e 
quando fundamos o Personna, ela chorou de felicidade. É 
uma de nossas maiores apoiadoras, e como tal, não poderia 
lhe negar ver o produto de nosso esforço conjunto: quando 
defendi minha tese de doutorado, convidei-a para assistir. 
Ela ficou muito feliz. O auditório estava lotado e meus 
alunos sabiam que a “famosa Brooks” estaria entre os 
convidados, mas obviamente, por questões de segurança, 
não pude apresenta-la a ninguém. No fundo, sabemos que 
mais do que justiça, boa parte das pessoas só se satisfaria 
com uma cruel vingança. 
Confesso que o abraço dela foi o melhor de todos, ao 
receber meu título. Ela ajudou a construir nossa teoria, e 
isso não é pouca coisa. 
 
 
 
62 
CONFLITO E RESOLUÇÃO 
 
A defesa de minha tese, entretanto, ocorreu durante 
um momento extremamente turbulento de minha vida 
pessoal: uma de minhas filhas, que morava em outro estado, 
estava lutando contra um câncer muito agressivo, o que fez 
com que eu me ausentasse da cidade diversas vezes para 
acompanhar o tratamento. Neste período, o tratamento da 
Brooks já era apenas um acompanhamento esporádico, 
após seis anos de psicoterapia intensiva. Notando minhas 
ausências constantes, ela me perguntou o que estava 
acontecendo. Respondi apenas que estava com um 
problema de saúde na família, sem dar mais detalhes. [Não 
costumamos compartilhar detalhes pessoais com nossos 
pacientes.] 
Mas alguns meses depois ela me ligou novamente, 
perguntando se eu estava bem. Era a primeira vez que ela 
demonstrava preocupação com meu bem estar. Respondi 
que as coisas estavam mal e ela pediu detalhes da situação. 
Contei-lhe que minha filha estava doente e ela demonstrou 
solidariedade dizendo que iria rezar. Passadas algumas 
semanas, tornou a manter contato quando minha filha já 
estava na UTI. Não lhe escondi o quadro, até para explicar 
minha ausência. E sua resposta me surpreendeu mais uma 
vez. Ela disse que não estava ligando para cobrar minha 
presença, mas apenas para saber como eu estava. Disse que 
devia muito a mim e que torcia para que tudo ficasse bem. 
63 
Mas, infelizmente, não foi isso que aconteceu. Minha 
filha veio a falecer meses depois, e na última mensagem 
recebida dela, lhe comuniquei o ocorrido. A resposta veio 
em forma de uma linda prece que me enviou por telefone e 
nada mais. Após algum tempo, retornei para minha cidade e, 
assim que me foi possível, retomei as atividades 
profissionais. Como não poderia deixar de ser, uma das 
primeiras pacientes que convoquei foi a Brooks, pois em 
uma de nossas conversas ela pediu que, tão logo me 
sentisse pronta, eu a recebesse, não porque tivesse alguma 
demanda pessoal, mas por querer me transmitir, 
pessoalmente, suas condolências. E ela não pararia de me 
surpreender... 
Antes disso, conversei com meu supervisor. Nunca 
havia passado por aquilo antes e não sabia como me 
conduzir perante as perguntas que meus pacientes talvez 
fizessem sobre o corrido. No Personna não temos como 
regra omitir toda e qualquer informação pessoal, pois 
acreditamos que tais conteúdos podem ser trabalhados na 
relação terapêutica, mas Brooks me preocupava. Conversar 
com ela sobre a morte de minha filha poderia ter efeitos 
inesperados e eu não queria colocar tudo a perder agora. 
Mas, conhecendo bem o caso, ele me orientou a ser o mais 
franca possível e a não esconder a minha dor. [Confesso que 
achei aquela uma proposta bastante arrojada, mas como ele 
era mais experiente do que eu e eu jamais passara por tal 
situação, resolvi seguir sua sugestão. Veríamos como os 
afetos dela se manifestariam.] 
64 
Chegando ao consultório, deparei-me com uma 
Brooks abatida, totalmente diferente de tudo o que eu já 
havia visto. Ela apresentava grandes olheiras e havia 
emagrecido. Preocupei-me com o que poderia estar 
acontecendo com ela. Ao se sentar ao meu lado, perguntou-
me como eu estava. Minha aparência também devia estar 
dizendo muito sobre meu estado nos últimos meses: eu 
parecia tão abatida quanto ela. Me olhando nos olhos e 
segurando minhas mãos, ela perguntou como eu me sentia e 
começou a chorar. Não pude controlar as lágrimas e chorei 
também. [Nossa abordagem compreende que estes 
momentos trazem mais conteúdos e podem promover mais 
insights que qualquer interpretação impessoal.] Respirei 
fundo e tentei resumir meu estado em única frase: era a 
maior dor que eu já havia sentido na vida e eu me sentia 
despedaçada. 
Eu poderia esperar tudo, menos o que se seguiu: ela 
ajoelhou-se ao meu lado e, chorando copiosamente, me 
acariciava. Em meio às lágrimas notei que ela dizia, 
baixinho, “me perdoa, me perdoa...”. Não entendi porque 
dizia aquilo e ajudando-a a se levantar, questionei o que 
queria dizer. Ainda muito emocionada, ela passou a falar 
sem parar, que só agora havia percebido a dor que causara a 
tantas mães e que estava devastada com isso... Que só 
percebera a dimensão do mal causado quando viu em mim, 
quem ela tanto prezava, a dor manifesta nas consequências 
da perda de um filho. 
65 
Disse que desde que soubera do corrido, não parava 
de chorar e de se sentir imensamente culpada pelas suas 
atitudes. Que precisava encontrar uma forma de amenizar 
os danos que cometeu, pois sabia que aquelas pobres mães 
nunca mais seriam felizes. Tentei lhe acalmar, ao mesmo 
tempo em que concordava com algumas de suas assertivas. 
Disse que, realmente, eu também só conhecera agora 
o tamanho de uma perda assim, mas que compreendia seu 
desejo de reparação. Ela disse que, se pudesse, iria até cada 
uma das mães para se desculpar, mas que sabia que isso não 
resolveria nada. [Este “Desejo de Reparação” foi abordado 
na teoria de Melanie Klein, quando um indivíduo, após 
destruir o “objeto” de seu ódio, tenta remediar o ocorrido 
através do amor.] 
Após me recompor por uns momentos, sugeri que 
dissesse a mim tudo o que diria a elas. Ela respirou fundo e, 
voltando a chorar, passou a pedir perdão a cada uma das 
mães que via em mim. Contou dos problemas que a levaram 
até aquilo, dizendo que não tinha controle sobre si mesma 
na época. Pedia desculpas incessantemente e voltou a se 
ajoelhar. 
Foi um momento muito, muito denso e rico. 
Acariciando seus cabelos, passei a lhe dizer que a perdoava 
e que ficava feliz por ela ter se tratado e não ter feito outra 
vítima nunca mais. Ela foi se acalmando novamente até que, 
sentadas frente a frente, ela conseguiu se aquietar. 
Obviamente eu não poderia, na prática, perdoar coisas que 
66 
não foram feitas a mim, mas aquele foi um gesto simbólico, 
para que ela compreendesse que poderia ser melhor do era, 
que seu arrependimento fazia sentido e que não 
necessitava voltar seu ódio contra si mesma. 
Notei que aquela sessão seria nossa despedida. Ela, 
finalmente, conseguira entrar em contato com toda sua dor, 
com as consequências de seus atos e demonstrar desejo 
sincero de reparação. Disse-lhe, na semana seguinte, que 
lhe daria alta e que ela não precisava mais voltar, a não ser 
que sentisse necessidade. Sugeri que se engajasse em 
algum projeto para ajudar mães e crianças, pois aquilo faria 
bem para todos. 
Alguns meses depois recebi a última ligação dela: 
arrendara um terreno perto de sua casa e, junto com a 
igreja que passara a frequentar, desenvolveu um programa 
de apoio para mães carentes que perdem filhos

Outros materiais