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A Chegada dos Paulistas nas Terras Acreanas

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A chegada dos “paulistas” nas terras acreanas 
 
A partir da década de 1970, o Acre integrou os programas desenvolvimentistas e 
integracionistas planejados pelo governo federal com o apoio das autoridades do Estado. 
Como em outras regiões amazônicas, a “segunda conquista” aumentou a pressão territorial 
e teve consequências dramáticas para as populações indígenas. As políticas oficiais foram 
facilitadas pela construção da rodovia BR 364, Brasília - Cuiabá – Porto Velho, 
prolongada, em 1968, para Rio Branco e atingiram o Acre e suas populações através da 
frente de expansão da economia agropecuária. Aproveitando-se de vantagens fiscais e da 
crise da borracha, importantes grupos industriais e financeiros do sul do país compraram a 
preços módicos as terras dos seringais em falência para transformá -las em pastos 
destinados à criação de gado, recuperando também parte da mão de obra seringueira e 
indígena, que trabalhava na economia extrativista decadente. Na década de 1970, os 
“paulistas”, termo pelo qual esses novos colonos originários do sul do Brasil e seus 
representantes passaram a ser definidos pelos regionais, apresentam-se como os novos 
“civilizadores” do Acre, vindos para desenvolver e integrar a região ao resto do país, 
trazendo o progresso e a prosperidade a essas terras ainda consideradas “selvagens”. Para 
eles, o caráter étnico da mão de obra é secundário. O essencial é dispor de uma força de 
trabalho nas tarefas de desmatamento e nas fazendas emergentes, ou seja, transformar os 
seringueiros e os índios em peões (Valle de Aquino 1977). Após a economia extrativista da 
borracha, essa segunda frente de expansão da sociedade nacional em território acreano 
caracterizou-se por enormes desmatamentos, conflitos acirrados e violências extremas na 
luta pela terra. Os “paulistas” compraram muitos seringais com títulos falsificados e o 
processo de concentração fundiária no Estado cresceu. Para “limpar” as áreas de seus 
ocupantes indígenas ou seringueiros, os novos colonos recorreram freqüentemente à 
métodos radicais: ameaças, queima de casas, contratação de jagunços, assassinatos, etc. 
Sob a pressão dos “paulistas”, muitos seringueiros foram expulsos para seringais 
bolivianos, para as periferias das cidades ou simplesmente incorporaram o trabalho de 
desmatamento e as atividades agrícolas nas fazendas dos novos patrões. O Vale do Purus 
foi a região acreana mais atingida pela implantação da pecuária extensiva. Segundo Arnt e 
Schwartzman (1992: 161), a pecuária foi responsável por mais de 85% dos desmatamentos 
no Estado. Com a multiplicação dos conflitos fundiários, nas décadas de 1970 e 1980, o 
Acre figurava tristemente como uma das regiões mais violentas do país. A luta dos “Povos 
da Floresta”: indigenismo e ambientalismo no Acre As primeiras organizações indígenas, 
assim como os primeiros sindicados de trabalhadores rurais que, em 1985, deram origem 
ao Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), apareceram em decorrência das violências 
dessa segunda fase de colonização do Acre. Frente às políticas desenvolvimentistas e à 
chegada dos “paulistas”, índios e seringueiros começaram a se organizar para defender 
seus direitos, principalmente, o direito à terra. O vale do rio Acre foi a primeira zona 
afetada pelos conflitos e os desmatamentos em grande escala que se intensificaram com a 
construção, entre 1971 e 1973, da BR 317, ligando Rio Branco à Assis Brasil. O primeiro 
empate20 ocorreu em 1976 no seringal Carmen, município de Basiléia. Os sindicatos de 
trabalhadores rurais nasceram na década de 1970 com uma forte participação de 
seringueiros que procuravam, ao mesmo tempo, se libertar do sistema do cativeiro e lutar 
contra os desmatamentos da economia pecuária, garantindo seu modo de vida e sua 
permanência na floresta.21 A forma pacífica dos empates não deve ocultar a violência dos 
conflitos. Além da figura emblemática de Chico Mendes, muitos outros seringueiros e 
sindicalistas foram assassinados durante essas lutas pela terra.22 Os povos indígenas 
acreanos também se mobilizaram, paulatinamente, em decorrência dessa “segunda 
conquista” e iniciaram novas formas de luta no campo político regional. A emergência e a 
consolidação do movimento indígena acreano devem ser situadas no contexto político mais 
amplo da afirmação étnico-política da indianidade que caracterizou as Américas a partir da 
década de 1970 (Morin 1992). No Brasil, o movimento indígena estruturouse, 
primeiramente a nível nacional e, posteriormente, regional e local, manifestando uma 
particularidade no contexto sul-americano. 23 Nesse fenômeno global de afirmação étnico-
política dos povos indígenas, o papel desempenhado por autores não índios foi 
fundamental. No caso do Acre, a regional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a 
Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre) foram os primeiros porta-vozes da causa indígena 
e deram o apoio necessário à organização do movimento. Através da regional Amazônia 
Ocidental, os missionários do CIMI, influenciados pela teologia da libertação, começaram 
a atuar no rio Purus, no Acre e sul do Amazonas, a partir de 1975, promovendo encontros 
entre grupos indígenas e desenvolvendo um trabalho de conscientização política junto às 
lideranças das comunidades. A CPI-Acre foi criada oficialmente em 19 de fevereiro de 
1979 por um grupo de acreanos oriundos da “sociedade civil”. Ela pertence a essa geração 
de ONGs que aspiravam à democratização do país, abafada pela ditadura militar, mas 
também possui uma forte ide ntidade acreana. Um dos principais fundadores da CPI-Acre 
foi o antropólogo Terri Valle de Aquino.24 As relações entre a CPI-Acre e o CIMI foram 
regularmente pautadas por conflitos e rivalidades, mas, nos momentos importantes de luta, 
as duas identidades souberam atuar em conjunto em favor dos direitos dos índios acreanos. 
Com a afirmação progressiva do movimento indígena, o CIMI e a CPI passaram a 
substituir seu papel inicial de porta-vozes por uma atuação de apoio logístico e de 
consultoria técnica. Formadas e apoiadas por essas organizações indigenistas, as primeiras 
lideranças indígenas do Acre emergiram no campo interétnico, reivindicando junto ao 
governo federal a demarcação de suas terras. Assembléias indígenas regionais 
organizaram-se periodicamente em Rio Branco a partir de 1982. Essas reuniões permitiram 
a diferentes povos indígenas do Acre confrontar suas respectivas situações, estabelecer os 
contornos de uma identidade genérica de “índio” para promover suas reivindicações 
territoriais. Ao contrár io dos estereótipos negativos que caracterizam a identidade 
“caboclo”, a “indianidade” é reapropriada positivamente pelos índios e essencialmente 
definida pela sua oposição ao “branco”, o não índio. A organização política dos índios 
acreanos fortaleceu-se em 1986, momento no qual as lideranças de diferentes povos, 
reunidas em Rio Branco durante a terceira assembléia indígena do Acre e do Sul- 
Amazonas, decidiram criar uma organização indígena regional: a União das Nações 
Indígenas do Acre e do Sul-Amazonas- UNI- Norte- (Valle de Aquino e Iglesias 1995). 
Com a aceleração do processo de globalização, surgiu um novo tipo de ator no cenário 
político internacional que vai se revelar um aliado de peso para as populações indígenas e 
seringueiras acreanas. A partir da década de 1980, as conseqüências da “segunda 
conquista” da Amazônia mobilizaram a mídia e sensibilizaram uma opinião pública 
preocupada com a destruição do meio ambiente e os problemas ecológicos planetários 
(desmatamentos, camada de ozônio, biodivers idade, etc). Nesse contexto, as organizações 
ambientalistas exerceram uma pressão crescente sobre as instituições financiadoras 
internacionais e reorientaram a política brasileira do desenvolvimento amazônico (Hurrel 
1992; Arnt e Schwartzman 1992; Little e Ribeiro 1996). Apesar de um peso demográfico 
pouco significanteem relação ao total populacional do país, os índios brasileiros 
beneficiaram-se do crescimento do movimento ambientalista internacional.27 A partir de 
meados da década de 1980, os índios da Amazônia gozam de uma visibilidade nunca 
alcançada e de um poder simbólico capaz de mobilizar as consciências coletivas e de 
colocar a comumente chamada “questão indígena” no centro dos debates sobre o futuro da 
Amazônia. Socializadas pouco a pouco nos mecanismos da política moderna, as lideranças 
indígenas contraíram alianças originais com novos parceiros (ONGs ambientalistas, 
seringueiros, empresas “verdes”, etc.). Através das organizações indígenas, indigenistas e 
ambientalistas, e beneficiando-se da midiatização de certas lideranças, os índios brasileiros 
prosseguiram suas lutas, integrando seus discursos à ideologia ambientalista dos novos 
projetos de desenvolvimento (Conklin e Graham 1995). No Acre, a crescente mobilização 
dos índios e a maior visibilidade dos problemas ambientais na Amazônia levaram o 
governo brasileiro a rever parcialmente os objetivos de sua política de desenvolvimento 
regional no âmbito do “Programa de Proteção ao Meio Ambiente e às Comunidades 
Indígenas”. Imposto por essa nova conjuntura que, pouco a pouco, sob o rótulo de 
“desenvolvimento sustentável”, buscará alternativas aos modelos de crescimento 
econômico predatórios, o PMACI integrou pela primeira vez preocupações ambientais no 
desenvolvimento acreano. Aprovado em 1985, o PMACI foi planejado após uma série de 
negociações entre o governo brasileiro e o Banco Interamericano de Desenvolvimento -
BID- que condicionou a liberação de um empréstimo de 147 milhões de dólares para a 
pavimentação dos 502 quilômetros da BR-364, no trecho Porto-Velho / Rio Branco à 
adoção de medidas efetivas de proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas. A obra 
de pavimentação garantia, pela primeira vez, uma ligação terrestre permanente e estável do 
Acre com o resto do país. Orçado em 10 milhões de dólares (40% financiado pelo BID e 
60% como contrapartida do governo brasileiro), o PMACI representava apenas 7% do 
valor total do empréstimo, mas incluia a criação de áreas protegidas e a demarcação de 
terras indígenas para evitar os desmatamentos em grande escala e os conflitos que 
caracterizaram a pavimentação da mesma rodovia no trecho Cuiabá / Porto Velho. As 
exigências do BID eram conseqüência direta das pressões de organizações ambientalistas 
internacionais que exerceram sua influência sobre parlamentares dos Estados Unidos 
(Valle de Aquino 1991). Durante a execução do PMACI, houve vários encontros entre o 
governo federal, o governo estadual, o BID, entidades civis e representantes dos 
movimentos sociais. Apesar das metas iniciais do Programa nunca terem sido alcançadas e 
dos resultados escassos, foi no contexto do PMACI que tanto o movimento indígena 
acreano, como o movimento dos seringueiros, adquiriram visibilidade política e poder 
inédito na região. As alianças entre índios, seringueiros e ambientalistas começaram a se 
estabelecer e se fortaleceram no âmbito do PMACI onde as propostas conjuntas ganharam 
projeção internacional. A partir de meados da década de 1980, o movimento indígena e o 
Conselho Nacional dos Seringueiros se aproximaram. Fundado em 1985 e dirigido por 
Chico Mendes, o CNS defendia a criação de Reservas Extrativistas, cuja idéia se baseava 
no conceito de “Terra Indígena”, adaptado a uma população não índia que habitava a 
floresta e usava seus recursos de uma forma não predatória. Convidado a participar da 
assembléia indígena da UNI-Norte em 1986, Chico 28 Sobre o PMACI, ver Valle de 
Aquino (1991) e Arnt e Schwartzman (1992: 159-176). Mendes e as lideranças indígenas 
entreviram interesses comuns e iniciaram as discussões sobre as modalidades de uma 
plataforma de reivindicações conjuntas, desenhando os contornos de uma aliança política 
interétnica. A repercussão internacional do assassinato de Chico Mendes, ocorrido em 
dezembro de 1988, precipitaram o acordo entre as representações nacionais da UNI e do 
CNS. O programa dessa aliança política entre índios e seringueiros, à qual se juntaram 
outras “populações tradicionais” da Amazônia (como, por exemplo, os chamados 
“ribeirinhos”), foi definido no “Io Encontro dos Povos da Floresta”, também “IIo Encontro 
Nacional dos Seringueiros”, ocorrido em Rio Branco de 25 a 31 de març o de 1989. Nesse 
evento, índios, seringueiros e ribeirinhos se aliaram, criaram uma identidade comum e 
definiram conjuntamente os objetivos a serem alcançados nas negociações com o Estado 
brasileiro e os organismos financiadores internacionais (Banco Mundial, ONGs 
ambientalistas, etc.). A “Aliança dos Povos da Floresta” foi lançada oficialmente no dia 12 
de maio de 1989 em São Paulo pelos representantes da UNI e do CNS, mas nunca se 
materializou numa organização conjunta. Ativada ou ignorada em função do contexto 
político e dos interesses dos envolvidos, ela foi progressivamente abandonada a partir de 
1993. Todavia, a “Aliança dos Povos da Floresta” constituiu um marco importante na 
história do indigenismo acreano, principalmente, na região do Alto Juruá. A “Aliança” 
surgiu e teve seu maior respaldo no Acre. Ela testemunha, não apenas a capacidade de 
resistência das populações indígenas frente às políticas integracionistas e assimilacionistas 
do Estado-nação, mas também a criatividade e o dinamismo das recomposições identitarias 
contemporâneas. A “Aliança dos Povos da Floresta” superou as fronteiras étnicas e fez dos 
temas ecologistas o seu pendão. Seu principal inspirador, o líder seringueiro Chico 
Mendes, conquistou notoriedade internacional com o apoio dos movimentos 
ambientalistas. As reivindicações eram ao mesmo tempo baseadas na expressão de uma 
situação de exploração comum aos índios e aos seringueiros e alimentadas pela retórica da 
ideologia ambientalista internacional, adaptada e modelada às circunstâncias locais 
(Pimenta 2001). A “Aliança dos Povos da Floresta” é um exemplo desses novos 
movimentos sociais que Almeida (1994) chamou de “unidade de mobilização”. Essas 
unidades (“Povos da Floresta”, 29Embora ela tenha sido lançada oficialmente depois da 
morte de Chico Mendes, a idéia inspiradora e o fundamento ideológico da “Aliança dos 
Povos da Floresta” estavam muito ligados à personalidade do líder seringueiro. A morte de 
Chico, as disputas entre correntes políticas no seio do CNS para assumir sua sucessão e 
divisões internas no próprio movimento indígena levaram progressivamente ao fim da 
união. Estabelecida num momento histórico específico, a “Aliança dos Povos da Floresta” 
é um exemplo das variedades de estratégias que os povos indígenas podem construir para 
concretizar suas reivindicações. Ela foi um instrumento político de reação ao contexto 
histórico particular imposto pela “segunda conquista” do Acre e, de maneira mais 
abrangente, da Amazônia. Na “Aliança dos Povos da Floresta”, o local se articulava com 
redes globais. A criação dessa identidade comum visava satisfazer reivindicações 
específicas (demarcação de Terras Indígenas, criação de Reservas Extrativistas, etc.), mas 
também influenciar a política amazônica do governo brasileiro e orientá-la com a nova 
ideologia do “desenvolvimento sustentável”. Para um observador externo, a “Aliança dos 
Povos da Floresta” pode parecer em larga medida surpreendente, sobretudo, se 
consideramos que as relações entre índios e seringueiros foram historicamente conflituosas 
no Acre. Todas as sociedades indígenas da região sofreram, direta ou indiretamente, os 
impactos da chegada dos seringueiros no auge da borracha. Os conflitos pela ocupação do 
território foram extremamente violentos e deixaram profundas cicatrizes na memória dos 
diferentes povos indígenas. Hoje, para os índios, apesar das afinidades estabelecidas no 
tempo da “Aliança”, os seringueiros não deixam de ser representantesdo mundo dos 
brancos. Do mesmo modo, os seringueiros, geralmente, continuam vendo os índios como 
“caboclos em via de civilização”. Todavia, quando as circunstâncias históricas e os 
interesses envolvidos na situação interétnica exigem, os estereótipos e os conflitos podem 
se dissimular sob uma identidade comum. Sem dissolver as diferenças e as peculariedades 
de cada componente, a “Aliança dos Povos da Floresta” encontrou vários pontos de 
similitude na situação de exploração vivida pelos índios e os seringueiros e soube criar um 
consenso ideológico para se transformar num instrumento político eficaz na luta dessas 
populações. A característica desses últimos anos reside na proliferação de associações 
indígenas locais que se multiplicaram após a Constituição de 1988, que em termos legais 
representou um avanço significativo para os povos nativos do Brasil. A multiplicação 
dessas associações locais é um fenômeno comum no movimento indígena brasileiro, 
principalmente, na Amazônia (Albert 1997; Ramos 1998). O levantamento que pude 
realizar em agosto de 2000 revelou a existência de 20 organizações indígenas, apenas na 
região do Vale do Juruá acreano. Geralmente de composição étnica ou pan-étnica, todas 
essas associações se esforçam, com o apoio de vários parceiros (ONGs nacionais ou 
internacionais, instituições públicas, empresas privadas, etc.), para defender os direitos 
políticos das comunidades indígenas que elas representam e tentam implantar programas 
de desenvolvimento sustentável, de educação e de saúde. A UNI-Norte continua 
expressando uma identidade regional de “índio” baseada numa solidariedade pan-étnica 
dirigida principalmente ao “branco”, o “não índio”. No entanto, para os diferentes povos 
indígenas, a especificidade étnica não se dissolve nessa “indianidade” genérica e 
homogeneizadora que é essencialmente considera da um instrumento político podendo ser 
mobilizado nas relações entre índios e brancos em função da situação histórica. Como a 
“Aliança dos Povos da Floresta” não diluiu as especificidades de seus componentes, as 
diferenças entre os grupos indígenas se reve lam no seio da UNI-Norte e podem se 
materializar em rivalidades e conflitos entre associações, povos e lideranças. Nos últimos 
anos, a ideologia do “desenvolvimento sustentável” investiu a política oficial do Estado do 
Acre. Com o Amapá, o Acre se distingue hoje no contexto amazônico pela atenção 
concedida às questões ambientais. Eleito em 1998 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o 
governador do Estado, Jorge Viana, criou seu programa político em torno desse conceito 
de “desenvolvimento sustentável” que, idealmente, se propõe a associar o crescimento 
econômico com a proteção do meio ambiente e das populações tradicionais que nele 
habitam. Em parte oriundo das lutas políticas da década de 1980, a nova equipe 
governamental se autoproclamou “Governo da Floresta” e mostrou um interesse inédito 
pelas “populações tradicionais” (índios e seringueiros). Mesmo se essas iniciativas 
estaduais ainda permanecem tímidas e pecam, às vezes, por preconceitos ou imagens 
românticas em relação aos índios, a vontade política do atual 30 Para uma caracterização e 
uma listagem das associações indígenas da região amazônica, ver Albert (2000). Entre as 
associações indígenas mais ativas e estruturadas do Acre, podemos citar a APIWTXA 
(Associação dos Ashaninka do Rio Amônia), a ASKARJ (Associação dos seringueiros 
Kaxinawá do rio Jordão) e a OAEYRG (Associação dos agricultores extrativistas 
Yawanawá do rio Gregório). Os “sem história” também investiram aos poucos a vida 
política local. A participação indígena nas últimas eleições municipais de outubro de 2000 
foi inédita. Dos 23 candidatos indígenas, 7 foram eleitos vereadores e, pela primeira vez na 
história do Estado, um índio assumiu o cargo de Vice-Prefeito (Iglesias 2000). Se a 
afiliação dos índios a diferentes partidos políticos traz muitas questões e contribui para 
alimentar os conflitos internos ao movimento indígena, o fenômeno também expressa um 
desejo crescente da população indígena em participar nas tomadas de decisões da gestão 
municipal. Apesar das inúmeras dificuldades e da heterogeneidade das situações de cada 
comunidade, de uma maneira geral, os resultados obtidos pelo movimento indígena no 
Acre nessas duas últimas décadas são surpreendentes. A luta pela terra foi a primeira 
reivindicação dos povos indígenas do Acre e talvez seja em relação às questões territoriais 
que podemos avaliar com mais segurança os avanços realizados pelo movimento indígena 
regional. Até meados de 1970, a FUNAI estava ausente da região e os índios não 
dispunham de nenhuma terra reconhecida pela União. Revitalizando suas culturas, eles 
conseguiram arrancar do Estado brasileiro o reconhecimento de parte de seus territórios 
ancestrais e se afirmam como verdadeiros sujeitos políticos, desejosos de decidir sobre seu 
próprio futuro. O Acre possui, hoje, 28 Terras Indígenas que se encontram em diferentes 
fases de egulamentação administrativa e que representam um total de 2.167.146 hectares, 
ou seja, 14,3% da superfície total do Estado (Valle de Aquino e Iglesias 1999: 6). A essas 
Terras Indígenas poderíamos também acrescentar outras áreas protegidas: Reservas 
Extrativistas, Parque Nacional da Serra do Divisor, Floresta estadual, etc. Todas essas 
áreas são fruto das lutas políticas destas últimas décadas e das alianças entre índios, 
seringueiros e ambientalistas. Essas terras protegidas se concentram, sobretudo, no Alto 
Juruá, considerada uma das regiões de mais rica biodiversidade do planeta. No Acre como 
em outras regiões amazônicas, ao longo das últimas décadas, os povos indígenas 
mostraram uma dinâmica inédita para reverter a seu favor as vicissitudes da conquista e do 
contato interétnico. Após terem sido reduzidos a meros objetos da história etnocêntrica dos 
brancos, que os condenou precipitada e preconceituosamente à extinção e assimilação, os 
índios do Acre reivindicam hoje sua etnicidade e se apresentam como verdadeiros sujeitos 
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