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Miranha - Povos Indígenas no Brasil


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Miranha - Povos Indígenas no Brasil
O povo Miranha aparece, na história indígena, como uma espécie de anti-herói.
Considerados como "bárbaros" e "antropófagos" pelos naturalistas, seus chefes
ficaram conhecidos por vender aos brancos prisioneiros inimigos, membros de
hordas rivais, ou mesmo seus próprios(as) filhos(as). O impacto das frentes dos
Estados nacionais do século XX, no entanto, submeteu seus descendentes
enquanto grupos etnicamente estigmatizados.
Nome e língua
Porto dos Miranhas, rio Japurá. Imagem: Spix e Martius, século XIX.
O termo Miranha foi empregado na sociedade colonial como um classificador
genérico, que englobaria tribos inimigas, cuja linguagem não seria mutuamente
comprensível.
A língua Miranha é considerada uma variante muito próxima da língua Bora,
que faz parte de um conjunto de línguas estreitamente aparentadas entre si, o
qual, por sua vez, integra-se à família à qual pertence a língua Uitoto.
A língua Miranha não é utilizada de modo corrente entre os Miranha brasileiros,
cuja comunicação é estabelecida em português, ainda que se encontrem no
Brasil antigos falantes desta língua e seus descendentes. Eles sabem que existem,
na Colômbia, grupos Miranha que mantêm a comunicação em língua nativa. No
Brasil, alimentam um antigo interesse de intercâmbio com os Miranha
http://img.socioambiental.org/d/225774-1/miranha_2.jpg
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colombianos, afirmando que desejariam "trazer de lá um professor que pudesse
ensinar a língua Miranha" na escola.
No entanto, como os conflitos fronteiriços são constitutivos das nacionalidades
de "brasileiro" e "colombiano" em âmbito local, acentua-se o caráter contrastivo
das identidades de "Miranha brasileiro" e "Miranha colombiano", criando
dificuldades para que este tipo de intercâmbio, que não é bem visto pela FUNAI
e outros atores locais, venha a se concretizar.
Localização
A existência de territórios indígenas Miranha foi reconhecida pelo Serviço de
Proteção aos Índios (SPI) no médio Solimões e Japurá desde as primeiras
décadas do século XX. A TI Méria (município de Alvarães, no médio Solimões,
AM) foi demarcada em 1929, por aquele órgão e foi homologada apenas em
1993. A TI Miratu (município de Uarini, no médio Solimões, AM) foi demarcada
em 1982, pela FUNAI, e homologada em 1991. A delimitação da TI Cuiú-Cuiú
(município de Maraã, no Japurá, AM) foi oficialmente reconhecida em 1998 e
homologada em 2003, sendo sobreposta à Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Amanã, contígua à RDS Mamirauá.
A existência deste povo preexiste às fronteiras nacionais, e, nos dias de hoje,
seus representantes vivem não só no Brasil, mas também na Colômbia, onde se
registravam em 1988 cerca de 600 Miranha, 600 Bora e 1.900 Witoto. No Peru,
vivem cerca de 2.000 índios Bora e 1.000 Witoto. Embora os Miranha do Brasil
e Colômbia não estejam em contato direto, a sua proveniência comum os leva a
se considerar como um mesmo povo.
População
As unidades populacionais Miranha não são fechadas, mas redes sociais móveis,
dentro de um processo dinâmico de interações. A demarcação de terras não
significou para este povo a fixação em territórios isolados: eles estão inseridos
no circuito rural-urbano tanto em termos de seus "negócios" (venda de farinha
de mandioca, castanha, frutas e peixe), quanto na busca de serviços - sobretudo
saúde e educação.
Verifica-se na TI Miratu uma oscilação de população desde os registros da
década de 1980. Em 1982, a TI Miratu registrava 282 residentes. Em 1985, ano
da demarcação, ali viviam 350 pessoas, tendo este número se retraído, em 1989,
para 262 pessoas. Em fevereiro de 99 foram computados pela UNI-Tefé 290
pessoas no Miratu. A TI Méria contava em 1982 com 77 pessoas, tendo este
número decrescido, segundo dados da UNI-Tefé para a atual população de 26
pessoas. Em parte, este decréscimo ocorreu por conflitos internos que
implicaram cisões. Quanto à TI Cuiú-Cuiú, verificou-se o inverso. Em 1989,
apenas três de seus moradores identificavam-se como Miranha. Em 1998, a
UNI-Tefé contou 150 pessoas, em em 1999, 297 pessoas. Este crescimento não
pode ser entendido em termos de crescimento vegetativo ou por imigração, mas
pelo fato de um número significativo de moradores terem assumido a
identidade Miranha, mobilizando-se organizadamente pela demarcação das
terras do Cuiú-Cuiú e valorizando positivamente esta identidade étnica.
Segundo levantamento da UNI-TEFÉ, em fevereiro de 1999 os Miranha
somavam uma população total de 613 pessoas. Este número subiu para 836 em
2006 segundo a Funasa.
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3766
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3766
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3768
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3768
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/4030
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/4030
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Witoto
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Witoto
Histórico do contato
Imagem: Spix e Martius, século XIX.
A presença Miranha passou a ser mais sistematicamente observada a partir dos
viajantes naturalistas. Nos relatos desses viajantes, os tuxauas (chefes ou
"principais") Miranha ficaram conhecidos por vender aos comerciantes de Tefé
escravos de "tribos" inimigas e também os seus próprios filhos. Os escravos eram
adquiridos para servir como mão-de-obra às famílias de Tefé, e as mulheres, em
geral, eram transformadas em concubinas. Os Miranha participavam, assim, das
relações mercantis da sociedade colonial, inclusive da "venda de escravos",
freqüentemente trocados por ferramentas de trabalho.
Eles, porém, mantinham seu território tradicional, visto como "terra de
ninguém" disputada pelos Estados coloniais, como notou Martius no relato de
sua viagem de 1820 até a cachoeira de Araraquara, no alto rio Japurá, ou
Caquetá, no atual território colombiano. Os Miranha que Martius ali encontrou
viviam no que parecia ser seu hábitat tradicional fazia muito tempo. Aos olhos
do naturalista, as tribos próximas viviam em constante estado de guerra, e
marcavam-se com traços distintivos, pelos quais se reconheciam, ao encontrar-
http://img.socioambiental.org/d/225787-1/miranha_3.jpg
http://img.socioambiental.org/d/225787-1/miranha_3.jpg
se a sós ou em bandos, em suas caçadas. Segundo Martius, os Miranha
desfiguravam o rosto furando as narinas e nela enfiando cilindros de pau ou
conchas. Como resultado teriam como traço distintivo o alargamento das
narinas. O "trocano", grande tambor talhado em um só tronco de madeira, era
utilizado como instrumento de comunicação à distância.
O naturalista destacou o seu costume de comer os inimigos mortos em guerra.
Mas começavam a dar preferência a vender os prisioneiros, como lhe revelou
um chefe conhecido e temido, não só entre os Miranha, mas em toda área, por
sua coragem de escravizar inimigos tanto dentro de sua própria tribo quanto nas
vizinhas e pela capacidade de negociá-los com os brancos. Sua supremacia teria
sido conquistada neste comércio com os brancos, que ele controlava em nome de
todos, e fazia valer entre os companheiros de sua tribo.
Impactos da borracha
Sobreviventes da expansão comercial, a exploração da borracha atingiu
duramente os Miranha. Koch-Grünberg, no início do século XX, quando visitou
o Japurá e o Apaporis, descreveu aldeias abandonadas por medo dos
colombianos, nas quais se noticiava que muitos Miranha tinham sido mortos no
seu território tradicional, o rio Cahuinari, no divisor de águas entre o Caquetá e
o Putumayo; região disputada então entre Colômbia e Peru. A violência e o
terror se difundiram pela Amazônia. Muitos Miranha foram transportados pelo
Japurá, para rios como Purus, Juruá, Jutaí, para trabalhar na extração da
borracha.
O genocídio cometido pela Casa Arana, companhia gomífera peruana cujos
principais acionistas viviam na Inglaterra, foi largamente denunciado na
imprensa da época, e documentado pela etnologia. Foram registrados, todavia,atos de resistência Miranha, os quais podem ser cotejados com a sua memória
social. O percurso Miranha pelo Japurá é lembrado, em depoimentos de
testemunhas indígenas e seus descendentes, como uma fuga dos "colombianos
matadores de índios". Segundo estudos colombianos atuais, a rede dos
exploradores da mão de obra indígena perpassava todo o campo político
colombiano, tendo sido o próprio presidente da Colômbia, Rafael Reyes
(1904-1909), acusado de "traição à Pátria" em um processo criminal contra
caucheiros colombianos, que com ele travavam ligações e que teriam
"arrendado" território considerado colombiano à companhia peruana.
Operações mercantis também envolveram o Brasil, conforme registrou-se em
documentos consulares depositados no Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio
de Janeiro.
Pairava sobre o governo brasileiro a acusação de que era conivente com o
"tráfico", ou transporte clandestino, de índios Miranha para o trabalho escravo
nos seringais brasileiros. Apesar de denúncias, na Colômbia, de participação do
governo brasileiro em negócios escusos, as relações diplomáticas do Peru e da
Colômbia com o Brasil eram amistosas, sobretudo pelo acesso ao Atlântico
através do rio Amazonas, aberto à navegação internacional desde 1873.
Primeiras demarcações
Em 1929, o SPI reconheceu as terras indígenas Méria e Miratu, e demarcou a
primeira. Este ato constituía um contra-discurso face às denúncias de que
comerciantes "traficavam" escravos Miranha, e à demanda, por parte de
colombianos, de seu "repatriamento". Os marcos da fronteira Brasil-Colômbia
foram firmados em 1936, menos de uma década depois do reconhecimento dos
territórios Miranha. O Estado brasileiro demonstrava reconhecer os direitos de
cidadania daqueles que haviam sido transportados para o território brasileiro.
No rio Japurá, citado freqüentemente como passagem para negócios não
regularizados, o estado do Amazonas limitava-se a subvencionar uma linha
regular de navegação a vapor até o porto do Jubará, que era o ponto final do
comércio legalizado.
Últimas festas
As festas do passado, que supostamente duravam dias e noites consecutivos,
foram descritas pelos naturalistas com tintas horripilantes. Do ponto de vista da
"civilização", considerada como grau máximo a ser conquistado, eram
depreciados os hábitos "selvagens", as "brincadeiras" temperadas pelo gozo
desmedido da sensualidade, as demonstrações de força guerreira e de desafio
por parte do chefe e do grupo, transformado em um só corpo pela dança, as
cantigas desfilando nomes de animais ferozes. Também foram registrados, pelos
que conheceram os "antigos", o hábito das reuniões periódicas para discutir
guerra, caça e negócios, bem como o uso do "trocano" e do "lambe-tabaco", uma
pasta preparada com tabaco que circulava entre os homens reunidos, que a
lambiam para selar uma aliança ou uma decisão. Hoje, os mais velhos lembram
as danças e as festas com saudade, como um tempo em que viviam sem o medo
ou a vergonha do estigma associado a seu nome. Vêem os antepassados como
"outros", e dão suas razões por terem atenuado os antigos costumes, que no
entanto são mantidos vivos na memória e transmitidos dos mais velhos para os
mais novos.
Como de modo geral o índio era considerado inferior e constantemente
ludibriado, os Miranha mandavam seus filhos aprender a "língua do branco",
porque acreditavam que assim não seriam mais enganados. Com o passar do
tempo, as sucessivas gerações foram esquecendo a língua indígena e deixando
de praticar as antigas festas. Hoje guardam viva a lembrança dos conflitos,
mantendo com orgulho o que foi por eles conquistado. Atualmente, o fato de
serem cidadãos brasileiros não os impede de avivar as fronteiras étnico-
territoriais, que lhes garantem o acesso à terra e o direito a serem reconhecidos
como diferentes.
A formação das terras Miranha
Foto: Priscila Faulhaber, 1982
As terras indígenas Miranha estão localizadas às margens de lagos de águas
escuras, cuja vegetação, o araparizal, coberto durante as inundações, protege
seus domínios da entrada de intrusos indesejados. As atuais "aldeias" Miranha
consistem em conjuntos de agrupamentos residenciais à "beira" dos lagos e
igarapés, que não diferem muito de outros agrupamentos vizinhos não
reconhecidamente indígenas. Como estes, os Miranha vivem em palafitas,
conforme costume regional.
Afirmam os Miranha do Solimões que suas terras foram formadas, desde o
início, em áreas em que viviam índios de distintas "nações" indígenas.
Receberam o nome de Miranha, mas ali viviam indivíduos de diferentes
procedências étnicas, que fugiam do "trabalho forçado" das cidades, destacando-
se, entre outros, os Issé e os Maku.
Em um segundo momento, as terras Miranha foram procuradas por fugitivos da
exploração caucheira, forçados a deixar seu território tradicional na busca de
melhores condições de vida. Não eram unicamente Miranha, mas também
Uitoto, Carapanã e outros. Apesar disso, passaram a receber nome Miranha,
tanto por ser característico da etnia historicamente preponderante, quanto por
seus principais chefes assim serem denominados, entre os quais Trovão, Manoel
Alfredo, Mariano e Gregório Monteiro. Gregório Monteiro era chamado de
"Paisano" por ter sido retirado quando criança de seu solo tradicional e do
convívio dos parentes imediatos, e criado no trabalho do caucho entre os
peruanos. Deslocando-se para o Japurá, viveu inicialmente no Cuiú-Cuiú, e
posteriormente no Miratu.
http://img.socioambiental.org/d/225790-1/miranha_4.jpg
http://img.socioambiental.org/d/225790-1/miranha_4.jpg
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Maku
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Maku
Na localidade Jubará, no rio Japurá, ainda existe um antigo barracão, que foi
residência dos patrões e sede de uma "feitoria", no qual os intermediários
Miranha negociavam. O território Miranha, a atual TI Cuiú-Cuiú, formou-se na
área contígua, onde viviam estes intermediários e seus familiares, protegidos e
dependentes. Nos dias de hoje, não existem relações de exploração entre os
brancos do Jubará e os Miranha do Cuiú-Cuiú, pois tanto uns quanto outros
dependem dos regatões que os integram à rede de exploração e mercantilização
dos produtos extrativos.
Os mais velhos contam que existem varadouros, ou seja, caminhos terrestres no
meio da mata, entre o Miratu e a Méria, percorridos a pé desde os primeiros
tempos das formação destas terras indígenas. Os Miranha do Solimões
deslocavam-se por estes varadouros para participar de reuniões, festas e
disputas contra agentes externos, pela defesa e garantia de seus territórios, cujos
vizinhos foram forçados a respeitar. Embora os Miranha estabelecessem
relações com os comerciantes brancos, intermediadas pelos representantes do
SPI e dos próprios índios.
É muito comum, todavia, entre eles a aspiração de ter uma casa nos núcleos
urbanos vizinhos: Tefé, Alvarães ou Uarini. A tendência à urbanização dos
índios, porém, não resulta necessariamente na ruptura com os territórios
indígenas. Apesar da casa na cidade, continuam a fazer roças na terra indígena e
desenvolvem relações de troca com os parentes e afins que lá vivem,
hospedando as crianças que atingem o segundo grau e precisam estudar na
cidade. Em Tefé, encontram-se facilmente indivíduos que se reconhecem como
Miranha com parentes no Miratu, Méria, e outras comunidades não
reconhecidamente indígenas, como a "comunidade" Perseverança.
Os Miranha que moram nas cidades freqüentemente se referem a Miratu e
Méria como "minha aldeia", pois comerciam com os Miranha que ali habitam, e
"minha propriedade", alegando direitos sobre roças e capoeiras que dizem ainda
possuir naquelas áreas. Dizem também que têm plantações em outras áreas
rurais próximas a Tefé, o que gera conflitos quando aparecem outros que
também se dizem "donos". Na mesma rede de relações, indivíduos que se
reconhecem como aparentados dos Miranha afirmam ser descendentes de
Maku, Uitoto e Mura, dizendo que preferiram a vida na cidade a enfrentar os
conflitos e o trabalho penoso na lavoura.Organização indígena
A organização social das terras Miranha, nos dias de hoje, foi estruturada em
termos de uma chefia que vem atuando na mediação entre os interesses do
grupo e os interesses exógenos, como os comerciantes locais e extra-locais e
representantes da sociedade nacional. O chefe, conhecido como "tuxaua"
(terminologia da sociedade regional) ou "capitão" (terminologia da atual política
indigenista), é eleito pelos membros do grupo e exerce poder, sendo-lhe
atribuídos papéis de dominação, como "mandão" e "patrão". Sua margem de
atuação como mandatário de agências externas é limitada pela participação
política interna ao grupo, que o destitui caso não satisfaça os interesses dos seus
membros. Têm, assim, certa autonomia diante da FUNAI, da Pastoral
Indigenista e da própria União das Nações Indígenas, organismo que representa
os povos indígenas da região polarizada pela cidade de Tefé.
A chefia atua no sentido da constituição de formas de organização comunitária
que se distinguem de outras associações comunitárias não-indígenas locais. A
figura da "comunidade indígena", prescrita na Constituição de 88 como sujeito
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Mura
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Mura
de ação jurídica, confere-lhe uma virtualidade político-organizacional da qual as
outras associações locais parecem desprovidas. Esta virtualidade, no entanto,
está sujeita às circunstâncias e motivação particulares que levam ou não à
mobilização étnica.
O movimento indígena em Tefé foi revigorado inicialmente com a organização
de assembléias indígenas. Assim, o I Encontro de Tuxauas do Médio Solimões
foi realizado no Miratu durante a Semana do Índio de 1979, com o apoio da
Pastoral Indigenista da Prelazia de Tefé e a participação, além dos Miranha do
Solimões, dos Mayorúna, Cambeba, Caixana, Ticuna, Canamari, Kulina e outros.
A partir de então, começou a se fazer notar a mobilização Miranha. Um de seus
principais líderes, Lino Pereira Cordeiro, tinha trânsito no meio sindical em
Manaus, e tornou-se publicamente conhecido após um pronunciamento sobre
alianças entre índios e não-índios sindicalizados, dirigido ao Papa em sua visita
a Manaus em 1980. Neste mesmo ano, foi eleito tuxaua do Miratu e participou
de encontros nacionais de lideranças indígenas. Foi escolhido como secretário-
geral da União das Nações Indígenas, em 1981, em São Paulo, em uma reunião
que contou com 73 participantes de 32 povos. Chefes tradicionais, em uma
assembléia indígena realizada em Aquidauana, MS, colocaram em questão a
representatividade desta reunião. A diretoria eleita em São Paulo promoveu, em
1982, com o apoio de entidades indigenistas, o I Encontro dos Povos Indígenas
do Brasil, realizado em Brasília entre 7 e 9 de junho de 1982, no qual foi
constituída uma comissão representativa dos povos indígenas do Brasil, na qual
o Miranha Lino Cordeiro continuava desempenhando o papel de secretário
geral. Como suas freqüentes estadas em Brasília, sua representatividade passou
a ser questionada no Miratu. Retornando à área, deixou de ser chefe e
distanciou-se das organizações indígenas de nível nacional e regional. Passados
mais de vinte anos, ainda é requisitado pelos Miranha do Miratu para resolver
problemas de esfera local, embora não exerça mais o papel de chefe.
Atualmente, atua em uma associação de produtores rurais do município de
Uarini.
Se os Miranha foram durante muito tempo - ao menos nos séculos XIX e XX - os
índios mais conhecidos do médio Solimões, atualmente sua importância vem
sendo relativizada com a mobilização de representantes de outras etnias que se
têm organizado politicamente e cujos direitos territoriais foram reconhecidos
pela FUNAI e por outros representantes da sociedade brasileira e do movimento
indígena.
Apesar de não integrarem atualmente a diretoria da UNI-Tefé, os Miranha
participam também, através de representantes eleitos, de outras organizações
que extrapolam a escala regional, como a AMINS (Associação das Mulheres
Indígenas do Médio Solimões), a COPIAR (Comissão de Professores Indígenas
do Amazonas, Roraima e Acre), a CAPOIB (Comissão de Articulação dos Povos e
Organizações Indígenas do Brasil) e a COIAB (Coordenação de Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira).
Os povos indígenas representados na UNI-Tefé realizam viagens de articulação
bimensais, assembléias bi-anuais pelo Médio Solimões e Japurá, e assembléias
gerais bi-anuais. Parecem, contudo, não pretender circunscrever sua
territorialidade aos circuitos rurais do interior, onde são subordinados mediante
relações desiguais de sujeição dominação, mas sim optar pela busca de canais
políticos e institucionais de participação, atuando na política sindical e na
Câmara de Vereadores de Alvarães, tendo seus representantes participado da
elaboração da Lei Orgânica dos Municípios de Tefé e Alvarães.
Os Miranha do baixo Japurá, que até então mantinham contato com os Miranha,
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Ticuna
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Ticuna
Cambeba e Mayorúna do Solimões, mas não declaravam sua identidade,
passaram a integrar, a partir de 1991, juntamente com os Canamari, a Comissão
Indígena do Japurá, articulada à UNI-Tefé, enquanto entidade autônoma.
Com suas crises de representatividade, os Miranha, que já haviam tomado em
outros momentos a dianteira no movimento indígena no médio Solimões, após a
demarcação de suas terras, distanciaram-se, contudo, das discussões em torno
da constituição da organização indígena. Sua história não pode deixar de ser
vista, entrentanto, como um significativo exemplo de luta pelos direitos de
cidadania por um povo marcado pelo estigma da alteridade, apesar do
reconhecimento de sua nacionalidade brasileira e do discurso de construção
nacional materializado em práticas locais da política indigenista oficial. Assim
foi instituído seu lugar social. Porém, o reconhecimento de sua singularidade e a
garantia de seus direitos básicos estão longe de ser concretizados.
Nota sobre as fontes
Este povo se tornou conhecido na história da etnologia do Amazonas
primeiramente nos relatos dos naturalistas viajantes, como Martius e Bates, e do
etnólogo Koch-Grünberg (1910). O registro histórico de sua desterritorialização
pela Casa Arana, no Putumayo (documentado por Casement e Hardenburg, em
1912) e posterior reterritorialização nos países fronteiriços, como o Brasil, está
em fontes depositadas no Arquivo Histórico do Itamaraty. O genocídio e o clima
de terror implantados no Putumayo no auge do período da borracha são temas
recentemente retomados nos trabalhos de Michael Taussig. Os Miranha são
freqüentemente citados nos textos do missionário e etnólogo Tastevin, que
explorou a região no início do século XX. Recentemente, a importância dos
Miranha para a história indígena no Brasil foi destacada por Arnaud (1974) e, no
Caquetá, estudada por americanistas europeus (destacando-se Guyot) e
colombianos (Pineda Camacho). Desde 1981, Priscila Faulhaber vem se
dedicando ao estudo de problemas relacionados a este povo, tema de sua
dissertação de mestrado e um dos focos de sua tese de doutorado, ambas
publicadas (1987 e 1998), elaborando trabalhos antropológicos tanto de caráter
teórico como destinados a uma divulgação mais ampla.
Fontes de informação
• ARNAUD, Expedito. Os índios Mirânia e a expansão luso-brasileira (Médio
Solimões - Japurá, Amazonas). In: --------. O índio e a expansão nacional.
Belém : Cejup, 1989. p. 263-314. Publicado originalmente no Boletim do
MPEG, Antropologia, Belém, n.s., n. 81, jul. 1981.
• BATES, H. W. Um naturalista no rio Amazonas. São Paulo : CEN, 1944.
• CASEMENT, Roger. The Putumayo indians. The Contemporary Rewiew,
Londes : s.ed., n. 102, p. 317-28, 1912.
• CORREA RUBIO, François. Politicas de reordenamiento interno del
espacio amazonico colombiano : colonización, medio ambiente y
protección de territorios indígenas (1960-1990). Rev. Colombiana de
Antropologia, Bogotá : Colcultura, v. 28, p. 8-23, 1991.
• DOMINGUEZ, Camilo A. National expansionand development policies in
the Colombian Amazon. In: SCHMINK, M.; WOOD, C. (Eds.). Frontier
expansion in Amazonia. Gainesville : Univer. Press of Florida, 1984. p.
405-18.
• FAULHABER BARBOSA, Priscila. Y el barco se hizo libro : encanto y
desencanto en el mundo imaginario indígena en Tefé. In: JORNA, P.;
MALAVER, M. Oostra (Coords.). Etnohistoria del Amazonas. Quito : Abya-
Yala/Mlal, 1991. p. 103-16. (Colección 500 Años, 36)
. Entrosando : questões indígenas em Tefé. Belém : MPEG, 1987.
. Índios civilizados : etnia e alianças em Tefé. Brasília : UnB, 1983. 248 p.
(Dissertação de Mestrado)
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LANDABURU, Jon (Comp.). Documentos sobre lenguas aborígenes de Colombia
del archivo de Paul Rivet. (v. 1: Lenguas de la Amazonía colombiana). Bogotá :
Colcultura/Uniandes, 1996. p. 95-104.
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1998. 215 p. (Coleção Eduardo Galvão)
. O navio encantado : etnia e alianças em Tefé. Belém : MPEG, 1987. 254 p.
. Terra devastada. In: RICARDO, Carlos Alberto (Ed.). Povos Indígenas no
Brasil : 1987/1990. São Paulo : Cedi, 1991. p. 259-63. (Aconteceu Especial, 18)
. A territorialidade miranha nos rios Japurá e Solimões e a fronteira Brasil-
Colômbia. Boletim do MPEG, Série Antropologia, Belém : MPEG, v. 12, n. 2, p.
279-303, dez. 1996.
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