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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CURSO DE DIREITO PROFESSOR Daniel da Cunda Correa da Silva Filosofia Geral e Jurídica ACADÊMICOS (AS): Barbara Maria Panza Cipriano e Eduardo Henrique Tensini 1) Descreva as fases do pensamento kantiano e, em seguida, responda: de que forma o conceito de imperativo categórico pode ser útil à Ciência Jurídica. O pensamento Kantiano, conforme se extrai da doutrina de Alysson Mascaro, passa por três fases. Na primeira fase descrita, ainda jovem, Kant volta-se a temas clássicos das ciências da natureza, física, astronomia, e outra a elas afetas, momento em que se debruçou a estudar os problemas e o universo em que estava inserido. Na segunda fase do seu pensamento, Kant volta-se a tratar dos temas propriamente filosóficos, mesmo expondo reflexões filosóficas tradicionais do pensamento moderno figurando como característica fundamental de suas obras em tal período. A última das três fases, tidas nas décadas finais de sua vida, Kant supera o pensamento metafísico racional europeu contemporâneo e inaugura pressupostos de sua metodologia filosófica de maneira crítica, discorrendo sobre o criticismo filosófico de maneira ampla. Deixa de flertar com a especulação sobre ideias genéricas e intenta descrever sobre as possibilidades do próprio conhecimento e do juízo. Fase em que escreveu a Crítica da razão pura, a Crítica da razão prática e a Crítica da faculdade de julgar. Em fase subsequente, há de se falar na importância científica do conceito de imperativo categórico, que figura como sendo o dever de toda pessoa agir conforme princípios dos quais considera que seriam benéficos caso fossem seguidos por todos os seres humanos. Para Kant, é desejado que um princípio seja uma lei da natureza humana, deve-se colocá-lo à prova, realizando- o para consigo mesmo antes de externalizado. A pesquisa científica, vista pelo prisma do imperativo categórico passa a ser capaz de irradiar premissas sólidas a despeito das mais complexas relações jurídicas. O reflexo pode ser vislumbrado no avanço do cosmopolitismo jurídico, fenômeno amplamente perceptível na internacionalização de normas tidos com tratados e acordos internacionais. Dito isto, Kant também desenvolveu estudo mais pragmático, impuro e empírico do comportamento humano como parte da filosofia prática. Para a ética em geral, Kant chamou o estudo empírico dos seres humanos como agentes dentro de culturas particulares e com capacidades naturais particulares de "antropologia". Parte da filosofia social de Kant se encaixa nessa rubrica.1 2) Estabeleça os principais elementos que diferenciam a Filosofia do Direito de Kant da Filosofia do Direito de Hegel. Ambos são pensadores modernos seminais e desenvolvem linhas de pensamento que influenciaram fortemente a filosofia moderna, mas quase da mesma maneira que Aristóteles não teria desenvolvido seu sistema sem suas reações a Platão, Hegel se baseia e também critica Kant. As críticas reais de Hegel a Kant se assemelha às levantadas por outros idealistas pós- kantianos, ou seja, pensadores como Fichte e Schelling. Basicamente, Hegel viu a divisão ou dualismo de Kant do sujeito e da realidade como inaceitável. Kant disse que nós, seres humanos, temos uma dualidade dentro do nosso modo de ser, que ele descreveu como uma espécie de bifurcação entre o que ele chamou de "sensibilidade" e "entendimento". Segundo Kant, essas eram as duas “fontes-raízes” de toda a experiência humana e ambas tiveram que trabalhar em conjunto para obtermos conhecimento. Com base no exposto, Kant argumentou que a própria realidade poderia ser dividida em fenômenos e noumena - o último sendo incognoscível e “incondicionado”, enquanto o primeiro era descrito como o mundo de nossa experiência ou o mundo condicionado das aparências.2 1 STANFORD, Kant’s Social and Political Philosophy. Disponível em < https://plato.stanford.edu/entries/kant-social- political/#Soc>, acessado em 15 de maio de 2020. 2ARAÚJO, Wécio. O conceito de razão entre Hegel e Kant: a crítica hegeliana ao dualismo transcendental kantiano. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/problemata/article/view/38725/20157>, acessado em 15 de maio de 2020. Hegel, por outro lado, é mais monista - tanto epistemologicamente quanto metafisicamente, ele argumenta que as divisões que Kant faz são ao mesmo tempo muito formais e sem sangue, mas também apenas aparentes ao invés de reais. Em outras palavras, Hegel entende a realidade ou 'o absoluto' como uniforme em suas características essenciais (em última análise, é tudo 'espírito' ou 'mente') e argumentou que podemos conhecer essa realidade espiritual através do 'método dialético' na experiência e na aplicação. de sua própria “lógica” informal e especial. Araújo, define em sua obra que: Tendo clareza de que a filosofia não poderia confinar-se no dualismo kantiano do sujeito e do objeto e sua separação entre fenômeno e coisa em si, Hegel se convenceu de que a mesma precisava manter sua essência crítica, ainda mais depois da incompletude de Kant em criticar a razão a partir do seu idealismo transcendental–apesar da imensa contribuição trazida com relação às batalhas travadas entre os empiristas e os racionalistas, que o antecederam. Segundo Gadamer, Hegel refaz “a tarefa kantiana da dedução transcendental dos conceitos do entendimento” (2012, p. 72) justamente quando repõe a consciência não apenas como unicamente certeza do sujeito sobre si mesmo, mas como autoconsciência (Selbstbewusstsein);3 Kant também é, até hoje, famoso por seu estilo complicado de escrever - especialmente evidente em suas principais obras ou críticas.4 Agora Hegel dificilmente é uma melhoria a esse respeito; seu trabalho principal, Fenomenologia do Espírito, é quase tão (se não mais) obscuro quanto a primeira crítica de Kant. Mas Hegel, embora aceite o estilo obscuro de prosa alemã de Kant, também discorda do que ele chamou de “falta de sistematização”. Kant falhou, segundo Hegel, em desenvolver seu pensamento em uma direção “científica”. Em outras palavras, Hegel acusa Kant de não apresentar uma descrição completa e sistemática de todas as ideias que ele adota em sua filosofia crítica. 3 ARAÚJO, Wécio. O conceito de razão entre Hegel e Kant: a crítica hegeliana ao dualismo transcendental kantiano. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/problemata/article/view/38725/20157>, acessado em 15 de maio de 2020. pg. 6. 4 Afirmação destes acadêmicos. Kant descreveu sua solução para os problemas do dogmatismo, por um lado, e o ceticismo de Hume sobre causalidade, por outro, como uma mudança copernicana na filosofia. Não são nossas mentes que se adaptam ao mundo, da maneira que Descartes, Locke e Hume o teriam, mas o contrário: é a atividade conceitual de nossas mentes sobre o que nos é dado na sensação que cria o mundo. O mundo como nos parece. A crítica de Hegel a Kant centra-se nessa distinção. Seguindo o argumento proposto por Fichte e Schelling na elaboração pós-kantiana da filosofia crítica, Hegel sustenta que, de fato, temos o noumena em pensamento - pois Kant tem em mente o que pensa quando o concebe como aquele, que nada sabemos. Máscaro define que: “O Estado passa a ser o centro do direito. A racionalidade passa a se transferir, antes do indivíduo e da sociedade civil, agora para o Estado. Por razões próximas disso e vivendo exatamente nesse período histórico, Hegel compreende, de maneira dialética, a evolução do pensamento jurídico em fases sucessivas de negação. Ao direito estatal do privilégio absolutismo correspondeu, como negação, o direito racional da igualdade burguesa. Mas a vitória deste foi sua negação: irrompe o direito estatal burguês.”5 O que Hegel está dizendo, então, é que, ao colocar o limite do pensamento, Kant inadvertidamente trouxe de volta ao pensamento o que está alémdo pensamento. O que, por definição, é impensável, está sendo pensado no próprio processo de argumentar. Máscaro, arremata a discussão afirmando que: O Estado, para Hegel, não será uma instância que universalmente instaure um só conteúdo jurídico inexorável – um direito natural eterno, universal e individual aos moldes modernos e kantianos –, mas será o 5 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. pg. 230. elemento processual de organização da própria vida do povo. O Estado, para Hegel, é uma individualidade, animando o próprio povo.6 Assim, como em Hegel: “Já que, portanto, (para Kant) só conhecemos as impressões no contexto de formas a priori do espírito, não podemos conhecer como ou o que são as ‘coisas em si’ que originam as impressões. Estas coisas-em-si, que presumimos existir fora das formas do espírito, permanecem completamente desconhecidas. Hegel considera que este elemento céptico da filosofia de Kant invalida sua tentativa de defender a razão contra os severos ataques empiristas. Enquanto as coisas-em-si estiverem fora do alcance da razão, esta continuará a ser mero princípio subjetivo, privado de poder sobre a estrutura objetiva da realidade; e o mundo se separa em duas partes: a subjetividade e a objetividade, o entendimento e a sensibilidade, o pensamento e a existência.”7 3) Sobre o pensamento hegeliano: a) Disserte a respeito do conceito de dialética em Hegel e explique por que ele é importante para a Ciência Jurídica? Diferentemente da dialética proposta pelos seus antecessores, Hegel recria a dialética em um modelo infinito, uma vez que a realidade é a racionalização da própria realidade, o que é racionalizado é uma tese, que é oposta por uma teoria inversa e, confrontada, gera uma nova tese. Mas essa tese é racionalizada na história, não sendo elevada a status concreto, pois a nova realidade trará novas antíteses originando novas teses. 6 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. pg. 231. 7 HEGEL, Princípios da filosofia do direito, op. cit., p. XXXVII. Araújo, afirma que: “Ao contrário do que vemos em Kant, que opõe e divide por um abismo, colocando os elementos pertencentes à subjetividade de um lado; e de outro, os aspectos pertencentes ao árido deserto do objeto; em Hegel, a razão encontra seu estatuto ontológico na identidade entre sujeito e objeto como unidade dialética entre ser e pensar alcançada na e pela autoconsciência (Selbstbewusstsein) que tem sua mediação fundamental no trabalho (Arbeit) – o silogismo primacial.”8 Assim a dialética hegeliana constrói teses relativizadas constantemente, pois a tese construída nunca é um pensamento absoluto, mas uma inconstante sempre sendo provada por novas realidades com novas antíteses. Esse prisma conceitual contribui para a ciência jurídica tornando-a volátil do ponto de vista progressista, pois uma vez consolidada uma tese como sendo válida, as mudanças de ordem social não cessam de desafiá-la de modo científico até que outra mais contundente tome seu lugar, seguindo-se essa lógica de maneira infinita, vez que, para Hegel, o justo é a realidade, até que a nova realidade o seja. b) Apresente e comente os apontamentos de Hegel a respeito do Estado, da sociedade civil e do indivíduo. Hegel, rompendo com a tradição filosófica sobre a filosofia jurídica, promove o ideal do justo e do racional no Estado e não mais no indivíduo ou na sociedade civil. Até então, o individualismo era o denominador comum de todo o pensamento jusfilosófico moderno que desemboca, inevitavelmente, na teoria do contrato social, colocando o indivíduo no epicentro da racionalização do Estado. 8 ARAÚJO, Wécio. O conceito de razão entre Hegel e Kant: a crítica hegeliana ao dualismo transcendental kantiano. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/problemata/article/view/38725/20157>, acessado em 15 de maio de 2020. pg. 7. Hegel, como dito, rompe com essa ordem, tirando o do status de subordinado ao indivíduo ou a sociedade civil, determinando que esses são momentos inferiores. Em sua doutrina, Hegel coloca a Individualidade e moralidade em patamares inferiores a eticidade consubstanciada no Estado. Araújo descreve que: “A contradição dialética é experimentada na sociedade”. Por isso, “Quando Hegel fala do Estado, na sua Filosofia do Direito, ele discorre –filosoficamente –sobre o conceito de Estado; mas deixa claro que sabe muito bem que, na diversidade dos caminhos da atuação política, o Estado se defronta com enormes dificuldades para corresponder ao seu conceito” (Konder, 1991, p. 64).Konder alerta que: Na Filosofia do Direito, Hegel parte da convicção de que o ser humano, por natureza, não é bom nem mau: é um ser que não se deixa determinar exclusivamente pelo que lhe é natural. É um ser capaz de autodeterminação, capaz de vontade própria. Essa vontade (Wille) se distingue do desejo (Wunsch), porque nela está presente a razão, como dimensão essencial da liberdade. [...] A vontade só é livre quando se autodetermina, quando chega a conhecer seu objeto. [...] A vontade se exerce na superação do arbítrio, pondo-se nas coisas, atuando no mundo. A razão se realiza na vontade[...] (Ibidem, p. 61).”9 A sociedade civil, por sua vez, foi prescrita pelo autor, tendo em vista que o Estado não é o acordo dos indivíduos, mas é dado em si e para si. Na Filosofia do direito, na contramão de Rousseau, Hegel irá especificá-las de outra maneira, ao dizer que a sociedade civil não se confunde com o Estado, distinguindo-as muito claramente. Com a sociedade civil, passamos da família ou “a ideia ética ainda em seu conceito”, onde a consciência do todo ou da totalidade é focal, para a “determinação da particularidade”, onde é satisfeita as necessidades e desejos subjetivos. No entanto, apesar da busca de fins privados ou 9 ARAÚJO, Wécio. O conceito de razão entre Hegel e Kant: a crítica hegeliana ao dualismo transcendental kantiano. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/problemata/article/view/38725/20157>, acessado em 15 de maio de 2020. pg. 17. egoístas em atividades sociais e econômicas relativamente irrestritas, a universalidade está implícita na diferenciação de necessidades particulares, na medida em que o bem-estar de um indivíduo na sociedade está intrinsecamente ligado ao de outros, uma vez que cada um exige outro. Como esse sistema de interdependência não é autoconsciente, mas existe apenas na abstração da busca individual da satisfação de necessidades, aqui a particularidade e a universalidade são apenas externamente relacionadas. Hegel diz que “esse sistema pode ser considerado prima facie como o estado externo, o estado baseado na necessidade, o estado que o entendimento o prevê”. No entanto, a sociedade civil também é um campo de mediação de vontades particulares por meio da interação social e um meio pelo qual os indivíduos são educados, seja ele, por meio de seus esforços e lutas em direção a uma consciência universal superior.10 Hegel percebe que a estrutura jurídica da sociedade civil está ligada à esfera de mercado de maneira muito incisiva. De tal maneira, das teses centrais da teoria hegeliana da sociedade civil, a mais contundente é a de que a sua explicação quanto a racionalidade econômica na concepção jusnaturalista, pressupõe que os indivíduos proprietários dos meios de produção se reconheçam, na própria esfera de mercado, não apenas como juridicamente livres e iguais e moralmente responsáveis enquanto sujeitos. Fazendo fronte ao caráter essencialmente privado da sociedade civil que Hegel idealiza o Estado como instância superior da vida do povo, contrastando com o liberalismo econômico, cujas consequências para o plano jurídico e político são nefastas aotranspor o limite do negócio interindividual, a constituição, em Hegel, é pensada diretamente a partir do Estado e não da sociedade civil. 10Encyclopedia of philosophy. Hegel: Social and Political Thought. Disponível em <https://www.iep.utm.edu/hegelsoc/#SSH6c.ii>, acessado em 15 de maio de 2020.
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