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Apostila da disciplina de Ecologia Geral – UFAL Docente: Profa. Dra. Patrícia Muniz de Medeiros Introdução A ecologia é o campo científico que estuda as relações dos seres vivos entre si e com o ambiente. Assim sendo, fazem parte da ecologia tanto o meio biótico – seres vivos – como o meio abiótico – ar, água, luz solar, solo etc. É comum que estudemos a ecologia em uma perspectiva hierárquica. Essa hierarquia se trata de níveis de organização. O elemento mais simples que é estudado na ecologia, e que consideraremos como o primeiro nível, é o organismo (ou indivíduo). Um organismo nada mais é do que um ser vivo. Trata-se da unidade mais fundamental da ecologia, ou seja, os níveis que vem antes do organismo (célula, tecido, órgão e sistema) não são estudados pela ecologia. Isso acontece porque esses elementos que precedem o organismo não são capazes de sobreviver no ambiente sem a presença dos demais. Por exemplo: um órgão (como um coração) não consegue sobreviver sozinho, mas apenas quando em um corpo, na presença dos demais órgãos que possibilitam o funcionamento do mesmo. Já o organismo é a primeira unidade biológica a sobreviver isoladamente no ambiente e por isso ele é a unidade mais fundamental da ecologia. Apesar destes conceitos, sabemos que para que um organismo sobreviva ele precisa de recursos ambientais e condições favoráveis, como será tratado em breve neste texto. O segundo nível de organização da hierarquia ecológica é a população. Uma população é o conjunto de organismos de uma mesma espécie que coexiste no tempo e no espaço, ou seja, que vivem juntos em uma determinada região e em um dado momento. O terceiro nível de organização é a comunidade, que é o conjunto de populações de diferentes espécies que coexiste em uma determinada região e momento. O quarto nível engloba o ecossistema, que é conjunto formado pelas comunidades biológicas em interação com os fatores abióticos do meio. Juntos, os ecossistemas do nosso planeta foram o quinto nível de organização – a biosfera – que é o conjunto de regiões do planeta Terra capaz de abrigar formas de vida. A seguir abordaremos estes níveis de organização de forma mais detalhada. Organismos É preciso conhecer alguns conceitos ecológicos antes de avançar nos estudos dos organismos. Um dos conceitos mais importantes é o de espécie, que é o conjunto de organismos semelhantes capazes de cruzar em condições naturais, produzindo descendentes férteis. Apesar de haver outros conceitos de espécie que não o reprodutivo (como, por exemplo, conceitos da biologia molecular), este é certamente o mais disseminado. Os organismos são classificados em organismos unitários e modulares. Os organismos unitários são aqueles cuja morfologia geral é previsível e determinada, ou seja, apresentam dimensões e formas definidas. A maioria dos animais são organismos unitários. Por exemplo: nós seres humanos apresentamos uma cabeça, dois olhos, um nariz e uma boca. Nascemos bebês e, em condições favoráveis, morremos idosos. Nos organismos unitários essas características não mudam. Por mais tempo que um ser humano viva, ele não desenvolverá um segundo nariz, por exemplo. Já os organismos modulares possuem desenvolvimento indeterminado. Eles crescem por meio da produção repetida de módulos, como folhas, pólipos etc. Árvores, corais, esponjas e cogumelos são exemplos de organismos modulares. Na maioria dos casos os organismos modulares são sésseis (imóveis) e sua morfologia é ainda mais dependente das interações com o meio ambiente do que a dos organismos unitários. Um organismo consome recursos e sobrevive sob certas condições ambientais. Então é importante diferenciar estes dois conceitos. Os recursos são fatores bióticos e abióticos dos quais os seres vivos podem usufruir. Por exemplo: luz solar, água, nutrientes, substratos, esconderijos, pares para acasalamento etc. Já as condições são os fatores abióticos que afetam a aptidão de um organismo. Por exemplo: a temperatura é uma condição, pois se o organismo sobrevive em temperaturas entre 10 e 30ºC ele não será apto a sobreviver em temperatura de 5ºC. Vento e topografia são outros exemplos. Para ficar mais clara a diferença entre recurso e condição, tomemos como exemplo a incidência de luz solar. Ela é claramente um recurso, pois um organismo como uma planta consome esta luz solar para gerar energia potencial. Já a temperatura não é consumida. Em vez disso, ela define se o organismo será ou não capaz de sobreviver em um certo ambiente. Por isso ela é uma condição. Outro conceito importante neste sentido é o de interação. As interações se dão entre diferentes organismos, afetando-os positivamente ou negativamente. Há interações intraespecíficas (entre organismos da mesma espécie) e interações interespecíficas (entre organismos de espécies distintas). Neste último caso, destacam-se as interações consumidor- recurso (predação, herbivoria, parasitismo e detritivoria), competição, mutualismo, simbiose, comensalismo e amensalismo. Um organismo é caracterizado quanto ao seu genótipo e fenótipo. O genótipo é a constituição genética deste. Já o fenótipo engloba a constituição genética do organismo em interação com o meio ambiente. Podemos usar como exemplo uma clonagem hipotética de um ser humano. Os clones teriam exatamente a mesma constituição genética. No entanto, consideremos que um deles vive em uma pequena cidade próxima ao mar e surfa todos os dias, além de se alimentar apenas de comidas saudáveis, enquanto o outro vive em uma metrópole, não se exercita e come apenas fast food. Mesmo possuindo a mesma carga genética, estes clones certamente seriam diferentes do ponto de vista morfológico, apresentando diferentes fenótipos, pois o genótipo dos clones foi submetido a diferentes ambientes. Um organismo não muda sua constituição genética. Ele nasce e morre com o mesmo DNA. Mas a expressão desses genes pode variar (para quem tiver interesse sobre o tema, recomendamos pesquisar sobre epigenética). Assim, um mesmo perfil genético pode se traduzir em diferentes expressões morfológicas e fisiológicas, a depender do ambiente. Por isso, um organismo pode apresentar diversas formas, no que chamamos de plasticidade fenotípica. Quanto mais plástico é o organismo, em mais formas ele pode se apresentar em resposta a variações ambientais. Uma certa planta herbácea pode se apresentar frondosa e com folhas largas na presença de água e com menor porte e folhas pequenas em ambientes com escassez hídrica. Isso se dá porque sua carga genética permite tais configurações distintas em resposta a diferentes condições ambientais e disponibilidades de recursos. Um exemplo clássico de plasticidade fenotípica é o da abelha. O que diferencia a abelha rainha das operárias é a alimentação (fator ambiental) – a abelha rainha é alimentada com geleia real durante o seu estágio de larva. Esse alimento faz com que a abelha rainha fique maior que as demais. Assim, o que vai definir se uma abelha é rainha ou operária não está no DNA destas, e sim em um fator ambiental. Desse modo, um mesmo genótipo (abelha fêmea) possui uma alta plasticidade fenotípica, uma vez que pode se converter em rainha ou operária a depender da alimentação. Cada organismo tem sua carga genética. Quando reunidos em uma população (conjunto de organismos de uma mesma espécie em um dado local e momento), temos diferentes perfis genéticos para a espécie em questão. Quanto mais heterogêneas forem as características genéticas dos organismos, maior a variação genética. Essa variação é positiva por dois motivos: Primeiro, quanto mais alelos diferentes para um mesmo gene, menores as chances de homozigose recessiva (quando dois organismos com o mesmo alelo se cruzam e o descendente herda duas cópias dele). A homozigose recessiva pode ser negativa para o indivíduo se o alelo em questão for deletério(causador de doenças genéticas ou redutor da taxa de reprodução ou de sobrevivência de um organismo). Segundo, quanto o perfil genético da população varia muito, isso significa que diferentes organismos desta população podem viver segundo condições ambientais distintas. Consideremos uma população de uma espécie x com baixa variação genética, de modo que todos os organismos sobrevivem apenas sob temperaturas entre 20 e 40°C. Se outra população desta mesma espécie possuía alta variação genética, é possível que alguns organismos consigam sobreviver sob temperaturas menores que 20 ou maiores que 40°C. Assim, caso o ambiente mude repentinamente, assumindo temperaturas menores que 20 ou maiores que 40°C, a primeira população pereceria por completo, enquanto a segunda teria alguns sobreviventes, que, por sua vez, poderiam reproduzir-se de modo a recuperar a população. É isso que acontece, por exemplo, com monoculturas de cana-de-açúcar, que possuem baixíssima ou nenhuma variação genética (clones) e que, por isso, estão muito mais vulneráveis a oscilações ambientais do que um cultivo com alta variação genética. Essa variação genética também é responsável pela evolução das espécies. O processo evolutivo funciona da seguinte maneira: uma população possui variação genética, gerada, por exemplo, por mutações. Assim, cada indivíduo terá uma característica geneticamente definida. Aquelas características que foram vantajosas para a vida em um dado ambiente serão beneficiadas pela seleção natural. Por outro lado, a seleção natural eliminará as características desvantajosas. Como isso ocorre? Imaginemos que em um dado ambiente havia apenas mariposas brancas e, por uma mutação no gene que define a coloração das mariposas, surgiram mariposas marrons. Imaginemos também que, na região onde vivem as mariposas, é extremamente benéfico ser marrom, uma vez que os mariposas marrons conseguem se camuflar nos troncos das árvores, enganando os predadores. Assim, elas morrem menos por predação e conseguem se reproduzir melhor. Se elas se reproduzem mais, as próximas gerações terão mais organismos com essa característica (cor marrom) do que com coloração branca. Assim, a evolução nada mais é do que essa mudança no repertório genético de uma população. Costuma ser impulsionada quando: (1) há uma mutação extremamente benéfica para o organismo em certas condições ambientais, e (2) quando há uma mudança no ambiente que beneficia certo perfil genético em detrimento de outros. A moeda da evolução é o que chamamos de ajustamento ou, do inglês, fitness. Os organismos com maior fitness são aqueles que sobrevivem e reproduzem mais, de modo a definir qual será a “cara” das próximas gerações. É importante ter em conta que um organismo não evolui e nem se adapta, uma vez que o DNA deste não muda. Quando um organismo sai de uma condição ambiental para outra, ele se ajusta, lançando mão da sua plasticidade fenotípica. Adaptação (característica comum em uma população por oferecer uma função melhorada) e evolução são atributos da população, ou seja, uma população evolui com a mudança no seu repertório genético, mas cada indivíduo mantém seu próprio perfil genético. Um exemplo de processo microevolutivo que ocorre bastante na agricultura convencional é a criação de superpragas. Inicialmente, uma praga acomete certa cultura. Para livrar-se da praga, muitos produtores usam agrotóxicos. Esses agrotóxicos matam boa parte dos organismos-praga, mas alguns deles possuem informação genética de resistência ao agrotóxico. Eles antes não necessariamente eram maioria, mas uma vez que o agrotóxico mata os organismos-praga não resistentes, restam apenas os resistentes, que sobrevivem e reproduzem. O resultado disso é que as próximas gerações serão formadas exclusivamente por organismos-praga resistentes. Isso faz com que o produtor use um agrotóxico ainda mais forte e o processo se reiniciará em uma eterna luta entre agrotóxicos e pragas. Ao final do processo, temos a geração de uma praga muito mais resistente do que antes, quando os agrotóxicos não eram empregados. Populações Uma população é um conjunto de organismos da mesma espécie que vive em uma mesma área ao mesmo tempo. Seu tamanho pode ser alterado por quatro fatores: natalidade, mortalidade, imigração e emigração. Um dos desafios da ecologia é entender como as populações se desenvolvem (crescem, diminuem ou se mantém estáveis). Esse entendimento ajuda, inclusive, no controle de pragas, já que é necessário entender a que velocidade certas espécies atingem populações capazes de causar danos a culturas agrícolas. De um modo geral, a abundância de uma população é resultado de uma combinação de muitas variáveis. Entre elas encontram-se a sua história evolutiva, os recursos dos quais a população necessita para sobreviver e reproduzir, as condições do ambiente em que se encontram e as taxas individuais de natalidade, mortalidade e migração. Existem dois tipos de mecanismos reguladores da densidade de uma população: fatores denso-independentes e fatores denso- dependentes. Os fatores denso-independentes (ou independentes da densidade) são aqueles que não sofrem a influência do número de indivíduos de uma população. Variáveis como a temperatura, pH do solo, disponibilidade hídrica, salinidade etc. são bons exemplos desses fatores. Muitos fatores bióticos podem ser utilizados como bons exemplos de fatores denso- dependentes. A competição, o parasitismo e os patógenos agem de maneira dependente da densidade. Neste caso, enquanto a densidade permanece baixa, a taxa de mortalidade permanece constante. Assim, os fatores dependentes da densidade interferem diretamente nas taxas de natalidade e mortalidade da população. A competição, por exemplo, pode ser bastante inexpressiva quando a população é pequena e muitos recursos estão disponíveis. No entanto, com o crescimento da população, a competição começa a se intensificar, de modo a frear a natalidade e impulsionar a mortalidade. Os patógenos também são bons exemplos de fatores denso- dependentes, uma vez que a probabilidade de contágio aumenta com o aumento da população. A forma de crescimento em S, ou logística, é considerada típica de mecanismos dependentes da densidade, enquanto que as populações podem, em certos momentos de sua existência, vivenciar um crescimento exponencial, quando fatores denso-dependentes e denso- independentes não regulam o crescimento populacional. As formas de crescimento de uma população serão examinadas a seguir. Os fatores responsáveis pelo crescimento populacional em um dado intervalo de tempo são basicamente o número de nascidos (B), o número de mortos (D), o número de imigrantes (I) e o número de emigrantes (E) durante esse tempo. Diz-se, portanto, que o número atual de indivíduos de uma população é: N(atual)=N(anterior)+B-D+I-E Dessa forma, se o número de nascidos + o número de imigrantes excederem o número de mortos + o número de emigrantes em determinado intervalo de tempo, a população crescerá. Se D+E exceder B+I, a população decrescerá. Algumas populações, em determinados momentos, experimentam um crescimento exponencial, quando não há fatores efetivamente limitantes para o seu crescimento. Espécies invasoras em áreas recém-abertas são um bom exemplo. No entanto, para que uma população apresentasse permanente comportamento demográfico exponencial, seria necessário que não houvesse nenhum fator limitando seu crescimento, o que na natureza não ocorre. Se assim fosse, muitas populações teriam tamanhos tendendo ao infinito. O modelo de crescimento exponencial mais simples considera uma população fechada, ou seja, sem interferência de eventos de migração. Além disso, o modelo considera que o crescimento da população é contínuo. Iremos adotar esse modelo, embora ele não seja o mais preciso. Modelos precisos de crescimento populacionalconsideram vários outros fatores como a estrutura etária, as migrações etc. Assim, consideremos que, sem eventos de imigração e emigração: N(t+1)=Nt+B-D ou ΔN=B-D Para representar a mudança do tamanho da população na menor escala de tempo possível (instantâneo), usa-se a função derivada, de modo que a mudança no tamanho da população (dN) em um intervalo de tempo mínimo (dt) é dada pela equação: dN/dt=B-D Ao desmembrar o número de nascidos em um dado intervalo de tempo, observa-se que este é o produto da taxa instantânea de natalidade (b) pelo número de indivíduos da população (B=bN). Essa taxa instantânea difere do número total de nascidos por representar o número de indivíduos nascidos para cada indivíduo da população (unidade: indivíduo/indivíduo.tempo). Similarmente, o número de mortos é o produto da taxa de mortalidade instantânea (d) pelo número de indivíduos da população. Essa taxa de mortalidade instantânea também representa o número de mortos para cada indivíduo da população e é medida em indivíduos/indivíduo.tempo. A subtração da taxa instantânea de natalidade e mortalidade (b-d) leva à constante r, conhecida como taxa intrínseca de crescimento. Este valor determina se a população irá crescer (r>0), diminuir (r<0) ou manter-se com o mesmo amanho (r=0). A equação dN/dt=B-D pode ser reconstruída em dN/dt=bN-dN; dN/dt=N(b-d) e, finalmente, dN/dt=rN. Essa equação revela que o crescimento da população é diretamente proporcional a r e ao número inicial de indivíduos e que a população só crescerá caso a taxa instantânea de natalidade exceda a taxa instantânea de mortalidade. Na natureza, a situação mais comum é que fatores (dentre eles os denso-dependentes) regulem crescimento populacional. Nesses casos, existe um tamanho populacional máximo suportável e este tamanho é determinado pelos recursos disponíveis no ambiente (como espaço, alimento e abrigos). Esse tamanho máximo é conhecido como capacidade de suporte (K). No modelo logístico contínuo, a variação no tamanho populacional de um intervalo de tempo para o outro é dada pela equação: dN/dt=rN(1-N/K) A fração N/K representa o quanto que foi preenchido da capacidade de suporte em termos de tamanho populacional inicial. Assim, 1-N/K representa a proporção não usada da capacidade de suporte, ou seja, o que ainda há de disponível para o crescimento da população. Assim como no modelo exponencial, no modelo logístico a população para de crescer quando N=0 ou r=0. Porém, no crescimento logístico a população também para de crescer quando N=K, ou seja, quando a população atinge sua capacidade de suporte. Em casos de retardos (tempo entre a população haver atingido ou passado da capacidade de suporte e a regulação populacional), a trajetória de crescimento da população é controlada por τ⁄(1⁄r) ou τr (τ=tempo de retardo). Se τr for pequeno, a população cresce suavemente até a capacidade de suporte. Se τr for médio, a população em certo momento excede a capacidade de suporte, mas as oscilações em torno desta amortecem até o K ser atingido. Se τr for alto, a população sempre oscilará, de forma instável, acima e abaixo de K, sem que um equilíbrio seja atingido. Caso a população apresente uma duração alta do retardo aliada a uma alta taxa de crescimento intrínseco, aumentam as probabilidades de que esta venha a, em uma de suas grandes oscilações, atingir o N=0 (extinção local). Outras variações de modelos de crescimento exponencial e logístico preveem o número total indivíduos do tempo t para o tempo t+1, além de muitos acrescentarem crescimento discreto, crescimento em populações com estrutura etária e (no último caso) variações aleatórias na capacidade de suporte (causadas, por exemplo, por uma seca prolongada) e variações periódicas (cíclicas) dessa capacidade de suporte, típicas, por exemplo, de ambientes sazonais. Apesar destes modelos de crescimento mais simples, é bastante necessário entender as oscilações nas populações considerando os eventos de emigração e imigração. Neste sentido, o conceito de metapopulação é bastante útil. O termo Metapopulação foi primariamente introduzido por Levins em 1970 para designar uma população de populações que localmente se extinguem e são recolonizadas. Um ano antes, o mesmo Levins já havia sugerido modelos matemáticos para estudar tais metapopulações, mesmo sem haver cunhado o termo. Esses estudos foram realizados no âmbito do controle de pragas, mas a idéia de metapopulações, bem como os conceitos e modelos atrelados a ela, também são importantes para a conservação da biodiversidade. O curto conceito de Levins deu margem a diversas interpretações sobre o que de fato é uma metapopulação. Conceitos mais abrangentes denominam de metapopulação o conjunto de populações locais discretas conectadas por migrações, ou um sistema de populações locais discretas, em que cada uma determina sua própria dinâmica interna, mas que possuem um grau de influência demográfica de outras populações através da dispersão de indivíduos. Para serem consideradas metapopulações, o conjunto de populações deve atender a alguns pressupostos, sendo estes: (I) As populações locais devem habitar manchas discretas de habitat, bem separadas do restante da paisagem. Este resto da paisagem é inadequado para a espécie e é chamado de matriz. (II) Dinâmica assincrônica das populações, de modo que cada uma delas possua eventos não correlacionados de migração e extinção. Caso esses eventos fossem relacionados e as dinâmicas fossem sincrônicas, essa situação não se trataria de um metapopulação, mas provavelmente de uma população única. (III) As manchas de habitat em que residem as populações não podem estar isoladas a ponto de evitarem a dispersão entre populações. Caso isso ocorra, não haverá conexões entre as populações e suas dinâmicas serão puramente locais, o que caracteriza populações relictuais. A persistência destas em longo prazo tenderá a ser menor em relação a metapoulações verdadeiras. (IV) Deve haver certo grau de denso-dependência nas populações locais, o que facilita eventos de migração e extinção. Alguns autores vêm tratando de metapopulações como “um conjunto de subpopulações...”, porém a ideia vigente é que estas não são subpopulações, porém verdadeiras populações, já que suas dinâmicas internas são diferentes. Comunidades A comunidade é o conjunto de populações que vive em um dado local e momento. Ao longo do tempo, os ecólogos têm divergido sobre o funcionamento das comunidades. Parte da comunidade científica vê a comunidade como um superorganismo, cujos funcionamento e organização só fazem sentido quando é considerada como uma entidade completa (conceito holístico). Já o conceito individualista considera que o funcionamento da comunidade apenas expressa as interações de espécies individuais que formam associações locais, e não refletem qualquer organização acima do nível de espécie. Atualmente uma ideia intermediária vem sendo levada em conta: a de que as comunidades podem ser montadas desordenadamente, mas alguns atributos das comunidades surgem apenas das interações entre as espécies. As comunidades apresentam propriedades coletivas e propriedades emergentes. As propriedades coletivas são aquelas que se expressam quando todos os elementos da comunidade são considerados, como a diversidade de espécies ou a biomassa da comunidade. As propriedades emergentes, por sua vez, são a soma das propriedades dos organismos mais suas interações. Por esse motivo, a natureza da comunidade não pode ser analisada somente como a soma das suas espécies constituintes. A escola holística considera que as espécies que fazem parte de uma comunidade estão intimamente ligadas umas às outras, de maneira que os limites de distribuição das espécies de uma comunidade coincidem, ou seja, as fronteiras entre uma comunidade e outra são bem abruptase bem definidas. Essa organização é chamada de comunidade fechada. As áreas de transição (limites) entre uma comunidade e outra são chamadas de ecótono. Já a escola individualista considera que cada espécie se distribui de forma independente da outra, já que cada uma possui gradientes de tolerância diferentes. Por exemplo: se uma espécie A sobrevive entre 10 e 20ºC e a espécie B entre 15 e 30ºC, então elas poderão coexistir em determinados locais, mas também ocorrer de forma independente uma da outra em outros tantos locais. Sendo assim, as fronteiras da comunidade não são definidas, ou seja, não há uma transição abrupta entre duas comunidades, e sim um continuum entre elas. Durante muito tempo a ideia de comunidade fechada foi predominante na ecologia, pois as comunidades mais estudadas eram aquelas de regiões temperadas, onde, muitas vezes, as fronteiras entre as elas são de fato abruptas. No entanto, quando os estudos ecológicos foram estendidos para os trópicos, as observações de fronteiras pouco evidentes foram ficando cada vez mais frequentes, dando força ao conceito de comunidade aberta. As comunidades são diferentes entre si e mesmo uma comunidade pode se apresentar de maneiras bem distintas em diferentes momentos. Por isso, sabe-se que as comunidades variam no tempo e no espaço. Os ecólogos têm lançado mão de diversos artifícios para caracterizá-las. As comunidades podem ser caracterizadas quanto a sua composição taxonômica, ou seja, quanto aos grupos taxonômicos que fazem parte delas. Assim, muitas vezes as comunidades são estudadas no sentido de descrever as espécies que as compõem. Trata-se de um trabalho árduo e que não costuma ser feito por um só cientista, visto que há pessoas especializadas em identificar plantas, outras em identificar insetos e assim por diante. Como as comunidades possuem diversos organismos, que podem ser plantas, animais, fungos etc., é comum que ela nem sempre seja estudada de forma completa. Assim, a maioria dos estudos ecológicos de comunidades foca em grupos específicos. Exemplo disto são os estudos fitossociológicos, que tratam da estrutura e composição das plantas de determinado local. Além disso, como muitas vezes é difícil estabelecer os limites de uma comunidade, a escolha sobre a área que será estudada para caracterizar certas comunidades costuma ser arbitrária. As comunidades também podem ser caracterizadas quanto a sua riqueza, equabilidade e diversidade. A riqueza diz respeito ao número de espécies que a comunidade apresenta. A equabilidade, por sua vez, indica o quão equitativa é a distribuição de indivíduos entre as espécies de uma comunidade. Por exemplo: em uma comunidade hipotética simplificada A tem-se quatro espécies, cada uma com 25 indivíduos. Na comunidade hipotética B também há quatro espécies, mas uma delas possui 97 indivíduos e as outras três possuem apenas um indivíduo cada. Neste caso, apesar de a riqueza ser a mesma (quatro espécies em ambas as comunidades), a comunidade A possui uma equabilidade maior do que a comunidade B. É comum que as pessoas confundam diversidade de espécies com riqueza de espécies. Mas, na realidade, a diversidade leva em conta não apenas o número de espécies (riqueza), mas também a equabilidade na comunidade. Retomemos o exemplo hipotético B acima. Se a maioria das espécies são raras, então do ponto de vista funcional (prático) é possível que elas não estejam exercendo funções tão relevantes ao sistema. Por isso, por mais que elas tenham o mesmo número de espécies da comunidade A, sua diversidade é bastante menor. Há vários índices propostos na literatura para mensurar a diversidade de uma comunidade. Como exemplo tem-se a recíproca de Simpson (1/D), de maneira que 1/D = ΣPi2. Pi corresponde a abundância relativa para a espécie i, que é obtida dividindo o número de indivíduos da espécie i pelo número total de indivíduos de todas as espécies. Assim, tomando como exemplo nossas comunidades hipotéticas A e B, calculemos a diversidade para cada uma. Comunidade A – Pi1 = 25/100 = 0,25 ---- Pi1² = 0,25²= 0,0625 Pi2 = 25/100 = 0,25---- Pi2² = 0,25²= 0,0625 Pi3 = 25/100 = 0,25---- Pi3² = 0,25²= 0,0625 Pi4 = 25/100 = 0,25---- Pi4² = 0,25²= 0,0625 ΣPi² = 0,0625 + 0,0625 + 0,0625 + 0,0625 = 0,25 Logo, a recíproca Simpson para a comunidade A é 1/0,25 = 4. Percebe-se que quando a equabilidade é máxima (as espécies possuem exatamente a mesma quantidade de indivíduos) o valor da recíproca de Simpson corresponde ao número de espécies da comunidade. De certa forma, ele indica o número de espécies na prática, ou seja, do ponto de vista do funcionamento da comunidade. No caso da comunidade B: Pi1 = 97/100 = 0,97 ---- Pi1² = 0,97²= 0,9409 Pi2 = 1/100 = 0,01---- Pi2² = 0,01²= 0,0001 Pi3 = 25/100 = 0,01---- Pi3² = 0,01²= 0,0001 Pi4 = 25/100 = 0,01---- Pi4² = 0,01²= 0,0001 ΣPi² = 0,9409 + 0,0001 + 0,0001 + 0,0001 = 0,9412 Logo, a recíproca Simpson para a comunidade B é 1/0,9412 = 1.06. Isso significa que, na prática, a comunidade funcionaria quase como se tivesse apenas uma espécie. Do ponto de vista de escala, há três tipos de diversidade. A diversidade alfa corresponde à diversidade local, ou seja, de uma pequena área de habitat homogêneo (um lago ou um fragmento florestal, por exemplo). Já a diversidade gama é a diversidade regional, considerando todos os habitats presentes em uma dada área geográfica. A diversidade beta representa a diversidade de habitats ou o grau de heterogeneidade de uma região em termos do número de espécies. Tomemos como exemplo uma região com vários fragmentos de floresta. Se cada fragmento possuir espécies diferentes, então a diversidade beta será alta. No entanto, se ao percorrermos fragmento por fragmento as espécies encontradas forem exatamente as mesmas, então a diversidade beta será baixa. As comunidades também variam no tempo. Chamamos esse fenômeno de sucessão ecológica. Quando uma comunidade passa por uma perturbação (por exemplo, uma floresta é desmatada), a sua recomposição não é aleatória, de maneira que existem padrões nestas mudanças. Na maioria das comunidades, há espécies que são melhores competidoras que outras sob certas condições ambientais. Nesses casos, as perturbações podem levar a sequências previsíveis de espécies que têm diferentes estratégias de exploração de recursos: espécies iniciais são boas colonizadoras e crescem rapidamente, enquanto espécies tardias podem tolerar níveis baixos de recursos e crescer somente na presença de espécies iniciais, excluindo-as posteriormente por exclusão competitiva. As espécies pioneiras são as primeiras a colonizar um local após a perturbação. No caso das plantas, elas costumam ter alta tolerância a luz solar, de modo que suas sementes e plântulas se desenvolvem sob alta luminosidade. Também são tolerantes ao vento e a outros atributos de ambientes perturbados. Ao se estabelecerem, as espécies pioneiras vão criando condições para a chegada de outras espécies (as climácicas), uma vez que formam sombra, diminuem o efeito do vento, retêm água etc. Sob estas novas condições ambientais, as espécies climácicas acabam por tornar-se melhores competidoras que as pioneiras, de forma a gradativamente exclui-las. Assim, o estágio inicial da sucessão é formado por espécies pioneiras, enquanto nos estágios intermediários coexistem espécies pioneiras e climácicas, pois a substituição entre elas é gradativa. Já no estágio final, chamado de clímax, as espécies climácicas já excluíram as pioneiras e dominam o ambiente. Segundo a hipótese do distúrbio intermediário, a maior riqueza de espécies não é encontrada nem em ambientes perturbados e nem em ambientes sem perturbação alguma, mas sim em ambientes intermediários, pois eles englobam tanto espécies pioneiras quanto espécies climácicas. Assim, considerando a sucessão ecológica, é de se esperar que a maiorriqueza seja encontrada em estágios intermediários de sucessão. A sucessão pode ser primária ou secundária. Ela é primária quando a área de ocorrência da sucessão não havia sido colonizada anteriormente por comunidades. Por exemplo: crateras após a queda de meteoros, áreas tomadas por lavas de vulcões, substratos formados após o derretimento de geleiras etc. A sucessão é considerada secundária quando sua área de ocorrência já estava colonizada por comunidades. No caso de ecossistemas terrestres, quando a vegetação de uma área foi parcial ou completamente removida, o solo ainda mantém um banco de sementes que será útil para a sucessão. Dois conceitos muito importantes na ecologia de comunidades são os de habitat e nicho ecológico. O habitat de um organismo é o tipo de local onde este se desenvolve. Por exemplo, há várias espécies de cactos que são encontradas exclusivamente em afloramentos rochosos e tais rochas são então o habitat destes cactos. Este conceito é muitas vezes confundido com o de nicho ecológico. No entanto, o nicho é um hipervolume n-dimensional, onde cada dimensão corresponde a uma variável biótica ou abiótica, seja ela um recurso ou condição, relevante para o sucesso da espécie. Em outras palavras, o nicho é o conjunto de recursos, condições e interações que caracterizam a espécie. Um conceito mais simples (e menos preciso) é o de que o nicho representa o modo de vida da espécie. Por exemplo: A espécie de morcego Artibeus lituratus se mantem mais ativa durante a noite, é frungívora (se alimenta de frutos) e ocorre desde o México até o sul do Brasil e a Argentina. Essas características, juntamente com outras características da espécie, formam o seu nicho ecológico. O nicho ecológico pode ser dividido em dois tipos: o nicho fundamental e o nicho realizado. O nicho fundamental considera o conjunto das condições e de recursos que permitem a manutenção de uma população viável, na ausência de outras espécies. Ou seja, trata-se do potencial de distribuição da espécie. Já o nicho realizado é o que acontece na prática, considerando as interações com outras espécies (competidores, predadores, etc.). Por exemplo, uma espécie de ave A pode viver entre 20 e 40ºC, o que constitui uma dimensão do seu nicho fundamental. No entanto, em ambientes com temperaturas entre 30 e 40ºC ocorre uma espécie de ave B, que é melhor competidora que a espécie A, consumindo os recursos disponíveis de forma mais eficiente. Sendo assim, a espécie A, por mais que tenha potencial de viver em ambientes entre 30 e 40ºC, na prática não o faz. Assim, temperaturas entre 20 e 30ºC fazem parte do nicho realizado da ave A. Ecossistemas Os ecossistemas compreendem as comunidades em sua interação com os fatores abióticos do meio (água, luz solar etc.). Eles são mantidos pela combinação de dois processos: (1) o fluxo unidirecional de energia do sol através do sistema, e (2) a ciclagem dos nutrientes, responsável por prover constantemente aos organismos matéria em condições de assimilação. Os seres vivos são peças chave dos ecossistemas, precisamente porque a energia dos ecossistemas flui por meio deles e eles fornecem matéria que é reciclada via decomposição. Ainda, os seres vivos possuem um papel importante na ciclagem de nutrientes. Estudar o fluxo de energia e ciclagem de nutrientes é importante para entender os fatores que interferem na produtividade dos ecossistemas naturais e agroecossistemas. Três leis da física são fundamentais para entender o funcionamento dos ecossistemas: a lei da conservação da massa, a primeira lei da termodinâmica e a segunda lei da termodinâmica. A lei da conservação da massa postula que, em qualquer sistema, nunca se cria nem elimina matéria, apenas é possível transformá-la de uma forma para outra. Desse modo, sabendo- se que a matéria não é criada, mas sim transformada, sua reciclagem é essencial para o funcionamento dos ecossistemas. O grande problema da sociedade moderna é que os resíduos são gerados em uma velocidade muito maior que a capacidade de reciclagem do meio, o que leva a desequilíbrios em termos de matéria disponível para os ecossistemas naturais e criados pelos seres humanos. A primeira lei da termodinâmica é análoga à lei de conservação de massas, mas referente à energia. De acordo com essa lei, a energia pode ser transformada de uma forma a outra, mas jamais pode ser criada ou destruída. A aplicação mais importante dessa lei está relacionada à maneira como os seres vivos obtêm sua energia, que chega até eles por meio de diversas transformações. A energia luminosa é absorvida pelos organismos fotossistetizantes, que a transformam em energia potencial, nas ligações químicas de moléculas orgânicas complexas. No processo respiratório, essas moléculas são quebradas em moléculas menores, liberando a energia que é utilizada nas funções vitais dos seres vivos. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, sempre que a energia é convertida de uma forma para a outra, se termina com uma energia de menor qualidade do que se começa. A energia se expressa em termos de trabalho ou calor. Assim, quanto mais trabalho se consegue realizar com certa quantidade de energia, maior a sua qualidade. No entanto, toda transformação de energia envolve rendimentos inferiores a 100%, pois parte dessa energia se dissipa, geralmente em forma de calor. Uma consequência dessa lei para os ecossistemas é que, uma vez que a energia é constantemente dissipada em forma de calor, a viabilidade dos ecossistemas é apenas assegurada porque existe um fornecimento contínuo de energia pelo sol. Outras consequências dessa lei, em termos de cadeias alimentares, serão discutidas a seguir. A radiação solar fornece a energia necessária ao funcionamento de todo o ecossistema. Enquanto parte da energia solar que atinge os ecossistemas é dissipada em forma de calor, uma pequena porção é assimilada por organismos vivos e transportada por toda a cadeia alimentar. A cadeia alimentar é uma sequência de organismos, cada um dos quais serve de alimento para o organismo do nível trófico superior. Os organismos de um ecossistema costumam ser classificados em níveis tróficos, de acordo com a sua fonte de alimentos ou nutrientes. Os seres vivos que transferem energia e nutrientes de um nível trófico ao outro são, de um modo geral, classificados em produtores (autótrofos) e consumidores (heterótrofos de vários níveis tróficos, podendo ser consumidores primários, secundários etc.). Cada nível trófico em uma cadeia alimentar contém certa quantidade de biomassa. A energia química armazenada na biomassa é passada de um nível trófico ao outro. No entanto, conforme a segunda lei da termodinâmica, na medida em que se avança na cadeia alimentar há uma redução na qualidade de energia disponível aos próximos níveis tróficos. Assim, uma vez que a energia útil decresce ao longo da cadeia alimentar, quanto mais se afasta do primeiro nível trófico, menor será o número de consumidores que podem ser sustentados por um dado número de produtores. Isso explica porque existe um padrão bastante evidente na natureza: quase todos os ecossistemas estudados (sem considerar patógenos e parasitas) têm entre 2 e 5 níveis tróficos, a maioria destes possuindo de 3 a 4. Uma cadeia alimentar com mais níveis do que 5 exigiria uma produção primária absurda e uma eficiência igualmente absurda na passagem de energia útil. A perda de energia útil com o passar da cadeia alimentar também explica porque existe uma maior eficiência na cadeia produtor – ser humano do que na cadeia produtor – boi – ser humano. Por essa razão, uma dieta vegetariana é mais sustentável do que uma dieta carnívora, pois permite sustentar um maior contingente de seres humanos ou, para um mesmo número de pessoas, fazer uso de uma menor produção. Para onde vai a energia de baixa qualidade (indisponível)ao passar da cadeia alimentar? A primeira grande “perda” de energia se dá na base da cadeia alimentar. Em ecossistemas terrestres, por exemplo, apenas 1% da energia solar que atinge as folhas é efetivamente captada pelas plantas. Desta porção, boa parte é ainda dissipada em forma de calor, sendo o restante transformado em produção primária bruta. A planta, no entanto, usa parte da produção primária bruta para assegurar seu funcionamento, por meio da respiração celular, que resulta em calor liberado para o ambiente. A porção restante é a produção primária líquida. O percentual de energia efetivamente disponível de um nível trófico para o outro varia entre 44% e 98,7%. Isso porque parte dessa energia é dissipada em forma de calor graças à respiração celular e parte é perdida nos excrementos dos organismos. Ainda, em cada nível trófico, organismos morrem, deixando parte da energia disponível para a atuação de decompositores. Assim como a energia, a matéria também possui sua dinâmica nos ecossistemas. Com o passar dos níveis tróficos, compostos químicos vão sendo quebrados e sintetizados. Por vezes, os nutrientes necessários a alguns organismos encontram-se em formas não assimiláveis por eles, de maneira que processos ocorrerem para deixa-los em formas assimiláveis. Nutrientes importantes para o funcionamento dos ecossistemas movem-se continuamente pelo ar, água, solo, rochas e organismos vivos, em ciclos denominados ciclos biogeoquímicos. Entre os principais ciclos biogeoquímicos encontram-se o da água, carbono, nitrogênio fósforo e enxofre. Eles serão brevemente comentados a seguir. O ciclo da água é diretamente influenciado pela energia solar e envolve três processos básicos: evaporação, precipitação e transpiração. O balanço entre esses três processos garante a disponibilidade de água nos ecossistemas. Uma pequena quantidade da água da terra é assimilada pelos componentes vivos dos ecossistemas, sendo, então, perdidas por transpiração ou combinadas com o dióxido de carbono e energia solar para transformação em compostos orgânicos de alta energia. O ciclo do carbono tem como base o dióxido de carbono. Os produtores removem o CO2 da atmosfera (terrestres) ou da água (aquáticos) e, pela fotossíntese ou quimiossíntese, convertem- nos em compostos orgânicos. Estes, por sua vez, são utilizados para a respiração celular das plantas, que reconvertem o carbono em CO2, ou são consumidas pelos organismos dos próximos níveis tróficos. O carbono que não é usado na respiração celular dos organismos da cadeia trófica acaba, em algum momento, sendo utilizado pelos decompositores, que também liberam dióxido de carbono para a atmosfera ou água. O ciclo do nitrogênio é um pouco mais complexo que os anteriores, pois envolve vários processos. A maior quantidade de nitrogênio do planeta está armazenada na atmosfera em forma de azoto (N2). O nitrogênio do azoto não é assimilável por plantas, animais e vários microorganismos. Assim, o ciclo do nitrogênio consiste em algumas etapas principais: na fixação de nitrogênio, organismos especializados combinam o N2 com hidrogênio para produzir amônia A amônia também pode ser produzida por meio de descargas elétricas na atmosfera. Alguns microorganismos usam parte da amônia que produzem como nutrientes e excretam a outra parte no solo ou água. Parte da amônia é convertida em íons amônio, que podem ser usados como nutrientes para as plantas. A amônia não consumida pelas plantas pode passar pelo processo de nitrificação, no qual bactérias especializadas convertem amônia e amônio em nitratos, que são facilmente assimilados pelas raízes das plantas. As plantas usam os nitratos para produzir vários compostos orgânicos, que são a fonte de nitrogênio dos consumidores. Quando mortos, os organismos sofrem a ação de microorganismos decompositores, que transformam o nitrogênio da matéria orgânica em amônia e amônio por meio da amonificação. Na desnitrificação, microorganismos convertem amônia e amônio em nitratos para posteriormente convertê-los em azoto ou óxido nitroso, que são devolvidos a atmosfera ou água para reinício do ciclo. O ciclo do fósforo, diferente dos demais, não inclui a atmosfera. Ele tem início com os fosfatos inorgânicos (de formações rochosas ou sedimentos aquáticos) que são assimilados pelas plantas e outros produtores, sendo integrados a compostos orgânicos. Os produtores encaminham esses compostos para os demais níveis tróficos, e os organismos decompositores quebram as moléculas orgânicas de modo a reciclar o fosfato. O enxofre é armazenado em rochas e minerais, mas também entra na atmosfera, por exemplo, por meio de chuvas ácidas ou pela atividade vulcânica. As raízes das plantas e outros produtores incorporam íons sulfato para produção de várias proteínas. O enxofre presente nos compostos orgânicos é passado ao longo da cadeia trófica e, após a morte dos organismos, reintroduzido pelos decompositores em forma de sulfatos. A biosfera: problemas ambientais globais Os ecossistemas do nosso planeta estão experienciando mudanças expressivas, muitas das quais impulsionadas pelas ações humanas. Neste sentido, as mudanças ambientais globais podem ser sistêmicas ou cumulativas. As mudanças sistêmicas são aquelas que, mesmo que não sejam causadas por atividades de escala global, seu impacto físico é experimentado globalmente. Como exemplo temos as mudanças climáticas. Mesmo que um dado país não esteja emitindo de forma significativa gases do efeito estufa, se outros países possuírem altas emissões o impacto também será vivenciado pelo país não emissor, pois operará no sistema como um todo. Já os impactos cumulativos são aqueles que são sentidos no local onde o impacto é realizado, tornando-se globais quando ocorrem em escalas amplas. Por exemplo: o desflorestamento traz consequências imediatas (perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos) para o local onde foi feito. No entanto, como em vários locais do mundo as florestas estão sendo suprimidas, esse acúmulo de impactos locais traz consequências globais. As atividades humanas que causam mudanças são classificadas como fontes imediatas e forças propulsoras. Fontes imediatas são as atividades humanas finais ou aproximadamente finais que afetam diretamente o ambiente (como a queima de biomassa ou emissões industriais), enquanto que as forças propulsoras são um conjunto complexo e multifatorial de ações e eventos que fazem surgir as fontes imediatas (como mudanças populacionais, urbanização, mudanças tecnológicas). Uma fonte imediata pode contribuir tanto para mudanças sistêmicas como cumulativas. A queima de biomassa leva, por exemplo, a emissão de gases do efeito estufa (mudança sistêmica), e também a um impacto nos solos e na biodiversidade (mudança cumulativa). Os cientistas sociais buscam entender o que leva os seres humanos a provocarem tamanhos impactos em seus ecossistemas. Nossa espécie está bastante influenciada pelo mito do progresso, que coloca a capacidade crescente de produzir e crescer como sinônimo deste progresso. Essa ideia vem de uma interpretação equivocada do conceito Darwinista de evolução, que preconiza que há um ponto final dentro de uma escala evolutiva ou de progresso. Em outras palavras, a sociedade precisaria avançar sempre em busca de um maior poder instrumental e tecnológico. Tudo isso se daria às custas do nosso patrimônio ambiental. Um exemplo para entender a ideia de progresso que permeia nossa sociedade é o seguinte: imaginar a supressão de uma floresta para estabelecimento de uma cidade ou cultura agrícola é algo considerado normal para a sociedade. No entanto, a supressão de uma cidade ou agroecossistema para regeneração florestal seria considerada como um retrocesso, tendo em vista que já teríamos “avançado” ao implementar a cidade ou cultura agrícola. Outra questão centralé que nossa sociedade acredita que possui poder instrumental suficiente para corrigir os impactos causados ao meio ambiente, quando assim for necessário. No entanto, na maioria das vezes nossa inovação tecnológica avança em uma velocidade muito maior do que a nossa capacidade de prever e entender seus impactos e desdobramentos. Por exemplo: a tecnologia para criar organismos geneticamente modificados está bastante desenvolvida na atualidade. No entanto, pouco se sabe sobre os efeitos destes para a saúde humana e para o meio ambiente. Graças a esses modos de pensar presentes nas sociedades urbano-industriais, hoje a biosfera experimenta um leque de problemas ambientais sistêmicos e cumulativos, como as mudanças climáticas, o desflorestamento, a fragmentação de habitats, a produção exacerbada de resíduos, a poluição do ar e da água, a exaustão e degradação dos solos etc. Detalharemos a seguir dos destes problemas: a fragmentação e as mudanças climáticas. Fragmentação de habitats e efeito de borda Desde que a espécie humana surgiu, esta tem modificado os ecossistemas naturais para o seu proveito. A agricultura emergiu de tal maneira que até hoje existe a supressão de florestas e outras áreas naturais para dar lugar a monoculturas em larga escala. A urbanização também tem um papel chave no processo de supressão da vegetação nativa, uma vez que incontáveis áreas naturais perderam espaço para a expansão urbana. O resultado do crescimento urbano e agrícola é a perda de habitat de diversas populações que lá existiam. Ainda, os remanescentes de vegetação nativa tornam-se separados e desconexos em meio a matrizes de cultivos ou cidades. Até mesmo estradas, em suas pequenas larguras, podem ser responsáveis pela perda de habitat de muitas espécies animais e vegetais. O processo pelo qual uma grande e contínua área de habitat é tanto reduzida em sua área como dividida em duas ou mais áreas é conhecido como fragmentação de habitats. A fragmentação traz efeitos bastante danosos a muitas populações animais, vegetais e outras populações que vivem nesses “fragmentos”. Uma das consequências da fragmentação é o efeito de borda. Todos os habitats possuem áreas de borda. A borda abrange os limites do habitat e seus efeitos adentram na parte exterior deste. Entre os principais efeitos de borda, encontram-se a forte luminosidade e ventos. É importante considerar que a magnitude do efeito de borda sob habitats naturais depende bastante da matriz na qual se inserem os fragmentos. Uma matriz de pinheiros, por exemplo, traz menores efeitos de borda do que uma matriz de cana-de-açúcar. Isso porque o porte dos pinheiros protege os indivíduos da borda contra os efeitos da luminosidade excessiva e dos ventos de maneira mais efetiva do que a cana. O efeito de borda causa danos principalmente às espécies climácicas de florestas tropicais e temperadas. A penetração de excessiva luminosidade e ação dos ventos pode fazer do seu local um habitat pouco propenso para sua sobrevivência. Dessa maneira, quando uma nova borda é criada, as espécies climácicas que ali habitavam dão espaço a espécies pioneiras, mais tolerantes às novas condições do habitat. Assim, o processo de fragmentação é responsável pela perda de indivíduos de muitas espécies nativas que desempenham papéis chave no ecossistema. Os fragmentos de habitat diferem do habitat original de dois modos importantes: (1) os fragmentos têm uma maior quantidade de borda por área de habitat e (2) o centro de cada fragmento de habitat está mais próximo dessa borda. Para perceber o efeito de borda provocado por uma pequena estrada que passa a atravessar uma área de vegetação nativa, imaginemos a área original segundo a figura abaixo Figura 1. Áreas hipotéticas de vegetação nativa e efeito de borda. 1a=área quadrada e 1b=área retangular. Se o efeito de borda atinge, por exemplo, 30 metros para dentro do fragmento, tem-se na área original 193600m² (19,36ha) de interior e 56400m² (5,64ha de borda). Isso quer dizer que 22,56% da área total da floresta é composta por borda. Quando a estrada, que mede apenas 6 metros de largura, corta a floresta, dividindo-a em dois fragmentos de 247x500m, tem-se que, para cada um dos fragmentos, a área de interior é de 187x440, ou seja 82280m² ou 8,228ha. A Área de borda é de 41220m² ou 4,122ha. Assim, no segundo caso, a área de borda passa a ser de 33,37% do total dos fragmentos. Se os fragmentos forem divididos em pedaços menores, chegará um momento em que todos serão compostos apenas por borda. Esse exemplo mostra como uma estrada de poucos metros de largura pode exercer um efeito expressivo e na perda de habitat de espécies de interior. Não é apenas a área total de um fragmento que determinará a proporção do efeito de borda. A forma do fragmento tem grande influência nesse efeito. Comparemos dois fragmentos com mesma área total, ainda considerando um efeito de borda de 30m. O primeiro (Figura 1a) é o mesmo do exemplo anterior, com 22,56% de borda. No segundo (Figura 1b), com dimensões de 100x2500m, o interior mede 40x2460m ou 98400m² (9,84ha). Nesse caso, a borda corresponde a 15,16ha ou 60,64% do fragmento. O efeito de borda é minimizado em fragmentos com formatos circulares ou próximos ao circular, já que essa forma geométrica é a que apresenta menores perímetros (e, portanto, menor efeito de borda) para uma mesma área. Assim, quanto menor a relação perímetro/área, mais próximo é o fragmento do formato circular (ideal) e, portanto, menor o efeito de borda. Não existe um alcance universal do efeito de borda, ou seja, um valor que seja aplicado em todos os contextos. A depender do habitat o alcance pode ser maior ou menor. Além disso, o efeito de borda compila uma série de efeitos (como luminosidade e ventos), de modo que cada um deles pode ter alcances distintos. No entanto, muitos estudos têm apontado variações do alcance do efeito que giram em torno dos 35m. Em alguns casos, os efeitos do distúrbio ambiental podem ser mitigados pelo próprio estabelecimento de novos indivíduos na nova borda. É comum, por exemplo, observar emaranhados de trepadeiras “cobrindo” as florestas. Essas espécies desenvolvem-se muito bem em forte presença de luz e acabam por gerar uma barreira que reduz os impactos no interior. Mesmo assim, essas espécies substituíram outras na borda, de modo que houve uma redução do habitat de espécies de interior de floresta. Apesar dos danos do efeito de borda para as espécies típicas de interior, é importante salientar que há muitas espécies que dele se beneficiam. A maioria das espécies vegetais pioneiras precisa desse tipo de habitat. Muitas vezes as clareiras, bordas geradas naturalmente pela queda de árvores senis, dão espaço às plantas pioneiras que são as primeiras a colonizar esse ambiente. Entre os animais, por exemplo, um estudo realizado com duas espécies do gênero Atta (saúvas) em uma área de Floresta Atlântica mostrou que suas densidades aumentaram significativamente com a proximidade da borda. As bordas também costumam atrair espécies invasoras, exóticas ou nativas ruderais. Essas espécies começam estabelecendo-se nas bordas e reproduzindo rapidamente até ingressar no interior. Assim, elas passam a competir com espécies do interior podendo tomar o lugar dessas espécies. Esse processo vem acontecendo, por exemplo, com as espécies de primatas nativos de floresta atlântica. Eles vêm sofrendo pela exclusão competitiva, uma vez que algumas espécies do gênero Callithrix (sagui) já ocuparam diversos fragmentos florestais e têm elevado fitness em áreas com distúrbios. O efeito de borda é uma realidade em vários ecossistemas brasileiros. A floresta atlântica do nordeste do Brasil sofre especialmente com esse fenômeno. Em alguns locais, como as regiões canavieiras de PE e PB, estima-se que grande parte dos fragmentos seja compostaapenas por borda, sendo estas áreas consideradas por muitos como detentoras de um baixo valor de conservação. No entanto, é preciso ser cauteloso quando se fala em maior ou menor valor de conservação, uma vez que esses termos possuem forte implicação política. Um “baixo valor de conservação” poderia ser uma justificativa, por exemplo, para a supressão desses fragmentos em benefício da expansão urbana ou agrícola. Quando uma área contínua é fragmentada, as novas bordas geradas reduzem o habitat de espécies de interior. Essa redução de habitat muitas vezes implica na mortalidade de indivíduos e consequente redução populacional. Além disso, quando uma área contínua é fragmentada em duas ou mais áreas, a comunicação de indivíduos entre fragmentos pode ser prejudicada ou completamente interrompida. Considerando este último caso, a outrora população com tamanho X passa a ser dividida em populações relictuais de tamanho X/y. O grande problema dessa divisão de populações é que, quanto menor a população, maior a chance de extinção local provocada por eventos estocásticos. Cada população possui um número mínimo de indivíduos necessários para garantir sua sobrevivência em longo prazo. Assim, o conceito de população mínima viável (PMV) tem sido aplicado para indicar o número mínimo de indivíduos de uma população isolada que tenha 99% de chances de continuar existindo em 1000 anos. Modelos de crescimento populacional estocásticos são utilizados para calcular a PMV. Se a fragmentação e a perda de habitat isolam populações de maneira que elas atinjam valores menores do que a PMV, a probabilidade de extinção é alta, porque elas passam a ser mais vulneráveis a estocasticidade genética, sexual, reprodutiva e ambiental. Em termos genéticos, a redução populacional leva à perda de variabilidade genética e, consequentemente, de flexibilidade evolucionária. Quanto maior a diversidade genética, maiores as chances de que pelo menos alguns indivíduos de uma população tenham em seu perfil genético alelos que possam garantir sua sobrevivência frente a mudanças ou eventos atípicos (secas prolongadas, ação de patógenos etc.). Exemplo contrário é que áreas de monoculturas com baixíssima variabilidade genética frequentemente sofrem com perdas de produção em larga escala. Pouca variabilidade significa que os indivíduos possuem genótipos relativamente próximos e que a população perdeu alelos que podem momentaneamente não oferecer vantagem alguma, mas que seriam adequados para condições ambientais futuras. A questão é que alguns alelos possuem naturalmente uma baixa frequência na população. Populações pequenas estão mais susceptíveis à deriva genética (mecanismo que modifica aleatoriamente as frequências alélicas ao longo do tempo). Se um alelo está presente em 10% da população, isso leva, por exemplo, (a) a 10 indivíduos entre 100, ou (b) 1 entre 10. No último caso (b), apesar de mantida a frequência do alelo, as chances de este não ser representado na próxima geração são bastante maiores do que no exemplo a. As migrações costumam mitigar o problema da baixa variabilidade genética, por meio do ingresso de indivíduos com novos ou diferentes alelos. No entanto, o contexto da fragmentação costuma isolar diversas populações, o que retira do contexto a migração como variável diversificadora. Pequenas populações também são mais susceptíveis a efeitos genéticos deletérios, como a depressão endogâmica e exogâmica. Esses fatores atuam em um sistema de retroalimentação, levando ainda mais à diminuição da população. Populações reduzidas têm um aumento na probabilidade de cruzamentos entre indivíduos aparentados. O cruzamento de indivíduos aparentados aumenta as chances de expressão de alelos recessivos deletérios. Assim, esse processo pode levar a proles de tamanhos reduzidos ou com baixo (ou nenhum) potencial reprodutivo (depressão endogâmica). Em ambientes fragmentados e/ou quando houve perda significativa de habitat, um indivíduo pode ser incapaz de encontrar outro da sua espécie para cruzar. Nessa caso, ele pode cruzar com indivíduos de uma espécie taxonomicamente próxima, levando a crias fracas ou estéreis devido a incompatibilidade genética. Esse processo é conhecido como depressão exogâmica. Outro problema típico de populações pequenas refere-se a efeitos de estocasticidade demográfica. Nas populações os eventos de natalidade e mortalidade, mesmo quando estáveis, costumam ser aleatórios. Dessa forma, em uma população, as ordens de nascidos (N) e mortos (M) dificilmente obedecerá a um modelo NMNMNMNM. Ao invés disso, poderá aleatoriamente seguir um caminho como MMMNMNNN. O resultado final será o mesmo na maioria dos casos. No entanto, em populações pequenas, caso a aleatoriedade beneficie um número maior de mortes antes de nascimentos, o número de indivíduos pode “bater no zero”, fazendo, portanto, que a população se extinga. Coisa similar ocorre quanto à proporção dos sexos. Em populações pequenas os efeitos das flutuações na proporção macho/fêmea são maiores. A probabilidade de não nascer nenhuma fêmea em uma população de quatro indivíduos é bastante maior do que em uma população de 100 indivíduos. Assim, flutuações significativas da proporão 1:1 podem diminuir o número de parceiros disponíveis, causando danos ao número total de indivíduos da próxima geração. Populações pequenas também estão susceptíveis aos efeitos da estocasticidade reprodutiva, já que esta tem maiores chances de que haja um desvio da quantidade média de prole por fêmea. Se, por exemplo, por efeito do acaso, as duas únicas fêmeas de uma população de uma espécie semelpara gerarem um filhote cada, em vez de 4 (média para as gerações anteriores), a próxima geração contará apenas com dois indivíduos. A variação ambiental também pode exercer efeitos drásticos sob uma população pequena. Em populações grandes há uma maior probabilidade de que alguns indivíduos sobrevivam a uma tragédia do que em uma população pequena. A fragmentação também pode interromper processos ecológicos chave para muitas populações. Espécies vegetais, por exemplo, podem perder seus polinizadores ou dispersores em uma área fragmentada. Imaginemos que uma espécie tenha suas sementes dispersadas por um grande mamífero. A população desse mamífero reduziu até a extinção pelos efeitos da fragmentação citados nos tópicos anteriores. Nesse caso, se a espécie vegetal for especializada e não tiver mais dispersores naturais, a tendência é que suas sementes caiam ao redor da planta mãe. Esse contexto é bastante danoso para os novos indivíduos, uma vez que terão que competir por espaço entre eles e com a planta mãe já estabelecida, o que leva a altos índices de mortalidade dos juvenis. A tendência nesse caso é que a população vegetal se extinga localmente após a interrupção do seu sistema de dispersão. A polinização também é prejudicada com a fragmentação. Muitos polinizadores são incapazes de percorrer longas distâncias e cruzar fragmentos em meio a matrizes. Assim, se na área recém-fragmentada só há um indivíduo vegetal auto-incompatível e não há expectativas de que polinizadores de outros fragmentos o alcancem, este morrerá sem deixar novos indivíduos. Para mitigar os efeitos da fragmentação sob as populações, tem-se proposto que os fragmentos sejam interconectados por meio de corredores ecológicos, corredores de habitat ou corredores de biodiversidade. Esses termos possuem algumas diferenças, sendo a expressão “corredor ecológico” têm definição legal e é empregado no âmbito das unidades de conservação regidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). De uma forma geral, a proposta do corredor é constituir-se em uma faixa de habitat adequado que permita a conexão de dois ou mais fragmentos por meio da movimentação de indivíduos. Essa movimentação permitiria o fluxo gênico e mitigaria os problemasrelacionados aos tamanhos reduzidos de populações isoladas. A ideia é bastante interessante e vem sendo pensada em diferentes contextos nas UCs brasileiras. No entanto, a conexão de fragmentos não pode ser feita arbitrariamente, já que nem todos os fragmentos podem ser conectados. Deve-se ter em conta alguns aspectos como o estado dos fragmentos a serem conectados, em termos de presença de espécies exóticas, patógenos e outros fatores que podem ser prejudiciais aos ecossistemas. A conexão, por exemplo, de um fragmento de alta importância ecológica com um fragmento dominado por espécies exóticas pode levar o primeiro a ter problemas estruturais e funcionais que ele não teria se não houvesse conectado com o último. Similarmente, a conexão de dois fragmentos pode levar um patógeno ou parasita de um para o outro, acarretando em problemas para ambos. A ideia dos corredores esbarra em um forte problema de cunho político e econômico: é difícil estabelecer faixas de habitat que conectam fragmentos quando essas faixas precisariam passar por áreas agrícolas ou urbanas. Muitos projetos são engavetados por seu potencial de causar prejuízos, por exemplo, em termos de produção agrícola, mesmo se o impacto do estabelecimento do corredor seja de um ou poucos hectares. Além dos corredores, a presença de zonas de amortecimento em áreas de alta relevância biológica e ecológica pode ajudar a mitigar o efeito de borda. Essas áreas muitas vezes se constituem de agroflorestas e zonas híbridas que fazem com que a borda não tenha contato direto uma matriz urbana ou completamente agrícola. O contexto da fragmentação também tem trazido propostas em termos de conservação biocultural. Muitas áreas de vegetação nativa estão circundadas por populações locais que necessitam dos recursos vegetais nativos para a sua subsistência. Assim, propostas recentes têm pensado em corredores bioculturais, em que as faixas que conectam diferentes fragmentos são pensadas para conter espécies chave para as populações locais. Dessa forma, além de contribuir para a conexão de fragmentos, os corredores bioculturais prestam-se a atender as necessidades socioeconômicas das populações e diminuem o impacto da extração dos recursos sobre os fragmentos. Mudanças climáticas O clima do mundo está mudando, e continuará mudando até alcançar taxas sem precedentes na história humana recente. A problemática das mudanças climáticas recebe cada vez mais atenção de órgãos públicos e de pesquisadores, tendo em vista que os problemas reais trazidos por essas mudanças estão aparecendo de forma rápida e efetiva. Esses problemas podem ser tanto de cunho econômico, afetando o turismo, a matriz energética e a agricultura; como de cunho ecológico, alterando o funcionamento de ecossistemas, o regime hídrico e a disponibilidade de recursos. É fato que problemas econômicos e ecológicos gerados pelas mudanças climáticas levam a uma questão ainda mais preocupante: o agravamento de crises sociais. A lógica das mudanças climáticas é a seguinte: a emissão de gases do efeito estufa – principalmente dióxido de carbono e metano – obstrui a dissipação de calor da terra para o espaço, criando uma condição semelhante à de uma estufa ou de um carro mantido sob o sol por algum tempo. Os níveis de dióxido de carbono aumentaram de 280 partes por milhão antes da revolução industrial para 368 ppm em 2000 – um aumento de 31.4%. Além disso, novos gases com a mesma propriedade, criados artificialmente elo homem, passaram a ser também lançados na atmosfera, como os hidrofluorcarbonos (HFC), perflurcarbonos (PFC), hexafluoreto de enxofre (SF6), clorofluorcarbonos (CFC) e os hidroclorofluorcarbonos (HCFC). Alguns dos impactos das mudanças climáticas são comentados a seguir. Desertificação – A desertificação é hoje uma ameaça direta para milhões de pessoas. Trata-se da degradação da terra em ambientes áridos, semiáridos e sub-úmidos secos, ocasionada por fatores que incluem variações climáticas e atividades humanas. Essa ação humana tem efeitos diretos e indiretos sobre a desertificação, de forma a gerar uma dupla relação. De um lado, as atividades humanas, como as altas emissões de CO2, geram aumento da temperatura global. De outro lado, ações antrópicas como o desmatamento, alto uso de recursos vegetais e manejo inadequado de agroecossistemas podem gerar desertificação. Esses dois produtos das ações humanas estão também correlacionados, uma vez que o aquecimento global leva ao agravamento do processo de desertificação, e a formação de desertos diminui a cobertura vegetal disponível, de modo a contribuir para o aumento da temperatura local. Mudanças no regime hídrico – É comum ouvir-se falar que o aquecimento global leva a um grande aumento no nível do mar. Esse aumento altera o nível de base de grandes bacias hidrográficas que tem o mar como nível. Assim, é possível que haja uma alteração na descarga dos rios no mar, levando a uma mudança na dinâmica do processo de erosão fluvial. Problemas sociais podem ser gerados por essas mudanças, já que com as mudanças hidrológicas, populações ribeirinhas poderão ter de ser deslocadas de seus lugares. Impactos sob a biodiversidade, manutenção de serviços ambientais e invasões biológicas – As mudanças climáticas afetam potencialmente a grande maioria dos organismos em todos os tipos de ecossistema. O grau de impacto que uma espécie sofre com o aumento da temperatura no mundo depende principalmente da sua capacidade de tolerância a temperaturas mais elevadas que as de costume. Nesse caso, muitas espécies típicas de ambientes frios e intolerantes a altas temperaturas são bastante vulneráveis. Um bom exemplo dessa vulnerabilidade é o que acontece com espécies de montanhas. Com o aquecimento das regiões montanhosas, algumas espécies são forçadas a ocupar maiores altitudes, até chegarem ao topo e, consequentemente, à extinção, já que não haverá mais locais para migração. Além disso, as mudanças climáticas podem afetar a fenologia e fisiologia das espécies, alterando o funcionamento de comunidades e ecossistemas. O quadro gerado pela perda de biodiversidade, aliada muitas vezes à desertificação por influência das mudanças climáticas, acaba por levar à perda de serviços ambientais. Entre esses serviços está a produção de O2 e o controle das chuvas em um local. Alguns serviços ambientais já estão sendo grandemente afetados, de forma a prejudicar populações que dependem dos recursos naturais. Um bom exemplo é o uso de lenha por comunidades tradicionais. O alto uso desse recurso devido à falta de condições para adquirir GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) ou outro tipo de combustível para cocção de alimentos, já gerou crises energéticas em alguns países da África e Ásia. Essas crises podem ser potencializadas com a união do uso predatório e a perda de biodiversidade e geração de desertos ocasionados pelo aquecimento global. No semiárido brasileiro esse quadro já está bem avançado, e alguns locais onde desertos estão se formando, já sofrem com a falta de recursos madeireiros para fins energéticos. Outro problema potencializado pelo aquecimento global é a disseminação de organismos invasores. Organismos invasores se proliferam rapidamente num clima em mudança. Eles podem se adaptar de forma relativamente fácil às mudanças climáticas e tornar-se particularmente significantes em anos com climas extremos. Invernos mais suaves facilitam o crescimento e sobrevivência de alguns organismos invasores, além de aumentar seu grau de atividade e, em algumas ocasiões, permitir seu estabelecimento em novas localidades. Turismo – As mudanças climáticas podem afetar, não necessariamente o lucro geral obtido pelo setor, mas sim a escolha dos locais de visita. Alguns locais que dependem do turismo tornaram-se ou podem tornar-se excessivamente quentes, sendo desprivilegiados O aumento da temperaturaem outros locais, porém, pode fazer com que o clima fique agradável, sem demasiado calor. Isso acarreta então uma migração no fluxo de turistas, que leva algumas economias a crise, conduzindo a problemas sociais, e que, por outro lado, pode beneficiar outras regiões. Assim, as regiões que perdem com o aumento na temperatura global, ficando quentes demais seriam o Caribe, a maioria dos países tropicais e o Mediterrâneo, enquanto que a América do Norte, Australia, Japão, Europa Oriental e a antiga União Soviética seriam os locais beneficiados pelo aquecimento global do ponto de vista do turismo. Agricultura – Assim como no turismo, o impacto das mudanças climáticas na agricultura se dá no sentido de migração muito mais do que no sentido de extinção, já que enquanto alguns lugares podem ser prejudicados, outros podem se beneficiar com maior produtividade e facilidade de plantio de produtos antes incompatíveis com a temperatura local. Porém mesmo a migração pode trazer sérios problemas, já que o fato da produtividade de um produto agrícola diminuir em uma região pode levar a sérios problemas econômicos, dependendo da sua importância para a economia de um lugar. As mudanças climáticas podem prejudicar de forma substancial os pequenos produtores, já que a imprevisibilidade cada vez maior da temperatura e da precipitação intensifica as perdas de produção. Neste sentido, é preciso que estas comunidades, em conjunto com o poder público e com cientistas e extensionistas, desenvolvam mecanismos para antecipar e adapta-se às mudanças climáticas. Tais mecanismos vão desde mudanças estruturais (manutenção de vegetação ciliar, produção de cisternas etc.) até alterações no tipo de cultura ou época de plantio. Disseminação de doenças em populações humanas - As mudanças no clima podem contribuir para a disseminação de doenças, principalmente aquelas que possuem vetores e aquelas provocadas por organismos com reprodução na água. Além de elevar a distribuição de vetores existentes no local, o aumento da temperatura pode trazer novos vetores de fora, levando as populações a de deparar com riscos ainda maiores. Por exemplo, o aumento de temperatura no nordeste da Austrália traz, especialmente durante a estação seca, vetores de doenças infecciosas endêmicas da região, como a encefalite australiana, a poliartrite endêmica e um tipo de sarna. Ainda, aumentam no local as doenças ocasionadas por organismos de reprodução na água, como a giárdia e a shigella. Em relação aos novos vetores, a malária chegou em algumas regiões do país onde ela não estava presente. Algumas projeções no Brasil também sugerem que a malária poderá se espalhar pelo país com aumentos na temperatura nacional. O ingresso de novas doenças também repercute nas formas de tratamento das mesmas. Em sociedades cujos sistemas médicos são tradicionais, baseados na experimentação e transmissão de conhecimento sobre plantas e animais medicinais, o ingresso brusco de uma nova enfermidade pode levar tal sistema médico à crise, pelo menos até estas sociedades encontrarem alternativas médicas. Tais alternativas podem vir da experimentação ou negociação cultural com outros povos. Essa capacidade de resposta a mudanças caracteriza um sistema adaptativo. Impactos sociais e políticas públicas - As mudanças climáticas estão agindo de forma mais efetiva justamente naqueles locais onde é mais difícil lidar com os problemas gerados: os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, que ainda tem forte dependência dos recursos ambientais. Dessa forma, para não haja mais geração de miséria e para que haja um controle desses impactos na sociedade, é preciso maior efetividade de políticas públicas. Em relação às políticas públicas, em 1988, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Organização Meteorológica Mundial (OMM) criaram o Painel Intergovernamental sobre Mudanças no Clima (IPCC). A função do IPCC é sintetizar informações não apenas sobre a ciência da mudança do clima e seus possíveis efeitos, como também sobre as consequências socioeconômicas desse fenômeno e as estratégias para lidar com esse problema. As atividades do IPCC são realizadas por equipes internacionais, compostas por muitos dos maiores especialistas do mundo nos diversos assuntos relacionados à mudança no clima. Estes estudos dão importante suporte a tomada de decisões sobre assuntos relacionados às mudanças no clima. Em 1997 foi elaborado um protocolo chamado “Protocolo de Kyoto”, estabelecendo compromissos para os países industrializados de redução das emissões antrópicas combinadas de gases de efeito estufa, que devem, no período de 2008 a 2012, estar pelo menos 5% abaixo das emissões verificadas em 1990. O protocolo não estabeleceu compromissos adicionais para os países em desenvolvimento. Uma das principais inovações econômicas pós protocolo de Kyoto foi a venda de créditos de carbono. Tratam-se de certificados emitidos por pessoa física ou jurídica de que esta reduziu sua emissão de gases do efeito estufa. Desse modo, os países desenvolvidos passaram a comprar de outros países (especialmente dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos) estes créditos para poderem aumentar sua emissão destes gases. Assim, a compra de créditos de carbono no mercado é basicamente o pagamento por uma permissão para emitir gases do efeito estufa. Após o término da vigência do protocolo de Kyoto, outros acordos internacionais vêm sendo propostos para regular a emissão de gases do efeito estufa. O acordo de Paris foi assinado em 2015 e traz medidas de redução de gases do efeito estufa até 2020. Referências Berrittella, M.; Bigano, A.; Roson, R. & Tol, R.S.J. 2006. A general equilibrium analysis of climate change impacts on tourism. Tourism management 27: 913-924. Braaf, R.R. 1999. Improving impact assessment methods: climate change and the health of indigenous Australians. Global Environmental Change 9: 95-104. Dupas, G. 2007. O mito do progresso. Novos Estudos CEBRAP 77: 73-89. Klink, C. 2007. Quanto mais quente, melhor? Desafiando a sociedade civil a entender as mudanças climáticas. São Paulo/Brasília: Peirópolis/IEB. Primack, R.B.; Rodrigues, E. 2001. Biologia da conservação. Londrina: Ed. Planta. Peroni, N.; Hernández, M.I.M. 2011. Ecologia de populações e comunidades. Florianópolis: CCB/EAD/UFSC. Ricklefs, R.; Reyela, R. 2018. A economia da natureza. 7. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. Turner II, B.L. et al. 1990. Two types of global environmental change. Definitional and spatial- scale issues in their human dimensions. Global Environmental Change 1:14-22. Wirth et al. 2007. Increasing densities of leaf-cutting ants (Atta spp.) with proximity to the edge in a Brazilian Atlantic forest. Journal of Tropical Ecology 23: 501-505.
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