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Que, de que, a que, em que... 28/07/2000
Vamos continuar nossa conversa sobre regência. Você já sabe que a regência estuda as relações que se estabelecem entre as palavras, ou entre as orações. 
Já sugeri aos leitores que se interessassem pelos dicionários de regência. Citei dois autores: Celso Luft e Francisco Fernandes. É bom saber também que a regência pode ser verbal ou nominal. É verbal quando o termo regente é um verbo, como "duvidar". Se alguém duvida, duvida de, ou seja, o verbo "duvidar" rege a preposição "de". A regência é nominal quando o regente é um nome, como "vontade". Se alguém tem vontade, tem vontade de, isto é, o nome "vontade" rege a preposição "de". 
Se você estranhou a palavra "nome", em vez de "substantivo", é bom saber que, para o estudo da regência, quando se fala de nomes, fala-se basicamente de substantivos, adjetivos e advérbios. 
Chico Buarque escreveu a letra de uma belíssima canção chamada "Trocando em Miúdos". A música é de Francis Hime. No fim da letra, há um trecho que diz: "E a leve impressão de que já vou tarde". De onde Chico tirou esse "de que"? Na verdade, o que se quer saber é de onde ele tirou o "de". É muito simples. Tirou da palavra "impressão". Afinal, se alguém leva a impressão, leva a impressão de alguma coisa. Esse "de" se associa ao "que", e temos a dupla "de que": "impressão de que". 
Esse raciocínio pode ser feito com vários substantivos, como "perspectiva", "expectativa", "possibilidade", "certeza", "convicção", "promessa" etc. Não é difícil entender de onde vem o "de": perspectiva de alguma coisa, expectativa de alguma coisa, possibilidade de alguma coisa, certeza de alguma coisa, convicção de alguma coisa, promessa de alguma coisa. 
Então esse "de" é posto antes do "que" em casos como estes: "Existe a perspectiva de que ela compareça", "Ficamos na expectativa de que ela desse a resposta", "Existe a possibilidade de que a empresa financie o espetáculo", "Tínhamos certeza de que ela viria", "Tinha plena convicção de que seria recebido pelo prefeito", "Repetiu a promessa de que não haverá aumentos". 
Bem, agora você já sabe que verbos e nomes podem reger a preposição "de", e que esse "de" aparece antes do "que": "Duvido de que ele seja capaz", "Discordo de que ela seja a responsável".
Leve em conta uma observação importante: os dicionários de regência e as gramáticas dizem que é comum e possível a omissão da preposição "de" nas frases que vimos. É possível, portanto, dizer ou escrever "Duvido que ele seja capaz", "Tínhamos certeza que ela viria" etc.
Mas aí entra em cena uma velha história: é melhor prevenir do que remediar. Em muitas provas de português de concursos públicos, de vestibulares, é comum que o examinador só aceite a forma rigorosa, ou seja, a que inclui a preposição "de" regida pelo verbo ou pelo nome antecedente. A Fuvest (instituição que organiza o maior vestibular do país) já exigiu dos candidatos o emprego da preposição "de" em casos semelhantes. Mas não custa repetir: dicionários e gramáticas afirmam que é possível omitir o "de" nesses casos. 
Na bela e marcante "Super-Homem, a Canção", Gilberto Gil escreveu: "Um dia, vivi a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo masculino tudo me daria...". Note que o poeta manifesta duas ilusões: 1) a ilusão de que ser homem bastaria; 2) a ilusão de que o mundo masculino tudo lhe daria. Você sabe que a palavra "ilusão" rege a preposição "de", afinal, tem-se a ilusão de alguma coisa: ilusão de ser feliz, ilusão de conseguir algo etc. 
O que fez Gil? Primeiro usou "de que", depois "que": "a ilusão de que ser homem..."/"que o mundo masculino tudo...". O poeta preferiu usar a preposição "de" quando o vocábulo "ilusão" era explícito e preferiu omiti-la quando a palavra "ilusão" também foi omitida. Nota dez. Nenhum problema.
Problemas há quando se inventa o "de que". Nada de inventar construções como "Quero deixar claro de que não concordo com a proposta", ou "Ele declarou de que não participará do encontro". De onde saiu o "de"? De nenhum lugar. Nem "deixar" nem "declarar" regem a preposição "de". Afinal, se alguém deixa claro, deixa claro algo, e não de algo ("Deixo claro isto", e não "Deixo claro disto"), e, se declara, declara algo, e não de algo ("Declaro isto", e não "Declaro disto"). Então basta dizer "Quero deixar claro que não concordo com a proposta" e "Ele declarou que não participará do encontro". 
Omitir o "de" que de fato existe é possível; inventá-lo, não. 
Bem, o espaço acabou, mas o assunto, não. Não foi possível discutir tudo que o título da coluna propõe. "Em que" e "a que" ficam para a outra semana. Para você ir pensando, deixo um trecho de uma poesia bastante conhecida: "Nem aquilo a que me entrego já me dá contentamento". De onde saiu o "a"? 
"Nem aquilo a que me entrego..." 04/08/2000
Na última coluna, tratamos basicamente do emprego da preposição "de" antes da palavra "que". Vimos que em casos como o da frase "Ninguém duvida de que ela seja capaz" o emprego da preposição "de" antes da conjunção "que" é perfeitamente possível, já que, se alguém duvida, duvida de alguém ou de alguma coisa. 
Vimos também que gramáticos e dicionaristas costumam afirmar que nesses casos se pode deixar a preposição "de" subentendida, ou seja, é possível dizer "Ninguém duvida que ela seja capaz", "Gosto que você me acaricie os cabelos". 
Por fim, vimos que é possível omitir, mas não inventar a preposição "de". Nada de embarcar em modismos como "Ele disse enfaticamente de que não participará", "Quero deixar claro de que não renunciarei" ou "O ministro declarou à imprensa de que não pretende depor". 
Talvez você ache estranho ler essas frases, mas, se prestar atenção, vai ouvi-las em entrevistas com gente de destaque _políticos, empresários, executivos, economistas, psicólogos, sindicalistas, professores. Não os imite. Se quiser usar "de que" em casos em que realmente exista a preposição "de", tudo bem. Inventá-la, não. 
No fim da última coluna, deixei uma frase. Pedi a você que pensasse a respeito da seqüência "a que" no seguinte trecho: "Nem aquilo a que me entrego já me dá contentamento". O compositor cearense Raimundo Fagner musicou esse e outros versos de Cecília Meireles. De onde saiu o "a"? 
Vamos ver: se alguém se entrega, entrega-se a algo ou a alguém. Pronto! Já se sabe de onde saiu a preposição "a", corretíssima no trecho em questão. Saiu do verbo "entregar". 
Quer outros exemplos do mesmo caso? Anote: "As matérias a que ele dedica mais tempo são português e matemática"; "Os países a que fui são berços da civilização ocidental"; "Os filmes a que me refiro foram feitos há muito tempo". 
De onde saiu cada "a"? O primeiro saiu do verbo "dedicar-se": se alguém se dedica, dedica-se a alguém ou a alguma coisa. Portanto é mais do que correto dizer "As matérias a que me dedico são...". 
O segundo "a" saiu do verbo "ir". Já disse várias vezes que, na língua padrão, se alguém vai, vai a algum lugar. Então é correto dizer "Os países a que o ministro foi...", "As cidades a que o presidente pretende ir...". 
Tome cuidado para não cair numa armadilha e usar "em". Nada de "As cidades em que ele pretende ir". Você está cansado de saber que, no padrão culto formal, vai-se a algum lugar, e não em algum lugar. 
O último caso ("Os filmes a que me refiro...") é simples: se alguém se refere, refere-se a algo ou a alguém. 
Para completar o título da coluna passada ("Que, de que, a que, em que...") falta ver o caso de "em que": "A cidade em que nasci mudou muito". Não é difícil. Se alguém nasce, é óbvio que nasce em algum lugar. Então "O lugar em que nasci", "O país em que ela nasceu", "A cidade em que o movimento nasceu" etc. 
É claro que isso ocorre com qualquer verbo que admita a preposição "em". Quer exemplos? Vamos lá: "Qualquer lugar em que não exista essa ideologia", "A única tese em que as pessoas confiam", "A idéia em que ela acredita", "A cena em que penso" etc.
É necessário explicar cada caso? Vamos lá: a ideologia existe em algum lugar, as pessoas confiam em alguma tese, ela acredita em algumaidéia, eu penso em alguma cena. Não é difícil, é? 
Bem, antes que alguém pense que será obrigado a colocar sempre alguma palavrinha (de, a, em) antes do "que", é bom ir dizendo que não é preciso exagerar, nem inventar. Se não existe preposição, que não se tenha vontade de criá-la: "As cidades que visitei", "Os remédios que comprei", "Os países que conheci", "As questões que discuti", "Os livros que li" etc. 
Por que não apareceram preposições antes do "que"? Por uma razão muito simples: porque não há de onde tirá-las. Vamos provar: visitar algo ou alguém, comprar algo, conhecer algo, discutir algo, ler algo. 
Percebeu? Nada de preposição. Então nada de "de que", "a que", "em que". E não se esqueça de casos como estes: "A revista em que escrevo", "A revista que escrevo". A quase insignificante palavrinha "em" faz alguma diferença? "Total", como diria a moçada de hoje. Volto ao assunto na próxima semana, para incluir na conversa dois dos valores gramaticais da palavrinha "que". 
 
"João amava Teresa, que amava..." 11/08/2000
Nas duas últimas semanas, tratamos do emprego de preposições antes da bendita palavrinha "que". A última coluna terminou com uma pergunta: que diferença há entre "A revista em que escrevo" e "A revista que escrevo"? Deixei também a promessa de tratar de dois dos valores gramaticais da palavra "que". 
Vamos lá. Comecemos pelos tais valores gramaticais da palavrinha. Compare o "que" de "Quero que você saia" com o de "João amava Teresa, que amava Raimundo...". O primeiro "que" é simplesmente insubstituível. Esse "que" introduz uma oração que complementa a forma verbal "quero". Se alguém quer, quer alguma coisa. No caso, a coisa que quero é "que você saia". A palavra "que" funciona basicamente como elemento conector das orações. Esse "que" é chamado de conjunção integrante. 
O "que" de "...que amava Raimundo..." é diferente. Na verdade, o que se tem é o seguinte: "João amava Teresa. Teresa amava Raimundo". Em vez de repetir "Teresa", emprega-se a palavra "que" para substituí-la: João amava Teresa, que amava Raimundo. 
Você sabe que são os pronomes as palavras que se prestam a substituir. Esse "que", que representa "Teresa", é pronome. Na verdade, pronome relativo. 
Por que "relativo"? Porque apanha um elemento de uma oração e o projeta em outra, ou seja, estabelece relação entre duas orações. É o que faz o pronome "que", que, na segunda oração ("que amava Raimundo"), representa "Teresa", termo da primeira oração ("João amava Teresa").
Agora uma dica importante: quando o "que" é pronome relativo, sempre é possível substituí-lo por "o qual", ou "a qual", ou "os quais", ou "as quais". "João amava Teresa, que amava Raimundo" equivale a "João amava Teresa, a qual amava Raimundo". 
Se o relativo "que" é precedido de preposição, a substituição também é possível: "A rua em que moro" equivale a "A rua na qual moro"; "Os filmes de que mais gosto" equivale a "Os filmes dos quais mais gosto". 
O bendito pronome relativo "que", na língua do dia-a-dia, funciona como remédio universal: "O remédio que eu confio", "A garota que eu saí", "A roupa que você vai trabalhar", "O restaurante que eu comi", "As matérias que eu mais me dedico" etc. 
Já vimos nas últimas colunas que na língua mais cuidada não é possível adotar essas construções. Devem ser alteradas para "O remédio em que confio", "A garota com que saí", "A roupa com que você vai trabalhar", "O restaurante em que comi", "As matérias a que mais me dedico". O motivo você já sabe: confiar em, sair com, trabalhar com, comer em, dedicar-se a. 
Por falar em restaurante, você percebeu o que significa ao pé da letra "O restaurante que eu comi"? Haja estômago para engolir tanto concreto! Ninguém come um restaurante, e sim "em" um restaurante.
É o que também ocorre em "Ele cuspiu no prato que comeu". Esse cidadão gosta de comer vidro, porcelana. Na verdade, as pessoas comem em um prato, o que torna mais razoável dizer "Ele cuspiu no prato em que comeu".
Pronto! Certamente você já descobriu a diferença entre "A revista em que escrevo" e "A revista que escrevo". Nos dois casos, o "que" é pronome relativo. Nos dois casos, esse "que" pode ser substituído por "a qual": "A revista na (em + a = na) qual escrevo", "A revista a qual escrevo". O que faz a diferença é a palavrinha "em", preposição. A questão é muito simples: num caso, eu escrevo na revista; no outro, eu escrevo a revista. No primeiro caso, é bem provável que eu seja apenas um dos que escrevem na revista; no segundo, eu sou a própria revista. Simplesmente escrevo tudo. 
Muito bem. Você já sabe o que é um pronome relativo. Já sabe como identificá-lo e como associá-lo (ou não) a uma preposição. Mas há uma questão mais importante: o bom uso do pronome relativo. Quer um caso? Pense no seguinte trecho, tirado de importante revista semanal brasileira e incluído pela Unicamp (Universidade de Campinas) na prova de português de um de seus vestibulares: 
"...perguntou certa ocasião Judith Exner, uma das incontáveis amantes de Kennedy, que, simultaneamente, mantinha um caso com o chefão mafioso Sam Giancana". 
Estruturalmente, a frase é um desastre. Já descobriu por quê? A resposta está diretamente ligada ao (péssimo) emprego do pronome relativo. Pense. Deixo a resposta para a próxima coluna. 
 
Ambiguidade comprometedora 18/08/2000
Na última coluna, tratamos do pronome relativo. Não custa repetir a essência da questão. Num período como "Bebi o café que eu mesmo preparei", há duas orações, visto que há dois verbos ("bebi" e "preparei"). A primeira oração é "Bebi o café"; a segunda é "que eu mesmo preparei". 
A palavra "café" está presente nas duas orações. Na segunda oração ("que eu mesmo preparei"), quem representa "café" é o "que", pronome que, além de substituir, representar, estabelece relação entre as orações. 
Na verdade, o que temos é o seguinte: "Bebi o café. Eu mesmo preparei o café.". Para que repetir "café"? O pronome "que" o substitui e ao mesmo tempo serve de elemento de conexão entre as duas orações: "Bebi o café que eu mesmo preparei". É por isso que esse "que" é "pronome relativo". 
E que relação o "que" estabelece? É simples. O que se quer é caracterizar o café, determinar que café eu bebi. Não foi o café x, nem o y. Não foi o da padaria, muito menos o do boteco. Também não foi o café mineiro, o paranaense, o paulista, o expresso, o de coador. Foi o que eu mesmo preparei. A oração "que eu mesmo preparei" exerce o exato papel de um adjetivo, ou seja, o de caracterizar, determinar, qualificar o substantivo "café".
É por tudo isso que a oração "que eu mesmo preparei" é classificada como "subordinada adjetiva". E é sempre assim: sempre que houver pronome relativo, haverá oração subordinada adjetiva. Por uma razão muito simples: o papel do relativo é retomar um antecedente, para que em seguida se diga algo que o caracterize, que funcione como adjetivo. 
Veja outro caso: "Não gostei da camisa que você comprou". O que temos é a soma de duas orações (Não gostei da camisa. Você comprou a camisa.). Quem é que o "que" representa? É claro que só pode ser "camisa", caracterizada, determinada pela oração "que você comprou". Afinal, foi dessa camisa que eu não gostei. A oração "que você comprou" é subordinada adjetiva. 
Vale lembrar ainda a dica da semana passada: quando o "que" é pronome relativo, é possível substituí-lo por "o/a qual, os/as quais". No caso do primeiro exemplo ("Bebi o café que eu mesmo preparei", frase tirada de um poema de Bandeira), teríamos: "Bebi o café o qual eu mesmo preparei". No segundo exemplo, teríamos: "Não gostei da camisa a qual você comprou". 
Muito bem. Agora vamos voltar à coluna da semana passada para discutir o trecho que deixei no ar: "...perguntou certa ocasião Judith Exner, uma das incontáveis amantes de Kennedy, que simultaneamente mantinha um caso com o chefão mafioso Sam Giancana".
Pedi a você que pensasse na estrutura da frase. Aliás, afirmei que o trecho é um desastre. E é. O problema está no péssimo emprego do pronome relativo "que". Como há dois antecedentes(Judith Exner e Kennedy), estruturalmente é perfeitamente possível ligar o "que" a qualquer dos dois substantivos. Em outras palavras, tanto Judith quanto Kennedy podem ter um caso com o mafioso. O texto é comprometedoramente ambíguo. 
Como melhorar esse texto? Como corrigi-lo? Basta seguir o seguinte princípio: o pronome relativo deve ficar o mais perto possível do termo por ele representado. No caso, como parece clara a intenção de atribuir a Judith o namoro com o mafioso, o texto poderia ficar assim: "...perguntou certa ocasião Judith Exner, que era uma das incontáveis amantes de Kennedy e simultaneamente mantinha um caso com o chefão mafioso Sam Giancana". Pode-se enfatizar o advérbio "simultaneamente" com duas vírgulas: "...e, simultaneamente, mantinha um caso...". 
No caso específico desse texto, se fosse mantida a estrutura original, outra solução seria usar "a qual" (para retomar Judith: "...Judith Exner, uma das incontáveis amantes de Kennedy, a qual mantinha um caso..."), ou "o qual" (para atribuir dotes bissexuais a Kennedy: "...Judith Exner, uma das incontáveis amantes de Kennedy, o qual mantinha um caso com o chefão mafioso...").
No caso desse texto, é possível resolver o problema com "o qual" ou "a qual" porque há um homem e uma mulher. Em outros casos, a única solução seria aproximar o relativo do termo representado. Essa solução é sempre a melhor, a mais segura. 
Já que entramos pelo terreno do emprego do relativo e das orações adjetivas, parece bom ligar tudo isso à diferença entre adjetivas restritivas e explicativas e, conseqüentemente, ao uso da vírgula como elemento diferenciador de sentido. Será nosso próximo assunto. 
 
Quantas irmãs ele tem? 25/08/2000
Promessa é dívida. Aliás, nunca acabo de pagar minhas dívidas, já que a cada semana faço uma nova promessa. Qual foi a da semana passada? Discutir o papel da vírgula como elemento que diferencia o sentido, especificamente no que diz respeito à diferença entre as orações adjetivas restritivas e as explicativas. 
Se você não pôde ler a última coluna, lá vai um resumo: pessoa que mente é pessoa mentirosa, certo? Qual é a classe gramatical da palavra "mentirosa"? Adjetivo, é claro. Qualifica o substantivo "pessoa". 
Muito bem. Em vez de dizer "pessoa mentirosa", é perfeitamente possível dizer "pessoa que mente". Agora, quem é que qualifica "pessoa"? A oração "que mente", que tem valor de adjetivo e, por isso, é oração subordinada adjetiva. 
Vimos também que esse "que" que introduz a oração adjetiva "que mente" pode ser substituído por "a qual" (pessoa que mente = pessoa a qual mente). E, por fim, vimos que esse "que" se chama pronome relativo. 
Agora, vamos relacionar tudo isso com o emprego da vírgula. Leia a seguinte passagem: "Não gosto de pessoas mentirosas". Você poria vírgula entre "pessoas" e "mentirosas"? Certamente não. E por quê? Porque o papel da palavra "mentirosas" é limitar o universo de pessoas. Afinal, não é de qualquer pessoa que eu não gosto. Só não gosto das pessoas mentirosas, ou seja, só não gosto das pessoas que mentem. 
Viu o que aconteceu com a oração "que mentem"? Ela exerce o mesmo papel do adjetivo "mentirosas", isto é, limita, restringe o universo de pessoas. Essa oração é chamada de "adjetiva restritiva" e, como você deve ter visto, também não é separada da anterior por vírgula. 
Agora veja este outro caso: "Os cariocas, que adoram o mar, sempre estão de bem com a vida". A que cariocas se faz referência na frase? Será que a idéia é dividir os cariocas em dois blocos (os que adoram o mar e os que não adoram) e dizer que só os que adoram o mar estão sempre de bem com a vida? É claro que não. O que se quer é fazer uma afirmação de caráter genérico: os cariocas adoram o mar e sempre estão de bem com a vida. 
O "que" dessa frase é pronome relativo ("Os cariocas, os quais adoram o mar...") e, por isso mesmo, como você já sabe, introduz oração subordinada adjetiva, que, no caso, não é restritiva. Não restringe, não limita. Generaliza. É chamada de explicativa. 
Notou que com a oração explicativa a pontuação é diferente? A oração restritiva não é separada da anterior por vírgula, mas a explicativa é. 
Agora preste muita atenção. Leia estas duas frases: 
1) Ele telefonou para a irmã que mora na Itália; 
2) Ele telefonou para a irmã, que mora na Itália. 
Leia de novo, se for preciso. Parecem iguais, mas não são. A vírgula faz a diferença. E que diferença! Em ambos os casos, o "que" pode ser substituído por "a qual". Em ambos os casos, o "que" é pronome relativo e, por isso, introduz oração adjetiva. 
A diferença está na extensão do termo que vem antes do "que" ("irmã"). Sem a vírgula ("irmã que mora na Itália"), cria-se um limite. Certamente, ele tem mais de uma irmã. Pelo menos duas, uma das quais mora na Itália. Não fosse assim, não faria sentido a restrição imposta pela oração "que mora na Itália". 
Com a vírgula, a oração "que mora na Itália" não restringe. Deixa de ser restritiva e passa a ser explicativa. Nosso amigo só tem uma irmã, e ela mora na Itália. 
Veja outro caso: "A empresa tem cem funcionários que moram em Campinas". O que acontece quando se coloca vírgula depois de "funcionários"? Muda tudo. Sem a vírgula, a empresa tem mais de cem funcionários, dos quais cem moram em Campinas. 
Com a vírgula depois de "funcionários", a empresa passa a ter exatamente cem funcionários, e todos moram em Campinas. 
E pensar que um dia aprendemos na escola que vírgula é para respirar. Sem comentário. 
 
Possessivo ambíguo 01/09/2000
Na última coluna, vimos que uma simples vírgula (ou a falta dela) pode alterar radicalmente o sentido de uma frase ou de um texto. Tratamos especificamente do caso das orações iniciadas pelo pronome relativo "que". 
Já tínhamos analisado trechos em que o mau emprego do pronome relativo gera a chamada "ambigüidade estrutural". São períodos mal construídos, que permitem dupla interpretação, como o que analisamos na penúltima coluna ("...Judith Exner, uma das incontáveis amantes de Kennedy, que simultaneamente mantinha um caso com o chefão mafioso Sam Giancana..."). Rigorosamente, não é possível determinar a quem se refere o "que", o que torna a frase estruturalmente ambígua. Quem mantinha um caso com o mafioso? Kennedy ou Judith Exner? 
A ambigüidade (duplo sentido) é um risco constante. Bobeou, o cachimbo cai. O relativo "que" é perigosíssimo. O possessivo "seu", também. Veja esta frase: "Técnico do Vasco diz ao do Flamengo que seu time é melhor". Afinal, que time é melhor? 
Potencialmente ambíguo, o possessivo "seu" pode referir-se a "você" ou a "ele". Se eu encontro você pela rua e lhe pergunto "Como vai sua família?", é claro que quero notícias da família à qual você pertence. 
Já em um texto como "O presidente está no exterior. Seu retorno está marcado para a próxima sexta-feira", tirado de notícia de jornal, a história é outra. O retorno de quem? A quem se refere o pronome "seu"? É claro que se refere ao presidente. Trata-se do retorno dele, e não do interlocutor, da pessoa a quem se dirige a mensagem. 
Pois bem, voltando ao futebol, que time é melhor? Vamos repetir a frase: "Técnico do Vasco diz ao do Flamengo que seu time é melhor". Já sabe? Não? Nem eu. Nem ninguém. Ou melhor, talvez o redator da frase saiba. A frase é torta mesmo. O pronome "seu" tanto pode se referir ao time do técnico do Flamengo como ao do técnico do Vasco.
Como corrigir? É preciso usar outras estruturas: "Técnico do Vasco diz ao do Flamengo que time cruzmaltino é melhor", ou "Técnico do Vasco diz ao do Flamengo que time rubro-negro é melhor". 
No caso de elementos de gênero diferente, uma solução pode ser o emprego de "dele" e "dela": "Luísa encontrou o namorado na casa dele", "Luísa encontrou o namorado na casa dela". A frase certamente seria ambígua se fosse usado o possessivo "sua": "Luísa encontrou o namorado em sua casa". Mesmo com "dele" ou "dela", dependendo do contexto, as frases poderiam ser ambíguas. Bastaria que antes se tivesse falado de uma terceira pessoa. 
Em outras ocasiões, trateide um dos novos cacoetes lingüísticos brasileiros, o emprego desenfreado, chato, irritante da palavra "você": "Quando você tem inflação baixa...", "Se você não dá escolas ao povo...", "Se você bate o pênalti com o lado de fora do pé..." etc. Em nenhum desses casos, "você" é o interlocutor, a pessoa com quem se conversa. "Você" virou uma forma de generalização. "Você" é tudo: qualquer pessoa, todas as pessoas. 
Que relação isso tem com a nossa história? Vamos lá. Certa vez, depois de um amistoso do Brasil contra a Holanda, ouvi o treinador Luxemburgo comentar o desempenho de sua equipe. Epa! Será que este "sua" é ambíguo? Não, é claro. Só pode ser a equipe de Luxemburgo. Não há mais ninguém na frase. Bem, o treinador usou e abusou da palavra "você": "Quando você escala jogadores...", "Quando você arma o time na defesa...", "Se você não põe o time...". 
Lá pelas tantas, referindo-se ao sistema de marcação da equipe holandesa, Luxemburgo disse: "Quando você enfrenta um time que marca no seu campo...". Decifre, caro leitor, o que quis dizer Luxemburgo. Quem marca quem? No campo de quem? 
Sem essa febre inútil e chata de usar "você", a frase poderia ser mais ou menos assim: "Quando se enfrenta uma equipe que marca no seu campo...". Não haveria dúvida. Essa equipe faz marcação defensiva, ou seja, marca no próprio campo, e não no campo do adversário. 
Se a idéia fosse de marcação no campo do adversário, bastaria dizer mais ou menos o seguinte: "Quando se enfrenta uma equipe que marca no campo do adversário...". 
Já dei este conselho, mas não custa repeti-lo: em linguagem formal, em que é preciso ser preciso, fuja de cacoetes. Fuja desse intragável "você", monótono, repetitivo, empobrecedor. E, voltando ao assunto básico desta coluna, cuidado com os possessivos "seu" e "sua".
 
"É hora da onça beber água"08/09/2000
A palavra "onça" faz parte de muitas expressões de nossa língua. Quem é que nunca ouviu algo como "Ele virou onça"? Ou "Nessas horas, ele fica uma onça"? Uma consulta ao dicionário nos faz saber que "na onça" (que em Portugal é "à onça") significa "aperto financeiro, falta de dinheiro": "Estou na onça. Empreste-me algum dinheiro". 
O dicionário Aurélio diz que "onça" também pode significar "fora do comum, extraordinário": "A Josefa tomou um pileque onça". O exemplo é de ninguém menos que Artur Azevedo e está em "Contos Fora de Moda". 
Também existe a deliciosa expressão "amigo da onça", cujo significado todos conhecem. Por fim, a famosa frase "É hora da onça beber água", que, segundo os dicionários, remete à idéia de perigo e equivale a uma curiosa expressão: "Hora de canção pegar menino". Na prática, o que se quer dizer é que se aproxima um momento crítico, decisivo. 
Pois bem, feitas todas essas considerações a respeito da presença da palavra "onça" em algumas de nossas expressões idiomáticas, vamos ao centro de nossa conversa: "hora da onça beber" ou "hora de a onça beber"? 
Certamente você já viu em algum jornal, livro ou revista algo como "No caso de ele votar a favor...", ou "O fato de o ministro ter afirmado que...", ou ainda "Diante da possibilidade de a senadora deixar...". "De ele", "de o", "de a", tudo isso parece esquisito. 
Na língua oral, ou seja, na fala, essas formas vão para o chamado espaço. A tendência é que se faça a fusão: "No caso dele votar a favor...", "O fato do ministro ter afirmado que...", "Diante da possibilidade da senadora deixar...". 
E o que diz a gramática? Vamos lá. O raciocínio não é muito complicado. Pense na seguinte frase: "No caso de o cenário se alterar...". Qual é o sujeito do infinitivo "alterar"? Só pode ser o que se altera, ou seja, "o cenário". Você percebeu que esse sujeito aparece depois do verbo. Percebeu também que estão presentes as palavras "de" e "o", separadas: "No caso de se alterar o cenário...". 
Estamos perto. A gramática diz que a preposição não se funde com o sujeito do infinitivo, o que, em termos estruturais, parece lógico. Se o sujeito de "alterar" é "o cenário", a preposição "de" não faz parte do sujeito e, portanto, não se funde com o artigo "o": "No caso de se alterar o cenário..."/"No caso de o cenário se alterar...". Note que as palavras são exatamente as mesmas. Só mudou a ordem. 
Pode-se dizer o mesmo em relação aos outros exemplos dados. Em "No caso de ele votar a favor...", o sujeito de "votar" é "ele", que não se funde com a preposição "de". Em "Diante da possibilidade de a senadora deixar...", o sujeito de "deixar" é "a senadora". A preposição "de" não faz parte do sujeito, portanto não se funde com o artigo "a". 
Mas, quando entra em cena o aspecto sonoro da questão, a história é outra: é impossível resistir à tentação de fundir "de" e "o" ("do"), "de" e "ele" ("dele"), "de" e "a" ("da") etc. A maioria dos gramáticos diz que nesses casos a fusão da preposição com o artigo ou pronome já é fato mais do que consagrado, sobretudo na fala. 
Em suma, o que se pode deixar como essência da história é o seguinte: se você quiser ser estritamente lógico, não funda a preposição com o sujeito do infinitivo. Ninguém poderá dizer que você está errado. Em outras palavras, diga que "É hora de a onça beber água". Afinal, o sujeito de "beber" é "a onça", portanto a preposição "de", que não faz parte do sujeito, não se funde com o artigo "a". Mas saiba que ótimos autores não se incomodam nem um pouco com "É hora da onça beber água". 
Vale lembrar que essa história não tem relação com os outros casos de fusão da preposição "de" com os artigos "o", "a", "os", "as", ou com os pronomes "ele", "ela", "eles", "elas". É claro que não se pode dizer "O carro de o diretor está na oficina", ou "A casa de ele foi invadida". Não se trata, no caso, de sujeito de verbos no infinitivo. 
Também vale lembrar uma velha canção popular: "Eu devia estar feliz pelo Senhor ter me concedido um domingo para ir com a família ao Jardim Zoológico...". Reconheceu? "Ouro de Tolo", interpretada por Raul Seixas. Qual é o sujeito do verbo "ter"? É "o Senhor", é claro. Pela lógica, a preposição "por", que não faz parte do sujeito, não se funde com o artigo "o": "Eu devia estar feliz por o Senhor ter me concedido...". No padrão estritamente formal é assim. Mas que dá uma tremenda vontade de fundir "por" e "o" dá, ou não dá? 
Cá entre nós, é muito melhor mudar a ordem: "Eu devia estar feliz por ter o Senhor me concedido um domingo...". Não é para fugir do problema, não. É por clareza e elegância mesmo. Não é à toa que, em textos eruditos, formais, técnicos, é mais comum pospor o sujeito do infinitivo: "Verbo de 'movimento para', é natural reger ele preposição a diante do complemento de lugar". O sujeito do infinitivo ("reger") é "ele", posposto. O trecho é de Celso Luft, está no "Dicionário Prático de Regência Verbal" e diz respeito ao verbo "chegar". 
 
Urbanidade, destreza, sinistro... 15/09/2000
Certa vez um leitor me escreveu, surpreso e indignado com o que viu numa biblioteca pública: "É dever do funcionário público tratar com urbanidade o público e os colegas de serviço". "Tratar com urbanidade?", perguntou o leitor. "Se urbano se opõe a rural", disse ele, "quem é do campo é mal-educado?" 
Em tempos de patrulha, de superpatrulha, com a tal história do "politicamente correto", de fato é de estranhar o emprego de "urbanidade" como equivalente a "gentileza, amabilidade" etc. 
Mas o problema é que a língua tem relação direta com a história, com os fatos que marcam a vida de uma comunidade ou do homem em si. A palavra "urbanidade" é da mesma família de "urbano, urbanismo, urbanizar, urbanização, urbe". Tudo isso parte de uma raiz latina ("urbe"), cujo sentido básico é "cidade". 
E por que tratar alguém com cortesia é tratar com urbanidade? Caldas Aulete explica: "Cortesia entre pessoas civilizadas; civilidade adquirida pelo trato no mundo". Aí está a chave para a compreensão do fato: é nas cidades que o homem encontra o homem; é nelas que se organiza a vida em sociedade, em grupo. É nelas que se estabelecem as regras de convívio, de respeito aos direitos alheios. 
Nãoé à toa que se dá a todo o conjunto de direitos e deveres de um ser humano o nome de "cidadania". Qualquer semelhança com a palavra "cidade" não é mera coincidência. 
Nos estudos lingüísticos, há um caso interessantíssimo: a "ultracorreção" ou "hiperurbanismo". O que é isso? Nada mais do que o excesso de preocupação com a correção lingüística, que _ironicamente_ acaba resultando em erros. É o caso do cidadão que faz questão de acertar todas as concordâncias e acaba pondo no plural até o que não deve sair do singular, como em "Houveram vários problemas durante a festa". Não "houveram" problemas; "houve". Não se faz a flexão de plural do verbo haver nesses casos. 
Tentando mostrar qualidades de ser "civilizado, culto", o cidadão erra por excesso. Isso se chama "hiperurbanismo" justamente porque a pessoa exagera nos dotes "urbanos" _cultura formal, no caso. 
Tudo isso hoje talvez pareça "politicamente incorreto", mas os nomes estão nos livros, quer se goste deles, quer não. 
Outro caso interessante é o da palavra "destreza". O que é ter destreza, mostrar destreza? É ter habilidade, agilidade, aptidão. Mas o primeiro sentido que aparece nos dicionários para "destreza" é "qualidade de destro". E o que é "destro" (que se lê "dêstro", com o "e" fechado, segundo os dicionários)? É "direito", ou "que fica do lado direito". 
Como a maioria das pessoas tem mais agilidade com a mão direita (destra) do que com a esquerda, a habilidade acabou sendo chamada de "destreza". Os canhotos devem estar detestando esta conversa, mas juro que não tenho culpa de nada. Só estou explicando os fatos. 
Por falar em "canhoto", lá vai uma armadilha da língua: como se lê o "o" do feminino de "canhoto"? Em suma, como se lê a palavra "canhota"? "Canhóta" ou "canhôta"? Depende. Segundo os dicionários, o feminino de "canhoto" se lê com o "o" fechado ("canhôta"): "Não adianta forçar a criança a escrever com a direita. Ela é canhota". Como você leu? Segundo Aulete, Aurélio, deve-se ler "canhôta". Com o "o" aberto ("canhóta"), temos o substantivo, ou seja, a própria mão esquerda: "Deu-lhe um tapa com a canhota". Agora saia por aí tentando convencer as pessoas a dizer que aquela moça é "canhôta". Um prêmio para quem conseguir. 
Para deixar os canhotos mais irritados, anote aí: quem tem habilidade com as duas mãos é "ambidestro"; quem não tem com nenhuma é "ambiesquerdo". Acredite se quiser. E não brigue comigo. Não tenho nada com a história. 
Voltando aos destros, anote aí um dos tantos caprichos da língua: "destro" se escreve com "s", mas em muitas palavras compostas em que entra esse elemento aparece o "x" da raiz latina ("dextru, dexter"): dextrocardia, dextrocerebral, dextrofobia, dextropedal etc.
Ainda com relação ao sentido que as palavras adquirem, é interessante notar o que ocorre com "esquerdo". A palavra vem do vasconço, ou seja, da língua do País Basco. Em latim, "esquerdo" é "sinistru, sinister". E o que é "sinistro", em português? Além de "esquerdo" ("Mal podia a mão sinistra vibrar a sangrenta espada", escreveu Gonçalves Dias), "sinistro" tem vários sentidos ligados à idéia de temor, ameaça, mau agouro, maldade etc. Em linguagem securitária (do ramo de seguros), o sinistro nada mais é do que o próprio acidente. Tudo porque o "bom", o "normal" é o destro; o esquerdo (o sinistro) é "anormal". 
De novo, peço aos canhotos que não se zanguem. Não tenho nada com a história. Só estou exercendo o meu ofício de explicar. 
 
Você faz uma "financia"?22/09/2000
"Carros semi-novos", "O menor juros", "Compra, venda, troca, financia" etc., etc., etc. Certamente você já viu pelo menos uma dessas construções em anúncios de revendedores de automóveis ou nas fachadas dessas lojas. 
Vamos começar pelos carros "semi-novos". Não resisto à tentação de dizer que há pouco tempo li um anúncio em que se vendia um automóvel "semi-usado". Bem, é melhor voltar ao assunto. O prefixo "semi", que vem do latim, significa "meio, metade". Corresponde a "hemi", que vem do grego. 
O problema é que "semi" só se agrega com hífen a palavras iniciadas por "h", "r", "s" e vogal: semi-analfabeto, semi-ângulo, semi-esfera, semi-reta, semi-selvagem, semi-soma, semi-úmido. Nos outros casos, nada de hífen, ou seja, escreva uma letra atrás da outra, "tudo junto", como se costuma dizer. Então, como "novos" começa com "n", nada de hífen em "seminovos". E nada de hífen em semicírculo, semideus, semifinal, semivogal, semicilíndrico, semifinalista, semiparente, semipermeável, semiplano etc. 
Se por acaso _e por coincidência_ na mudança de linha alguma das palavras citadas no último período do parágrafo anterior foi quebrada em "semi", atribua o fato ao imponderável. Nada de ficar em dúvida, nem de ficar confuso. Nenhuma delas se escreve com hífen. 
Afirmei no segundo parágrafo que "semi" equivale a "hemi". Já ligou as coisas? O que é um "hemisfério"? Nada mais do que a metade de uma esfera. Os dicionários dão vasta relação de palavras em que entra esse elemento grego, que nunca se associa à palavra principal com hífen: hemicrania, hemicilindro, hemicarpo, hemicíclico etc. 
É inegável que o uso do hífen é complicado em português. Complicado e muito mal resolvido. Em alguns casos, porém, a regra é clara, mas poucos sabem que existe alguma norma para o emprego do bendito tracinho, a começar por muitos dos professores de português. 
Vamos ao segundo caso ("O menor juros"). "Juros" é plural de "juro", assim como "óculos" é plural de "óculo". Então diga e escreva "os óculos", "meus óculos", "estes óculos", "aqueles óculos". E diga e escreva "o juro", "o menor juro", "o juro mais baixo", "juro baixo", "os juros", "os menores juros", "os juros mais baixos", "juros baixos". 
O mesmo processo vale para "saudade" e "ciúme", palavras que, para muitos puristas, não deveriam ser usadas no plural. De qualquer maneira, diga "a saudade" ou "as saudades"; "o ciúme" ou "os ciúmes". 
Por fim, vamos à mais interessante das questões: "Compra, venda, troca, financia". O que acontece nesse caso? Um processo de contaminação. A história não é muito complicada. Como se chama o ato de comprar? Quem se propõe a comprar propõe-se a fazer o quê? Uma compra, é claro. O ato de comprar se chama "compra".
E o ato de vender? É "venda": "Você conseguiu concretizar a venda da casa?". E como se chama o ato de trocar? Quem se dispõe a trocar dispõe-se a fazer uma troca, não é? Até agora, tudo bem. A loja compra, vende e troca, ou seja, faz a compra, a venda e a troca. 
Esse processo tem um nome: derivação regressiva ou deverbal. Não é difícil entender. As palavras derivadas costumam ser maiores do que as primitivas, justamente porque ocorre o acréscimo de um prefixo (honesto/desonesto), de um sufixo (honesto/honestidade) ou dos dois (pobre/empobrecer).
No caso de "compra", "venda" e "troca", ocorre uma redução, uma regressão. A palavra derivada _um substantivo_ "encolhe", "diminui" em relação à primitiva _um verbo. De comprar se faz "compra", de vender se faz "venda" e de trocar se faz "troca". Todas significam "o ato de": compra é o ato de comprar, venda é o ato de vender, e troca é o ato de trocar. Todas são formadas por "derivação regressiva". 
Muito bem. Está faltando uma. Qual? O ato de financiar. Quem se dispõe a financiar dipõe-se a fazer uma "financia", certo? É claro que não. Quem se dispõe a financiar dispõe-se a fazer um financiamento. O ato de financiar é "financiamento", substantivo derivado do verbo ("financiar") com o acréscimo de sufixo (-mento). 
O pessoal do ramo de automóveis acaba se confundindo. O quarto termo da seqüência é contaminado pelos três primeiros. Como esses três são formados pela supressão da terminação do verbo, passa-se sumariamente a navalha na cauda do verbo "financiar". 
Vamos corrigir: compra, venda, troca, financiamento. Tradução: a loja faz a compra, a venda, a troca e o financiamento. Se você preferir só verbos, lá vai: compra, vende, troca, financia. Tradução: a loja compra, vende, troca e financia. 
É preciso manter a simetria, o paralelismo. Por isso, em casos comoesse, usam-se só verbos ou só substantivos, sem mistura.
 
"Dize-me com quem andas..." 29/09/2000
Não há quem não tenha curiosidade a respeito dos provérbios. Muitas vezes, repetimo-los quase mecanicamente, sem pensar na sua provável origem ou sentido. Vários vestibulares pedem aos candidatos que "traduzam" alguns desses ditos, ou seja, que digam qual é a mensagem essencial de cada um deles. O resultado nem sempre é satisfatório. A Fuvest, por exemplo, incluiu numa questão do vestibular de 1996 o seguinte provérbio: "O invejoso nunca medrou, nem quem perto dele morou". 
Certamente influenciada pela palavra "medroso", a garotada viu em "medrou" (forma do verbo "medrar") idéia de medo, pavor. Os dicionários registram o sentido de "ter medo" para "medrar", mas dizem que é popular.
Fora da gíria, "medrar" é "prosperar, desenvolver-se, crescer". Gilberto Gil usa "medrar" com esse sentido em "Rebento", uma de suas memoráveis canções: "Tudo que brota, que vinga, que medra...". 
"Medroso" vem de "medo", por um processo que se chama "epêntese", nome complicado para um fato lingüístico bem simples: o desenvolvimento de um fonema (som) no meio de uma palavra. Assim ocorreu com "barata", que vem do latim "blatta", passou a "brata" e posteriormente se transformou em "barata". Também ocorreu com "cronha", que passou a "coronha": "...pelo estrondo das cronhadas à porta principal". Tirado de texto de Camilo Castelo Branco, o exemplo é do dicionário "Aurélio". 
A semelhança fonética entre "medroso" e "medrar" certamente foi o que levou os candidatos a ver em "medrar" a predominância da idéia de medo. Faltou, na verdade, o principal: levar em conta o contexto, o sentido global da frase. Definitivamente, a idéia de que um invejoso e seus vizinhos não sentem medo não é das mais convincentes.
Não era prova escrita, discursiva, em que os candidatos têm diante de si o espaço em branco _muitas vezes imenso, infinito_, para preenchê-lo com respostas pertinentes. Era um teste, com cinco opções, quatro delas apontando para a idéia de medo. Faltou, repito, a atitude básica do leitor atento: relacionar, levar em conta o contexto.
Não ia falar especificamente desse provérbio, nem do verbo "medrar", mas não resisti à tentação. Ia falar de um aspecto gramatical de outro provérbio, famoso: "Dize-me com quem andas, e eu te direi quem és". Por que "dize-me"? O que é "dize-me"?
Um dia aprendemos na aula de gramática que o verbo tem três modos: indicativo, subjuntivo e imperativo. Muitas vezes, o professor se limita à nomenclatura e à decoreba das conjugações. E os os alunos saem da escola sem saber claramente o valor de cada modo verbal.
Muito bem. O que é mesmo "dize-me"? É forma do imperativo do verbo "dizer". Como o próprio nome já diz, o imperativo é o modo que se usa para imperar, mandar, pedir, suplicar, rogar. Você certamente sabe que o imperativo pode ser afirmativo ou negativo, ou seja, pode-se mandar fazer ou não fazer, correr ou não correr, cantar ou não cantar.
A formação do imperativo da língua padrão obedece a um esquema fixo. No caso das formas afirmativas, as fontes são duas: o presente do indicativo e o presente do subjuntivo. Para formar as duas segundas pessoas (tu e vós), emprega-se o presente do indicativo, sem a letra "s" final.
Tomemos como exemplo o próprio verbo "dizer". No presente do indicativo, temos "eu digo, tu dizes, ele diz, nós dizemos, vós dizeis, eles dizem". A segunda pessoa do singular é "tu dizes". Sem o "s" final, temos "dize", justamente a forma empregada no provérbio "Dize-me com quem andas...".
A segunda pessoa do plural do imperativo do verbo "dizer" é "dizei", resultado de "dizeis" ("vós dizeis"), sem o "s" final: "Senhor Deus dos desgraçados!/ Dizei-me vós, senhor Deus!/ Se é loucura, se é verdade/Tanto horror perante os céus...". O trecho é de "O Navio Negreiro", de Castro Alves. Caetano Veloso incluiu um excerto desse poema em seu belo disco "Livro". 
Nas missas, é comum o seguinte apelo: "Senhor! Eu não sou digno de que entreis em minha casa, mas dizei uma só palavra, e minha alma será salva".
Note que todos os verbos do provérbio que dá título a esta coluna estão na segunda pessoa do singular: "Dize-me (tu) com quem (tu) andas e eu te direi quem (tu) és". A manutenção da mesma pessoa gramatical freqüentemente é desejável quando se emprega a língua padrão. Dá-se a isso o nome de "uniformidade de tratamento". Você já deve ter visto essa expressão técnica no programa de português de algum concurso público. 
Seria interessante ver as outras pessoas do imperativo afirmativo e todas as do negativo. Também seria interessante comentar algumas das diferenças que há entre o imperativo da gramática padrão e o que se usa na língua falada no Brasil. Trataremos disso na próxima coluna. 
"Perdoai as nossas ofensas"06/10/2000
Na última coluna, começamos a conversar sobre o verbo no modo imperativo. Tratamos de uma frase famosa: "Dize-me com quem andas, e eu te direi quem és".
Vimos que a forma verbal "dize" é da segunda pessoa do singular do imperativo afirmativo do verbo "dizer". Vimos também que, na língua padrão, na língua culta, para conjugar a segunda pessoa do singular (tu) e a segunda do plural (vós) do imperativo afirmativo de qualquer verbo basta apanhar o presente do indicativo, sem a letra "s" final.
É o que ocorre, por exemplo, com a forma "perdoai", presente em "Perdoai as nossas ofensas", conhecidíssima frase do "Pai-Nosso". De onde vem "perdoai"? O que significa "perdoai"? É comum que se dê ao Criador a ultra-respeitosa forma de tratamento "vós", que, como já vimos, é da segunda pessoa do plural. No "Pai-Nosso" as pessoas que rezam dirigem-se ao Criador e pedem a ele que lhes perdoe as ofensas praticadas, que não as deixe cair em tentação e que as livre do mal eterno.
Como são feitos esses pedidos? Com os verbos no imperativo. Dois deles _"perdoai" e "livrai" ("perdoai as nossas ofensas"/"livrai-nos do mal")_ estão no imperativo afirmativo; o outro _ "deixeis" ("não nos deixeis cair em tentação")_ aparece no imperativo negativo. 
"Perdoai" e "livrai" obedecem a um esquema que já vimos. Essas formas vêm do presente do indicativo, sem o "s" final. O presente de "perdoar" é "eu perdôo, tu perdoas, ele perdoa, nós perdoamos, vós perdoais, eles perdoam". O de "livrar" é "eu livro, tu livras, ele livra, nós livramos, vós livrais, eles livram". "Perdoais", sem o "s", transforma-se em "perdoai": "Perdoai as nossas ofensas"; "livrais", sem o "s", transforma-se em "livrai": "Livrai-nos do mal".
E "Não nos deixeis cair em tentação"? É ordem negativa, ou seja, é da conjugação do imperativo negativo. Você já sabe que a segunda pessoa do singular (tu) e a segunda do plural (vós) do imperativo afirmativo vêm do presente do indicativo, sem o "s" final. As outras formas do imperativo afirmativo, ou seja, a terceira do singular (você), a primeira do plural (nós) e a terceira do plural (vocês), e todas as formas do imperativo negativo vêm do presente do subjuntivo.
Como é o presente do subjuntivo do verbo "deixar"? Lembra? Não é difícil: "que eu deixe, que tu deixes, que ele deixe, que nós deixemos, que vós deixeis, que eles deixem". Pronto! Está conjugado todo o imperativo negativo desse verbo. Não custa lembrar que, quando se conjuga o imperativo, não se usa a primeira pessoa do singular (eu), por motivos óbvios. Afinal, ninguém dá ordem a si mesmo.
Vamos conjugar, então, o imperativo negativo de "deixar": "não deixes (tu), não deixe (você), não deixemos (nós), não deixeis (vós), não deixem (vocês)".
Descobriu de onde vem a forma "deixeis" da frase "Não nos deixeis cair em tentação"? Aqueles que rezam dirigem-se ao Criador e pedem: "Senhor, não deixeis que caiamos em tentação".
Na língua do dia-a-dia, o imperativo que se pratica no Brasil é diferente do considerado "oficial". Nos lugares em que se usa o pronome "tu", não se ouve ninguém dizer "Não deixes a esperança morrer", por exemplo. O que se ouve é algo como "Não deixa a esperança morrer". Não é exagero repetir: oque se fala nem sempre se escreve.
Apesar de em muitas e muitas regiões do Brasil ser comum na língua do dia-a-dia algo como "Não estaciona o carro aqui", pouca gente escreveria isso numa tabuleta que fosse colocada na porta da própria garagem. Diante da mínima necessidade de formalidade, certamente surgiria a forma "Não estacione aqui". No caso, o verbo "estacionar" foi conjugado na terceira pessoa do singular (você) do imperativo negativo, de acordo com o sistema da língua padrão, ou seja, a partir do presente do subjuntivo: que eu estacione, que tu estaciones, que ele ou você estacione etc. É daí que vem a forma "Não estacione", do imperativo negativo padrão. 
Para terminar, um caso importante. Há algum tempo, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) usou como lema da tradicional Campanha da Fraternidade a seguinte frase: "Ouvi o clamor deste povo". O que significa isso? A pessoa que diz a frase informa que seus ouvidos vão bem, ou seja, que ouviu o clamor do povo? Nem pensar. Trata-se de um apelo, de uma súplica. O verbo "ouvir" está conjugado na segunda pessoa do plural (vós) do imperativo afirmativo.
O problema está na conjugação do presente do indicativo de quase todos os verbos terminados em "ir", como ouvir: "eu ouço, tu ouves, ele ouve, nós ouvimos, vós ouvis, eles ouvem". Repito: "vós ouvis". A palavra é oxítona, como "juritis, abacaxis, garis, colibris, fuzis", portanto leia-a com força no "i": "vós ouvis". Se o sistema é tirar o "s" dessa forma verbal para conjugar o imperativo afirmativo, o que ocorre? Vamos lá: "ouvis", sem o "s", transforma-se em "ouvi": "Ouvi (vós) o clamor deste povo". Repito: trata-se de um apelo. Pede-se que o clamor do povo seja ouvido.
Se você gosta de literatura clássica, de textos bíblicos, de orações, é preciso habituar-se a esses casos. Do contrário, corre o risco, por exemplo, de ler um clássico como Vieira sem entender muitos dos apelos que o grande pregador faz aos ouvintes e leitores de sua prédica. 
"Sê todo em cada coisa"13/10/2000
Nas duas últimas colunas, tratamos da conjugação do verbo no modo imperativo, que, como o nome já diz, é usado quando se quer dar ordem, fazer apelo etc.
Enfatizamos as duas segundas pessoas _"tu" e "vós"_, que muitos lingüistas consideram "dinossauros", por não serem mais comuns na linguagem do dia-a-dia no Brasil.
O pronome "vós", de fato, não aparece mais na língua oral há um bom tempo, mas é marca constante nos textos clássicos brasileiros e portugueses. É preciso, pois, conhecer seu emprego. Já o pronome "tu", na fala, é mais do que comum em muitas regiões do Brasil. O detalhe é que normalmente o verbo é conjugado em desacordo com o que prega a gramática normativa, o que não é nem uma crítica, nem um elogio; é apenas uma constatação. Nenhum gramático pode ter a ilusão de querer mudar a essência do falar de uma coletividade. 
"Tu viu o filme?", "Tu vira à direita", "Tu comprou o leite?", "Tu segue por aqui, toda a vida" são formas consagradíssimas na expressão popular brasileira. Para a gramática padrão, essas frases seriam alteradas para "Tu viste o filme?", "Tu viras à direita", "Tu compraste o leite?", "Tu segues por aqui". Na verdade, nem seria preciso usar o pronome "tu", subentendido na forma do verbo. Bastaria dizer "Viste o filme?", "Viras à direita", "Compraste o leite?", "Segues por aqui", como é comum na língua oral em algumas regiões do Brasil _Belém do Pará, por exemplo_ e em Portugal.
Por falar em pronome subentendido, é bom lembrar que, apesar de ser comum, na fala, o emprego de "eu" e "nós" em casos como "Eu fiz tal coisa", "Nós fizemos tal coisa", não convém adotar esse procedimento na escrita, em textos formais. As formas verbais "fiz" e "fizemos" trazem embutidos os respectivos sujeitos _"eu" e "nós"_, dispensáveis, portanto, no padrão escrito culto formal.
Bem, vamos voltar ao imperativo, para tentar fechar a questão. Vimos as formas afirmativas da segunda pessoa do singular (tu) e da segunda pessoa do plural (vós), mas, pensando bem, não custa repetir o processo. A fonte é o presente do indicativo, sem a letra "s" final. Se tomarmos como exemplo o verbo "ver", teremos, no presente do indicativo, "tu vês" e "vós vedes". Sem a letra "s" final, no imperativo afirmativo teremos "vê" (tu) e "vede" (vós). O verbo "vir" apresenta "tu vens" e "vós vindes". No imperativo afirmativo, teremos "vem" (tu) e "vinde" (vós). 
Você certamente se lembra de uma propaganda da Caixa Econômica Federal, em que se dizia: "Vem pra Caixa você também". A frase entrou em muitas provas de português de vários vestibulares do país, sempre com a mesma proposta: "A frase não apresenta uniformidade de tratamento. Reescreva-a, corrigindo-a no que for necessário".
A forma verbal "vem", que, como acabamos de ver, é da segunda pessoa do singular (tu) do imperativo afirmativo do verbo "vir", entra em choque com "você", que, como todos os pronomes de tratamento da língua portuguesa, pertence _gramaticalmente_ à terceira pessoa.
De acordo com a gramática normativa, a frase publicitária poderia assumir duas formas, deixando de lado a discussão sobre "para a" e "pra": "Vem pra Caixa tu também" ou "Venha pra Caixa você também".
Redigida de acordo com a norma, a frase publicitária alcançaria o mesmo efeito? Você decide. Há material para vastíssima discussão, e _acredite!_ qualquer posição que se tome a respeito causa intermináveis contendas.
De onde saiu a forma "venha" (você), terceira pessoa do singular do imperativo afirmativo? Do presente do subjuntivo, que, como você já sabe, é a base de todo o imperativo negativo e de três formas do imperativo afirmativo (você, nós e vocês).
Por falar em imperativo negativo, o que teríamos para o verbo "ver", nas segundas pessoas (tu e vós)? Se no presente do subjuntivo essas formas são "que tu vejas" e "que vós vejais", no imperativo negativo temos "Não vejas" (tu), "Não vejais" (vós). É por isso que no "Pai-Nosso" se diz "Não nos deixeis cair em tentação". "Não deixeis" é da segunda do plural (vós) do imperativo negativo, tirada do presente do subjuntivo. 
Antes que me esqueça, é bom lembrar que o sistema de conjugação dos imperativos vale para todos os verbos da língua portuguesa, com exceção do verbo "ser". Acalme-se: o verbo "ser" só não segue a regra nas duas segundas pessoas ("tu" e "vós") do imperativo afirmativo. Se valesse a regra, apanharíamos o presente do indicativo ("tu és", "vós sois") e eliminaríamos a letra "s" final, certo? Mas a regra não vale. O verbo "ser" apresenta duas formas excepcionais: "sê" (tu) e "sede" (vós), esta lida com o primeiro "e" fechado, do mesmo jeito que se lê a palavra que significa "vontade de beber". Você certamente encontrará essas formas em textos clássicos brasileiros e portugueses, como neste memorável trecho de Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Ricardo Reis: "Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes".
Na fala, é óbvio, essas formas ("sê" e "sede") desapareceram há um bom tempo.
"Férias que nunca esquecem" 20/10/2000
Já se disse muitas vezes que na língua tudo muda, evolui. Se isso não fosse verdade, ainda estaríamos falando latim. O problema é que muitos exageram e vêem nessa mudança e nessa evolução uma velocidade maior do que a real. 
Há algum tempo, ouvi o belo CD do ator Ruy Affonso, em que diz textos de Fernando Pessoa, poeta português, morto há mais de 60 anos. Não tive a impressão de ouvir uma língua de estrutura e vocabulário completamente diferentes dos da língua que se lê, por exemplo, num texto dos cadernos de cultura dos vários jornais brasileiros ou em algum trabalho acadêmico de crítica literária, filosófica ou sociológica. O trabalho da professora e filósofa brasileira Marilena Chaui, "A Nervura do Real", está escrito em português padrão, não muito diferente do que se vê nos textos cultos formais brasileiros e portugueses.
Por tudo isso, é mais do que fundamental que a escola prepare o aluno para trabalhar com os diversos níveisde linguagem e de língua. É fundamental não ter preconceito contra nenhuma variante lingüística. Inclui-se aí _é óbvio_ a variante culta. O falante de língua portuguesa, se quiser tomar contato com a cultura clássica, por exemplo, precisa conhecer formas lingüísticas que muitas vezes já não estão em uso. Ou estão em uso só em Portugal, como a que aparece no título desta coluna: "Férias que nunca esquecem".
Explico: vi a frase num grande cartaz de rua, em Lisboa. Na foto, uma praia de uma das tantas ilhas dos Açores, arquipélago português. E o texto: "Açores - Férias que nunca esquecem". 
É claro que imediatamente me lembrei de alguns textos clássicos e das aulas de regência verbal, nas quais o professor se descabelava para nos fazer entender esse modo esquisito de empregar o verbo "esquecer".
Ensinam as gramáticas tradicionais que o verbo "esquecer" se constrói de três maneiras. Duas delas são muito conhecidas e bastante palatáveis: "Ela esqueceu o livro"/"Ela se esqueceu do livro"; "Não esqueço aquelas palavras"/"Não me esqueço daquelas palavras".
Não é difícil perceber que, se alguém esquece, esquece algo; se alguém se esquece, esquece-se de algo. Então eu me esqueço de algo ou de alguém: "Não me esqueço de você". Ou esqueço algo ou alguém: "Não esqueço você". 
Na língua do Brasil, no entanto, surgiu uma fusão dessas duas possibilidades: esquecer de algo ou de alguém. Essa forma é usadíssima na fala e encontra registro na escrita, sobretudo quando o complemento de "esquecer" é um infinitivo: "Ia esquecendo de fazer uma confidência importante" (Érico Veríssimo); "Ele esqueceu de ir ao banco"; "Não esqueço de você"; "Não esquecia da saúva" (Mário de Andrade). 
Sou obrigado a dizer a você que, se participar de um concurso público, de um vestibular, de uma prova tradicional, você deve considerar erradas as construções do parágrafo anterior, apesar de serem comuns na fala e na escrita brasileiras.
Bem, afirmei que as gramáticas tradicionais ensinam que o verbo "esquecer" se constrói de três maneiras. A terceira, no entanto, não é a última que vimos, aquela que os concursos públicos condenam. A terceira é a que está no título desta coluna. Nesse caso, o sujeito do verbo "esquecer" não é uma pessoa, um ser humano, de carne e osso. O sujeito é uma coisa, um fato. Mas coisa esquece? Esquece. No caso, "esquecer" passa a significar "cair no esquecimento". Em "Férias que nunca esquecem", o sujeito do verbo "esquecer" é "férias". Elas, as férias, nunca caem no esquecimento. 
Em Machado de Assis, encontram-se vários casos desse emprego de "esquecer": "Esqueceu-me apresentar-lhe minha mulher". Qual é o sujeito de "esqueceu-me"? É a oração "apresentar-lhe minha mulher", ou seja, esse fato _o ato de apresentar-lhe minha mulher_ caiu no meu esquecimento.
Essa mesma regência vale para "lembrar", isto é, há na língua o registro de frases como "Não me lembrou esperá-la", em que "lembrar" significa "vir à lembrança". O sujeito de "lembrou" é "esperá-la", ou seja, esse fato _o ato de esperá-la_ não me veio à lembrança.
É claro que você não vai usar isso na fala cotidiana no Brasil. Mas vai encontrar nos textos clássicos brasileiros e portugueses. E vai ler e ouvir nos dias de hoje, em Portugal, se um dia lá puder ir. Tomara que possa!
"Hoje quem paga sou eu"27/10/2000
"Hoje quem paga sou eu." Já ouviu isso? Claro que sim. Pare para pensar na concordância verbal. Há dois verbos: "paga" e "sou". "Paga" está na terceira pessoa do singular e concorda com o pronome "quem"; "sou" está na primeira do singular e concorda com o pronome "eu". Alguém acha estranha a frase? Leia-a novamente: "Hoje quem paga sou eu". Algo estranho? Nada. Tudo normal.
Agora, experimente inverter a ordem: "Hoje sou eu quem paga". Pronto! Já ficou esquisito. Por quê? Talvez pela falta de hábito, talvez porque se queira fazer valer o verdadeiro executor do processo expresso pelo verbo pagar, ou seja, aquele que efetivamente paga _eu, no caso_, a concordância que mais se ouve, nesse tipo de frase e nessa ordem, é "Hoje sou eu quem pago". Isso não está errado, segundo a maioria das boas gramáticas, mas é mais comum na fala e em textos poéticos, literários, em que muitas vezes prevelecem outros fatores na escolha da concordância. Em termos puramente racionais, a história é outra.
Qual é a regra afinal? Qual é o mecanismo, a explicação? É simples. O pronome "quem" é de terceira pessoa. Basta verificar como se conjugam os verbos nas perguntas simples, como em "Quem fez?", "Quem foi?", "Quem falou?", "Quem perguntou?", "Quem conseguiu?". Notou? Os verbos foram conjugados na terceira pessoa do singular. E ninguém faz careta, ninguém reclama, nem poderia reclamar. A concordância é mais do que natural.
Mas basta dizer "Não foram eles quem sujou a parede" para que olhos e ouvidos fiquem intrigados. Inverta, ou melhor, "desinverta": "Quem sujou a parede não foram eles". O verbo sujar concorda com o pronome "quem" ("Quem sujou?"), e o verbo ser concorda com "eles" ("Foram eles"). Pode-se dizer o mesmo em relação a "Quem paga somos nós", que é correta e ninguém acha estranha. Mas, quando se diz "Somos nós quem paga", narizes se torcem. Nada disso, a frase é mais do que correta.
Moral da história: na bela e inesquecível "Detalhes", Roberto e Erasmo acertam em cheio na concordância quando dizem "Mas na moldura não sou eu quem lhe sorri". "Sou" concorda com "eu"; "sorri" concorda com "quem".
Pode-se fazer a mesma afirmação em relação a outra obra-prima da canção popular deste país, a bela "Timoneiro", música de Paulinho da Viola, letra de Hermínio Bello de Carvalho. Diz Hermínio: "Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar". Ora, "sou" concorda com "eu", e "navega" concorda com "quem". 
"Quem me navega?" Se alguém fizesse essa pergunta, poderia tranqüilamente receber a seguinte resposta: "Não sou eu. É o mar". Então nada de anormal quanto à concordância na frase do poeta Hermínio Bello de Carvalho. 
O que vimos até agora só se aplica quando se usa o pronome "quem". Com o "que" a história é outra: "Não fui eu que sujei a parede", "Não foram eles que sujaram a parede", "Hoje sou eu que pago", "Hoje somos nós que pagamos". Você certamente notou que os dois verbos de cada frase fizeram a mesma concordância. Em "Hoje sou eu que pago", tanto "sou" como "pago" estão na primeira pessoa. Por quê? Porque o "que" é neutro, ou seja, não tem pessoa gramatical, não é da primeira, nem da segunda, nem da terceira. Então o verbo que vem depois do "que" deve concordar com o pronome que veio antes desse mesmo "que". Em "Não fomos nós que sujamos", o verbo que vem depois do "que" ("sujamos") concorda com o pronome que veio antes do "que" ("nós"). 
Vamos repetir e resumir. Quando se usa "quem", é perfeitamente possível fazer o verbo que o segue ficar na terceira pessoa do singular: "Não seremos nós quem julgará seu comportamento", "Não foram eles quem descobriu o verdadeiro culpado". Quando se usa "que", o verbo seguinte deve concordar com o termo que antecede esse "que": "Não seremos nós que julgaremos seu comportamento", "Não foram eles que descobriram o verdadeiro culpado".
O uso do hífen03/11/2000
Poucas são as pessoas que nunca precisaram de remédio para combater uma inflamação. E como se chama esse tipo de medicamento?
Vamos por partes. O prefixo que indica idéia de oposição é "anti-". Aliás, o que é um prefixo? Aurélio diz o seguinte: "Silaba(s) que antecede(m) a raiz de uma palavra, modificando-lhe o significado e formando palavra nova". Na própria palavra "prefixo" existe um prefixo, o "pre-", que siginifica "posição anterior".
Não estranhe esse tracinho que você viu depois dos dois prefixos que já citei (anti-- e pre-). Isso é comum e serve para indicar que a coisa continua.
Tínhamos parado no nome do tipo de remédio que se usa para combater inflamações. Já sabemos que o prefixo adequado é "anti-". O problema agora é saber como agregar esse prefixo à palavra "inflamatório". E a regra é a seguinte: o prefixo "anti-" só exige hífen quando se juntaa palavra iniciada por h, r ou s. Então "anti-horário", "anti-social", "anti-rábica", por exemplo, escrevem-se com hífen, mas "antimilitar", "antiamericano", "antiinflacionário", "antiflamenguista", "antivascaíno", "antiterrorista" se escrevem sem hífen.
Nossa dúvida inicial era quanto à grafia de "antiinflamatório". E essa dúvida acaba de ser desfeita. É sem hífen mesmo, ou, como se diz normalmente, "tudo junto".
As pessoas têm uma incrível resistência a essa repetição da vogal. Muita gente nem acredita que é assim mesmo que se escreve. E, como poucas vezes se vê a aplicação da regra do hífen, cria-se na cabeça das pessoas um verdadeiro emaranhado. Ora se vê "anti-americano", ora se vê "antiamericano". Ora "super-atleta", ora "superatleta". Aí, a confusão é inevitável.
Para tentar resolver uma parte desse problema, vamos a uma tabela com os prefixos mais comuns, mais usados. Anote e guarde. Se possível, copie em forma de tabela mesmo, para que fique mais fácil aplicar. 
Vamos lá. Exigem hífen quando se ligam a palavras iniciadas por vogal, h, r e s os seguintes prefixos: infra-, intra-, ultra-, contra-, supra-, extra-, pseudo-, neo-, auto-, semi-. Você viu bem, esses prefixos exigem hífen quando se juntam a palavras iniciadas por vogal, h, r e s. Vamos a alguns exemplos de palavras em que será empregado o hífen, pela ordem dos prefixos: infra-estrutura, intra-uterino, ultra-sensível, supra-renal, extra-oficial, pseudo-revolucionário, neo-republicano, auto-análise, semi-analfabeto. Cuidado com "extraordinário", que é exceção, ou seja, não recebe hífen.
Veja casos em que não será empregado o hífen: infravermelho, intramuscular, ultramarino, contrafilé, supracitado, extrajudicial, pseudoprofeta, neoliberal, autocontrole, semifinal.
Agora vamos aos prefixos que pedem hífen apenas quando se juntam a palavras que começam por h, r ou s. Repito: h, r ou s; vogal, não. Os prefixos mais usados desse grupo são: anti-, ante- e arqui-. Vamos a alguns exemplos de emprego do hífen com esses prefixos: anti-séptico, anti-herói, ante-sala, arqui-rabino. Agora, exemplos de palavras sem hífen: anticristão, antediluviano, anteontem, arquiinimigo, arquidiocese. 
Veja agora os prefixos que só exigem hífen quando se juntam a palavras que começam por h e r: inter-, hiper- e super-. Vamos aos exemplos: inter-regional, inter-humano, hiper-raivoso, hiper-hidrose, super-homem, super-rápido. Sem hífen: interurbano, interplanetário, interestadual, hiperacidez, hiperativo, hipersensível, supermercado, superatleta, superamigo.
O prefixo "sub-" só exige hífen quando se associa a palavra que começa por r ou b: sub-base, sub-bibliotecário, sub-região, sub-ramo. Agora, sem hífen. Prepare-se para os choques: suboficial, subdelegado, subchefe, subgerente, subsolo, subterrâneo, subaxilar, subestimar.
Mais um choque: você percebeu que nessa lista não há a letra h. Isso quer dizer que não há hífen. Então deve-se escrever "subhumano"? Não. Você escreve "deshonesto"? O h some. Então escreva "subumano", "subepático", "suborizontal".
Sei que essas regras de uso do hífen com os prefixos são um pouco massacrantes. Algumas delas têm explicação a partir de fatores variados, que um belo dia poderemos discutir. O que importa agora é descobir que há um critério.
Tente memorizar essa tabela. É mais fácil por grupos de prefixos, como expus na coluna. Na pior das hipóteses, vale sempre consultar um dicionário.
Podemos ainda falar do hífen nas palavras compostas, como guarda-chuva, couve-flor etc. Mas isso fica para outra oportunidade.
"A quantidade de pessoas que..." 10/11/2000
Que atire a primeira pedra aquele que nunca balançou na hora de fazer a concordância verbal! Pois é de alguns desses casos embaraçosos de concordância que vamos tratar.
O primeiro deles está no título. O que fazer com os dois verbos que virão? Sim, dois verbos, já que temos a presença do pronome relativo "que". Pois é justamente esse "que" o elemento que nos pode ajudar a compreender o mecanismo de concordância. A quem ele se refere? Quem ele susbtitui?
Vamos pensar. Suponha que se queira dizer que algumas pessoas sofrem de determinada doença. Suponha também que se queira dizer algo a respeito da quantidade dessas pessoas. Pode-se dizer, por exemplo, que a quantidade é alta ou baixa, que a quantidade aumenta ou diminui, que a quantidade é expressiva ou insignificante. Agora pense nesta frase: "A quantidade de pessoas que sofrem de câncer de pele é cada vez maior". Por que um verbo está no singular ("é") e outro está no plural ("sofrem")? Por que "é" se refere a "quantidade", e "sofrem" se refere a "pessoas". Afinal, é a quantidade que é cada vez maior, e são as pessoas que sofrem de câncer.
É como se se dissesse o seguinte: "Pessoas sofrem de câncer de pele"; "A quantidade dessas pessoas é cada vez maior". Somando tudo, temos: "A quantidade de pessoas que sofrem de câncer de pele é cada vez maior". Percebeu? O pronome relativo "que" retoma "pessoas", portanto o verbo que o segue deve ficar no plural. Conclui-se, pois, que não faria sentido o emprego de "sofre" ("A quantidade de pessoas que sofre de câncer..."), uma vez que não é a quantidade que sofre. Definitivamente, se são as pessoas que sofrem, o verbo "sofrer" só pode ser empregado no plural.
Há casos em que a concordância é optativa, como se vê nesta frase: "O ministro da Saúde deverá receber esse grupo de médicos gaúchos, que apóia/apóiam o plano do governo". O pronome "que" pode retomar "médicos gaúchos" ou "grupo". Se a forma adotada é "apóiam", a concordância se faz com "médicos gaúchos". Afirma-se que há um grupo formado por médicos gaúchos, os quais apóiam o plano do governo. Se a forma adotada é "apóia", a concordância se faz com "grupo". Afirma-se que há um grupo formado por médicos gaúchos; esse grupo apóia o plano do governo. 
Outra estrutura que merece cuidado é esta: "É nessas horas que se conhece o verdadeiro amigo". A proximidade do verbo inicial com a expressão "nessas horas" pode induzir o falante a conjugá-lo no plural. De fato, é comum ouvirmos "São nessas horas que...". A forma correta é mesmo "é": "É nessas horas que..."; "É para essas pessoas que o governo deve trabalhar"; "É delas que eu preciso". 
O que temos aí é a expressão "é (...) que", com valor enfático, isto é, de realce. Usamos a expressão para enfatizar, para destacar o que queremos afirmar. Note que é possível eliminar essa expressão, o que exige, em certos casos, que se reordene a frase: "Nessas horas se conhece o verdadeiro amigo"; "O governo deve trabalhar para essas pessoas"; "Eu preciso delas". Percebeu? 
Em outros casos, as duas palavras que formam essa expressão vêm em seqüência, como na letra daquela famosa canção popular ("Só nós dois é que sabemos...") ou em frases comuns no dia-a-dia ("Eu é que sei quanto me custa fazer isso"). Percebeu? Usada com valor enfático, a expressão "é que" é invariável. Portanto nada de "São nessas horas que se vê..." ou "São dessas medidas que o país precisa", ou ainda "São com essas propostas que o partido vai ganhar a eleição".Vamos corrigir: "É nessas horas que se vê..."; "É dessas medidas que o país precisa"; "É com essas propostas que o partido vai ganhar a eleição".
Para terminar, um caso interessante. A frase foi dita por um governador: "Fui um dos governadores que compareci...". Haja vontade de auto-exaltação! Em termos estilísticos, a forma "compareci" é compreensível. O falante não leva em conta o papel do "que", que retoma "governadores", e não opta pela forma "compareceram", exigida pelo rigor gramatical. Prefere enfatizar o termo com o qual faz o verbo concordar ("eu", no caso). A dúvida é saber se, em tempos de "politicamente correto", a melhor opção é fazer sobressair de forma tão veemente o "eu". Com a palavra, o leitor (ou será o eleitor?).
O plural de gravidez, fax, córtex... 17/11/2000
É grande a quantidade de leitores que escrevem para tentar eliminar dúvidas que, em muitos casos, são mais curiosidades do que dúvidas propriamente ditas.
Um dos campeõesdos leitores é o plural de "gravidez". Talvez levados pelo fato de "gravidez" ser palavra feminina, muitos perguntam se o plural não seria "gravidezas". Não é. O plural de "gravidez" é feito como o de qualquer palavra terminada em "z", ou seja, com o acréscimo de "es": raiz/raízes, juiz/juizes, giz/gizes, luz/luzes, noz/nozes, capaz/capazes, feliz/felizes, capuz/capuzes, voz/vozes, cruz/cruzes. O plural de "gravidez", portanto, só pode ser "gravidezes": "Suas duas gravidezes foram absolutamente calmas".
Aparentemente, o plural das palavras terminadas em "s" segue o mesmo caminho, ou seja, é feito com o acréscimo de "es". Mas não é bem assim. Recebem a terminação "es" os monossílabos tônicos e as oxítonas terminadas em "s": gás/gases, mês/meses, país/países, rês/reses, lilás/lilases, norueguês/noruegueses. São exceções "cais" e "xis" (nome da letra "x"), invariáveis. "Cós" admite dois plurais: "cós", mais comum hoje em dia, e "coses", em desuso. Já as paroxítonas e as proparoxítonas terminadas em "s" são invariáveis: o pires/os pires, o atlas/os atlas, o ônibus/os ônibus, o lápis/os lápis, o ourives/os ourives, o bônus/os bônus.
Outra palavra cujo plural freqüenta a lista das dúvidas dos leitores é "fax". Qual é o plural, afinal? É "fax" mesmo? Ou é "faxes"? Palavras que terminam em "x" em geral têm forma única para singular e plural, o que, nos dicionários, costuma ser indicado com os sinais "2 n" (que significa "dois números", ou seja, plural igual ao singular): o tórax/os tórax, o ônix/os ônix, a fênix/as fênix. O plural de "fax" é "fax" mesmo: "Mandei-lhe um fax"; "Mandei-lhe cinco fax".
Mas nem tudo é um mar de rosas quando se trata de "x". Palavras terminadas em "ex" e "ix", como córtex, códex,índex, látex, cálix, apêndix (algumas delas em desuso), possuem formas paralelas (córtice, códice, índice, látice, cálice, apêndice). É aí que está o problema. Há quem defenda a tese de que o plural dessas formas terminadas em "x" deve ser feito a partir da forma paralela, ou seja, o plural de "córtex" seria "córtices"; o de "códex" seria "códices" e assim por diante. Há quem diga que a forma terminada em "x" vale tanto para o plural quanto para o singular, ou seja, seria possível dizer (e escrever) "o cálix/os cálix", "o apêndix/os apêndix".
Na última edição do dicionário "Aurélio" ("Novo Aurélio Século XXI"), não há uniformidade para esses casos. Diferentemente do que ocorria na edição anterior, em que só se indicava "2 n" para "látex" e se dava como plural das demais o plural da forma paralela (com exceção de "apêndix", sobre cujo plural nada se dizia), na edição atual há a indicação "2 n" para "apêndix", "cálix", "códex", "índex" e "látex". Em "cálix", "códex" e "índex", indica-se que o plural mais comum é o feito pela paralela. Em "látex" e "apêndix", não se faz referência ao plural pelo da forma paralela. Já em "córtex", nem a indicação "2 n" aparece; o único plural recomendado é o da paralela ("córtices").
No "Vocabulário Ortográfico", a coisa não melhora muito. Em "córtex" e em "índex", há a indicação "2 n", com a opção do plural pelo da paralela; em "códex" só se dá como plural "códices"; em "cálix", "látex" e "apêndix", silêncio total sobre o plural. Ufa! Haja fôlego!
Como se vê, a combinação do dicionário "Aurélio" com o "Vocabulário Ortográfico", nesse caso, é o caminho para a escuridão plena. Depois dizem que é fácil a vida de professor de português. Cá entre nós (e que ninguém nos ouça): em vez dessa ginástica toda, não seria melhor dizer que as formas terminadas em "x" valem tanto para o plural quanto para o singular e que, no caso das que têm forma paralela, haveria a opção de fazer o plural pelo da forma paralela? Não seria mais simples? Quem dera!
Ao invés de, em vez de... 24/11/2000
No cimo das listas de dúvidas dos leitores, está a diferença entre "ao invés de" e "em vez de". Essas expressões, perigosamente parecidas, são equivalentes? De acordo com dicionários e gramáticas, não há equivalência entre essas locuções no uso culto. "Invés", que vem de "inverso", significa "lado oposto", "avesso". A expressão "ao invés de" significa "ao contrário de", "ao revés de". Posto isso, conclui-se que, para usar "ao invés de", é preciso que essa locução estabeleça relação de plena oposição entre as partes conectadas: "Disseram-me que ele era perdulário. Ao invés disso, mostrou-se absolutamente sovina". "Sovina" ("avarento", "avaro", "sordidamente apegado ao dinheiro") é antônimo de "perdulário" ("gastador", "esbanjador", "dissipador", "pródigo").
Já "em vez de" significa "em lugar de": "Em vez de construir e equipar hospitais e escolas, o governo prefere socorrer bancos envolvidos em operações suspeitas". Note que nessa frase não seria possível empregar "ao invés de", já que "construir e equipar hospitais e escolas" não é antônimo literal de "socorrer bancos envolvidos em operações suspeitas".
Você viu a palavra "cimo" no início do segundo parágrafo? O que é isso? De acordo com o "Aurélio", "cimo" é "a parte superior de um objeto elevado"; "o alto das coisas". Lembra-se de que foi realizada no Rio de Janeiro, no ano passado, uma certa "cimeira"? "Cimeira" vem de "cima", ou seja, também se liga à idéia de ponto mais alto. No caso, a tal da "cimeira" nada mais é do que uma reunião de cúpula.
E o que significa "pródigo", que, no segundo parágrafo, citei como sinônimo de "gastador"? O que é, afinal, o filho pródigo? Por que, no famoso provérbio, o filho pródigo volta para casa? Porque se arrepende? Porque fica com saudade dos pais? Porque é bonzinho? Nada disso. Volta para casa porque, por ser pródigo, ou seja, gastador, esbanjador, fica sem dinheiro, fica "numa prontidão sem fim", como dizia Noel Rosa naquele memorável samba ("Filosofia"). "Prontidão", no caso, é "falta de dinheiro". Só lhe resta (ao filho) a alternativa de voltar para casa, rabo entre as pernas, murchinho, murchinho.
A frase "O filho pródigo a casa torna" (sem acento indicador de crase no "a", o que poderemos discutir um belo dia) é de uma parábola do Evangelho, em que um rapaz, depois de gastar toda a herança que o pai lhe antecipara, vê-se obrigado a voltar ao lar paterno. No dia-a-dia, a expressão "filho pródigo" é usada, impropriamente, no lugar de "filho bom", "filho maravilhoso", "filho prodígio" etc.
E por que, no quinto parágrafo, juntei o "por" e o "que", nas passagens "Porque se arrepende?", "Porque fica com saudade dos pais?" e "Porque é bonzinho?", ao falar dos possíveis motivos da volta do filho pródigo? Se são perguntas, com ponto de interrogação e tudo, por que juntar? Juntei porque não estava perguntando o motivo do arrependimento do filho, nem o da saudade que ele tem dos pais, muito menos o de ser bonzinho. A pergunta era outra: por que voltou para casa? Perguntei se o arrependimento, a saudade e a bondade são os possíveis motivos, as possíveis explicações dessa volta. Percebeu? Não faz muito tempo que tratei desse caso, mas sempre é bom repetir. 
Bem, vamos voltar às expressões perigosamente parecidas. Outro par delas é formado por "de encontro a" e "ao encontro de". Em tempo de eleições, por exemplo, muitas frases em que "de encontro a" assumirá o lugar de "ao encontro de". Muita gente diz que votará em alguém porque seu projeto político "vem de encontro aos meus interesses". Haja vontade de sofrer! Só se vota em alguém que apresente propostas que venham ao encontro dos interesses da população, nunca de encontro a esses interesses.
Já percebeu a diferença? A expressão "de encontro a" indica choque, oposição, contradição: "A proposta dele vem de encontro aos nossos interesses, por isso não podemos aceitá-la". Já "ao encontro de" transmite idéia de favorecimento, aceitação, concordância: "A proposta dele vem ao encontro dos nossos interesses, por isso vamos aceitá-la". 
Distraídos (ou desconhecedores da língua), muitos políticos só são sinceros quando estão em campanha: "Tenho certeza de que meus projetos vão de encontro aos interesses do povo". Vão mesmo. E vão ao encontro de interesses pessoais

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