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Os crimes do colarinho branco

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Os crimes do colarinho branco
Maria do Carmo Leão
professora da graduação e do mestrado do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB
“O legislador, para enfrentar as dificuldades da crise econômica, tem usado o recurso da criação de novas leis, em lugar de tentar superar as causas próximas e remotas das distorções que acarretam as práticas comerciais nocivas ao consumidor. Essa forma de agir é muito mais cômoda, para o governante, do que enfrentar as causas das crises, ou reformar o Código Penal."
(Ariel Dotti)
1 - INTRODUÇÃO
Apesar de parecer um tema novo, o crime contra a ordem econômica tem sido motivo de preocupação para a sociedade, desde a Antiguidade. No âmbito da legislação pátria, a tutela desse bem jurídico data do século passado. Conforme dados fornecidos por Oliveira (1), a legislação penal econômica no Brasil inicia-se em 1891 com a Constituição Federal que vedava a intervenção estatal na iniciativa privada. Em 1930, surgem os primeiros sinais de regulamentação contra os crimes econômicos. Em 1937, com base na Constituição, surgem os Decretos de nº. 431/38 e 869/38, voltados para as flutuações sócio-econômicas. 
Até 1945, a competência para julgamento dos crimes contra a economia pertencia ao Tribunal de Segurança Nacional. A Constituição de 1937 equiparava esses delitos aos crimes contra a segurança do Estado. A Lei Constitucional nº 14/45, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 8.186/45, estabeleceu que tais crimes passariam a ser julgados pela justiça comum. Em 1951, o Congresso Nacional elaborou a Lei nº 1.521, atribuindo competência ao povo, através do Júri de Economia Popular, para julgar seus exploradores. 
2- CRIMES DO COLARINHO BRANCO 
A Lei nº 7.492/86, chamada de Lei dos Crimes de Colarinho Branco, tinha inicialmente como alvo os diretores e administradores de instituições financeiras. Hoje essa denominação estende-se a vários outros indivíduos que, de alguma forma, lesam a ordem econômica. 
Com o advento da Constituição Federal de 1988, consolidou-se a proteção ao consumidor, no inciso XXXII, do art.5º, que assim prescreve : " O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor." Com a vigência do Código de Defesa do Consumidor Lei nº 8.078/90, as dúvidas em relação ao consumidor e ao fornecedor foram esclarecidas. A Constituição Federal dispõe sobre a ordem econômica e financeira nos arts. 170, 173 e parágrafos transcritos a seguir: 
Art. 170- " A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: 
(...); 
I V- livre concorrência; 
(...). 
Art. 173- Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. 
(...). 
§ 4º- A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. 
§ 5º- A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular." 
No rol desses atos, incluem-se a concorrência desleal, o cartel, o trust, o monopólio, o dumping e várias outras figuras. 
Além das já citadas leis relativas à defesa da ordem econômica, há um elenco significativo de outras do mesmo gênero. São as que regulamentam os crimes contra a ordem tributária e a previdência; os crimes falimentares; os crimes contra o sistema financeiro; os crimes de improbidade administrativa, os crimes ambientais, etc. Em muitos casos há dois, ou mais, diplomas regendo o mesmo delito, com sanções diferentes, sem que um haja revogado o outro. Isso favorece a impunidade. 
Os crimes designados de "colarinho branco" tornam-se cada vez mais freqüentes. A delinqüência nos negócios ameaça as estruturas do Estado, porque atinge a confiabilidade do sistema financeiro, econômico e social, gerando insegurança na população. O crime econômico destrói as instituições democráticas, na medida em que o poder político fica cada vez mais dependente do poder econômico. A função da Constituição é desvirtuada. Os poderes das instituições fundamentais do Estado se esvaziam. 
3-O PODER ECONÔMICO 
Geralmente, os crimes contra a economia são cometidos por pessoas ou grupo de pessoas de amplo prestígio social e político, com fácil trânsito em todas as áreas governamentais. Nesse contexto, estão presentes, na rede de relações pessoais, as propinas, os favorecimentos e outras tantas formas de facilitação do crime. São profissionais bem sucedidos, com profundo conhecimento das leis e de suas lacunas, sempre contando com a participação efetiva de administradores ímprobos. É o poder paralelo. 
A distância espaço-temporal entre os criminosos e as vítimas leva-as a não perceberem a extensão do resultado de tais atos. Na verdade, trata-se de bens jurídicos coletivos ou supra-individuais que são lesados. Para que o bem jurídico individual seja protegido, faz-se mister que o bem maior esteja a salvo. 
O problema se situa na própria esfera jurídica, uma vez que o direito penal deveria punir eficazmente todos os tipos de delinqüência - tanto os pequenos furtos como os grandes crimes de ordem econômico-financeira. 
O fato torna-se mais grave pelo excesso de leis penais extravagantes ou especiais, esparsas, cheias de falhas e omissões, com normas penais em branco. São, na sua grande maioria, inaplicáveis. Existe, ainda, uma grande incongruência entre essas leis e o que estabelece tanto a Constituição Federal como o Código Penal. Há, além disso, que se registrar a existência de outros ramos do direito, como o direito administrativo, tributário, comercial e civil, aos quais há que se recorrer. 
Quando alguém comete um assalto a mão armada e, em conseqüência, a vítima perde a vida, o impacto causado na sociedade é muito grande. Quando, por outro lado, são cometidos, todos os dias, graves crimes contra a ordem econômica, apesar da extensão do mal – na maioria das vezes, causando a morte lenta de centenas de pessoas - o impacto não corresponde à dimensão do dano. São exemplos, nesse aspecto, a poluição ambiental e o dinheiro que é desviado da assistência médico-hospitalar, do saneamento básico, ou mesmo das escolas. São inúmeras crianças que morrem de desnutrição pela falta de emprego para os seus pais; são milhões que permanecem analfabetos. Enquanto isso o PROER doa bilhões aos bancos com problema de liquidez para que eles se soergam e continuem a sangrar os cofres públicos. A esse custo social adicione-se, como enfatiza, Nola Anyar de Castro (2), "um custo moral que é muito importante, porque os grandes empresários, que são os que cometem estes delitos, são geralmente líderes da comunidade, espelho e exemplo do povo, grandes defensores de um bom equipamento social para a prevenção da delinqüência juvenil e geral, ou exercem outras atividades similares." 
A sociedade precisa atentar para a gravidade dos crimes cometidos por esses "respeitáveis" cidadãos. Precisa entender que o único objetivo desses "empresários" é o lucro fácil, volumoso e rápido. São crimes mais danosos do que aqueles cometidos contra o patrimônio individual, posto que atingem os interesses difusos e coletivos da sociedade. São macrocrimes cuja repercussão é incomparavelmente superior à dos crimes comuns. Por motivos óbvios, a maior preocupação da sociedade é com a violência nas ruas, por ser ela visível e também porque vítima e criminoso estão mais próximos, causando, assim, um impacto imediato. Marty define a infração econômica como aquela que " ataca as estruturas relativas à produção, circulação, distribuição e consumo das riquezas de um determinado Estado." (3) 
4 - UM PROBLEMA CULTURAL
Nosso povo ainda não atentou para o fato de que existeo instituto da ação popular e que ela é remédio para alguns desses males. É um problema de educação, de esclarecimento. Até mesmo as universidades são indiferentes a esse problema. O patrimônio público vai muito além do erário; é um complexo de bens, que inclui o turismo, o meio ambiente, as empresas incorporadas, as entidades incentivadas, as sociedades de economia mista, etc. 
O meio ambiente, por exemplo, tem sido agredido, principalmente pelas grandes indústrias, causando muitas vezes danos irreparáveis. Estas não são punidas; pune-se o caçador de arribação. Existe hoje um movimento no mundo inteiro, que coloca no topo das suas preocupações o problema ambiental. A partir de pressão dos órgãos internacionais para que todos se engajem na luta em defesa do meio ambiente, o Brasil edita uma lei, elaborada pelos mais respeitáveis e reconhecidos juristas do país. Trata-se da Lei de Crimes Ambientais, a qual disciplina o princípio assegurado no art. 225 da Constituição Federal, que assim dispõe: 
Art. 225 –" Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 
(...) 
§ 3º- As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados." 
Mal foi aprovada a Lei de Crimes Ambientais, o Senhor Presidente da República correu em defesa dos poluidores, com uma Medida Provisória, dando-lhes um prazo de dez anos para que se adaptem à nova lei. Durante esses dez anos, eles podem poluir que não estarão cometendo nenhum crime. Esta é, sem dúvida, uma medida prejudicial aos cidadãos e danosa ao meio ambiente. O que se discute não é apenas a qualidade das leis, mesmo quando elas são boas, como neste caso; questiona-se a sua aplicabilidade, pois é ai onde reside o cerne da questão. 
5 - CONCLUSÃO
De acordo com Nunez, " a Justiça penal se exerce sobre tipos tradicionais, delitos convencionais, mas sua atuação é virtualmente inoperante em relação aos autores de atos gravemente prejudiciais para a coletividade que se estruturou na organização política e econômica, por falta de tipificação penal adequada e pelas dificuldades probatórias, de tais comportamentos, derivados da habilidade de atuação de seus autores e da própria complexidade dos delitos econômico – financeiros..." (4) 
É evidente que se trata de crimes organizados, não há como se negar. São crimes que, para serem perpetrados, carecem de vários sujeitos. Gomes & Cervine esclarecem que "o crime organizado, indiscutivelmente, é um dos maiores problemas da sociedade contemporânea. Não é novo, mas nos dias atuais, em razão sobretudo da internacionalização das relações, da economia, dos meios de comunicação, das finanças etc., ganhou dimensão e projeção jamais imaginadas. A Ciência Jurídica, por sua vez, só recentemente começou a discipliná-lo. A Lei 9.034/95 é apenas o ponto de partida para a real e verdadeira normatização do assunto, que é reconhecidamente complexo e atual." (5) 
A Constituição Federal de 1988 determina, como foi visto, a penalização da pessoa jurídica. A lei complementar, no caso o Código Penal, antecede a CF em vários anos, havendo uma incompatibilidade entre os dois diplomas, devido à distância que os separa no tempo. É, portanto, imprescindível uma reforma para tornar essas leis exeqüíveis, de modo a eliminar-se essa pluralidade de textos sem vínculos uns com os outros. 
Até o momento, não se tem notícia de que esses tipos estejam contemplados no projeto de reforma do Código Penal. A única informação que se tem é que são crimes muito dinâmicos, dada a evolução do sistema. A rapidez do avanço tecnológico dificulta a inclusão desses tipos no Código Penal. Ademais, falta vontade política e sobra acomodação. 
O Direito Penal deveria punir eficazmente tanto os crimes financeiros como os pequenos roubos. A prevenção existe para os crimes comuns, todavia a indiferença prevalece em relação aos crimes contemplados nas leis extravagantes. 
NOTAS
1. OLIVEIRA, Frederico Abrahão. Direito Penal Econômico.1996
2. Apud MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes contra o Sistema Financeiro. 1990.
3. MARTY, Delmas Mireille. Droit Pénal des Affaires. 1990
4. NUNES, Juan Antonio Martos. Derecho Penal Economico. 1987.
5. GOMES, Flávio Luiz &CERVINI, Raul. Crime Organizado. 1997
BIBLIOGRAFIA
ANTONA, Jean-Paul et alli. La Responsabilité Pénale des Cadres e des Dirigeants dans le Monde de Affaires. Paris: Dalloz. 1996. 
ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello. Dos Crimes Contra a Ordem Econômica. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1995. 
BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção- um estudo sobre o poder público e a relações pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1994. 
GOMES, Luiz Flávio & CERVINI, Raul. Crime Organizado. 2 ed.São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997. 
MAIA, Rodolfo Tigre, Dos Crimes Contra o Sistema Nacional. São Paulo: Malheiros.1996. 
MARTY, Mireille Delmas. Droit Penal des Affaires. 3 ed. Partie générale. Tome 1.Paris: Puf. 1990. 
NUNEZ, Juan Antonio Martos. Derecho Penal Economico. Madrid: Montecorvo. 1987. 
OLIVEIRA, Frederico Abrahão. Direito Penal Econômico Brasileiro. Porto Alegre: Sagra.1996. 
Seria a lavagem de dinheiro um crime do colarinho branco, organizado e corporativo?
Jornalista Externo 
O traficante internacional de drogas Juan Carlos Ramírez Abadia, preso em agosto de 2007. O reduzido grupo de 200 sortudos (entre os quais, deputados, delegados de polícia e empresários) que ganhou mais de 9.000 vezes nas loterias da Caixa Econômica Federal, entre os anos de 1996 e 2002. Instituições financeiras suíças e americanas no seio da Operação Kaspar II, deflagrada pela Polícia Federal em novembro de 2007. Qual a relação entre todos estes indivíduos e instituições? 
A expressão “lavagem de dinheiro” teve sua origem cunhada, ainda na década de 70, quando do escândalo Watergate. Foi, posteriormente, aceita em âmbito internacional em virtude do desenvolvimento do tráfico internacional de drogas já no início da década de 80 especialmente devido ao envio da cocaína sul-americana para os Estados Unidos e Europa.
As grandes organizações criminais, ligadas aos mais diferentes setores da atividade ilícita, são possuidoras de uma tal disponibilidade de bens e dinheiro que o reinvestimento de tais somas, provenientes de atividades criminosas e onde impera uma total liquidez, faz nascer desvios e condicionamentos no mercado financeiro, na medida em que pode levar ao controle de um inteiro setor ou segmento da economia, conforme de Faria Costa. Santiago acrescenta ainda que foi justamente com o aparecimento do crime internacionalmente organizado que se sentiu a necessidade de punir a lavagem de dinheiro e outros produtos do crime.
Contextualizada no seio do crime organizado, a lavagem de dinheiro constitui, atualmente, uma necessidade imperiosa. Bem por isso, passa-se a admiti-la, sem embargo de outras possíveis classificações, como uma atividade inerente à existência do crime organizado sendo, com freqüência, confundida com o próprio fato que já não se pode admitir. A lavagem de dinheiro é tão-somente uma das várias formas e ações assumidas pelas organizações criminosas em geral.
A tipologia em questão mostra-se regular em toda e qualquer organização criminosa, porque quando uma de suas atividades gera proventos substanciosos, o indivíduo ou grupo envolvido certamente deverá controlar estes fundos ilícitos sem atrair atenção para o crime originário. Ora bem, deve-se deixar claro que a atividade de lavagem de dinheiro é uma forma de criminalidade derivada (ou de caráter subsidiário ou acessório), pois o dinheiro empregado na operação pressupõe, necessariamente, um fato ilícito prévio, seja ele o tráfico de drogas, a corrupção pública ou a evasão de divisas.
Assim, não se assevera de menor relevoclassificar o crime em questão na categoria de crimes do colarinho branco ou mesmo como um crime organizado e corporativo. A priori todo crime corporativo traduz-se em um crime do colarinho branco. A recíproca, porém, não se afigura de todo verdadeira.
Breves notas sobre a lavagem de dinheiro
Inúmeras definições foram dadas ao crime de lavagem de dinheiro. A Comissão Presidencial para o Crime Organizado, do governo norte-americano, propõe a lavagem de dinheiro como sendo os meios através dos quais se escondem a existência, a origem ou a utilização ilegal de rendimentos, encobrindo-os de forma que pareçam provir de origem lícita. Em nosso território, o COAF dispõe que o crime de lavagem de dinheiro caracteriza-se por um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico que envolve, teoricamente, três fases independentes e, quase sempre, simultâneas. 
As três fases aludidas na definição do COAF, resultam de um modelo criado pelo GAFI em 1991, hoje largamente adotado pela literatura mundial. Neste sentido, o processo de lavagem de dinheiro compreende as fases de introdução (ou colocação), transformação (ou diversificação) e integração (ou inversão).
Na primeira etapa, o dinheiro sujo é introduzido no mercado financeiro sob o manto de vários outros instrumentos monetários, utilizando-se laranjas, testas de ferro ou empresas de fachada. Este dinheiro também é normalmente dividido em quantias menores, prática conhecida como smurfing, evitando-se a atenção das autoridades de investigação e controle.
Posteriormente tem-se o momento chave do processo, a fase de transformação, quando se pretende desconectar o dinheiro sujo do crime originário, visando-se eliminar os traços de qualquer atividade criminosa. A través da organização de sucessivas e complexas operações financeiras, instrumentalizadas, especialmente, através de instituições bancárias, companhias offshore e paraísos fiscais, alcança-se o mais alto nível de proteção do verdadeiro beneficiário do dinheiro ilícito.
Por fim, na fase de integração, todo o capital ilícito, já devidamente lavado, retorna ao tráfego financeiro normal, precisamente como proventos financeiros oriundos de investimentos a curto ou longo prazo, permitindo, deste modo, a continuidade da atividade criminosa.
Crimes do colarinho branco.
A análise desta forma de criminalidade nos obriga a uma digressão ao início do século passado, precisamente aos estudos de Sutherland, quem inovou ao contextualizar os crimes de colarinho branco como crimes cometidos por pessoas de respeitabilidade e alto nível social. Para o autor, as pessoas que violavam a lei eram criminosas, independentemente do fato de terem sido descobertas, processadas ou até mesmo condenadas seja por crime comum ou por crime de colarinho branco.
Não é uma opinião pacífica, a bem da verdade, sendo posteriormente questionada por Tappan, ao afirmar que as pessoas que não sofriam condenações criminais não eram criminosas, pois a condenação criminal é o único critério aceitável para a punição. Em termos semelhantes a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5.º, inciso LVII, assevera: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
As classes sociais das mais altas culturas e o Brasil não foge à regra fornecem alguns destes criminosos, nos dizeres de Henderson: “criminosos educados”. Isso porque, as culturas avançadas modificam o crime, tornando-o menos coativo e violento, consequentemente, mais inteligente.
Entretanto, antes mesmo das idéias de Sutherland, Morris já admitia a existência de certos criminosos do mundo legal um numeroso porém opaco grupo de delinqüentes que, em virtude da posição social, inteligência e técnicas criminais, podia mover-se por entre os cidadãos normais imunes ao reconhecimento e persecução. Estes criminosos, definidos por Morris, são genuínos e diferem-se dos demais apenas por serem menos sensitivos em alguns aspectos. Põe-se em dúvida se eles próprios consideram-se criminosos. 
A privacidade e a complexidade de atividades como a lavagem de dinheiro tornam sua identificação extremamente difícil, analisar os motivos e métodos empregados, sobretudo quando acobertados por uma universalidade de práticas legais, nunca foi simples.
O que nos sugere uma outra característica, qual seja, a da invisibilidade. Em muitos casos a invisibilidade descreve condições de ambos criminoso e vítima. O criminoso do colarinho branco torna-se invisível devido a que o lugar da ação criminosa raramente coincide com o lugar onde seus efeitos poderão ser vislumbrados. Por outro lado, o momento em que o crime ocorre também não coincide com o momento em que seus danos tornam-se aparentes.
E qual seria a razão para este tipo de delinqüente realizar suas atividades ilegais? Sutherland opina a respeito de um excesso de definições favoráveis à violação da lei, sobre definições desfavoráveis (o que ele próprio chama de Teoria da Associação Diferencial). Na verdade, este modo de comportamento criminoso resulta de uma apropriada coincidência entre motivação e oportunidade. A motivação consiste em uma série de construções simbólicas que definem certos objetivos desejáveis, em detrimento de outras circunstâncias nas quais inexistem tais qualidades. Já a oportunidade é definida de acordo com o curso da ação, que faz parte de um repertório pessoal voltado para o comportamento criminoso, ou mesmo um comportamento em potencial.
Crime organizado e crime corporativo
Num segundo aspecto, deve-se analisar a correlação dos crimes do colarinho branco com o crime organizado e corporativo. Isso porque os dois modelos de criminalidade compartem a mesma natureza, são praticados sob estruturas semelhantes e possibilitam até mesmo a conivência de autoridades administrativas e legislativas. Porém, estaria excluída desta correlação toda e qualquer ofensa criminal ainda que praticada por meio do crime organizado que não tenha sido cometida por pessoas de respeitabilidade e alto nível social.
Para Cressey, crime organizado compreende qualquer delito cometido por uma pessoa que ocupa certa posição em uma estabelecida divisão laboral, designada especialmente para atividades criminosas; e, o criminoso organizado, por definição, ocupa uma posição no sistema social, uma organização que foi racionalmente desenhada para maximizar os proventos dos serviços ilegais e provê-los, de acordo com a demanda, aos membros da sociedade em que ele próprio vive.
Neste sentido, o crime organizado, bem como os crimes corporativos, normalmente, compartem igual know-how ilegal e devem ser analisados sob a ótica das características sociais e do passado criminoso de seus agentes. Tais características devem ser avaliadas conjuntamente, uma vez que ambos os modos de criminalidade são, quase sempre, conexos e sua demarcação, muitas vezes, obscura. Levy explica que a razão desta opacidade resulta do maior crescimento do envolvimento profissional (seja individual ou corporativo) no âmbito do crime organizado, quando se trata de fraudes sofisticadas ou mesmo do diuturno uso de instituições financeiras, especialmente para lavar altíssimas somas oriundas das mais diversas fraudes ou crimes.
Verdade seja dita, o crime organizado é constituído por um único e, ainda que segmentado, abrangente grupo que, em busca de dinheiro e poder sobretudo financeiro e político ameaça toda a sociedade. Pode-se descrevê-lo como uma família criminosa, com noções de burocracia, estruturas hierárquicas, caracterizado por regras formais e com agentes especializados nas suas mais diversas funções. Há vezes, e não são poucas, que este grande grupo faz uso de outros grupos menores, flexíveis e diversificados, devido ao imperativo da permanência como entidade secreta, evitando-se assim a força coerciva e dissuasiva da publicidade. É certa, porém, a existência de umequilíbrio entre a publicidade e a atuação secreta. Mas, somente as maiores e mais complexas organizações estão aptas a desenvolver esse chamado equilíbrio.
Também é, de certo modo, imperiosa a conciliação da ordem interna (por meio de formas específicas de controle) com a legitimidade externa, buscando-se, para tanto, planos de oportunidades ocupacionais e sociais. Este envolvimento, “em tempo integral”, na atividade criminosa, permite aos seus agentes adquirir habilidades técnicas e de certo profissionalismo, conforme explica Cohen.
Em suma, nota-se que todas as interpretações de crime organizado pressupõem uma extraordinária continuidade no tempo. Ainda que infrutíferas quando tentam explicar o crime de lavagem de dinheiro, ou mesmo outras formas de crime organizado, muitas definições encontram abrigo em classificações como a tradição, a ausência ou falta de controle do Estado, certa pobreza e subculturas delinqüentes. Porém, não se pode concordar integralmente com tal proposição, porque quando trasladada ao continente europeu, via de regra, tais atividades ilegais raramente têm relação com pobreza, subdesenvolvimento e falta de controle estatal, mas tão-somente com características como influência política e controle de recursos.
É sabido que as organizações criminosas são forçadas a investir seus rendimentos na economia legal, pois existem grandes limites à expansão dos mercados ilegais. O acúmulo de proventos do tráfico de drogas, por exemplo, nem sempre encontra oportunidades de investimento no mesmo ou em outros nichos econômicos ilícitos. A instabilidade, no que concerne à procura por bens e serviços ilícitos, impulsiona a busca por valorizações no mercado econômico legítimo, como bem ressalta Block. Assim sendo, e segundo Becchi e Rey, o crime organizado, ao atuar em âmbito corporativo, abandona a intimidação e a violência, pois, caso contrário, seria imediatamente noticiado e combatido. Sem embargo, nem sempre é assim. Conforme Catanzaro, a continuidade da violência e da intimidação objetivam, muitas vezes, corromper o mercado legal, ademais de atrair forçosamente empresários deste setor a fim de transformá-los em novos aliados.
Conclusão
Pois sim. A lavagem de dinheiro, como prova do sentido histórico e da mobilidade do direito penal, surgiu devido a uma, então nova, conjuntura no processo de conexão de diversas atividades criminosas (inicialmente com o aumento do tráfico internacional de drogas, nos anos 80).
Em dias hodiernos, vê-se o envolvimento de quaisquer outras instâncias, seja social, cultural ou econômica, ou, como prefere citar de Faria Costa, da própria “cultura da corrupção”. Deste modo, não se pode negar que a atividade de lavagem de dinheiro possui fortes laços com a classificação dos criminosos do colarinho branco no seio do crime organizado e corporativo. As vultosas somas provenientes do crime em especial do tráfico de drogas, da corrupção pública e da evasão de divisas obrigaram seus agentes a modificar o modus operandi para então atuar de forma organizada e com suportes corporativos confiáveis, sobretudo quando utilizados meios eletrônicos, informáticos e o sistema financeiro internacional.
O nível de complexidade destas atividades criminosas permite claramente enquadrar os lavadores de dinheiro como criminosos do colarinho branco (face à inteligência e destreza técnica mencionadas) e suas agências do crime, como sociedades organizadamente voltadas para o cometimento de crimes corporativos. Muitos são os casos em que inúmeras corporações, ativas no mercado econômico lícito, vêem-se envolvidas em processos de lavagem de dinheiro ou em algum escândalo de corrupção.
O que nos remete à pergunta inicial. Qual a relação entre todos os indivíduos e instituições mencionados no início do texto?
Referências
Block, A. Perspectives on organizing crime: Essays in opposition. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1991. Faria Costa, J. F. de. O branqueamento de capitais: Algumas reflexões à luz do direito penal e da política criminal. In: Correia, E. (et. al.). Direito penal económico e europeu: Problemas especiais. Coimbra: Coimbra Editora, 1999. Green, G. S. Occupational crime. Chicago: Nelson-Hall Publishers, 1996. McDonald, W.F. Crime and law enforcement in the global village. Cincinnati: Anderson Publishing Co., 1997. Passas, N. Organized crime. Dartmouth: The International Library of Criminology, Criminal Justice and Penology, 1995. Ruggiero, V. Organized and corporate crime in Europe: Offers that can’t be refused. Dartmouth: Socio-legal Studies Series, 1996. Santiago, R. O branqueamento de capitais e outros produtos do crime: Contributos para o estudo do art. 23.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e do regime de prevenção da utilização do sistema financeiro no branqueamento (Decreto Lei n.º 313/93, de 15 de Setembro). In: Correia, E. (et. al.). Direito penal económico e europeu: Problemas especiais. Coimbra: Coimbra Editora, 1999. Sutherland, E. H. White collar crime: The uncut version. New Haven: Yale University Press, 1983.
Criminalidade do colarinho branco como fonte de desigualdade no controle penal
O intuito deste trabalho será tentar demonstrar a importância da caracterização do que se entende por criminoso do colarinho branco como fator desencadeante da desigualdade no controle penal. O termo white-collor crime surgiu na década de trinta, por meio dos estudos de Sutherland, com a finalidade de desmoronar o castelo que foi erguido em torno da idéia de que a criminalidade deriva em grande parte das pessoas provenientes das classes sociais menos favorecidas. Para tanto, Sutherland centrou sua atenção nas características do agente criminoso e concluiu que o delito do colarinho branco é aquele realizado por uma pessoa de elevado status sócio-econômico, de respeitabilidade, no exercício de suas atividades empresariais, ocorrendo, quase sempre, uma violação de confiança. Cláudia Cruz Santos aponta que o conceito de white collar-crime referido não traz "uma nota imprescindível a uma sua compreensão teleológica: o caráter de impunidade das condutas abrangidas, constantemente mencionado por Sutherland". (1)
Apenas para dar uma idéia da resistência e da controvérsia que existe em torno da conceituação do criminoso do colarinho branco, Cunha Rodrigues assevera que "por um conjunto complexo de razões, estamos cronologicamente distanciados e sociologicamente próximos do emblemático ano de 1949 em que Sutherland, nos Estados Unidos da América do Norte, falou em white collar-crime para designar o crime praticado por uma pessoa respeitável, de elevado status social, no quadro da sua profissão. A evolução do direito penal econômico e seus diferenciados modelos culturais viriam a criar outras categorias para caracterizar realidades próximas, desde a expressão francesa "droit pénal des affaires" até às que são mais correntes no mundo anglo-saxónico: occupational crime, business crime ou corporate crime. Encontramo-nos sociologicamente próximos daquele ano de 1949 porque, por um lado, não foram de todo arredadas as hesitações da doutrina quanto à legitimidade ou conveniência de criminalizar condutas antieconómicas e porque, por outro lado, a ideia de delinquente socialmente inserido ( pelo seu status ou pelo seu poder) permanece como fonte de resistência à democratização das políticas criminais e ao próprio funcionamento da administração da justiça ( grifo nosso )". (2)
É certo que diversos autores rechaçaram o conceito dado por Sutherland, criando uma controvérsia em torno da definição que ainda hoje permanece em aberto. Mas, para que o problema da desigualdade na administração da justiça penal tenha um suporte, torna-se necessário utilizar o conceito dado por Sutherland.
A utilização do conceito tradicional de crime de colarinho branco, de cunho essencialmente subjetivo, equivale, nas palavras de Cláudia Cruz Santos " a significar que o próprio problema do tratamento desigualitário do white collar-crime pelas instâncias formais de controlo ganha especial sentidoà luz de uma definição preocupada com as características do agente". (3) Em outra passagem a citada autora traz à colação uma citação de Sutherland em que ele identifica a desigualdade de tratamento da administração da justiça penal no caso em que " as pessoas de classe sócio-económica mais alta são mais poderosas política e financeiramente e escapam em maior número à detenção e à condenação do que as pessoas a quem falta aquele poder". E acrescenta que tais agentes não são " detidos por polícias uniformizadas, não são julgadas por tribunais criminais e não são enviados para prisões; este comportamento ilegal é objeto da atenção de comissões administrativas ou de tribunais que julgam segundo o direito civil ou a equidade. Por esta razão, tais ofensas não são incluídas nas estatísticas criminais". (4)
Diferentemente do que alguns doutrinadores que relacionam os criminosos do colarinho branco com os respectivos modus operandi ( blue-collar criminals, corporate crime, business crime ou occupational crime ), a linha deste trabalho seguirá o conceito subjetivo de Sutherland, levando em conta especificamente às características do agente do crime, colorindo o agente e não a infração, para traçar o quadro de desigualdades no sistema penal.
Pode-se de certo modo identificar um fio condutor que perpassa o aparato da justiça criminal ( legislador, polícia, ministério público, judiciário e administração penitenciária ) e que desencadeia a desigualdade na administração do sistema penal. Consiste esse fio condutor na manutenção do sistema sócio-ecomômico e político da classe que dispõe do poder.
O sistema penal está umbilicalmente ligado ao sistema social e econômico. É um instrumento do sistema de classes e funciona de acordo com os valores que o sistema dominante socioeconômico e político defende e quer ver intocável. Como exemplo da defesa dos interesses da classe dominante toma-se a conduta do trabalhador que subtrai para si pequena parcela do que produz para o seu empregador e que é considerado, pela legislação, como crime de furto. Por outro lado, a conduta do empregador que não paga ao trabalhador o salário acordado nem por isso é punido, por falta de previsão legal.
Lola Aniyar de Castro assevera que " o sistema de classes influi nos processos de criminalização. Três são as vias habituais para fazê-lo: 1- criminalizam-se condutas que pertencem, preferentemente, à maneira e às condutas de vida dos setores marginais.; 2- criminalizam-se indivíduos, preferentemente, pertencentes a estes setores, assim como os que pertencem a grupos subculturais desprovidos de poder ( negros, índios, jovens não conformistas), quando a polícia dirige sua atenção e seus recursos, precisamente, para esses indivíduos; 3- outra forma de criminalização ocorre através do tipo de tratamento ou de sanção selecionada". (5)
Pode-se dizer que na formação social capitalista, o direito ( em especial, o direito penal ) é a expressão legal do modo de produção capitalista e, assim, a institucionalização normativa dos interesses e necessidades das classes dominantes, impondo e reproduzindo as relações de opressão e desigualdade em que se fundamenta o seu poder de classe. O que se verifica atualmente é que as classes menos favorecidas sócio-economicamente é que acabam sendo atingidas pelas malhas do sistema penal e os chamados criminosos do colarinho branco apenas aplaudem e assistem de camarote o massacre dos excluídos socialmente, posto que não são atingidos pelo sistema,.
O sistema penal, verdadeiramente, seleciona pessoas e não ações, volta seu poder de fogo para as pessoas provenientes das classes socialmente desfavoráveis. Há uma clara demonstração de que determinadas pessoas possuem uma certa "imunidade" frente ao sistema penal, que costuma conduzir-se por estereótipos que recolhem das características das pessoas marginalizadas e humildes. A criminalização gera o fenômeno de rejeição do etiquetado, que uma vez recolhido pela máquina penal, carregará para sempre o estigma de delinquente, facilitando até o posterior trabalho das autoridades policiais na reciclagem do "lixo" despejado pelo sistema. Maria Lúcia Karam anota que "isolando, estigmatizando e ainda submetendo aqueles que seleciona ao inútil e desumano sofrimento da prisão, o sistema penal faz destes selecionados pessoas mais desadaptadas ao convívio social e, consequentemente, mais aptas a cometer novos crimes e agressões à sociedade, funcionando, já por isso, como um alimentador da violência, o que faz da demanda de maior repressão penal uma atitude um tanto sadomasoquista". (6)
Ora bem, levando em conta o criminoso do colarinho branco nesse processo seletivo e estigmatizante de que há pouco se comentou, outra não seria a conclusão senão a de que ele possui um plus, um escudo, uma "imunidade" que o exclui do poderio penal.
Basta verificar a população carcerária para que se constate a origem social das pessoas que lá estão, como afirma Eugene V. Debs em Walls and Bars: "quando se consegue fazer um estudo inteligente da prisão (...) é-se obrigado a concluir que afinal não é tanto o crime no seu sentido geral que é penalizado, mas antes que é a pobreza que é punida. Faça-se um censo da prisão média e concluir-se-á que uma larga maioria das pessoas está lá não tanto por causa do crime que alegadamente cometeu, mas por causa da sua pobreza e porque não têm dinheiro para pagar os serviços de advogados de primeira classe e influentes". (7)
E não há afirmar que os criminosos do colarinho branco não cometam também a chamada criminalidade comum, pois essa afirmação soa exatamente como quer escutar a ideologia dominante e que só faz eternizar a enorme cifra negra que envolve essas condutas. De acordo com Lola Aniyar de Castro a "estabilidade do sistema estaria garantida pelos estereótipos do bem e do mal que realiza o sistema penal". Se as pessoas que estão encarceradas são tidas por más e são da classe social mais baixa, então, as demais pessoas que lá não estão e que são das demais classes sociais são boas e o sistema funcionará a mil maravilhas se se dirigir aos delinquentes da classe social mais baixa. Assim, o cerco se fecha em torno dos excluídos socialmente e tranquiliza a consciência e a vida dos homens de "bem".
Segundo assevera Augusto Thompson, "algumas evidentes consequências decorrem da existência da cifra negra, como anota, por exemplo, Sir Leon Radznowicz: a) representa a substância do crime, enquanto as estatísticas oficiais são tão somente sua sombra; b) torna exatamente difícil descobrir os verdadeiros caminhos e composição da criminalidade; c) restringe e distorce nosso conhecimento a respeito dos criminosos; d) as atitudes da sociedade com relação ao crime e à punição são inevitavelmente irrealistas; e) impõe-se como maior fator no enfraquecimento de qualquer efeito intimidativo que a punição ou o tratamento dos criminosos pudesse ter; f) provavelmente, o sistema não tem o menor interesse em tentar diminuir a cifra negra, pois a polícia, os promotores, o Judiciário e os estabelecimentos prisionais sucumbiriam se tivessem que lidar com todos os que, realmente, praticam infrações penais". (8)
Há um fator importante que alimenta as cifras "douradas" (9) dos criminosos de colarinho branco. A visibilidade da infração dos menos favorecidos é manifesta. A polícia atua em lugares de livre acesso ( ruas, praças, supermercados, favelas etc. ) e esses locais são em massa frequentados pelas classes sociais menos favorecidas. É lógico que à aquisição da notícia da infração e, por consequência, o início do procedimento investigatório sobrevirá das condutas praticadas pelos miseráveis. Ao contrário, como os membros das classes média e alta passam a maior parte do tempo em lugares fechados, imunizados contra a atuação da polícia ( casas e apartamentos, escritórios, clubes de elite, restaurantes e boates de luxo, automóveis privados), há muito mais probabilidade de serem os delitos dos miseráveis "vistos" e registrados pela polícia, do que aqueles perpetrados pelas pessoasde posição mais elevada.
Ao comentar sobre o papel da polícia no processo de seleção dos delinqüentes, Jorge Figueiredo Dias afirma que "o respeito diferencial da privacidade condiciona igualmente o labor da polícia na recolha da prova e no esclarecimento do crime. Esta disponibilidade da polícia para respeitar diferencialmente a privacidade dos cidadãos - escreve Box - é uma das mais importantes fontes de bias na construção dos registos oficiais da criminalidade. Ela significa que a suspeita da polícia recai preferencialmente sobre uma pequena secção da população total, uma secçnao que - não é por acaso, nem incidentalmente - acontece ser a menos poderosa, e residir em áreas oficialmente designadas como de desorganização social. (10)
Associado à visibilidade da infração está o que já se mencionou quanto à adequação do autor ao estereótipo do criminoso ou "cara de prontuário" de que fala Eugénio Raúl Zaffaroni. E para que se estabeleça essa associação, basta tomar como exemplo as operações policiais conhecidas como blitzen, que se concentram nas áreas de habitação das populações menos desprovidas de recursos sociais, em que se realiza um verdadeiro espetáculo de busca às bruxas, invadindo casas ( pois barraco não é domicílio) sem mandado judicial e detendo pessoas para submetê-las a corriqueira "averiguação dos seus antecedentes" sem qualquer fundamentação que não seja a "cara de prontuário" estampada na face. A mesma operação sem dúvida não teria o mesmo sucesso se fosse direcionada para as classes média e alta.
Ultimamente, os meios de comunicação têm tido um papel de destaque na apuração dos crimes que envolvem criminosos do colarinho branco, passando a exercer o papel de verdadeiro órgão policial. E não só realizam as investigações, como também conseguem encontrar, como agulhas no palheiro, os grandes criminosos fugitivos da justiça, algo que só vem a desmoralizar o papel desempenhado pela polícia. Por outro lado, os meios de comunicação exercem um outro papel - supera em muito o de investigação dos white collar-crimes-, que vai ao encontro da ideologia dominante e que consiste na veiculação de matérias distorcidas da realidade, carregadas de preconceitos e estereótipos, posto que quem fornece as informações é a própria polícia, que tem como terreno de atuação os lugares em que se cometem os crimes mais comuns ( lembre-se do que se comentou sobre a visibilidade da infração) praticados pelas pessoas de baixo status social e tendentes a serem os mais violentos. A atividade da polícia passou a ser fonte geradora não só de notícias espetaculares mas também de lucratividade para a mídia. São os meios de comunicação social colocando no mercado o produto que o cliente quer consumir. Há, portanto, uma importante fonte de consumo e de lucro em tudo que se relaciona com ocorrências policiais, violência e criminalidade, observadas através da imprensa escrita, falada e televisada. (11)
Cláudia Cruz Santos alerta que "mesmo nos casos em que a notícia do crime do colarinho branco chega ao conhecimento da polícia, pode não se verificar o empenho necessário à conveniente investigação. A complexidade das infracções, os custos da investigação e, sobretudo, a valoração feita pela própria polícia quanto à menor gravidade da conduta são desincentivadoras de uma intervenção efectiva. E é neste momento que funcionam os próprios preconceitos dos policiais: numa conjuntura de insuficiência dos recursos face ao número de casos a investigar, há que fazer escolhas; as representações dominantes sobre os crimes mais perniciosos para a comunidade e sobre os agentes mais perigosos levarão, na maioria dos casos, a um centrar das atenções nos crimes comuns que têm maior visibilidade". (12)
A partir dessa abordagem já se pode ter uma noção de que o trabalho sobre o qual se debruçará o Ministério Público e o Judiciário será delimitado pela "discricionariedade" da atuação policial. Como refere Jorge Figueiredo Dias "embora os estudiosos, os políticos, os juristas e os cidadãos em geral se envolvam em intérminos debates filosóficos sobre as formas que a justiça deve adoptar, o facto de a sociedade ter confiado a maior parte das suas funções de controlo social à polícia significa que é ela e mais ninguém que toma a maior parte das decisões políticas". (13) Segundo leciona Augusto Thompson "submetendo o universo dos delitos ao crivo da visibilidade da infração, da influência do estereótipo do criminoso, das consequências da corrupção e da prevaricação, do emprego da violência, consegue a polícia separar com enorme eficácia, do ponto de vista do sistema, os delinquentes a serem esmagados nas engrenagens da justiça relativamente às pessoas que devem estar imunes à trituração,(...)é a polícia quem controla e comanda a atividade do Judiciário, pois este só trabalha com o material concedido por aquela". (14)
É curioso notar que quando ocorre um crime praticado por uma pessoa proveniente da alta classe social as pessoas em geral iniciam toda uma discussão sobre o sistema penal e acabam chegando a conclusão que o sistema trata de forma diversa àqueles criminosos. Acabam verificando que o agente já contratou um advogado especializado ( o melhor ou um dos melhores ) para o caso, que já na fase de investigação policial se faz presente, acompanhando pari passu às providências tomadas pela polícia; que cada deslize cometido pela autoridade policial, ministério público e judicial estará sendo questionado e tratado pela mídia de forma particularizada, o que faz com que o procedimento tenha outros ares de cidadania. Assim, percebem que há uma atenção especial para o caso e que o tratamento dispensado é diferente. Pois bem, o que não percebem é que essa discussão torna-se muito interessante para o próprio sistema, posto que os papéis e responsabilidades de cada instância de controle se destacam e acabam por cumprir exatamente o que a lei prevê para o caso concreto. E depois de passado o afã dos acontecimentos, as instâncias de controle penal voltam à rotina sem entusiasmo na resolução do problema e rechaçam qualquer crítica de que exista desigualdade no trato com a questão do controle penal. (15)
Augusto Thompson traça um interessante quadro que geralmente acontece quando se está diante de um crime cometido por uma pessoa poderosa, e chama a atenção "para uma interessante manobra para dificultar ou impedir o esclarecimento de certos crimes que não interessa esclarecer, mas com base na qual se arma um dispositivo de defesa quanto a possíveis acusações em face do fracasso desejado. Refiro-me à designação pela Procuradoria-Geral da Justiça de promotor público para acompanhar certos inquéritos policiais. Formalmente, adota-se tal providência quando o fato em apuração envolve pessoas poderosas ou policiais, na posição de indiciados. Como a desconfiança com respeito à polícia é algo bastante disseminado, sobretudo em matéria de venalidade e parcialidade, sustenta-se que, em hipóteses onde haja gente rica ou policiais envolvidos, faz-se mister a presença moralizadora do promotor, a fim de que seja viável chegar a bom termo a investigação. Geralmente, são escolhidos para desempenhar tais missões os membros do Ministério Público mais afamados em termos de responsabilidade e reputação. (...) Na verdade, a presença do promotor serve para assegurar, primordialmente, a interdição ao emprego da violência na investigação. E, sem violência, ou não se apura nada, ou o que se apura padece de pobreza franciscana em termos de prova - tudo a benefício do culpado. Quer dizer: o promotor funciona como garantia de que a lei vai ser respeitada( grifo nosso); ora, quem se beneficia do respeito à lei é o indiciado, uma vez que a polícia costuma mostrar rotunda ineficiência quando se dispõe a trabalhar estritamente dentro da legalidade. Com a presença do promotor, o indiciado faz até economia, uma vez que não precisam pagar aos investigadores para que respeitem a lei. (...) E o inocente promotor não percebe que sua participação no inquérito se dá, em última análise, comoforma de proteger o criminoso de luxo- exatamente ao contrário do que imagina". (16)
No tocante à fase de julgamento o criminoso do colarinho branco também recebe um tratamento diferenciado por parte da justiça penal. O estereótipo do criminoso, novamente, entra como fator preponderante nas decisões judiciais. Jorge Figueiredo Dias disserta que "muitos casos são, pois, os estereótipos correntes, a que os juízes não estão imunes, que decidem da verdade processual. Pode pôr-se - deve mesmo pôr-se - em dúvida a validade intrínseca duma prova determinada por estereótipos. Do que não pode duvidar-se é da força persuasiva dos estereótipos e da sua eficácia selectiva: eles operam claramente em benefício das pessoas que exibem os estigmas da respeitabilidade dominante e em desfavor dos que exibem os estigmas da associalidade e do crime". (17) Longe do reducionismo da afirmação de Dahrendorf de que a justiça é um sistema que senta um estrato social diante do outro no tribunal: enquanto o estrato superior fornece os juízes, é o estrato inferior que dá os acusados, o mencionado autor alerta para o fato que "os indivíduos e os grupos sociais interagem em tribunal em condições de insuperável desigualdade. Os arguidos das classes superiores e aqueles que usualmente com eles sustentam a mesma construção da realidade ( as "suas" testemunhas, os "seus" declarantes, etc. ) encontram no tribunal um universo de linguagem, gestos, estilos de vida, tiques, temas de conversas nos intervalos das sessões, que é o seu próprio universo. As pessoas concretas que desempenham os papéis de juiz ou de ministério público são personagens do seu quotidiano, do seu bairro, dos seus restaurantes, dos seus círculos, os pais dos amigos dos seus filhos". (18) Ora, já dá para imaginar o que se passa em relação às pessoas de baixo status social e econômico. A linguagem já não se adequa ao universo dos juízes ( e ministério público ) e acaba por não criar a necessária credibilidade na construção da realidade que submete à apreciação judicial. (19)
Quanto à questão do apenamento do criminoso a disparidade de tratamento se verifica na espécie de resposta penal aplicada. A pena privativa de liberdade é a rainha das espécies de pena que se aplica ao indivíduo proveniente da classe social inferior. É aplicada sem hesitação e se se verificar que o condenado corresponde ao estereótipo do delinquente, cuja personalidade é verificada através dos seus antecedentes criminais, então o juiz terá a convicção de que para essa pessoa a melhor solução será a privação da liberdade e não outro mecanismo alternativo à prisão. Jorge de Figueiredo Dias mostra que "diferentemente, os delinquentes das classes médias e superiores, para além de, por via de regra, aparecerem em tribunal sem o fardo dos antecedentes criminais, serão considerados menos carecidos de tratamento ressocializador. (...)Quer dizer é o mesmo estereótipo epidemiológico do crime que aponta a um delinquente as celas de prisão e poupa a outros os seus custos. É, de resto, em nome de considerações de oportunidade ou de política criminal que a generalidade dos juízes só à custa de confessado mal-estar se vêem por vezes compelidos a aplicar a pena de prisão a algum delinquente de "colarinhos brancos"". (20)
É mais do que natural que sempre haverá um bode expiatório para poder demonstrar que o sistema penal age conforme o que determina a lei. Mas será apenas um acidente de percurso, um parafuso a menos na engrenagem da máquina estatal a ser prontamente substituído, com vista a continuar gerando infindáveis distorções na sociedade. Não se pode ter a consciência tranquila pelo só fato de ocasionalmente o sistema condenar um criminoso do colarinho branco. Além de não ser o verdadeiro "senhor do crime" (21), ainda recebe tratamento privilegiado. O que se pleiteia é que a justa e correta aplicação da lei, mormente quando prevê direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, não seja fruto de casuísmo de pessoas tidas por diferenciadas e provenientes da alta classe social, mas sim, que venha atingir todos aqueles que estão sujeitos às malhas da máquina repressora penal. Aqueles privilégios que são concedidos aos criminosos do colarinho branco deveriam, na verdade, ser estendidos a todos indiscriminadamente. A presteza e o zelo com que é tratado um caso em que esteja envolvido um criminoso de colarinho branco devem ser o mesmo dispensado para todos às demais pessoas. Só assim se estará buscando uma aplicação condizente com o princípio da igualdade substancial.Tomando emprestado uma afirmação de Cláudia Cruz Santos, podemos dizer que"mais do que reduzir ilegítimos privilégios dos poderosos(... ), o caminho da igualdade deverá passar por uma extensão dos mesmos privilégios a todos os outros arguidos. De facto, se não nos é possível evitar a desproporção de poder e de bem estar na vida, com tudo o que acarretam, que os evitemos, pelo menos, no funcionamento da justiça penal". (22)
Segundo o pensamento de Rosa Maria Cardoso da Cunha "a maioria das pessoas acredita piamente, sem vacilação, dúvidas ou questionamento, em certas "crenças jurídicas", inculcadas de maneira enfática pela ideologia, tais como:"1. Que existe um legislador racional produzindo um sistema jurídico coerente, econômico, preciso etc. 2.Que o ordenamento jurídico não possui contradições e redundâncias e, especificamente, o direito penal não exibe lacunas. 3. Que a ordem jurídica é finalista, justa e protege indistintamente os interesses de todos os cidadãos. 4. Que o julgador é, axiologicamente, neutro enquanto decide, portanto não há arbítrio na aplicação da Justiça. 5. Que o julgador, no direito penal, busca a verdade real e não o preferível do ponto de vista valorativo". (23) Há inumeras outras distorções que poderíamos elencar, mas querer manter a crença de que o sistema penal atua de forma igualitária frente à todos os criminosos é querer viver no mundo dos quadrinhos e no piloto automático do conformismo.
A partir do momento em que se passa a questionar essa crença e assim se possa transmitir o que foi apreendido e sentido através da leitura dos textos doutrinários e vivência prática, o compromisso com o tema torna-se uma luta diária para se alcançar, cada vez mais, uma forma coerente entre aquilo que se pensa e o nosso comportamento diário. Tomar ciência sobre a discriminação na administração da justiça penal e não agir para estabelecer aquela coerência necessária, com vista a erradicar essa discriminação, é querer cometer suicídio filosófico (24); é viver acorrentado, sem capacidade de ter dúvidas, adormecido no sonho de que tudo está dando certo e que não se deve mexer em equipa que está ganhando.
NOTAS
01. Santos, Cláudia Cruz. O crime de colarinho branco ( da origem do conceito e sua relevância criminológica à questão da desigualdade na administração da justiça penal ),p. 42, Faculdade de Direito de Coimbra, 1999.
02. Rodrigues, José da Cunha. " Os Senhores do Crime", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 9, fasc. 1º, p. 08, Coimbra, Coimbra Editora,1999.
03. Santos, Cláudia Cruz. "O Crime do colarinho branco, a (des)igualdade e o problema dos modelos de controlo", in Temas de Direito Penal Econômico, p. 202, RT, São Paulo, 2001.
04. Santos, Cláudia Cruz. O crime de colarinho branco ( da origem do conceito e sua relevânvia criminológica à questão da desigualdade na administração da Justiça penal ), p. 212, Faculdade de Direito de Coimbra, 1999.
05. Castro, Lola Aniyar de. " Sistema Penal e Sistema Social: A criminalização e a descriminalização como funções de um mesmo processo", in Revista de Direito Penal, p. 12, Rio de Janeiro, Forense, nº 29, 1981.
06. Karam, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias, p. 204, Rio de Janeiro,Luam, 1991.
07. Santos, Cláudia. "O Crime do colarinho branco, a (des)igualdade e o problema dos modelos de controlo", in Temas de Direito Penal Econômico, RT, 2001, p.205.
08. Thompson, Augusto. Quem são os criminosos? Crime e criminosos: entes políticos, p. 19, Rio de Janeiro, LumenJuris, 1998.
09. Conforme salienta Carlos Versele Séverin "além da cifra negra de delinqüentes que escapam a toda investigação oficial, existe uma cifra dourada de criminosos que têm o poder político e o exercem impunemente, abandonando aos cidadãos e a coletividade a exploração da oligarquia, ou que dispõem de um poder econômico que se desenvolve em detrimento da sociedade"( Séverin, Carlos Versele. " A cifra dourada da delinqüência", in Revista de Direito Penal,p. 5, nº 27, Rio de Janeiro, Forense, 1980 ).
10. Dias, Jorge Figueiredo / Andrade, Manuel da Costa, Criminologia, O Homem Delinquente e a sociedade Criminógena, p. 459-460, Coimbra, Coimbra Editora, 1984.
11. Alberto Silva Franco observa que "os meios de comunicação de massa obedecem a um processo seletivo na "extração" da informação a ser transmitida, de maneira que compõe uma realidade distorcida. Via de regra, a fonte dessa informação é a própria polícia e, como a Polícia toma conhecimento apenas de "determinados delitos contra o patrimônio ( furtos, roubos, certos estelionatos), contra a liberdade sexual (estupro, atentado violento ao pudor) e contra a vida e a saúde além dos delitos por acidente de trânsito- logo sua nota característica tende a ser a violência. Porém a Polícia muito raramente chega de forma direta ao que se relaciona com a propriedade, quando se trata de grandes estelionatos ou fraudes complexas, nem tampouco aos delitos contra a ordem socioeconômica, nem a outros semelhantes. Nas ruas que a Polícia vigia, não se "acham tais fatos" ( Juan Bustos Ramirez. Los medios de comunicación de masas. El pensamiento criminológico, Barcelona, Ediciones Península, p. 58-59, 1983). Isso, sem dúvida, desvirtua o processo de apreensão da realidade na medida em que certos delitos de violência, mercê da seleção policial, sofrem um incremento bem maior em confronto com os demais. Cria-se, assim, uma "identificação de criminalidade com violência e, conseqüentemente, a adoção de um estereótipo criminal"."Tudo isso, por sua vez, repercute na transmissão, pois o que interessa do ponto de vista do consumo é o sensacionalismo e do ponto de vista ideológico é criar o medo e o pânico para a insegurança do cidadão"." A utilização da violência (...) não apenas serve para individualizar, mas também para criar o pânico ( com sua conseqüente conformidade na repressão e inclusive na exigência de seu aumento); e isto porque se trata de transgressão máxima, isto é, usurpação de uma atividade exclusivamente legítima para o Estado: o exercício da violência. Esta forma de entregar a notícia criminal serve, pois, para a reafirmação do consenso, a fim de determinar quem está dentro e quem está fora; em definitivo, para reafirmar o status quo" ( grifo nosso ) ( Juan Bustos Ramirez. Op. cit. p. 59)". ( Alberto Silva Franco. Crimes Hediondos,p. 80, São Paulo, RT,4º edição, 2000).
12. Santos, Cláudia Cruz. O crime de colarinho branco ( da origem do conceito e sua relevânvia criminológica à questão da desigualdade na administração da Justiça penal ), p. 243, Faculdade de Direito de Coimbra, 1999.
13. Dias, Jorge Figueiredo / Andrade, Manuel da Costa, Ob. cit., p.443.
14. Thompson, Augusto. Ob. cit., p. 87.
15. Na mesma linha Augusto Thompson. Ob. cit., p. 57-58.
16. Thompson, Augusto. Ob. cit., p.85-86.
17. Dias, Jorge Figueiredo / Andrade, Manuel da Costa, Ob. cit., p.541.
18. Dias, Jorge Figueiredo / Andrade, Manuel da Costa, Ob. cit., p.542-543.
19. No mesmo sentido Cláudia Cruz Santos aponta que um outro dado que funciona a favor dos white-collars criminals na fase de julgamento consiste "na anormalidade em que os juízes encaram a necessidade de apreciação de tais casos. As suas especificidades e complexidade tornam-nos objecto de um julgamento muito mais cuidadoso e detalhado do que o do crime comum, totalmente rotinizado. Ora, um tal cuidado evita condenações apressadas e leva à prevalência de qualquer dúvida capaz de inocentar o arguido. A "novidade" acaba por gerar, assim, uma maior relutância quanto à condenação.Por outro lado, para além dos benefícios evidentes que resultam da possibilidade de pagar os serviços de um advogado influente e conceituado aos olhos do próprio tribunal- ao invés de se sujeitarem a uma defesa oficiosa, a muitos níveis pouco estimulante para o prórpio defensor-, os agentes de colarinho branco, que partilham com o juiz o meio social, económico e cultural onde se movem, aproveitam daquilo a que se tem chamado de empatia do tribunal para com o agressor, a sua família, as pressões que o levaram a cometer o ilícito...Ao contrário do que normalmente sucede, o julgador e o julgado falam a mesma linguagem". ( Santos, Cláudia Cruz. Ob. cit., p. 287-288 )
20. Dias, Jorge Figueiredo / Andrade, Manuel da Costa, Ob. cit., p.552.
21. Rodrigues, José da Cunha. " Os Senhores do Crime", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 9, fasc. 1º, Coimbra, Coimbra Editora,1999.
22. Santos, Cláudia Cruz. Ob. cit., p. 290.
23. Cunha, Rosa Maria Cardoso da. O caráter retórico do princípio da legalidade, p. 118, Porto Alegre, Síntese, 1979.
24. Camus, Albert. O Homem Revoltado. Lisboa, LIvros do Brasil, 1951
BIBLIOGRAFIA
Camus, Albert. O Homem Revoltado. Lisboa, LIvros do Brasil, 1951.
Castro, Lola Aniyar de. " Sistema Penal e Sistema Social: A criminalização e a descriminalização como funções de um mesmo processo", in Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, nº 29, 1981.
Cunha, Rosa Maria Cardoso da. O caráter retórico do princípio da legalidade, Porto Alegre, Síntese, 1979.
Dias, Jorge Figueiredo / Andrade, Manuel da Costa, Criminologia, O Homem Delinquente e a sociedade Criminógena, Coimbra, Coimbra Editora, 1984.
Franco, Alberto Silva. Crimes Hediondos, São Paulo, RT, 4º edição, 2000.
Karam, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias, Rio de Janeiro,Luam, 1991.
Rodrigues, José da Cunha. " Os Senhores do Crime", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 9, fasc. 1º, Coimbra, Coimbra Editora,1999.
Santos, Cláudia Cruz. O crime de colarinho branco ( da origem do conceito e sua relevânvia criminológica à questão da desigualdade na administração da Justiça penal ), Faculdade de Direito de Coimbra, 1999.
___,"O Crime do colarinho branco, a (des)igualdade e o problema dos modelos de controlo", in Temas de Direito Penal Econômico, RT, 2001.
Séverin, Carlos Versele. " A cifra dourada da delinqüência", in Revista de Direito Penal, nº 27, Rio de Janeiro, Forense, 1980).
Thompson, Augusto. Quem são os criminosos? Crime e criminosos: entes políticos, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1998. 16
CRIME ORGANIZADO E CRIME DO COLARINHO BRANCO
Busca-se, no trabalho, explicitar a diferença entre os conceitos de "crime organizado" e o já tradicional na criminologia "crime do colarinho branco, com vistas a uma maior justiça em suas persecuções.
Texto enviado ao JurisWay em 14/10/2008.
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1. Exposição
            Muito se tem falado ultimamente em “crime organizado”; na mídia (diária e reiteradamente), no meio acadêmico e forense, em conversas informais entre colegas; enfim, todos aqueles que se interessam pelo assunto criminalidade, ou de qualquer modo estão vinculados a essa matéria por razões profissionais, e especialmente, os membros do Ministério Público com atuação penal, tem em suas pautas de diálogos e preocupações, o fenômeno do “crime organizado”.
            Mas percebe-se também, de uma observação atenta que se proceda nas manifestações que tratam dessa categoria, uma certa insegurança ou incerteza do que realmente signifique o termo “crime organizado”. 
Na imprensa, observa-se que a abordagem chama a atenção da sociedade, mostrando-se o “crime organizado” como a mais perigosa e nefasta forma de criminalidade da atualidade, reiterando a necessidade urgente de sua repressão; entre os operadores do direito e, especificamente, no que importa a este trabalho[i], entre os Promotores e Procuradores de Justiça, nota-se uma movimentação em torno do tema, com a preocupação individual, de cada um dos membrosda Instituição, bem como coletiva, na repressão dessa criminalidade, existindo mesmo uma entidade nacional, o GNCOC (Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas).
A conceituação do que seria “crime organizado”, porém, é algo mais complexo; dizendo de outra forma, ao tempo em que há uma forte movimentação e busca de repressão ao fenômeno do “crime organizado”, não há, de outro lado, uma precisão conceitual do que seria, efetivamente, tal criminalidade. Alguns elementos são apontados como presentes nas organizações criminosas, para diferenciar suas atuações de crimes que, ainda que praticados por quadrilhas, não sejam assim considerados.
A dificuldade em conceituar tal atividade criminosa vem desde sua procedência. O termo “crime organizado” não tem origem acadêmica (que facilitaria uma conceituação desde o início), nascendo antes mesmo da denominação “crime do colarinho branco” (esta sim originária de estudos criminológicos); pelo que se sabe, aquela expressão (crime organizado) surge na década de 1920, nos Estados Unidos da América, no interior das agências de segurança que combatiam a máfia italiana, que era uma organização de estrangeiros inicialmente pobres – os italianos – e que ganharam dinheiro com atividades ilícitas (a respeito, interessante e profundo trabalho de Juarez Cirino dos SANTOS[1]). 
Dessa maneira, entre as várias tentativas de definir os elementos que constituem as organizações criminosas, atualmente, destacam-se alguns sempre presentes. Assim, buscando uma síntese das várias opiniões, pelo que foi produzido até hoje nessa discussão, pode ser identificada como tal as estruturas que apresentem, entre outras, as seguintes características: sejam de uma certa complexidade e secretas; dediquem-se à prática da criminalidade convencional (tráfico de drogas, contrabandos, contrafações, estelionatos, etc); possuam uma certa hierarquia; utilizem comumente da violência para atingir seus objetivos e causem um grande temor na sociedade.
Pode-se apontar ainda – embora não presente na maior parte dos trabalhos nacionais que tratam do assunto – e tendo como paradigma a organização que deu origem ao termo, uma outra característica: a origem, de regra marginal dos componentes dessas organizações (embora comporte algumas exceções). Assim, lembra-se novamente, a máfia, que atuava nos Estados Unidos no início do século XX, era formada por italianos, marginalizados pela sociedade racista americana, pelo fato de serem estrangeiros e pobres.
Essa condição marginal dos italianos que formaram a máfia que atuou na América do Norte, é apontada, inclusive, como um dos fatores que ensejaram o sucesso (se é que pode chamar assim) da atuação criminosa dessa organização. Com efeito, como havia uma identidade cultural, racial e lingüística entre os componentes da máfia, ensejava tais características uma identidade muito grande entre seus componentes, com uma conseqüente fidelidade e coesão, sendo praticamente impenetráveis as “famílias” da máfia a qualquer elemento estranho, não pertencente àquela comunidade.
À guisa de curiosidade, vale lembrar que, além da legalização da bebida alcoólica (cujo tráfico foi o principal campo de atuação da máfia, nos tempos da chamada “lei seca” americana), outro fator que contribuiu para que os organismos de segurança obtivessem sucesso no combate a essa organização criminosa foi a aculturação dos italianos à sociedade americana. Dessa maneira, os filhos dos imigrantes originais, já nascidos nos Estados Unidos, embora “herdassem” alguns dos valores e costumes de seus pais, estes se mesclavam com os adquiridos na sociedade onde viviam e, os netos daqueles imigrantes originais, já tinham muito mais identidade com a sociedade americana, na qual já estavam muito mais inseridos.
Numa análise rápida, pode-se observar que no Brasil atual ocorre fenômeno semelhante ao que ocorria com a antiga máfia italiana atuante nos Estados Unidos, quanto aos vínculos que unem os componentes da maioria das organizações criminosas nacionais. 
Os integrantes de organizações criminosas, de regra, como já se assinalou antes, são marginalizados sociais que buscam adquirir dinheiro e “status” pela via da prática de atos penalmente ilícitos; atuam buscando bens que os permitam inserir-se na sociedade de consumo, onde, como afirma Eduardo GALEANO, é necessário “ter para ser”[2] (evidentemente que essa condição marginal não justifica as deletérias ações que praticam). 
Tendo-se como modelo para esta análise, o crime mais comentado atualmente em todos os meios de comunicação, qual seja, o tráfico de drogas ilícitas, verifica-se que os grandes comandantes da distribuição dessas substâncias proibidas surgem entre a população mais pobre (por todos, lembre-se do paradigmático “Fernandinho Beira-mar”) e, utilizam-se como mão de obra no interior da estrutura criminosa, desde os “gerentes” do tráfico até à entrega à “varejo” (os vulgarmente conhecidos como “aviões”), outras pessoas oriundas dessa mesma classe social; não raro “encastelam-se” em comunidades carentes, formadas por pessoas de mesma condição econômica (basta lembrar-se as favelas nas grandes cidades).
Apenas para destacar a existência de uma cisão social sensível e grave, vale lembrar a obra de Cristovam BUARQUE[3], onde ele constata a existência de um “apartheid social” no Brasil. Afirma ainda esse autor que há mais semelhança na forma de vestir, nos hábitos, preferências, etc, entre um brasileiro rico ou de classe média com um europeu, do que com um brasileiro pobre.
De maneira que a própria identidade de origem social[4], de objetivos e condições de vida, inexoravelmente geram uma maior coesão e fidelidade entre os integrantes dessas organizações criminosas, tornando muito mais difícil a atuação dos órgãos encarregados da repressão. Na realidade nacional, agrava ainda essa atuação, entre outros fatores, a imposição da “lei do silencio”, através da violência, àqueles que, embora pertencendo à mesma comunidade, não façam parte da organização criminosa; a carência de recursos humanos e materiais das polícias e a lamentável, mas notória, corrupção que assola grande parte desses organismos policiais.
Como hipótese de raciocínio, poder-se-ia afirmar que, à semelhança de que ocorreu nos Estados Unidos do início do século passado com a aculturação dos imigrantes italianos à sociedade norte-americana, um programa que buscasse a integração desses excluídos à sociedade brasileira, poderia ensejar uma significativa diminuição da existência de organizações criminosas e, de conseqüência, um decréscimo dos crimes violentos. Seria, talvez, a melhor política criminal, sem a participação de qualquer dos órgãos de repressão. Mas tal discussão refoge aos estreitos limites buscados neste trabalho.
Pois bem, talvez o leitor mais sensível do ponto de vista social, esteja um tanto insatisfeito com a abordagem até aqui levada a efeito pelo autor, quiçá considerando mesmo que se trata o exposto acima, de uma visão maniqueísta que divide à sociedade entre pobres (e com grande número de potenciais criminosos) e classe média e rica (composta aparentemente por “pessoas de bem” em sua maioria).
Exatamente para tentar romper com essa visão maniqueísta, que muitas vezes – até pela forma de exposição na mídia – acaba se impondo à sociedade e, não raro, contaminando o operador do direito (inclusive os membros do Ministério Público), é que se elabora este pequeno trabalho. E é justamente aqui que se faz necessário falar de “crime do colarinho branco”, distinguindo-o do “crime organizado”.
Como já se mencionou antes, ao contrário do nome “crime organizado”, o conceito “crime do colarinho branco” nasceu dentro de uma ciência, mais exatamente, dentro da criminologia. Como é bastante conhecido, esse termo foi originalmente utilizado por Edwin Sutherland, criminólogo norte-americano, que falou do “white collar crime”, pela primeira vez, em 1939.
Vale, num pequeno retrospecto, lembrar que a criminologia, em sua fase inicial, quando passou a ser reconhecida como ciência,nasceu pelas mãos de um médico, o italiano Cesare Lombroso, que tomava o crime como uma patologia e procurava encontrar uma causa “natural” ou física para explicar sua prática. Assim surgiram as descrições dos criminosos típicos, ou a tentativa de determinar “aspectos físicos” que indicassem propensão para o crime (era o início da criminologia positivista, que ainda hoje tem adeptos). 
No entanto, evidentemente que o crime não é um dado ontológico, para o qual se possa buscar uma causa natural; em verdade, e como parece por demais óbvio atualmente, trata-se de um comportamento social, comportamento esse considerado como inadequado pela evolução histórica de determinada sociedade, ou pelas forças nela dominantes em determinado momento histórico, sendo, em seguida, desvalorado pelo direito penal, através da tipificação da conduta. 
Diante da distorção na análise do crime pela visão positivista, surge no início do século XX, nos Estados Unidos, a criminologia da chamada “escola sociológica”, que se opõe à idéia lombrosiana de causa natural; mas essa escola também procura o “defeito” (social) que leva à delinqüência. A questão continua sendo encarada como um problema vinculado ao delinqüente e o delito como uma realidade de “per si”, ademais, quase sempre vinculando o comportamento criminoso à pobreza.
É quando o já mencionado Edwin Sutherland procura dissociar a idéia de delinqüência da condição de pobreza. 
Cunhando o conceito de “crime do colarinho branco”[5], Sutherland procurou mostrar os inúmeros crimes cometidos por pessoas tidas como socialmente respeitáveis, promovendo, pela primeira vez, o cruzamento de classe alta e políticos com o crime. Demonstra em seus estudos, a forma de tratamento legal e social muito mais favorável que era (e é) dispensada aos crimes praticados pelos segmentos superiores da população, os quais ainda, segundo menciona Julio VIRGOLINI[6], despertam medo e admiração. Medo pelo poder que possuem seus autores e admiração por serem pessoas de êxito, ainda que violando as regras estatais, sobretudo no que concerne à economia.
Afirma Sutherland que o crime está difundido por todas as classes da população, não sendo “privilégio” das mais pobres, ao contrário da percepção social ainda hoje dominante. Constata que os “criminosos do colarinho branco” são privilegiados com uma aplicação muito menor da lei e que não aceitam, não reconhecem ou admitem terem cometido um delito quando violam leis penais; antes, encaram como um comportamento normal ou necessário em suas atividades administrativas, financeiras ou empresariais.
Se puder ser apontada alguma falha na teoria de Sutherland, esta é apenas a de aceitar o crime de forma acrítica, como realidade ontológica; vale dizer, sem questionar o porquê da própria existência de determinadas figuras penais, muitas das quais, hoje já resta demonstrado, existem apenas como expressão de interesses dominantes de classes específicas em determinada época. 
Dessa maneira, o “crime do colarinho branco”, enquanto dano grave a bens jurídicos penais indispensáveis a uma sociedade, não pode ser buscado apenas nos limites traçados pela lei, vez que seus protagonistas influem na própria criação da lei e na forma de sua aplicação, através da propagação de determinadas ideologias (isto numa análise criminológica, respeitando-se, evidentemente, quando da operação do direito, o princípio da legalidade). Esta, contudo, é uma outra abordagem que desborda dos limites do presente trabalho.
Assim, tem-se como características dos “crimes do colarinho branco” (e em oposição às organizações criminosas), uma estrutura organizacional amplamente conhecida e de fins considerados socialmente lícitos (v.g., industrias de cigarros, bebidas alcoólicas, instituições financeiras, etc); no seu comando, pessoas possuidoras de privilegiadas condições sociais e econômicas, com grande influência sobre as instâncias formais e materiais de poder, ou componentes da própria elite política; ausência de violência imediata nas práticas criminosas (embora possam causar conseqüências terríveis na sociedade, de maneira difusa), que são intelectualmente elaboradas e, como já se mencionou antes, consideradas pela sociedade e por seus protagonistas como “práticas necessárias” no mundo dos negócios ou da política (p. ex., o empresário que alega que não paga impostos porque isso é necessário para a sobrevivência da empresa).
Imagina-se que, com a breve exposição acima, fica demonstrada a brutal diferença[7] entre a expressão “crime organizado” e o conceito “crime do colarinho branco”, muitas vezes, tomados de forma completamente equivocada como sinônimos, pelos meios de comunicação e, mesmo, pelos operadores do direito.
Se para os meios de comunicação esse equívoco pode ser inclusive intencional e desejado, vez que não se ignora que no interior da estrutura de alguns grandes conglomerados de comunicação (como redes de televisão, grandes jornais ou revistas) podem estar criminosos do colarinho branco, bem como seguramente são clientes dessas empresas de comunicação e lhes aportam recursos, outros inúmeros desses criminosos, ao operador do direito a confusão é totalmente indesejável e prejudicial a uma mais eficaz busca da justiça e de uma eficiente atuação.
Assim se concluí posto que, desviando a atenção para os “crimes organizados”, como ocorre atualmente, pode-se levar à falha de, involuntariamente, enfraquecer-se a perseguição dos “crimes do colarinho branco”, chegando-se mesmo a tomar os primeiros pelos segundos.
Isso é ainda mais provável de ocorrer, sabendo-se que a confusão conceitual cada vez mais passa a permear as agências encarregadas de combate à criminalidade. Como exemplo, pode-se mencionar que nos Estados Unidos são catalogados (erroneamente) como “crime do colarinho branco” qualquer atuação contra o patrimônio sem a prática de violência. Essa concepção equivale a dizer nada, de tão ampla que se torna.
Aliada a tal generalização do importante conceito, vale lembrar, como um fator a mais a desviar a atenção da opinião pública e do operador de direito de tal fenômeno, que o real “crime do colarinho branco” não aparece nas pesquisas de criminalidade (seja com números de sua prática ou das vítimas dele). 
Contudo, até como uma forma de defesa das estruturas formais onde se pratica normalmente essa criminalidade de elite, ocorre, ocasionalmente, de aparecer o “invisível”. Tal se dá quando um indivíduo, de regra de escalões intermediários, componente de uma estrutura (empresa, instituição financeira, administração pública), acaba se expondo ou sendo exposto, de maneira que não mais se pode esconder sua atuação da opinião pública.
Nesses casos, então, há uma “cabeça visível para se descarregar o peso da lei”; como é impossível criminalizar toda uma estrutura, um sistema inteiro, somente nesses casos excepcionais se pune um “crime do colarinho branco”. São os casos que Eugênio R. ZAFFARONI[8] chama de “retirada de cobertura”, o indivíduo exposto é criminalizado, ficando a impressão que a empresa, o sistema e todos os demais indivíduos são inocentes.
Entende-se importante lembrar essa diferença, para não centrar o combate do Ministério Público apenas contra as “organizações criminosas” e olvidar as organizações estruturadas aparentemente segundo as regras do direito, mas que abrigam em seu interior práticas delitivas sofisticadas, que são imperceptíveis ao senso comum, mas que merecem ser combatidas pelo seu alto potencial de dano social. Se a própria aceitação social de tais “crimes do colarinho branco”, o prestígio de seus autores e a pouca divulgação por meios de comunicação favorecem o pequeno interesse dos operadores do sistema penal por eles (pequeno se comparado ao efetivo número de delitos praticados), é indispensável que, especialmente, os membros do Ministério Público mantenham-se atentos e busquem sempre punir tais atos. 
Finalmente, é importante ressaltar que, embora exista, como se pretendeu demonstrar acima, uma diferença total entre “crime organizado” e “crime

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